na aproximação entre a literatura e a história. Quando publicou a recriação literária da guerra de Canudos, em 1902, fazia somente cinco anos que o sangrento conflito tinha acabado. EUCLIDES DA CUNHA: NARRADOR DA GUERRA DO FIM DO MUNDO
Euclides foi para a Bahia a fim de cobrir a
Guerra de Canudos para o jornal O Estado de São Paulo. Para tanto, baseou-se nos diários, anotações esparsas e desenhos que havia colecionado nos quase três meses de cobertura da luta; Os Sertões foi estruturado como um romance épico. Os Sertões: “a bíblia da nacionalidade brasileira”
A obra apresenta características de texto
literário porque capta, em suas descrições, a sinceridade da alma simples e leal do sertanejo, pronto a seguir um líder e a morrer combatendo a seu lado; →Tratado científico = analisa as características do solo do sertão nordestino; → Investigação socioantropológica = preocupa em caracterizar minuciosamente o sertanejo, ou explicar a gênese de Antônio Conselheiro como um líder messiânico; → Matéria jornalística = registra em detalhes as lutas entre as tropas oficiais e os revoltosos; → Visão determinista = ligada ao Naturalismo e à visão do ser humano como produto do meio em que vive; → Romance regionalista = dá um tratamento regional ao determinismo, antecipando, em cerca de três décadas, marcas da prosa e ficção da segunda geração modernista: o romance regionalista (O Romance de 30), que será desenvolvido por Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, entre outros. A ESTRUTURA DO LIVRO →A TERRA (primeira parte): apresentação detalhada das características do sertão nordestino, com informações sobre o clima, a composição do solo, o relevo e a vegetação. A ESTRUTURA DO LIVRO → O HOMEM (segunda parte): retrato do sertanejo, em que o texto procura demonstrar o impacto do meio sobre as pessoas. O destaque fica para a apresentação de Antônio Conselheiro e sua transformação em líder messiânico. A ESTRUTURA DO LIVRO → A LUTA (terceira parte): narração dos embates entre as tropas oficiais e os seguidores de Conselheiro. O livro termina com a descrição da queda do Arraial de Canudos e a destruição de todas as casas erguidas no local. Casa de pau a pique. Morada típica do Arraial de Canudos, s.d. LINGUAGEM: O BARROCO CIENTÍFICO
O uso da linguagem define o estilo de
Euclides da cunha de modo muito particular entre os pré-modernistas. O emprego constante de expressões que sugerem um conflito interior que não pode ser solucionado fez com que os críticos reconhecessem a marca barroca do seu texto. III – O SERTANEJO O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules- Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicências que lhe dá um caráter de humildade deprimente. [...] Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. Nada é mais surpreendendor do que vê-la desaparecer de improviso. [...] Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Impertiga-se [...] e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias. [...] CUNHA, Euclides da. Os sertões. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. v. 2, p. 179- 180. (Fragmento). Raquitismo: definhamento físico Neurastênicos: que sofrem de doença mental Desempeno: porte esbelto Impertiga-se: (variante de “empertigar-se”) = apruma-se, comporta-se de modo altivo, orgulhoso. Tabaréu: caipira (regionalismo usado no fim do século XIX). Canhestro: desajeitado Titã: na mitologia, cada um dos gigantes que quiseram escalar o céu para derrubar do poder Júpiter. A metáfora “titã acobreado”: embora a aparência sugira fraqueza e cansaço, o sertanejo é um “titã acobreado”, que surpreende nas situações de emergência. A associação entre Hércules (herói da mitologia grega, homem de força extraordinária, admirado) e Quasimodo (ser disforme, monstruoso, amedrontador) é um exemplo da busca por imagens que sintetizem o que é dito. Para elaborar essas imagens, o narrador usa frequentemente características contraditórias, destacando o conflito percebido no espaço inclemente do sertão, na vida sofrida dos sertanejos, na resistência dos conselheiristas. Por essa razão, existem vários exemplos de paradoxos e antíteses no texto: paraíso tenebroso, tumulto de ruídos, sol escuro, construtores de ruínas, etc. OBS.: Destaca-se na construção da linguagem a busca da precisão científica e o desejo de garantir um realismo absoluto ao que é narrado. É a convivência de todas essas características que torna impossível definir Os sertões com um romance. Vista parcial de Canudos ao nascente e ao sul. Foto de 1897.