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INTENSIVO I

Direito Penal
Cleber Masson
Aula 6

ROTEIRO DE AULA

Continuação

6.3.2. Princípio do domicílio:


De acordo com esse princípio, o autor do crime deve ser julgado pelo lei do país em que for
domiciliado, independentemente de sua nacionalidade (art. 7º, I, “d”).

Exemplo: se um italiano pratica crime de homicídio na Bulgária e é domiciliado no Brasil, ele deve ser
julgado pela lei brasileira.

Art. 7º, inc. I, “d”, do CP:


“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
(...)
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil.”

6.3.3. Princípio da defesa real ou da proteção


A lei brasileira é aplicada a crime cometido no estrangeiro que ofenda bem jurídico pertencente ao
Brasil independentemente da nacionalidade do agente e do local do delito.

Art. 7º, inc. I, “a”, “b” e “c”, do CP:

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“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo
Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço.”

6.3.4. Princípio da justiça universal


Este princípio também é chamado de “justiça cosmopolita”, “justiça da competência universal”,
“universalidade do direito de punir”, “princípio da jurisdição ou repressão mundial”.

Este princípio se relaciona à cooperação penal internacional: a punição do crime interessa a todas as
nações e pouco importa a nacionalidade do agente ou o local do delito.

Art. 7º, inc. II, “a”, do CP:


“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”

Exemplo: tráfico de pessoas que se inicia na África, passando pela Noruega, Argentina e se finda no
Brasil. Neste caso, o agente se sujeita à lei brasileira.

6.3.5. Princípio da representação


Este princípio também é chamado de “princípio da bandeira”, “princípio subsidiário” , “princípio da
substituição” ou “princípio do pavilhão” (art. 7º, II, “c”, CP).

Art. 7º, inc. II, “c”, do CP:


“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
II - os crimes:
(...)
c) praticados em aeronaves e embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando
em território estrangeiro e aí não sejam julgados.”

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Exemplo: crime cometido a bordo da companhia aérea Azul nos EUA em que o agente retorna para o
Brasil - nesse caso, aplica-se a lei brasileira.

Atenção: Se a embarcação ou aeronave é pública ou privada, neste último caso desde que esteja a
serviço do governo brasileiro, aplica-se o princípio da territorialidade por se considerar como território
braileiro por extensão.

7. Extraterritorialidade
7.1.Introdução
A extraterritorialidade é a aplicação da lei brasileira ao crime cometido no estrangeiro.

A intraterriorialidade é a aplicação da lei estrangeira ao crime cometido no Brasil.


Exemplo: se um diplomata italiano comete crime no Brasil ele responde pela lei italiana.

7.2. Extraterritorialidade incondicionada


A extraterritorialidade incondicionada não depende de nenhuma condição legal.

As hipóteses de extraterritorialidade incondicionada estão previstas no art. 7º, I do CP (princípio da


defesa real ou proteção):

Art. 7º, inc. I, do CP


“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de
Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo
Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil”.

Art. 7º, § 1º, do CP: “Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro”.

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Obs: Não há bis in idem na previsão do art. 7º, §1º do CP porque ele protege a soberania do Brasil e
eventual pena cumprida no extrangeiro é atenuada da pena a ser cumprida no Brasil

7.3. Extraterritorialidade condicionada


Art. 7º, inc. II, do CP: “Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
(...)
II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (princípio da justiça universal)
b) praticados por brasileiro; (princípio da personalidade ativa)
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada,
quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados”. (princípio da bandeira)

Art. 7º, § 3º, do CP:


“§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do
Brasil (princípio da personalidade passiva), se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.”

8. Eficácia da sentença estrangeira


A sentença estrangeira é um ato representativo da soberania de outro país. Portanto, ela produz
efeitos no Brasil e pode ser executada no país.

CP, art. 9º: “A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas
consequências, pode ser homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;
II - sujeitá-lo a medida de segurança.”

A sentença condenatória transitada em julgado no extrangeiro gera reincidência no Brasil.

Para cumprir as finalidades previstas no artigo 9º do CP a sentença estrangeira depende de


homologação. Contudo, para fins de reincidência basta a prova de sua existência.

Obs.: Desde o advento da emenda 45/2004, a competência para homologação de sentença


estrangeira é do STJ. Antes da emenda constitucional, a homologação era de competência do STF.

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Súmula 420 do STF: “Não se homologa sentença proferida no estrangeiro sem prova do trânsito em
julgado”.

O art. 515, VIII, CPC considera a sentença estrangeira homologada pelo STJ como título executivo
judicial (dispensa a interposição de ação de conhecimento).

CPC, art. 515, VIII: “São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os
artigos previstos neste Título:
(...)
VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.”

9. Contagem de prazo
CP, Art. 10: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos
pelo calendário comum”.

- 1ª parte: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.”


Exemplo 01: o agente é condenado a um ano de prisão e é preso em 20/09/22 às 23h50min - ainda
que falte apenas dez minutos para o dia acabar, ele cumpre um dia de pena e o dia 20/09 entrará na
contagem da prescrição. Nesse caso, o término do cumprimento da pena ocorre em 19/09/2023.

CPP, art. 798, § 1º: “Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do
vencimento”.

No CPP a contagem do prazo é ao contrário da previsão do CP: exclui-se o dia do começo e inclui-se o
dia do final, beneficiando o direito de defesa do réu.

Exemplo: se o réu é intimado na sexta-feira de carnaval o prazo de apresentação de defesa se inicia


na quarta-feira de cinzas ou na quinta-feira se o fórum funcionar .

Súmula 310 do STF: “Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de
intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver
expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir.”

- 2ª parte: “Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.”

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- O calendário comum também é chamado de calendário gregoriano - o dia é o intervalo entre a meia-
noite do dia anterior até a meia-noite do dia seguinte; os meses são calculados pelo número
correspondente a cada um deles, pouco importando o número de dias.

Exemplo: a pena de um mês que se inicia em 20/02 termina em 19/03 do ano seguinte.

Exemplo 02: a pena de um mês que se inicia em 20/12 termina em 19/01 do ano seguinte.

Nos exemplos acima, o agente do exemplo 01 cumpriu menos dias de penas quando comparado ao
agente do exemplo 02 e isso gera alguns inconvenientes na prática. Contudo, essa é a forma utilizada
para a contagem dos prazos.

10. Frações não computáveis da pena


CP, art. 11: “Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações
de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro”. (real)

Exemplo 01: pena de 40 dias com aumento de 1/3. A pena seria de 13 dias e algumas horas - essas
horas não são computadas.

Exemplo 02: na pena de multa de R$ 240,38 o réu paga apenas R$ 240,00.

11. Legislação especial


CP, art. 12: “As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta
não dispuser de modo diverso”.

O art. 12 do Código Penal consagra o princípio da convivência das esferas autônomas.

A Parte Geral do Código Penal se aplica a toda legislação penal, exceto quando a legislação especial
possui regra em sentido diverso.

Assim, se a legislação especial é omissa, aplica-se a regra geral do Código Penal. Contudo, se a lei
especial possui regra expressa, ela é aplicada.

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12. Lei Penal em Branco
12.1. Conceito
A norma penal em branco também é chamada de norma penal “cega” ou “aberta”.

Toda norma penal incriminadora apresenta um preceito primário e um preceito secundário.

- Preceito primário: é a definição da conduta criminosa.


Exemplo: art. 121 do CP: “matar alguém”.

- Preceito secundário: é a pena cominada.


Exemplo: “reclusão de 6 a 20 anos”.

Na norma penal em branco o preceito secundário é completo, ou seja, a pena foi devidamente
cominada pelo legislador mas o preceito primário precisa de complementação.

O autor Franz Von Liszt afirmava que as normas penais em branco são como “corpos errantes em
busca de alma”. Isso significa que a norma penal em branco, fisicamente, existe. Entretanto, como o
preceito primário é incompleto e falta aplicabilidade para seus efeitos concretos sejam atingidos.

12.2. Espécies
a) Homogênea ou lato sensu:
É aquela cujo complemento tem a mesma natureza jurídica da norma a ser complementada (a lei
penal é complementada por outra lei).

A fonte de produção da lei penal é a União e, em regra, o complemento também é criado pela União.
Contudo, é possível que ele seja criado por legislação estadual e municipal de forma excepcional.

Exemplo: complementação criada por Estados e Municípios em relação ao art. 268 do CP no período
da pandemia - no julgamento da ADI 3641 o Plenário do STF entendeu pela possibilidade (Inf. 973).

CP, Art. 268: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação
de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

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Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou
exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.”

- A lei penal em branco homogênea pode ser:


a.1) Homovitelina: é aquela em que a norma penal e o seu complemento estão contidos no mesmo
diploma legislativo.

Exemplo: art. 304 do CP – crime de uso de documento falso.

CP, art. 304: “Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297
a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.”

Neste caso, o art. 304 do Código Penal é complementado por outra norma do próprio Código Penal.

a.2) heterovitelina: é aquela em que a norma penal e o seu complemento estão contidos em diplomas
legislativos diversos.

Exemplo: crime de apropriação de tesouro.

CP, art. 169, parágrafo único, inc. I: “quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou
em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio”.

O conceito de tesouro está previsto no Código Civil. Neste caso, uma norma penal é complementada
por uma norma civil.

b) Heterogênea, stricto sensu ou fragmentária


Neste caso, a norma penal é complementada por um ato administrativo, ou seja, o complemento tem
natureza jurídica diversa da norma penal a ser complementada.

Exemplo: decreto, portaria, resolução etc.

Atenção: A lei penal em branco heterogênea não viola o princípio da reserva legal pois o conteúdo
mínimo da conduta criminosa está descrito na lei e o ato administrativo é mera complementação.

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Exemplo 01: crimes do Estatuto do Desarmamento - as armas de fogo de uso permitido e proibido são
estabelecidas em decretos da Presidência da República.

Exemplo 02: tráfico de drogas.

Art. 33, caput, da Lei 11.343/2006: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir,
vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

A relação de drogas proibidas é estabelecida pela Portaria 344/1998 da ANVISA.

c) Ao avesso ou inversa
Na norma penal em branco ao avesso ou inversa, o preceito primário é completo, mas o preceito
secundário depende de complementação - ela traz o crime e não trata da pena.

Exemplo: crime de genocídio.

Obs: O crime genocídio pode ter a matança coletiva, mas existe genocídio sem morte alguma.

O genocídio não é crime contra a vida, mesmo quando envolve a morte dolosa de pessoas. Ele é um
crime contra a diversidade humana. Assim, é de competência da justiça comum (estadual ou federal)
e não do Tribunal do Júri.

Obs.: O Tribunal do Júri tem competência para julgar crimes dolosos contra a vida, consumados e
tentados, e os crimes conexos.

Art. 1º da Lei 2.889/1956: “Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; (exemplo: quebrar as
pernas de índios que vivem da caça e da pesca)
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição
física total ou parcial; (exemplo: recente discussão dos índios desnutridos na Floresta Amazônia)

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d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (exemplo: realizar castração
nos membros de uma tribo).
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a;
Com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b;
Com as penas do art. 270, no caso da letra c;
Com as penas do art. 125, no caso da letra d;
Com as penas do art. 148, no caso da letra e;”

Atenção: Na norma penal em branco ao avesso, o complemento obrigatoriamente deve ser outra lei,
em respeito ao princípio da reserva legal (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”).

d) De fundo constitucional
A norma penal em branco de fundo constitucional é aquela complementada por um dispositivo da
Constituição Federal.

Exemplo: art. 121, § 2º, VII, do CP - crime de homicídio cometido contra integrante dos órgãos de
Segurança Pública.

Art. 121, § 2º, VII, do CP:


“Art. 121 - Matar alguém:
§ 2° Se o homicídio é cometido:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do
sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência
dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição.”

O art. 121, §2º, VII do CP é complementado pelo art. 142 e pelo art. 144 da Constituição Federal.

e) Ao quadrado
A norma penal em branco ao quadrado é aquela cujo complemento depende de complementação.

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Exemplo: art. 38 da Lei 9.605/1998.
Art. 38 da Lei 9.605/1998: “Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente,
mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção”.

A floresta de preservação permanente é conceituada no Código Florestal:

Art. 6º da Lei 12.651/2012: “Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas


de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras
formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades.”

Neste exemplo, uma norma da lei de crimes ambientais é complementada pelo Código Florestal e
este, por sua vez, é complementado por um ato do chefe do Poder Executivo.

TEMA: LEI PENAL


1. Lei Penal no Tempo
1.1. Introdução
Deve ser analisada qual a lei penal estava em vigor quando o fato foi praticado.

1.2. Conflito de leis penais no tempo: Direito Penal intertemporal


O conflito de leis penais no tempo ocorre quando uma nova lei penal entra em vigor e revoga a
anterior. Trata-se de sucessão de leis penais no tempo.

O Direito Penal intertemporal é o conjunto de regras e princípios que solucionam o conflito de leis
penais no tempo.

- Regra geral: tempus regit actum (o tempo rege o ato) - aplica-se a lei penal que estava em vigor na
data em que o fato foi praticado.

- Exceções: retroatividade e ultratividade da lei penal benéfica.

1.3. Lei penal benéfica: retroatividade e ultratividade


- Retroatividade: é a aplicação da lei penal benéfica a fatos passados, ou seja, fatos praticados antes
da sua entrada em vigor.

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- Ultratividade: a lei penal benéfica é aplicada mesmo depois de revogada se o fato foi praticado
enquanto ela estava em vigor.

1.3.1. Espécies: abolitio criminis e novatio legis in mellius


Há retroatividade da lei penal benéfica em duas hipóteses: abolitio criminis e novatio legis in mellius.

a) Abolitio criminis
Na abolitio criminis a nova lei torna atípico o fato até então considerado criminoso.

CP, art. 2º, caput: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

● A abolitio criminis tem natureza jurídica de causa extintiva da punibilidade (art. 107, III, CP), ou seja,
ela exclui a tipicidade do fato.

Exemplo: “A” é condenado pelo crime de furto de um Corsa. Se uma lei mais benéfica deixa de
considerar o futuro como crime, “A” terá que ser solto se ainda estiver cumprindo pena (execução) e
deixará de ser reincidente (efeitos penais).

● A lei mais benéfica cessa os efeitos penais da condenação Contudo os efeitos extrapenais subsistem.

No exemplo acima, “A” continua sendo obrigado a reparar o dano.

● A abolitio criminis pode ser permanente ou temporária.


- Abolitio criminis permanente: o crime deixa de existir;

- Abolitio criminis temporária: com a entrada em vigor do estatuto do desarmamento, ocorreu a


abolitio criminis temporária - ao entrar em vigor, a lei estabeleceu um prazo para que as pessoas que
possuíssem arma de fogo pudessem entregá-la à autoridade competente.
● A caracterização da abolitio criminis depende de dois requisitos:
- Revogação formal do tipo penal;

- Supressão material do fato criminoso.

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Exemplo 01: o art. 240 do CP foi revogado e houve a supressão material do fato criminoso – o crime
de adultério deixou de ter relevância para o Direito Penal com a revogação do art. 240 do CP.

Exemplo 02: o crime de atentado violento ao pudor foi revogado pela Lei 12.015/2009 (art. 214, CP).
Contudo, o que era atentado violento ao pudor, atualmente, caracteriza crime de estupro ( art. 213,
CP).

No segundo exemplo houve um deslocamento geográfico da conduta criminosa crime - não há abolitio
criminis. Nesse caso, há apenas a manifestação do princípio da continuidade normativa ou
continuidade típico-normativa: foi realizada a revogação formal do tipo penal mas não a supressão
material do fato criminoso.

b) Novatio legis in mellius


A novatio legis in mellius, também chamada de lex mitior, é a nova lei que, de qualquer modo,
favorece o agente. O fato continua sendo crime, mas a situação do réu é, de qualquer modo,
favorecida.

Obs.: A expressão “de qualquer modo” deve ser interpretada da maneira mais ampla possível
(exemplos: diminuir a pena, excluir uma qualificadora, criar uma atenuante ou benefício, melhorar o
regime prisional etc.).

Existem duas posições em relação a postura do magistrado em caso de dúvida acerca de qual lei é
mais favorável:
- 1ª posição: o juiz deve ouvir o réu (por meio de sua defesa técnica - posição adotada pela Defensoria
Pública);

- 2ª posição: a dúvida deve ser sanada pelo próprio juiz - posição adotada pela Magistratura.

CP, art. 2º, parágrafo único: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”

1.3.2. Lei penal benéfica e vacatio legis

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Existem duas posições acerca da possibilidade de aplicação da lei penal benéfica em período de
vacatio legis, ou seja, quando ela ainda não entrou em vigor.

- 1ª posição: é possível a aplicação lei penal benéfica em período de vacatio legis (Rogério Grecco);

- 2ª posição: a lei penal benéfica em período de vacatio legis não pode ser aplicada porque não possui
eficácia e não produz efeitos para prejudicar ou favorecer o réu (posição adotada pelo professor
Cleber Masson).

Exemplo: Código Penal aprovado e sancionado pelo Presidente da República que possuía período de
vacatio legis, foi prorrogado por oito anos e nunca entrou em vigor.

1.4. Pontos comuns à abolitio criminis e à novatio legis in mellius


A aplicação da lei penal benéfica depende do momento em que se encontra a persecução penal.

1) 1º instância (investigação preliminar ou ação penal): nesse caso, a lei penal benéfica é aplicada pelo
juiz de 1ª instância.
Exemplo: se a ação penal tramita na 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, a lei penal benéfica é aplicada
pelo juízo da 3ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.

2) A ação penal que tramita em tribunal (recurso ou crime de competência originária): nesse caso, a
lei é aplicada pelo respectivo tribunal.

3) A condenação já transitou em julgado: o juízo da execução aplica a lei benéfica independentemente


da origem da condenação.

Súmula 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções
a aplicação de lei mais benigna.”

Observações:
- A retroatividade é automática, isto é, independe de cláusula expressa. Assim, a lei benéfica não
precisa se declarar retroativa por ser mais benéfica do que a anterior.

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- O trânsito em julgado da condenação não impede a retroatividade benéfica. Assim, a retroatividade
é possível quando existe uma pena a ser cumprida. Contudo, ela não se aplica em caso de pena já
cumprida - salvo nos casos de rescisão da reincidência e de maus antecedentes.

A coisa julgada e a retroatividade benéfica são direitos fundamentais que favorecem o réu. Assim, a
coisa julgada deve ser respeitada quando uma situação nova possa prejudicar o réu - se a lei nova o
favorece, a coisa julgada não impede a retroatividade.

1.5. Novatio legis incriminadora (neocriminalização) e novatio legis in pejus


A novatio legis incriminadora é também chamada de neocriminalização. Trata-se de nova lei que cria
um crime que até então não existia.

A novatio legis in pejus, também chamada de lex gravior, é a nova lei que, de qualquer modo, prejudica
o réu - (exemplo: a nova lei cria uma qualificadora ou causa de aumento de pena, exclui causa de
diminuição de pena ou uma figura privilegiada etc.)

- A novatio legis incriminadora e a novatio legis in pejus se aplicam a fatos futuros (princípio da
anterioridade).

1.6. Lei penal intermediária


A lei penal intermediária depende do conflito de, pelo menos, três leis no tempo.

Exemplo: o crime foi praticado na vigência da lei “A”, a lei “B” entra em vigor e a sentença é proferida
na “C” - neste caso, a lei “B, chamada de lei intermediária, é a mais favorável ao réu.

No RE nº 418.876, o STF entendeu ser possível a aplicação da lei intermediária porque ela é dotada de
retroatividade e ultratividade, ou seja, ela se aplica a fatos praticados antes de sua entrada em vigor
e é aplicada mesmo após ser revogada.

1.7. Combinação de leis penais (Lex Tertia)


A lex tertia é uma terceira lei híbrida.

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A lei “A” (lei antiga) é revogada pela lei “B” (lei nova). Se parte da lei antiga e parte da lei nova
favorecem o réu, o juiz pode utilizar parte da lei nova e parte da lei antiga?

- 1ª posição: defendida por Nelson Hungria - não se admite a combinação de leis penais sob o
fundamento de que a combinação viola o princípio constitucional da separação dos Poderes (art. 2º
da CRFB/88), vez que, nesse caso, o juiz estaria exercendo a função de legislador (teoria da ponderação
unitária ou global).

- 2ª posição: defendida por José Frederico Marques (teoria da ponderação diferenciada) - é possível a
combinação de leis penais porque o juiz apenas transita dentro de limites previamente definidos pelo
legislador.

A antiga Lei de Tóxicos (Lei 6.368/76) trazia o crime de tráfico de drogas em seu art. 12, com pena de
reclusão de 3 a 15 anos. Com sua revogação pela Lei 11.343/2006, o tráfico de drogas passou a ser
previsto no art. 33, caput, com pena de reclusão de 5 a 15 anos e o art. 33, §4 possibilita a redução
de ⅙ a ⅔ da pena se o agente é primário, possui bons antecedentes, não se dedica a ações criminosas
e não integra organizações criminosas.

Diante desse cenário, a Defensoria Pública passou a defender a tese de que deveria ser aplicada a
pena da lei antiga (reclusão de 3 a 15 anos) com a causa de diminuição da lei nova. O caso chegou ao
STJ e STF e, atualmente, resta firmado o entendimento de não ser possível a combinação das leis.

O STJ sumulou a matéria (Súmula nº 501) e o Plenário do STF decidiu a questão no julgamento do RE
nº 600.817 (Informativo nº 727).

Súmula 501 do STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da
incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação
da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.”

Obs.: O professor ressalta que a redação da Súmula 501 do STJ dá a impressão de que somente é
vedada a combinação de leis em relação ao crime de tráfico de drogas. Porém, a combinação de leis
é vedada em todo o Direito Penal.

O Código Penal não trata da matéria e o art. 2º, § 2º, do CPM trata expressamente do tema:

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Art. 2º, § 2º, do CPM: “Para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser
consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato”.

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