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PECADO, DOENÇA OU DEMÔNIO, NA PERSPECTIVA DE 1 SAMUEL 16.

14-23

Eli da Rocha Silva1

RESUMO

O presente artigo tem a proposta de pensarmos a respeito do pecado, da doença e


da ação demoníaca, a partir de uma abordagem bíblico-psicanalítica (se é que a
exegese permite esse viés), sempre tendo como base textos e vivências de algum
personagem bíblico; e neste trabalho examinaremos o texto de 1 Samuel 16.14-23.
Podemos pensar no pecado como sendo a desgraça. O pecado como desgraça é o
mau personificado que leva o indivíduo a pecar (Gn 4.7). O pecado é a fera relatada
em Gênesis. Deus conversando com Caim disse: “O pecado espreita à tua porta e
deseja destruir-te; cabe a ti vencê-lo (BKJA). O pecado como desgraça é o grude que
tenta nos manter presos a ele: “Livremo-nos de todo o peso e do pecado que tão
firmemente se apega a nós” (Hb 12.1); o pecado, como disse Jesus, quer nos
escravizar e manter senhorio sobre nós: “Todo o que comete pecado e escravo do
pecado” (Jo 8.34). François Turretini (1623-1687), que foi um pastor reformado em
Genebra escreveu em sua apologética: “Pecado: doença moral da alma”. Portanto, o
pecado por si só já é uma doença.
Palavras-chaves: Pecado, Doença, Demônio, Perdão, Cuidado

1
O autor é bacharel em Teologia pelo Sebteo-Seminário Batista de Teologia, com revalidação pela Faculdade
Unida de Vitória-ES; Pós-graduado em Aconselhamento pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, Pós-
graduado em Psicanálise pela Faculdade Futura – SP, Pós-graduado em Psicologia Existencial, Humanista e
Fenomenológica pela Faveni – Faculdade Venda Nova do Imigrante – MG., Bacharel em Ciências Contábeis –
Unicsul-SP. Pastor Batista OPBB/SP. E-mail: elirochasilva1957@hotmail.com
1
ABSTRACT

This article proposes to think about sin, sickness, and demonic action from a biblical-
psychoanalytical approach (if exegesis allows it), always based on the texts and
experiences of some biblical character; and in this work we will examine the text of 1
Samuel 16:14-23.
We can think about sin as misfortune. Sin as a misfortune is the personified evil that
leads the individual to sin (Gen 4.7). Sin is the beast reported in Genesis. God talking
to Cain said, "Sin lurks at your door and desires to destroy you; it is up to you to
overcome it (BKJA). Sin as a disgrace is the yoke that tries to keep us bound to it: "Let
us get rid of every weight and of the sin that clings to us so tightly" (Heb. 12.1); sin, as
Jesus said, wants to enslave us and keep lordship over us: "Everyone who commits
sin is a slave to sin" (John 8.34). François Turretini (1623-1687), who was a Reformed
pastor in Geneva wrote in his apologetics: "Sin: moral sickness of the soul. Therefore,
sin in itself is already a disease.

Keywords: Sin, Sickness, Demon, Forgiveness, Care

INTRODUÇÃO

Neste artigo temos como proposta analisar o texto de 1 Samuel 16.14-23,


buscando uma relação de desintegração do caráter de Saul a partir do seu estado de
desobediência a Deus, sendo que esse estado de desobediência o levou ao total
afastamento daquele que o havia comissionado para tão importante função no reino
de Israel.
Primeiro vamos conceituar os termos que são principais neste artigo: pecado,
doença e demônio.
1. Pecado:
Langston, ao falar a respeito do pecado, o descreve da seguinte forma:

2
“Pecado, no sentido mais lato do termo, é um mau da alma ou da
personalidade. Por causa deste estado mau o homem desobedece às leis de
Deus. 2
A exposição de Crabtree sobre o tema:
“Há um grupo de palavras que descrevem o pecado como sendo o desvio do
caminho reto. O verbo hata’, como os três substantivos da mesma raiz, é o
termo mais conhecido deste grupo, e tem o sentido radical de errar o alvo. A
palavra ‘avon, iniquidade, culpa, deriva-se da raiz ‘ava, que também significa
errar o caminho. O termo é usado no sentido de torcer, perverter, desviar,
ficar culpado de perversidade. Sempre indica a natureza perversa do
homem”3
2. Doença: é um mal-estar que afeta nosso organismo, que pode ser passageiro ou
tornar-se crônico a ponto de levar alguém a óbito. O Pequeno Dicionário
Enciclopédico Koogan Larousse traz o seguinte: s.f. Alteração na saúde, no
equilíbrio dos seres vivos; moléstia: doença epidêmica.4
O que Crabtree diz a respeito da junção desses dois fatores: pecado e doença.
Ele escreveu:
“Segundo a literatura sacerdotal, principalmente Levítico, Números e
Crônicas, todo o sofrimento, incluindo os males físicos, cai sobre o homem por
causa dos seus pecados.
É possível que esta posição extremista fosse influenciada pelos
cananeus e fenícios no período primitivo da história de Israel, mas é a
tendência de qualquer sistema sacerdotal”5
3. Demônio: “Como os anjos, os demônios são reais (...) eles falam (...) possuem
inteligência (...) são seres individuais imortais (...) moralmente pervertidos”.6
Acrescentamos aqui três influências que denotam a atividade dos demônios,
conforme nos traz Sturz: “A influência que os demônios podem exercer sobre as
pessoas é muitas vezes expressa em termos de tentação, opressão e possessão”7

2
LANGSTON, A. B., Esboço de Teologia Sistemática, Rio de Janeiro: JUERP, 1999, p.150
3
CRABTREE, A. R., Teologia do Velho Testamento, Rio de Janeiro/Juerp, 1977 p.154,156
4
Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse, Rio de Janeiro, Editora Larousse do Brasil, 1979, p.284
5
CRABTREE, A. R., Teologia do Velho Testamento, Rio de Janeiro/Juerp, 1977 p.173
6
STURZ Richard J., Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2012, p.235
7
Ibid p.373
3
4. É importante, para entendermos melhor o assunto em questão, colocarmos aqui o
texto hebraico originário, e de alguma forma, trazer alguma luz sobre a palavra ‘da

parte do Senhor’. Vejamos: ‫יהוה‬ ‫מאת‬ ‫רוח־רעה‬

yehôvâh me'êth râ‛âh rûach

Jeová da parte de mal espírito

A discussão tem girado em torno da palavra ´êth, pois o seu sentido é ‘da parte
de’, como aparece em Gn. 4.1, quando Eva diz: “alcancei do Senhor”, no sentido de
‘da parte do Senhor. Podemos ainda ver como o DITAT traduz o texto de Gn 4.1:
“Adquiri um varão ‘da parte’ (´et-) do Senhor”. 8

Vamos usar ainda o Dicionário Bíblico Hebraico - Português de Luis Alonso


Schökel para o vocábulo ‫מאת‬: Significa o lugar/pessoa de procedência: de, desde, a
partir de, da parte de, por disposição de. c) Da parte de, enviado por, disposto por.
Introduz o agente 1Sm 16, 14, 2Sm 15,3 e 2Rs 6,33.9

1. Breve Contexto Histórico de Israel antes da Monarquia.

1.1. Israel até a monarquia vivia sob a égide do regime de governo teocrático,
conforme observamos a seguir:
Podemos considerar o modelo teocrático desde a criação, mas de modo
organizado, já a partir de Abrão que foi o gérmen da nação, Israel (Gn 12ss).
Já a partir desse instante podemos notar vislumbres da Teocracia que
permearia toda a história da nação. Depois da morte de Moisés, a nação
hebraica não tinha um governo central forte. Tratava-se de uma confederação
de doze tribos independentes, destituídas de qualquer elemento de unificação,
a não ser o próprio Deus. A forma de governo nos dias dos juízes (libertadores)
era aquela que se chama “teocracia”, ou seja, considerava-se que o próprio
Deus era o governante direto (Manual Bíblico de Halley).

8
Dicionário Internacional de teologia do Antigo Testamento/R. Laird Harris organizador; tradução Márcio
Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto, São Paulo: Vida Nova, 1998, p.140
9
Dicionário bíblico hebraico-português / Luis Alonso Schôkel, tradução de Ivo Storniolo, José Bortolini – São
Paulo:Paulus, 1997, p.84
4
1.2. Israel pensou e exigiu, a partir da liderança de Samuel, que a nação tivesse
os mesmos direitos, ou a mesma direção das nações vizinhas que usam o
governo monárquico. Mas de acordo com o desdobramento do governo que
se inicia com Saul, na verdade podemos considerar que o governo era
monárquico-teocrática, pois além da figura do rei, existiam as figuras religiosas
que faziam a ponte do regime monárquico e o teocrático. Podemos observar
que a própria escolha dos reis, em determinado período era feita pelo próprio
Deus, conforme 1 Sm 9.17 (Saul) e 16.12 (Davi).
1.3. Saul foi escolhido para ser rei em Israel. Tudo caminhou bem enquanto Saul
esteve bem; e tudo deixou de estar bem quando ele desobedeceu (1 Sm 13.8-
14). A partir daí Saul traçou para si uma trajetória de desobediência, levando-
o a consequências desastrosas em sua vida, com fatídico final (1 Sm 16.14-
16).

2. Saul, e as consequências de sua desobediência.

2.1. No caso de Saul podemos afirmar que ele transitou do pecado para a
possessão, e por último, caso grave de doença mental? Podemos afirmar com
algum grau de certeza que Saul, a princípio teve uma relação do pecado de
desobediência em suas ações, que passa por uma influência demoníaca e depois
transforma-se em transtorno mental, resultando como tragédia o seu suicídio.
Temos na trajetória de Saul como rei uma passagem intrigante, e muitas vezes
de difícil compreensão no mundo evangélico. Teria Deus enviado um demônio
para atormentar a Saul? Os textos de 1 Samuel 16.14, 18.10 são bastante claros
a esse respeito; assim, não há razão de duvidarmos que isso possa ter ocorrido.
Autores como John MacArthur e outros anuem ao texto como sendo uma influência
maligna sobre Saul. Mas temos uma autora que parece discordar, quando
escreveu no seu comentário: “Embora aqui se deva ler ‘maligno’ no sentido de
‘arruinador’, a frase continua sendo difícil para o leitor moderno, que a considera
incompatível com a bondade de Deus”.10 É possível que a autora esteja se

10
BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel, introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova, 1996, p.137
5
colocando como uma leitora moderna que tem dificuldade em aceitar o texto como
apresentado na maioria das traduções.
O teólogo R. N. Champlin, em sua obra O Antigo Testamento Interpretado
Versículo por Versículo, também traz uma nota a respeito do caso de Saul, após a
retirada do seu controle pelo Espírito Santo:
“Mas sua desintegração progressiva, um fracasso acrescentado a
outro, verteu seu bom curso. Então um mau espírito (sob o controle de Yahweh,
a causa de todas as coisas) anulou todo o bem que havia nele, substituindo-o
pelo mal. Josefo apresentou Saul como possuído pelo demônio, por meio de
quem, em certa ocasião, quase foi sufocado e estrangulado. Ele foi distraído
em seus conselhos, perdeu a coragem e a grandeza mental, tornou-se fraco e
tolo, temeroso e medroso, cheio de inveja, suspeita, ira e desespero (Antq. 1.6,
cap. 8, sec.2).11

Nos comentários Christian Classics Reproductions temos o seguinte


comentário a respeito do problema que envolve Saul nas suas três dimensões:
pecado da desobediência, espírito maligno e doença:
“Aqui aparece um fato impressionante no caso de Saul (1 Sm 16.14), a
saber, que não só o Espírito do Senhor se afastou dele, mas um espírito
maligno da parte do Senhor o perturbou, "perturbou" no sentido da distorção
das atividades normais da sua mente - um estado anormal das suas faculdades
- devido ao terrível poder do ciúme e ao domínio de influências malignas sobre
a sua alma. Psicologicamente consideradas, há realmente três questões: - (a.)
O que era exatamente esse estado mental - essa terrível condição da alma? -
(b) Havia alguma agência espiritual de fora de si mesmo envolvida em sua
produção, e se sim, qual? - (c) Em que sentido esse espírito maligno era "do
Senhor?" - (a.) Um fato vital no caso de Saul é que ele era apóstata de Deus
e, portanto, inevitavelmente miserável. Ele tinha estado muito perto de Deus, e
sabia muito dele para estar em repouso num estado de apostasia.
Conscientemente incapaz de reinar; sabendo muito bem que Deus o havia
abandonado; afastado de toda a esperança em Deus, e assombrado com "uma
certa expectação temerosa do juízo", como poderia ele ser outra coisa senão
melancólico, ansioso, miserável? - (b.) O próximo fato relativo ao estado de tal
mente é que ela apresenta um campo muito agradável para a ação de Satanás.
Ele gosta de atormentar tais almas, e nunca perde a oportunidade. Suas
sugestões são naturalmente secundadas e nem mesmo fracamente resistidas

11
CHAMPLIN R.N, O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, São Paulo:Hagnos, 2001, v.2,
p.1181
6
pela ação normal de uma alma humana perdida para Deus e entregue ao poder
do mal. - (c.) Resta apenas dizer que não há necessidade de outra agência de
Deus além da permissiva. Satanás nunca precisa ser enviado em tal missão; é
apenas necessário que o Senhor permita que ele vá. Tal permissão é uma
caraterística daquela terrível retribuição que Deus deve enviar sobre as almas
apóstatas. Tendo elas escolhido o pecado e a rebelião em vez da obediência,
e, consequentemente, o mal em vez do bem”12

2.2. É interessante notarmos no comentário acima, que o articulista faz


distinção entre ‘enviado da parte de Deus’ e ‘agência permissiva de Deus’. Em
relação ao v. 14 de 1 Sm 16, são muitas as opiniões para se tentar entender como
Deus teria enviado ou não um espírito maligno para desestabilizar Saul. Vejamos
algumas considerações:
Na Holman KJV STUDY BIBLE temos o seguinte comentário (traduzido pelo
articulista):
“A dificuldade teológica da expressão espírito maligno da parte do
Senhor pode ser resolvida em uma ou duas maneiras. Deus pode ter
pretendido que o espírito maligno como redentivo, designando o retorno de
Saul ao arrependimento. Ou Deus pode ter pretendido espírito maligno como
Seu instrumento de julgamento pela rebelião do rei. Deus é completamente
justo, odeia o mal, e nunca faz alguma coisa injusta, já ele pode usar de
demônios (...) para realizar Seus bons propósitos”13;

Na Bíblia de Estudo do Discípulo temos um comentário bastante assertivo


quanto à possibilidade de Deus agir como entenda que deva agir:
“Deus usou o espírito mau punir um membro desobediente e infiel do
seu povo. Fala de espírito maligno da parte de Deus não diminui a
responsabilidade humana pelo pecado nem coloca a culpa moral em Deus. O
espírito do mal foi visto na depressão, no ciúme, na violência e nas ameaças
irracionais de Saul. Mesmo um espírito maligno permanece sob o controle de
Deus”14

2.3. Saul já não dominava suas faculdades mentais. Hoje, possivelmente Saul
seria diagnosticado como esquizofrênico ou com transtorno bipolar. O triste é que

12
COWLES, Henry. Coleção de Comentários: 15 Volumes, Comentário de 1 Samuel a Jó por John Trapp. 6317p
- Edição do Kindle.
13
Holman KJV Study Bible, Nashville, Tennessee – EUA – p.497
14
Bíblia de Estudo do Discípulo, Santo André – SP: Geográfica Editora, 2010, p.385
7
Saul foi caminhando de pecado em pecado até culminar com o seu suicídio (1 Sm
31.4-6), embora ele já estivesse ferido gravemente (v.3).
Reforçando o que dissemos no parágrafo anterior, cito novamente a autora
Joyce G. Baldwin:
“No caso do rei Saul, é importante observar que os sinais de doença mental
só começaram a aparecer depois do confronto com Samuel sobre a questão
da obediência à ordem divina. Isso indica que sua enfermidade devia-se à sua
rebelião contra Deus (...) ele sofria de crises intermitentes de perturbação
mental, para qual o ‘tratamento’ conhecido era evidentemente a música. É
interessante notar que ainda hoje a música é uma forma reconhecida de
terapia, frequentemente prescrita para reverter estados de perturbação
mental”.15
Muito próximo ao que disse Joyce G. Baldwin no parágrafo anterior temos o
comentário de W. T. Purkiser: “O fato de que o espírito do mal fosse da parte do
Senhor, somente significava que Deus permitiu o ataque de poderes malignos que
resultaram em alguma coisa muito parecida com insanidade”.16

Tim Chester, como a maioria dos comentaristas consultados tem dificuldade de


atribuir diretamente a Deus a ação de um demônio. Assim ele escreveu:
“Provavelmente não se trata aqui de um espírito demoníaco, mas de um
espírito (talvez um anjo de juízo) que traz infelicidade. Saul torna-se
emocionalmente inconstante e, ao longo da história, vai ficando cada vez mais
paranoico.17

Cito Robert B. Chisholm Jr., que faz uma abordagem bastante parecida com
Tim Chester. Vejamos:

“O fato de o Espírito do Senhor partir indica que Saul não é mais o rei escolhido
pelo Senhor e que não desfrutará a capacitação do Senhor na batalha. A
chegada do ‘espírito maligno’ indica que Saul é, agora, objeto de juízo divino e
inimigo de Deus. O termo ‘maligno’ provavelmente não descreve o caráter
essencial do espírito, mas, sim, sua missão de juízo. A palavra hebraica
traduzida como ‘maligno’ pode referir-se a um desastre ou uma calamidade

15
Ibid p.138
16
PURKISER, W. T., no Comentário Bíblico Beacon, CPAD, Rio de Janeiro – RJ, 2015, v.2, p208.
17
CHESTER, Tim, 1 Samuel para você, São Paulo: Vida Nova, 2019, p.121
8
enviada por Deus como castigo. Nesse caso, o espírito é enviado para solapar
a eficácia de Saul como líder e evidenciar sua rejeição pelo Senhor”. 18

Myer Pearlman cita o Dr. Torrey, que fez interessante observação a respeito
desse caso envolvendo Saul: “Se fizermos o uso devido da tristeza que o Senhor nos
envia, ela nos levará a Deus e à alegria do Espírito. Saul usou-a mal. Em vez de
permitir que a inquietação de seu coração lhe trouxesse o arrependimento, permitiu
que lhe amargurasse a alma contra aquele que Deus tinha favorecido. O enviar o
espírito foi um ato de misericórdia de Deus. Do mau uso desse ato de misericórdia
resultou a ruína de Saul”19

Paul R. House, em sua Teologia do Antigo Testamento destaca: “Agora Davi


recebe o espírito de Deus para governar, ao passo que Saul perde sua unção especial
para liderar (16.14). Essa nova condição de não-eleito inclui Saul suportar um espírito
castigador da parte de Yahweh, espírito este que substitui a presença abençoadora
do passado” 20

3. Saul, e o seu estado de esquizofrenia21 espiritual.

3.1 Caso entendemos, a partir da percepção dos servos de Saul, que ele estava
possuído ou tomado por um espírito mau vindo do Senhor, eles entendem e sugerem
que o rei deveria ser acalmado com algo, que hoje, chamamos de musicoterapia.

Parece surgir aqui no verso 15 de 1 Samuel, uma questão que podemos


afirmar, que o autor do livro aceitou as informações dos servos de Saul, para afirmar
no verso 14 o que aconteceu com o rei.

Na verdade, sabemos que o rei acatou a proposta do rei e mandou que


trouxessem até ele o filho de Jessé, chamado Davi (vv. 19,21), conforme relato do
texto bíblico em análise.

18
CHISHOLM JR., Robert B, 1 & 2 Samuel, São Paulo: Vida Nova, 2017, p.112
19
PEARLMAN, Myer, Através da Bíblia Livro por livro, São Paulo:VIDA, 1988 p54,56
20
HOUSE, Paul H., Teologia do Antigo Testamento, São Paulo:VIDA, 2005, p301
21
Esquizofrenia: grupo de distúrbios mentais que, basicamente, demonstrem dissociação e discordância das
funções psíquicas, perda de unidade da personalidade, ruptura de contato com a realidade. Mini Aurélio, Editora
Nova Fronteira, 2001, Rio de Janeiro – RJ, p291
9
Wiersbe corrobora essa percepção dos servos de Saul, ao escrever: “Os servos
de Saul sabiam que havia algo de muito errado com seu senhor e atribuíram
corretamente os ataques do rei à influência de um espírito maligno”.22 Deus havia
permitido que esse espírito perturbasse Saul. Wiersbe lança uma nova perspectiva
sobre o caso, quando diz que “Deus havia permitido”.

Nos diz o texto sagrado, que “Assim, sempre que o espírito maligno enviado
por Deus afligia Saul, Davi tocava a harpa. Saul se sentia melhor, e o espírito se
retirava dele” (v.23 NVT). Matthew Henry escreveu em seu comentário a respeito
desse encontro musical de Saul e Davi:

“A música de Davi era extraordinária, e foi benéfica a ele também para que
obtivesse reputação na corte, como alguém que tinha o Senhor com ele. Deus
tornou seu desempenho musical mais bem-sucedido, nesse caso, do que teria
em outros”.23

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo, baseado no texto de 1 Samuel 16.14-23, não tem como proposta


resolver todas as questões que envolvem o mesmo, haja vista que há muita
divergência entre os estudiosos sobre o que o texto de fato quis dizer. Assim, o teólogo
e o exegeta têm a função de abrir o próprio texto para que seja discutido, analisado e
dissecado dentro das ferramentas de estudo que estão à disposição.
O que aconteceu com Saul acaba sendo sui generis, porque encontramos
pouquíssimas ocorrências, ou quase nulas, em outros textos bíblicos. Vemos em Saul
um rei que é aclamado, se perde no caminho, é rejeitado por Deus, entra num
processo de deterioração emocional, e por fim, diante de tantos males que lhe são
acometidos, acaba por tirar a sua própria vida, fechando assim um ciclo de desatinos.
Na história da humanidade não é impossível que se encontre muitos outros
casos como o de Saul, porque é sabido e notório que homem afastou em larga escala
do Criador, deixando-se levar por sua própria natureza corrompida.

22
WIERSBE, Warren W., Comentário Bíblico Expositivo Históricos, Santo André-SP: GEOGRÁFICA, 2019,
p245
23
MATTHEW, Henry, Comentário Bíblico Antigo Testamento Josué a Ester, Rio de Janeiro:CPAD, 2010, p287
10
REFERÊNCIAS

LANGSTON, A. B., Esboço de Teologia Sistemática, Rio de Janeiro: JUERP, 1999,


312p

HOUAISS, Antonio - Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse, Rio de


Janeiro, Editora Larousse do Brasil, 1979, 1644p

CRABTREE, A. R., Teologia do Velho Testamento, Rio de Janeiro/Juerp, 1977 310p.

STURZ Richard J., Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2012, 815p

BALDWIN, Joyce G. I e II Samuel, introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova,


1996, 336p.

CHESTER, Tim, 1 Samuel para você, São Paulo: Vida Nova, 2019, 240p

PEARLMAN, Myer, Através da Bíblia Livro por livro, São Paulo:VIDA, 1988, 348p

CHISHOLM JR., Robert B, 1 & 2 Samuel, São Paulo: Vida Nova, 2017, 352p

CHAMPLIN R.N, O Antigo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, São


Paulo:Hagnos, 2001, v.2, 1460p.

PURKISER, W. T., no Comentário Bíblico Beacon, CPAD, Rio de Janeiro – RJ,


2015,
v.2, 574p.

COWLES, Henry. Coleção de Comentários: 15 Volumes, Comentario de 1 Samuel a


Jó por John Trapp. 6317p - Edição do Kindle.

Bíblia de Estudo NAA, Sociedade Bíblica do Brasil, Barueri – SP, 2018 p.492

11
Holman KJV Study Bible, Nashville, Tennessee – EUA – 2238p.

Bíblia de Estudo do Discípulo, Santo André – SP: Geográfica Editora, 2010, 1929p.

Dicionário Internacional de teologia do Antigo Testamento/R. Laird Harris


organizador; tradução Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos
Osvaldo C. Pinto, São Paulo: Vida Nova, 1998, p.140

Dicionário bíblico hebraico-português / Luis Alonso Schôkel, tradução de Ivo


Storniolo, José Bortolini – São Paulo:Paulus, 1997, 798p.

Revista da Bíblia, Imprensa Bíblica Brasileira, Artigo de Gildásio Souza, Ano VI, nº
22, 2T2001, 32p

MATTHEW, Henry, Comentário Bíblico Antigo Testamento Josué a Ester, Rio de


Janeiro:CPAD, 2010, 869p

HOUSE, Paul H., Teologia do Antigo Testamento, São Paulo:VIDA, 2005, 759p

WIERSBE, Warren W., Comentário Bíblico Expositivo Históricos, Santo André-SP:


GEOGRÁFICA, 2019, 735p

Mini Aurélio, Editora Nova Fronteira, 2001, Rio de Janeiro – RJ, 790p

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