A “Ronda noturna” de Rembrandt é uma das obras primas do barroco protestante. Nela, estão retratados guardas civis holandeses. Em primeiro plano estão o capitão e o tenente e, dispostos atrás e ao redor, o restante do grupo. Além disso, existem “coadjuvantes”: uma menina à esquerda iluminada de forma a parecer dourada, angelical e preciosa; um cachorro latindo; um homem tocando tambor; algumas figuras de costas ou que aparecem parcialmente. O capitão está falando com o tenente e parece lhe dar ordens, enquanto o grupo se organiza para executá-las preparando suas armas de fogo, empunhando lanças, hasteando bandeiras e orientando uns aos outros; suas vestes pretas lhe conferem aspecto austero e rico, além do contraste com a gola branca iluminar e atrair os olhos a seu rosto, assim como o punho da camisa e a iluminação da mão estendida fazem com que esta pareça estar saindo do quadro. Os homens ao redor estão dispostos de forma dinâmica na tela, com linhas de força concorrentes e organização em geral não- harmônica; eles parecem absortos nas próprias tarefas ou em pequenos grupos, se ocupando de seus ofícios (vemos um homem preparando a arma, outro soprando-a, homens empunhando lanças em direções difusas como a organizá-las). Todos eles estão em movimento, dando à obra (junto à composição), um aspecto dinâmico e muito parecido com uma cena real. Apesar do título atribuído posteriormente e da iluminação teatral, a cena não é noturna. O grupo retratado é a guarda civil de Amsterdã, mais especificamente de mosqueteiros. No século XVII na Holanda esses grupos eram compostos, em geral, por burgueses ricos e sua função era, basicamente, policiar a cidade e os portões e manter a ordem geral. Esses grupos tinham uma sede onde se reuniam e um local onde praticavam com a arma característica do grupo, e essa obra em específico foi encomendada para estar na sede, junto com mais 5 retratos do grupo executados por diferentes artistas. Esses retratos que adornavam a sede tinham como objetivo não apenas guardar a memória desses homens mas também serviam como símbolos de poder e influência. Existem símbolos pelo quadro que compõe tais objetivos, como a placa no portão onde está escrito o nome dos presentes na pintura, e a menina à esquerda, que é uma personificação da guarda. A pintura apresenta elementos tipicamente barrocos mas também características específicas do movimento na Holanda. Como características gerais identificamos o forte contraste entre claro e escuro, com predominância do último; a iluminação estratégica, teatral e narrativa, que guia o olhar de forma a “passear” pela cena (percebe-se que a cena é iluminada como se houvesse um holofote no canto superior esquerdo); o tenebrismo, com as figuras que parecem emergir da escuridão; a composição complexa. Ao mesmo tempo, a diferenciamos como holandesa por se tratar de um retrato de burgueses (coisa atípica nos países católicos) e pela gestualidade menos dramática e teatral característica de Rembrandt. 2. Fragonard, O balanço (1767) Nesta icônica obra de Fragonard vemos três figuras principais: uma jovem no balanço como figura central, com seu vestido rosa pomposo atraindo de primeira o olhar e evidenciando sua origem nobre e rica; um rapaz também ricamente vestido está recostado nos arbustos do canto inferior esquerdo, como se escondido, a olhar arrebatado a moça balançando e o que o movimento revela sob a roupa; um homem mais velho empurra a jovem no balanço, ocupando uma área menos iluminada do quadro e aparentemente ignorante da presença do rapaz a admirar. Esses três estão inseridos em um jardim de vegetação abundante e exuberante, cuja atmosfera parece de sonho e leveza dadas as cores pálidas e a presença de uma sutil névoa que permeia a cena. Além disso, existem duas esculturas, uma à esquerda de uma figura angelical fazendo gesto de silêncio e outra abaixo da jovem, que retrata personagens também angelicais (provavelmente em referência a cupidos) se abraçando e observando a cena. O movimento da moça é divertido e sugestivo ao mesmo tempo, estando sua perna levantada revelando os pés e as meias e até parte da coxa, além do sapato ter sido lançado graciosamente do pé; suas mãos seguram suavemente nas cordas e seu semblante é divertido e despreocupado. Ao examinarmos mais de perto, percebe-se que o rapaz está deitado em um canteiro com uma pequena cerca, ou seja, ele se posiciona em lugar proibido. A cena retrata, portanto, um casal de amantes e um suposto marido mais velho. Os dois jovens se deliciam em revelações bastante eróticas para o período enquanto o marido ali se diverte com a esposa sem ter conhecimento do amante e do que se passa com sua esposa. Os semblantes de alegria e prazer exaltam o amor jovem e secreto. A paisagem e as esculturas são colocadas como cúmplices dos amantes, acolhedoras ao amor proibido e ao prazer, e iluminada onde o hedonismo se encontra (no rapaz, na moça, nas folhagens exuberantes das árvores). Esse tema é bastante típico do movimento Rococó, o contraponto leve e descontraído da densidade teatral Barroca, que surge na corte francesa e valoriza a arte palaciana e temas mundanos. A representação do prazer, da juventude, da diversão, do erotismo e da paisagem idílica são características fundamentalmente Rococós, assim como a exaltação da vida hedonista de corte dos nobres franceses e a busca por uma atmosfera agradável e suave. A forma de representar também é característica, com as cores claras, a iluminação bem mais suave do que a Barroca e a forma minuciosa com a qual os elementos mais decorativos são pintados (as roupas pomposas e detalhadas, a vegetação abundante, as flores e as esculturas). Além disso, temos também as formas e linhas de ação orgânicas e fluidas que garantem leveza à obra. “O balanço”, portanto, é representativo do Rococó e sintetiza em uma tela os valores desse movimento que serve de passagem entre dois outros conturbados: a fervorosidade barroca e a sobriedade demandada posteriormente pela Revolução Francesa. 3. Jacque Louis David, O juramento dos horácios (1784) Nessa obra de David, vemos um grupo de pessoas vestidas como romanos inseridos em um espaço arquitetônico também aos moldes antigos. À esquerda, três homens, vestidos para batalha, erguem os braços em saudação formando um movimento ascendente; a postura altiva das figuras, com linhas de força verticais e bem marcadas, reforçam a sobriedade e coragem dos homens; seus rostos estão virados para a frente e focados nas espadas. Ao meio, há um homem mais velho, que segura as espadas e ergue os braços; chama atenção o tecido vermelho forte de sua roupa, e também a barba e cabelos grisalhos que sugerem sua idade mais avançada, sabedoria, autoridade. À direita, está um grupo de mulheres e crianças, apoiando-se uns aos outros, com posturas caídas e feições tristes e cansadas; suas roupas são predominantemente em tons de azul e cinza, e as linhas de força que os orienta são bem mais orgânicas e vão em direção ao chão. O espaço no qual estão inseridos remete às construções romanas antigas, com arcos e colunas; a composição é construída de forma a encaixar cada grupo dentro de um arco, e a narrativa parece ser toda construída em grupos de três: dentro de três arcos estão três grupos compostos por três irmãos, um homem segurando três espadas e três mulheres com crianças. A perspectiva usada no quadro é linear e tem o ponto de fuga bem marcado nas espadas; essa construção é evidenciada pelas linhas no chão. A cena representada por David faz parte da história antiga de Roma, quando a cidade entrou em guerra com Alba e decidiram não mandar exércitos mas sim três irmãos de cada cidade para lutar. Quem saísse vivo seria vitorioso por sua cidade. Roma escolhe os Horácios e Alba os Curiácios. Os irmãos à esquerda são, portanto, os Horácios jurando perante o pai lutar até a morte por Roma. As mulheres à direita e à frente são diretamente afetadas por tal batalha, pois uma é da família Curiácea e casada com um dos Horácios e a outra uma dos Horácio casada com um Curiáceo. Dessa forma, as famílias serão afetadas independente do resultado da batalha mas mesmo assim colocam Roma acima de sua vida pessoal. A forma com que o pintor retrata a cena claramente evidencia os irmãos e o pai, enobrecendo o juramento de vida pela glória e poder de Roma. Primeiramente, eles são ⅔ de todo o quadro; em segundo lugar, percebemos que na parte superior da composição aparecem os braços erguidos, os rostos dos homens, as espadas, e são excluídas desse espaço as mulheres que lamentam, sendo subjugadas à parte inferior como menos valorosas; finalmente, a postura deles também reforça essa hierarquia, uma vez que as mulheres estão mais prostradas, inertes, de olhos fechados e eles estão ativos, eretos, erguidos e focados. Vemos, portanto, a valorização extrema dos princípios de sacrifício, luta, sobriedade e patriotismo, tudo isso está alinhado com o movimento Neoclássico e a insurgente Revolução Francesa. David era um revolucionário, e pintou em “O juramento dos Horácios” tudo aquilo que estava em voga, quebrando com a estética hedonista e luxuosa do Rococó e indo de encontro aos valores da própria nobreza. Em questões plásticas a obra também está inserida no Neoclássico, com a perspectiva linear, a geometrização das formas e composições, o estilo de pintura que torna a cena “impressa” na tela, sem marcas evidentes de pinceladas, a estética romana. O estilo sóbrio que começa a ser valorizado no fim do século XVIII tem aqui, portanto, um grande expoente.
4. Michelangelo, Pietà (1498-1499)
O conjunto escultórico da “Pietà” é formado por duas figuras: a Virgem e Jesus, morto. Ele está posicionado deitado no colo da mãe, cuja mão direita está estendida ao espectador, como se apresentando o filho aos fiéis como sacrifício e ao mesmo tempo buscando ainda entender. Maria está sentada e aparenta apoiar uma perna em um local mais alto de forma a sustentar o corpo do filho; seu semblante é gracioso e imaculado, e o corpo apresenta uma distorção entre a parte do tronco e o quadril e pernas, estando os últimos bem maiores do que o normal, e fazem Jesus parecer menor. Ele está com o braço segurado pela mãe colado no corpo e as pernas soltas. Tudo é esculpido em mármore de forma a aparentar muito natural, tanto pele e corpo quanto tecidos. A composição geral da escultura é piramidal, aspecto garantido pelo aumento da parte inferior do corpo de Maria e a diminuição do corpo de Cristo. Além disso, a linha de força descendente criada pelo braço pendente de Cristo sugere sua falta de vida. A cena trata-se de Maria segurando Jesus após sua crucificação, morte e retirada da cruz porém ainda antes de ir ao túmulo. A idealização se faz presente, pois ainda que os corpos estejam esculpidos de forma a parecerem muito fiéis à realidade, não aparentam ser pessoas que passaram por enormes sofrimentos. Pelo contrário, Jesus parece estar dormindo e Maria o observando silenciosamente, com seu rosto liso e proporcional representando sua sagrada pureza e quase a aceitação da morte do seu filho como plano divino. Ela não encosta no corpo diretamente visto que sua mão é forrada por um pano, simbolizando o quão sagrado é Jesus. A Pietà de Michelangelo é uma obra representativa do renascimento, e foi a que o alçou à fama. Encomendada por um cardeal, a escultura apresenta elementos típicos do resgate clássico do Renascimento italiano, como a atenção à anatomia e à forma humana, as feições plácidas -e de certa forma genéricas- muito semelhantes a estátuas gregas clássicas, a composição piramidal (também apreciada por Leonardo da Vinci), porém tudo isso inserido em uma temática católica. A forma exemplar com que os tecidos e os músculos são esculpidos, além da graciosidade que passam mesmo sendo esculpidos em pedra, revela a maestria com que Michelangelo trabalhava com o material e que o tornou um dos mais importantes artistas do movimento e impressionou o público na Pietà.