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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA

Letícia Ribeiro de Oliveira

VAMOS VIVER PARA SEMPRE? ANÁLISE DE ESTRATÉGIAS DO USO DA


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM RELAÇÃO AO LUTO

Santa Maria, RS, Brasil


2023
a. Dados de identificação do candidato(a): Letícia Ribeiro de Oliveira

b. Título: Vamos viver para sempre? Análise de Estratégias do Uso da Inteligência


Artificial Em Relação Ao Luto

c. Tema: Midiatização, Circulação, Plataformas, Inteligência Artificial e Luto

d. Linha de pesquisa: Mídia e Estratégias Comunicacionais

e. Professora Orientadora pretendida: Profª Dra. Viviane Borelli

f. Problema:

As mídias e suas estruturas fazem parte do cotidiano de maneira cada vez mais
profunda. No livro “A Construção Mediada da Realidade”, Nick Couldry e Andreas Hepp
(2020, p. 44) afirmam que a “comunicação, como uma prática de produção de sentidos, é o
cerne do modo como o mundo social é construído como algo significativo”. Os autores ainda
refletem como essas mudanças midiáticas implicam na construção da sociedade, já que não
vivemos mais em um mundo de encontros face a face e, sim, dependemos cada vez mais de
aparatos tecnológicos para experienciar os nossos sentidos em relação ao outro (Couldry; Hepp,
2020). Desse modo, podemos dizer que estamos vivendo uma intensificação de um formato de
mundo social entrelaçado ao mundo das mídias.
Este entrelaçamento com as mídias não é algo novo e “não é difícil perceber algumas
mudanças decisivas ao longo dos últimos 600 anos, e essas mudanças constituem o ponto de
partida para uma descrição transcultural da midiatização” (Couldry; Hepp, 2020, p. 59). É
importante pensar essas modificações dando ênfase aos meios inter-relacionados, e não focando
em apenas em um único meio, já que as tecnologias não funcionam de maneira isolada, e sim
conjuntos de suporte mútuos (Couldry; Hepp, 2020). Dessa maneira, é possível ter uma ideia,
por exemplo, de como as inovações tecnológicas influenciam nas múltiplas maneiras de
interpretar as transformações sociais e quanto essas mudanças, principalmente a longo prazo,
são relevantes.
Como forma de representar estas mudanças estruturais midiáticas ao longo dos
séculos, Couldry e Hepp (2020) usam como metáfora a palavra “onda” para denominar cada
período destas transformações decisivas no ambiente midiático, tencionando em como os
“surtos” de inovação tecnológica influenciaram (e ainda influenciam) a nossa sociedade de
modo geral. Os autores dividem estes períodos de transmutações em 4 ondas de midiatização:
1) a mecanização, 2) a eletrificação e 3) a digitalização (Couldry, Hepp, 2020). Por fim,
podemos dizer que estamos vivendo em um novo momento, em que há um desdobramento da
digitalização, criando então uma quarta onda, a dataficação (Hepp, 2019).
Para Hepp (2019, p.40), a dataficação é uma onda que pode ser definida como “a
representação da vida social através de dados computadorizados em dispositivos de mídia e
seus subjacentes software e infraestruturas1”. Ainda, é possível pensar esta onda, em relação a
sociedade midiática em que os novos meios de produção “produzem ostensivamente
conhecimento social por meio da automação que é necessariamente exterior aos processos
cotidianos de produção de sentidos” e que “são orientados por metas, comandadas por forças
econômicas” (Couldry, Hepp, 2020, p. 186).
Ainda no escopo do que concerne à dataficação, como exemplo de uma inovação
tecnológica presente neste período, podemos incluir a Inteligência Artificial (IA). Tendo em
vista que o tema está cada vez mais presente na vida cotidiana a partir, principalmente, por meio
do uso das plataformas, a IA é um assunto relevante para ser estudado atualmente, mesmo que
de acordo com Karczeski (2022, p. 12), conceituar o termo não seja fácil, pois a IA “consiste
na combinação de duas palavras, individualmente controversas”. Apesar de ter sido tema de
debates há muitos anos, foi partir de 2010 que, acompanhada de algoritmos e big data, a IA
protagonizou discussões mais aprofundadas sobre como, quando e onde deve ser utilizada,
tendo vista que adentrou a vida de muitas pessoas por meio de softwares e aplicativos.
No livro “Inteligência Artificial: Como os robôs estão mudando o mundo, a forma
como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos”, o autor Kai-Fu Lee (2019, p. 8)
afirma que o “futuro com a IA será criado por nós e refletirá as escolhas que fizermos e as ações
que tomarmos”. Porém, devemos ressaltar que apesar de Lee falar sobre o futuro, de fato, a IA
já se faz presente nas interações humanas, destacando-se principalmente as interações feitas via
redes sociais digitais, que influenciam fortemente a vida cotidiana atualmente. Essa influência
se dá via interação humana através dessas plataformas, mas também se faz importante ressaltar
que “os algoritmos sempre exercem um propósito que está ligado aos interesses daqueles que
detêm poder, ou sobre os meios de comunicação ou sobre a propriedade das redes sociais”
(Almeida, 2020, p. 173).
Portanto, podemos pensar a IA por meio da plataformização. De acordo com Helmond
(2019), o termo pode ser definido como a “extensão das plataformas de mídias sociais ao

1
Tradução nossa.
restante da web, bem como o movimento de tais plataformas para tornarem os dados da web,
que lhes são externos, prontos para configurarem plataformas”. Além disso, também podemos
refletir sobre como essas plataformas estão vinculadas a somente cinco empresas privadas
específicas: Alphabet-Google, Amazon, Apple, Microsoft e Meta, chamadas de “Big Five” (Van
Djick; Poell; De Wall, 2018, p. 14).
Apesar de ser um assunto difícil, se faz necessário falar sobre como essas questões (a
midiatização profunda, a IA e a plataformização) influenciam na forma como vivenciamos o
luto atualmente. Podemos ir para a Psicologia, mais especificamente, à Psicanálise Freudiana
para conceituar o luto: “de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma
abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém,
e assim por diante” (Freud et al., 1915, p. 249). Ainda sob a perspectiva de Sigmond Freud,
podemos caracterizar o luto “como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu
objeto, portanto, um fenômeno mental natural e constante no processo de desenvolvimento
humano” (Cavalcanti; Samczuk; Bomfim, 2013).
Para voltar ao Campo da Comunicação (Braga, 2011), neste projeto, relacionaremos o
luto com a midiatização. Para pensar no luto midiatizado e tentarmos nos aproximar da visão
contemporânea sobre este assunto, ou seja, tentar “compreender como é a manifestação do luto
e a prática comunicativa entre os usuários diante de uma tragédia” (Mueller, 2017). Porém, o
recorte escolhido para a temática será a visão do luto a partir do uso das plataformas, ou ainda,
como define Deuze (2013), vivemos em uma zumbificação midiática.
Como exemplo do recorte selecionado para este projeto — o luto e a midiatização —,
podemos citar uma prática já conhecida há alguns anos por usuários da Meta, grupo dono do
Facebook. Esta é uma das redes sociais mais acessadas no Brasil2 e, desde 20153, apresenta um
recurso para que quem utiliza a plataforma possa “deixar seu perfil de herança”, podendo assim,
continuar online e ser visto como um memorial póstumo.
Porém, com o avanço da IA, precisamos adentrar ainda mais para pensar o legado
póstumo nas mídias. Para ilustrar melhor o referido, podemos exemplicar com um caso atual.
Recemente, a cantora Elis Regina (Figura 1), “em razão de um comercial de televisão, foi
‘ressuscitada’ via IA, para contracenar com sua filha viva” (Figueira; Filho; Luca, 2023, p.
530).

2
“Ranking: as redes sociais mais usadas no Brasil e no mundo em 2023, com insights, ferramentas e materiais.”
Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/marketing/redes-sociais-mais-usadas-no-brasil/
3
“Facebook cria 'contato herdeiro' para que perfil vire 'memorial' após morte”. Disponível em:
https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/02/facebook-cria-contato-herdeiro-para-que-perfil-vire-memorial-
apos-morte.html
Figura 1: Captura de tela do comercial WV 70 anos | Gerações | WV Brasil

Fonte: Meio e Mensagem4

A Deep Fake, utilizada na publicidade de Elis Regina, é a tecnologia utilizada, a partir


de IA, para “criar vídeos de pessoas com base em imagens e vídeos antigos, produzindo-se
cenas inéditas” (Affonso, 2021, p. 221) e não somente de pessoas vivas, mas também
permitindo “o prolongamento do ineditismo da imagem das pessoas por meio da tecnologia,
mesmo após a morte” (Affonso, 2021, p. 270).
Portanto, mediante as discussões expostas até aqui, refletimos e chegamos ao problema
norteador deste projeto de pesquisa: como as estratégias midiáticas são usadas e adaptadas para
falar sobre o luto, por meio da IA, em um contexto de plataformas?

g. Objetivos:

g.a Objetivo geral: Analisar como as estratégias midiáticas são adaptadas e empregadas no
contexto do luto a partir do uso da Inteligência Artificial.

g.b Objetivos específicos:

1) Mapear o uso da Inteligência Artificial no contexto do luto no em vídeos da


plataforma YouTube.
2) Explorar as estratégias de mídias veiculadas em relação a Inteligência Artificial e
o luto.

4
“Elis e Volkswagen: como foi feito o comercial que mobilizou as redes sociais?”, publicada em 5 de julho de
2023. Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/comunicacao/elis-regina-volkswagen-comercial
3) Refletir sobre o limite do uso da Inteligência Artificial como estratégia midiática.

h. Justificativa

Apesar de não ser uma pauta — relativamente — nova, a IA se torna assunto à medida
em que os algoritmos evoluem, logo, as tecnologias ficam cada vez mais avançadas, sendo
capazes de fazer coisas que nem humanos conseguem ou até parecerem humanos (Affonso,
2021).
Após a pandemia de Covid-19, em que mais de 700.000 pessoas faleceram no Brasil5,
o estudo sobre a relação entre a IA e o luto se torna ainda mais importante, já que cada um dos
seres humanos que foram a óbito, nesse período, pertenciam a famílias de pessoas que
continuam vivas e que, “durante o período, as repercussões político-sociais da pandemia do
coronavírus também interferem no processo de elaboração do luto dos entes queridos das
vítimas” (Dias; Silva; Silva, 2021, p. 14). Ou seja, pensar em rever uma imagem inédita de um
ente querido nas redes sociais, por exemplo, já pode ser considerada uma realidade, mas será
que essas pessoas concordam com essa estratégia de mídia? Será que, de certo modo,
“ressuscitar” seres humanos a partir da IA é algo que será comum daqui a alguns anos?
Certamente, este projeto não tem como objetivo responder, necessariamente, essas
questões. Porém, a relevância desse trabalho se justifica pela pertinência do tema, tendo em
vista o contexto que vivenciamos atualmente, pós-pandemia e que o mundo ainda se adapta a
vida após esse acontecimento histórico.
Por isso, pensar sobre o luto, a IA e a midiatização se torna imprescindível para que
possamos, enquanto pesquisadores da área da Comunicação, refletir sobre os limites do uso da
IA nas mídias, principalmente quando se trata de pessoas que não estão mais vivas, já que esse
é um assunto delicado, ainda visto como um tabu (Morais; Ribeiro; Barbosa, 2015) e que
envolve muitas outras áreas, como o Direito, a Filosofia e a Psicologia, por exemplo.
Porém, atentando-se ao campo da Comunicação, este projeto irá focar na relação do
luto e da IA a partir das mídias, principalmente, a partir da plataformização (Van Djick; Poell;
De Waal, 2018) e, nesse caso em específico, a escolha da plataforma Youtube se dá por conta
da análise de comentários, a fim de observar como os atores sociais reagem a vídeos em que a
IA é utilizada no contexto do luto.

5
Dado disponível no portal Coronavírus Brasil. Acessado em 11 de novembro de 2023. Disponível em: <
https://covid.saude.gov.br/>
Em relação a linha de pesquisa escolhida, Mídia e Estratégias Comunicacionais, o
interesse deste estudo pode ser inserido sob a perspectiva de circulação de discursos, a partir
dos conteúdos analisados na plataforma selecionada e entender como esse tipo de estratégia de
comunicação é recebida, a partir dos comentários. Sendo assim, a temática da Midiatização, IA
e Luto tem relação direta com as estratégias comunicacionais, tendo em vista que a IA pode ser
considerada uma estratégia de comunicação quando pesamos sobre esse cenário.
Além disso, ter feito parte do Grupo de Pesquisa Comunicação Midiática e Estratégias
Comunicacionais também foi crucial para a escolha, tanto da temática deste projeto, como a
escolha da possível orientadora. Acreditamos que seja possível ver, neste trabalho, que as
leituras durante o semestre foram de extrema relevância, tendo em vista que muitos autores aqui
apresentados foram discutidos ou apresentados durante o semestre letivo.
Há também o valor sentimental que este trabalho representa, justificando a vontade de
fazê-lo, principalmente após vivenciar a pandemia de Covid-19, pois a relação com o luto,
principalmente após as inovações que as tecnologias geradas a partir da IA que adentraram o
nosso cotidiano. Tudo isso faz refletir sobre como essas vivências estão se modificando cada
vez mais profundamente e rapidamente no nosso cotidiano.
Por fim, destaca-se que o luto, em relação ao uso das IA nas mídias, é um assunto
relativamente novo, por isso, devemos procurar entender quais são as estratégias de circulação
de conteúdo, tentar trazer novas contribuições e refletir sobre as práticas já utilizadas nesse
meio. Portanto, enquanto pesquisadores da Comunicação, é nosso papel estudar sobre esses
avanços e como eles influenciam as nossas vidas, não só por intermédio das plataformas, mas
também como sociedade de um modo geral.

i. Quadro teórico de referência

O referencial teórico deste projeto tem como embasamento autores que estudam a
circulação da comunicação e a plataformização, além das três temáticas centrais previstas por
esse estudo: a midiatização, a inteligência artificial e o luto.
Em relação ao primeiro conceito apresentado, usaremos a definição apresentada por
Verón (2004), em que “a circulação, no que diz respeito à análise de discursos, só pode
materializar-se sob a forma, justamente, da diferença entre a produção e os efeitos de discurso”
(Verón, 2004, p. 53). O autor ainda enfatiza que
As condições da circulação são extremamente variáveis, segundo o tipo de suporte
material-tecnológico do discurso (trocas orais na conversação por comparação aos
discursos da mídia de massa, por exemplo) e também segundo a dimensão temporal
que se leva em consideração, podendo esta ser concebida como contínuo indo do
estudo sincrônico à diacronia do tempo da história (Verón, 2004, p. 53).

A partir dessas afirmações apresentadas por Verón (2004), é possível concluir que a
circulação está intrinsecamente conectada ao momento histórico em que vivemos, enquanto
sociedade. Já para Braga (2011), a circulação é como um fluxo comunicacional constante.
Na sociedade em midiatização, a interação se manifesta mais claramente como um
fluxo sempre adiante. Com a emissão de uma mensagem, seja televisual,
cinematográfica ou por processos informatizados em rede social, o “receptor”, após
apropriação de seu sentido (o que implica a incidência das mediações acionadas), pode
sempre repor no espaço social suas interpretações. Isso ocorrerá seja em
presencialidade (em conversações, justamente), seja por outras inserções midiatizadas
– cartas, redes sociais, vídeos, novas produções empresariais, blogs, observatórios,
etc. Os circuitos aí acionados – muito mais abrangentes, difusos, diferidos e
complexos – é que constituem o espaço das respostas “adiante” na interação social
(Braga, 2011, p. 68).

Ainda de acordo com Braga et al. (2017), devemos pensar que a circulação foi
potencializada pelo uso das redes, ou seja, os formatos de interação estão cada vez mais rápidos
e em volume maior, além de que pode se falar de muitos outros assuntos simultaneamente por
meio dos dispositivos interacionais. Dessa forma, podemos pensar na circulação em relação às
plataformas (Van Djick; Poell; De Waal, 2018).
Atualmente, é possível afirmar que estamos vivenciando uma plataformização da
sociedade (Van Djick; Poell; De Waal, 2018), pois as plataformas estão “infiltrando-se
gradualmente e convergindo com as instituições e práticas (offline, preexistentes) através das
quais as sociedades democráticas são organizadas6” (Van Djick; Poell; De Waal, 2018, p. 2). A
partir desse conceito, podemos refletir como sobre as plataformas influenciam nas nossas
interações, tendo em vista que grande parte delas são, hoje em dia, feitas com a mediação da
Internet (Van Djick; Poell; De Waal, 2018).
Já em relação a IA, podemos ir até o campo das Ciências da Computação para a definir:
“a IA como o estudo de agentes que recebem percepções do ambiente e executam ações”
(Stuart; Peter, 2013, p.6). Pensar sobre como esses agentes influenciam os agentes sociais em
seus campos enquanto espaço social (Bourdieu, 2010) se faz necessária enquanto pesquisadores
da comunicação. Por isso, neste trabalho, pensamos como a IA está associada à midiatização e
também como está relacionada os sentidos produzidos a partir do seu uso em produtos
comunicacionais.

6
Tradução nossa.
Para conceituarmos a midiatização, recorremos novamente a Couldry e Hepp (2020).
Segundo os autores, antes de falarmos sobre o termo em si, precisamos voltar a reflexão sobre
o conceito de comunicação que pode ser definido como “o conjunto de práticas com as quais
“damos sentido” ao nosso mundo, e construímos mecanismos (simples ou complexos) para
coordenar o nosso comportamento” (Couldry; Hepp, 2020, p. 30), logo essas práticas se tornam
essenciais para o a construção do mundo social. Sendo assim, a partir dessa afirmação, podemos
então perceber a midiatização como um “processo de transformação no modo como processos
sociais acontecem por meio das mídias e são conjuntamente articulados em padrões
organizacionais cada vez mais complexos” (Couldry; Hepp, 2020, p. 55, grifo dos autores).
Ao pensarmos sobre essas transformações, trazidas pela midiatização, podemos então
relacionar com a IA tendo em vista que este agente já está presente não só no cotidiano, mas
também nas mídias. E o recorte escolhido, a partir dessa junção de fatores, foi o luto digital
midiatizado a partir dos recursos cada vez mais modernos de algoritmos e softwares que
compõem a IA.
O luto é algo que a maioria das pessoas já vivenciaram e, como dito na justificativa
deste projeto, se tornou algo ainda mais presente na vida dos seres humanos durante e pós a
pandemia de Covid-19. Uma das formas de amenizar a dor que que a morte de um ente querido
pode ser por meio das redes sociais. “O mundo virtual acabou se transformando em uma
extensão da vida cotidiana do “mundo real”, e nesse processo de apropriação tecnológica, temas
como a morte também migraram para dentro do mundo online em busca de ressignificações”
(Mueller; Holthausen, 2013).
Para pensarmos sobre o conceito do luto, como já referenciado anteriormente,
utilizaremos Sigmund Freud (1915) que, apesar ser um autor comumente citado na psicologia,
acreditamos que por se tratar de uma área das Ciências Sociais Aplicadas, assim como a
Comunicação, será importante para o desenrolar desse tema.
Sendo assim, o quadro teórico de referência deste projeto visa entender como o luto
está sendo percebido por meio do avanço da IA conversando sobre circulação (Verón, 2004;
Braga, 2011; Braga et al., 2017), plataformização (Van Djick; Poell; De Waal, 2018),
midiatização (Couldry; Hepp, 2020), e pensar como as estratégicas comunicacionais estão
sendo adaptadas a essa nova onda de mídia e tecnologias, a dataficação (Couldry; Hepp, 2020).
j. Metodologia

Para este projeto, a metodologia escolhida é o estudo de caso (Becker, 1993; Yin,
2015). Apesar do termo originar-se na área da pesquisa médica e psicológica, em que se
acompanhava um caso individual para tentar entender a patologia e a dinâmica de uma doença,
adaptou-se para as Ciências Sociais a partir do estudo de uma organização ou de uma
comunidade, fazendo o uso “do método de observação participante em uma de suas muitas
variações, muitas vezes em ligações com outros métodos mais estruturados” (Becker, 1993, p.
118).
Um dos objetivos do estudo de caso é tentar desenvolver dissertações teóricas
generalistas sobre processos e suas estruturas sociais e, diferentemente de experimento feitos
em laboratórios, por exemplo, por se tratar de tentar compreender o comportamento de um certo
grupo, o método “tem que ser preparado para lidar com uma grande variedade de problemas
teóricos e descritivos” (Becker, 1993, p. 118). Dessa forma, o cientista social que realiza esse
tipo de metodologia precisa incorporar em seu trabalho os vários fenômenos observados durante
a pesquisa, ressaltando em seguida a relevância teórica dessas observações (Becker, 1993).
Pra Yin (2015), o “estudo de caso surge do desejo de entender fenômenos sociais
complexos” (Yin, 2015, p. 4) e que permite que os pesquisadores foquem em um caso, com o
princípio de reter uma visão de mundo holística, como no comportamento de pequenos grupos,
como é a ideia a ser estudada neste projeto, a partir de comentários de usuários da plataforma
YouTube. Ou seja, o objetivo da metodologia deste projeto não é acompanhar um grupo
específico in loco, mas sim observar e analisar este conteúdo a partir da perspectiva da
circulação (Verón, 2004), investigando “a complexidade das relações entre mídias e atores
diante da crescente multiplicidade de enunciadores na dinâmica social” (Borelli, 2020, p. 2).
Ainda sobre o estudo de caso, frisamos que é importante ressaltar que apesar da
metodologia ser utilizada amplamente nas Ciências Sociais, ela também pode ser usada por nós,
pesquisadores da Comunicação, principalmente, se levamos em consideração a afirmação de
Braga (2011), em que diz que o campo da Comunicação não é “dotado de um sistema positivista
de objeto/método nem de uma sedimentação consensual de referências teórico-metodológicas
enraizadas na tradição” (Braga, 2011, p. 3).

Já em relação a construção do corpus deste projeto, optamos por, incialmente analisar


três vídeos na plataforma YouTube:
1. VW 70 anos | Gerações | VW Brasil – Canal: Wolkswagen do Brasil7.
2. The Beatles – Now And Then (Official Music Video) – Canal: The Beatles8.
3. [소름 주의] AI가 부활시킨 故 김광석 목소리로 울려 퍼지는 <보고싶다♬
>ㅣ신년특집 세기의 대결 AI vs 인간(aivshuman)ㅣSBS ENTER. – Canal: SBS
Entertainment9.

Para este projeto, foram escolhidos estes três vídeos por conta da pluralidade, ou seja,
levamos em conta ter mais de um milhão de visualizações e mais de mil comentários, além de
ter um número expressivo de matérias jornalísticas sobre cada um, quando pesquisados no
Google. Também se levou em consideração a amostragem de cada vídeo ser de um continente
diferente: América, Europa e Ásia. Dessa forma, podemos dizer que haverá uma pluralidade
territorial na futura análise de mestrado.
O primeiro vídeo apresentado, “VW 70 anos | Gerações | VW Brasil”, contava com
mais de 33 milhões de visualizações, mais de 62 mil curtidas e 7.177 comentários 10 no vídeo
no canal oficial da Wolkswagen do Brasil, tendo sido publicado apenas quatro meses antes
dessa coleta.
Já o videoclipe “The Beatles – Now And Then (Official Music Video)” havia sido
publicado no dia 3 de novembro de 2023 e já somava quase 30 milhões de visualizações, mais
de um milhão de curtidas e 68.056 comentários11 no canal oficial da banda The Beatles.
Por fim, o último vídeo, “3. [소름 주의] AI가 부활시킨 故 김광석 목소리로 울려

퍼지는 <보고싶다♬>ㅣ신년특집 세기의 대결 AI vs 인간(aivshuman)ㅣSBS ENTER.”,

ou em tradução livre, [Cuidado com os arrepios] <Sinto sua falta♬>ㅣConfronto Especial de


Ano Novo do Século AI vs. Humano (aivshuman)ㅣSBS ENTER ressoando com a voz do
falecido Kim Kwang-seok, revivido pela IA.”, foi publicado em 29 de janeiro de 2021, pelo
canal SBS Entertainment. Dois anos após a publicação do material, o vídeo possuía pouco mais
de um milhão e setecentos mil visualizações, quatro mil curtidas e 1.798 comentários12.
Utilizaremos a plataforma YouTube Data Tools como método de extração de dados relevantes
para este estudo.

7
Disponível em: https://youtu.be/aMl54-kqphE?si=8kqFOWSqRTp_dSBP
8
Disponível em: https://youtu.be/Opxhh9Oh3rg?si=Ltmt1U83NcCEWssK
9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NxQSxM0OkkY&ab_channel=SBSEntertainment
10
Dados coletados em 15 de novembro de 2023 às 22:07.
11
Dados coletados dia 15 de novembro de 2023 às 22:33.
12
Dados coletados dia 15 de novembro de 2023 às 22:34.
Como é possível observar a partir dos vídeos apresentados acima, apenas um foi
publicado há mais de um ano. Sendo assim, partimos do pressuposto que, até o ano da confecção
de uma possível dissertação sobre a temática da IA em relação ao luto, ou ainda, em relação a
praticamente “ressureição dos mortos”, que surgirão outros materiais relevantes para serem
analisados.
k. Referências

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