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Universidade Católica de Moçambique

Instituto de Educação à Distância

A Revista Certeza e o Neo-realismo Cabo-verdiano

Tonito Alexandre, Código: 708208599

Licenciatura em ensino de Português


Disciplina: Literatura. A.L. Portuguesa I
Tutor: Isidoro Mendes Momade
3º Ano
Turma: E

Nampula, Maio, 2022


Folha para recomendações de melhoria:A ser preenchida pelo tutor

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Índice
Introdução...................................................................................................................................3

Conhecendo Cabo verde.............................................................................................................4

A Revista Certeza e o Neo-realismo Cabo-verdiano..................................................................5

Geração da Certeza cabo – cabo verdiana..................................................................................6

Realismo e Claridade Cabo verdiano..........................................................................................7

Cabo Verde, meio pequeno, não acanhado.................................................................................7

Ideário formal realista.................................................................................................................7

_Toc101546868Hora di bai cabo verdiano...................................................................................8

_Toc101546870Claridade e Certeza.............................................................................................8

Elementos da Identidade Cabo-verdiana....................................................................................9

Os marcos da produção literária em Cabo-Verde.....................................................................10

Conclusão..................................................................................................................................12

Bibliografia...............................................................................................................................13

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Introdução

Recriar a representação do homem e do mundo que o acolhe e onde ele procura realizar-se é
um dos objectivos de toda a literatura de orientação estética realista. Refazer a relação do
homem com o seu espaço vital, é também o propósito da literatura cabo-verdiana em geral e
da de Manuel Lopes em particular.

A nós interessam os caminhos encetados pelo autor no que respeita à sua obra poética
enquanto construção do homem crioulo na sua figuração moral e humana e, bem assim, a
criação de espaços de identidade próprios. Porque pretendemos analisar o pendor estético
realista deste autor e compreender até que ponto esse ideário está presente na sua obra,
centramos o nosso estudo sobretudo nos poemas do livro “Falucho Ancorado”, incorporados
no capítulo “Cais de Quem Ficou”. Porém, abordaremos também os restantes, não só para
estabelecermos pontos de contacto entre os vários ciclos poéticos de Manuel Lopes, mas
também para analisar com mais densidade de pormenores o seu percurso criativo

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Conhecendo Cabo verde
Cabo Verde é um arquipélago situado a mais de 500 quilómetros da costa africana, possui 10
ilhas, sendo Praia sua capital (situada na Ilha de Santiago). A grande característica climática
deste país é a irregularidade de chuvas, o que leva a grandes períodos de seca. Com isso a
população é dizimada, levando os sobreviventes a emigrarem para fugir da fome e da seca,
mostrando grande semelhança ao nordeste brasileiro.
O arquipélago tem uma peculiaridade, não era habitado quando, em 1456, os portugueses
chegaram. Portugal, quando realizava o tráfico de escravos, deixava nas ilhas os escravos
revoltosos ou doentes, já que as ilhas ficavam no caminho entre Portugal e as colónias,
gerando, então, uma comunidade formada por várias tribos, uma grande variedade étnica. A
partir disso surge a noção de “terra trazida” definida por Manuel Ferreira (1972).
A partir da necessidade de se comunicar, surge o crioulo, língua nacional dos cabo-verdianos,
apesar de a língua oficial ser o português. Cabo Verde, assim como os demais países africanos
de língua portuguesa, só teve sua independência em 5 de julho 1975. Ou seja, foram séculos
de dominação, que repercutiram e repercutem na forma de viver e ser do africano. A
identidade cabo-verdiana se constitui de um temperamento morabe, ou seja, os cabo-
verdianos possuem uma política de “boa vizinhança”. Possuem um temperamento amorável,
pacífico e solidário. Com isso, aos poucos a administração colonial foi sendo passada para
suas mãos, até porque Portugal não tinha muito interesse económico nas ilhas, já que não
havia como fazer grandes plantações e nem explorar diamantes, como em Angola, por causa
do clima e do solo da região.
Esse processo Manuel Ferreira explica em seu livro Literaturas africanas de expressão
portuguesa “A colónia, a partir da segunda metade do século XIX, havia já adquirido feição
própria: a posse da terra e os postos da Administração, a pouco e pouco transferiam-se para as
mãos de uma burguesia cabo-verdiana” (FERREIRA, 1987, p. 26). Faz parte também dessa
identidade nacional o dilema do cabo-verdiano: ter de partir querendo ficar e o querer partir
tendo de ficar.
A população cabo-verdiana enfrenta grandes períodos de seca, gerando muita fome e
desgraças. Para muitos a única solução é sair de sua região natal em busca de melhorias, por
isso a necessidade de ‘ter de partir mesmo querendo ficar’. Alguns não têm como buscar um
local melhor para viver e acabam permanecendo onde moram, sofrendo muito e até levando
alguns a morte. Nesse caso o que move as pessoas é o ‘querer partir tendo de ficar’. Isso se
deve a dificuldade de sobrevivência nas ilhas, fazendo com que se perceba a viagem, o mar,
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como a única forma de melhorar de vida. A literatura propriamente cabo-verdiana surge na
década de 30, antes a literatura era baseada em uma “cópia” do que vinha de Portugal.
Cabo Verde foi o primeiro país em que floresceu uma literatura que rompia com os padrões
portugueses. Sobre este período, Benjamin Abdala Júnior relata que Ocorrem a partir da
década de 30 circunstâncias políticas, sociais, históricas e literárias que levaram a literatura
cabo-verdiana a se preocupar com sua identidade, uma identidade regional, que viria a
evoluir, a partir da Segunda Guerra Mundial, para a identidade nacional. Nesse momento, a
intelectualidade cabo-verdiana passou a olhar para a literatura brasileira. Ela via em nossa
literatura um imaginário muito próximo da maneira de ser dos cabo-verdianos. (JUNIOR,
1994, p. 112) A partir dessa preocupação com a sua identidade, o que é o cabo-verdiano, que
surge a moderna literatura cabo-verdiana. Para isso usou-se como inspiração a literatura
brasileira, já que se identificavam com a forma de ser dos brasileiros e com a seca que o
nordeste enfrentava. Autores como José Lins do Rego, Jorge Amado, Manuel Bandeira, Eriço
Veríssimo foram muito lidos pelos intelectuais cabo-verdianos. Em 1936 surge uma
importante revista, a Claridade, que trouxe uma enorme renovação na escrita e na temática da
literatura cabo-verdiana. Com isso surgiu um movimento chamado Caridoso. Considera-se
que só depois dessa época que surge a verdadeira literatura cabo-verdiana. Seu ideário era de
conhecer e falar sobre a realidade cabo-verdiana, com a seca, fome, o mar como um caminho
mítico, pois além dele existe uma vida melhor, mas também como prisão, a insularidade do
arquipélago, o que leva a um sentimento de solidão, o dilema do cabo-verdiano. Nesse
sentido, a Claridade representou, então, um clarão de consciência, recusando a tradição
portuguesa e centrando-se em motivações de raiz cabo-verdiana. Mas, segundo Manuel
Ferreira, “Não é ainda, globalmente, uma política posição anticolonial. Não é ainda algo que
pressuponha a idéia de independência política ou nacional.” (FERREIRA, 1987, p. 43

A Revista Certeza e o Neo-realismo Cabo-verdiano


Não há resenha onde se faça m percurso pela emergência e construção do sistema
literário cabo-verdiano que não contenha referência, mesmo que breve, àCerteza uma
publicação surgida em 1944 que tem servido para afirmar a existência de uma
geração de produtores nascidos nos anos vinte e para baptizá-la. Essa subintitulada Fôlha
da Academia foi, de facto, o espaço inicial de afirmação de Arnaldo França tanto
do poeta como do ensaísta e, ainda, do organizador hoje reconhecido pelo governo
do arquipélago comum dos embaixadores da cultura de Cabo Verde.

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Também aí Orlanda Amarílis, a produtora ilhoa que mais atenção tem recebido do espaço
académico, assinou o seu primeiro texto tornado público; como ela, há muito tempo na
diáspora lisboeta, Nuno de Miranda é outro dos intelectuais cabo-verdianos revelados no
início dos anos quarenta. Não se trata, contudo, nem de figuras nem de obras cujo vulto e
projecção exterior esteja ao nível dos clássicos claridosos Jorge Barbosa, Manuel e
Baltasar Lopes.

Geração da Certeza cabo – cabo verdiana


A Geração da Certeza surge, como vinha sendo hábito, à volta de uma revista com o mesmo
nome revista Certeza –em1944.
Desde cedo, passou a destacar-se pela profunda preocupação com a perspectiva social.
Os homens que constituem esta Geração da Certeza marcam uma diferença no modo de fazer
literatura em Cabo Verde pelas problemáticas que decidem vincar e dar voz: interessava
focar o grande problema do isolamento das ilhas, do próprio arquipélago entre si, que, pela
falta de comunicação fácil e rápida, impedia que a informação e o conhecimento passasse de
ilha para ilha, e das ilhas para o resto do mundo.
O isolamento total constrange e atrofia a alma daquele povo. No seguimento desta grande
temática que envolve a vida em Cabo Verde, desencadeia-se a denúncia e o lamento de
outras situações que, consequentemente, abatem a imagem global daquela terra: a falta de
trabalho, a sequente prostituição (que, dadas as circunstâncias, é de certa forma acarinhada e
compreendida), a resignação de uma opressão colonial, por falta de gente e forças para lutar, o
mar circundante, que monotonamente persiste em rodeá-los.
Mas havia que dar voz a uma outra característica do povo cabo-verdiano e que jamais
esmoreceria, por pior que fosse a sua situação: a religiosidade, uma fé desmedida e uma
crença incontornável num dia melhor. Agarrando essa fé incomensurável, havia que fazer
a apologia da terra, da terra-mãe, no chão cabo-verdiano. Agarrar essa fé, vincar bem forte
os pés na terra (na raiz) e lutar, física e psicologicamente, contra as adversidades existentes,
de forma a consciencializar todo o povo, levando-os a optar por ficar e não partir. Havia que
mudar a tendência natural (e até compreendida) da saída como única forma de corrida pela
sobrevivência, acusar de "perdidos" aqueles que optaram (e optam) pela saída e apontar um
novo caminho que mostrasse outras possibilidades para além dessa saída: apostar, definitiva e
colectivamente, no esforço humano em prol de uma visível melhoria.
Interessava reabilitar o homem com a terra que o vira nascer, fincar os pés nessa terra e,
unidos por uma mesma raiz, levar o povo a uma luta maior: a Independência. O caminho
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passava forçosamente por uma primeira etapa de levar o homem a acreditar naquela terra, de
forma a escolher ficar nela, seguindo-se, então, o grande caminho da luta pela libertação
colonial.

Realismo e Claridade Cabo verdiano


Manuel Lopes - contexto e percurso Manuel Lopes nasceu em Cabo Verde, ilha de São
Nicolau, em 23 de Dezembro de 1907. É ele que nos diz, “Deixei o cordão umbilical na Ilha
de São Nicolau, num lugar aprazível que visitei em 1970, mas fui com poucos dias de idade
para São Vicente. Sou oficialmente mindelense”. Em 1920, após a morte do pai, iria para
Coimbra, numa estadia de cerca de três anos para a qual diria nunca ter encontrado
justificação. Na cidade do Mondego, como refere, acentuando a componente afectiva, “não
fazia outra coisa senão sentir saudades de São Vicente”. Lamenta, por isso, ter ficado longe
das suas raízes, andando “ sempre atrás dessa saudade” de amigos, da vida cultural
mindelense, do convívio que as ilhas lhe proporcionavam. E acrescenta pesaroso, “Cortou-me
a possibilidade de fazer mais amizades num momento da vida que é crucial para isso . Foi a
sua primeira saída de Cabo Verde, da terra-mãe, sentida como experiência premonitória, de
certa forma definitiva. E não deixa de ser significativo que, quanto a esta viagem e estadia,
não se pronuncie muito quanto ao que de positivo lhe teria dado a ver e a aprender nas
bibliotecas de Coimbra, nomeadamente no que respeita às muitas leituras literárias que, por
certo, não teria podido realizar em S. Vicente.

Cabo Verde, meio pequeno, não acanhado


Podemos partir da anotação “Os meios acanhados não permitem nem livres voos nem livres
marchas” para tecermos algumas considerações que reputamos necessárias. Por si mesmo, o
termo “acanhado” significa retraído, estreito, sem espaço livre bastante, parado, tímido;
alguém com dificuldade ou a quem falta traquejo social. Espaço ou alguém limitado na
iniciativa e restrição de oportunidades. Daí que “Em consequência, carência de possibilidades
de riqueza espiritual e material”. Falta a estes meios a capacidade para se excederem e
extravasarem para fora dos seus limites físicos e humanos, lançando, exactamente, mão do
seu capital humano.

Ideário formal realista


Percurso e destinos O conjunto poético designado “Cais de Quem Ficou”, apresenta-se
organizado em duas partes, “conjuntos de unidade espacial e temática”, segundo o “eixo
isotópico geral - «Mindelo: Mar // Santo Antão: Terra»”. A primeira parte vai do poema
7
“Écran” a “Vozes”. A segunda, inicia com o poema “Pescadores de Santo Antão” e estende-se
até ao fim. Os poemas “Folha Caída” e “História Natural” servem de linha divisória entre as
duas partes.

Hora di bai cabo verdiano


Hora di Bai trata da realidade cabo-verdiana antes da independência de Portugal, relatando a
vida difícil que o povo sofre devido à irregularidade de chuva, o que leva a grandes períodos
de seca. Com isso os cabo-verdianos são obrigados a buscar uma vida melhor em outra ilha do
arquipélago ou em outro país. É dessa maneira, com um grupo de pessoas fazendo uma
viagem da ilha de São Nicolau até a ilha de São Vicente (ambas no arquipélago de Cabo
Verde), que se inicia o livro. Essas pessoas esperam que nesse novo local não passem fome e
consigam ter uma vida melhor, mas não é que isso ocorre com todos os personagens, uns
acabam morrendo, outros se prostituindo, outros, ainda, tendo que ir para São Tomé onde
terão de se submeter a um trabalho escravo, ou seja, trabalharão por comida. No livro, depois
de muito sofrimento causado pela fome, seca, pobreza, as classes mais pobres se revoltam e
invadem um armazém onde havia grande quantidade de alimento estocado para pegar comida.
Há ainda uma senhora, chamada Nhã Venância, que, depois de pensar em ir para Portugal
para fugir desta terra que expulsa, resolve ficar e lutar por melhoras em seu país.

Claridade e Certeza
No livro No livro Hora di Bai se percebe claramente dois momentos. No primeiro o cabo-
verdiano é considerado pacífico, calmo, aceita sua realidade e tenta conviver com ela, e
quando isso não é mais possível ele parte. São relatadas viagens de barco, pessoas morrendo
de fome, meninas se prostituindo por não terem mais como sobreviver. Isso perdura por quase
toda a narrativa, demonstrando o sofrimento do povo. Apesar de tudo que o aflige, o cabo-
verdiano não se revolta. Já no segundo momento o cabo-verdiano se revolta, arromba um
armazém para conseguir comida, resolve ficar na sua terra, mesmo que sofrendo algumas
coisas, e combater aquilo que os oprime. Há a mudança do cabo-verdiano pacífico para o
lutador. Então, ocorre, segundo Jane Tutikian, um “alargamento da visão cabo-verdiana e a
posição de resignação, apesar da “amor habilidade”, substituída pela posição de luta, de
transformação da realidade” (TUTIKIAN, 1999, p. 60). Essa luta para conseguir algo melhor
pode se dar de diferentes maneiras: de forma mais violenta, como a invasão da casa de
Sebastião Cunha, ou de maneira mais simbólica, ficando em Cabo Verde para ajudar o país a
enfrentar a seca. Cada um desses momentos se relaciona com a idéia defendida por um dos

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movimentos literários. Na primeira parte, quando se relata o sofrimento dos caboverdeanos
que são obrigados a ir para São Vicente, Portugal, São Tomé, aproxima-se muito do ideário
da Claridade, com sua denúncia das mazelas e a necessidade da evasão. A partir do momento
em que o povo se revolta, invade o armazém, resolve lutar para melhorar de vida e ficar na
sua terra, há a passagem para o movimento Certeza. Agora o caboverdeano não é mais
pacífico, que aceita sua realidade, mas sim um povo que se revolta e busca melhoras. Para
Maria Aparecida Santilli, se o primeiro momento da narrativa centra-se na viagem, no trânsito
para procurar algo melhor, na individualização de pessoas, que o que as une é a fome,
mostrando um caboverdeano pacífico que renuncia, o segundo momento relata a vida na ilha,
mostrando uma coletividade que luta a favor dos flagelados, mostrando um caboverdeano
revoltado, que resiste. Então “o caminho da história vai, assim, desviando-se da mentalidade
de renúncia que caracteriza o primeiro movimento, para a de resistência que descreverá o
segundo” (SANTILLI, 1980, p.15). Terminar o romance Hora di Bai com um caboverdeano
que se revolta, luta, não evade para tentar melhorar de vida não deve ter sido apenas uma
forma de encerrar a narrativa, mas pode ser o que o próprio autor, pertencente à Certeza,
acreditava e defendia. Sendo, portanto, o que ele mesmo espera que ocorra com seu país.

Elementos da Identidade Cabo-verdiana


Conforme Jane Tutikian, “os elementosque compõem a identidade dessa nação que, então, se
tem consciência, entendendo-se por identidade o “estar sendo”. Fundamentalmente um
território, uma cultura, um temperamento.” (TUTIKIAN, 2006, p. 41). São considerados,
portanto, elementos que compõem a identidade cabo-verdiana a língua crioula, a morna, o
temperamento morabe, o dilema. Estes elementos estão presentes nos dois momentos do livro,
mostrando que mesmo com algumas mudanças a identidade cabo-verdiana permanece a
mesma.
A língua crioula é bem presente durante o romance, através de palavras e expressões. Ela
caracteriza-se por apresentar grande quantidade de palavras do português. No transcorrer da
narrativa, os personagens falam português, mas incluindo uma ou outra palavra em crioulo,
tanto que é necessário um glossário (presente no final do livro) para compreender algumas
partes. Isso ocorre no seguinte trecho, quando D. Venância está falando com Juca, um poeta, e
tem que explicar o significado de uma palavra em crioulo
“Terra nanhida a nossa, senhor!”
“Na-nhi-da, D. Venância, disse?”
“Sim, meu amigo. Nanhida. Infeliz, desgraçada. Ninguém olha por ela.”
9
(FERREIRA, 1980, p. 48)
Em alguns momentos a língua crioula fica mais evidente, como é o caso em “Eh bocê, dzê’me
um ôsa. Q’zê quil?” (FERREIRA, 1980, p.61), que significa ‘Ei você, me diz uma coisa. O
que é aquilo?’, em que Conchinha, recém chegada na ilha de São Vicente, estranha ver
pessoas abandonadas na praia. O narrador do romance relata que nha Venância falava em
português, usando apenas uma ou outra expressão em crioulo. Mas se ela se dirigia a pessoas
cultas, letradas falava apenas em português, o que depois de um tempo a deixava muito
cansada. No final da narrativa, quando Nha Venância resolve ficar em Cabo Verde,
assumindo a idéia da Certeza, ela acaba ficando a vontade e conversando em crioulo com um
amigo. Essa atitude representa a valorização do crioulo, defendida pelo movimento de 44.
Benjamin Abdala Junior relata que “Estigmatizado pelo poder colonial, o crioulo será ponto
de referência do regionalismo cabo-verdiano. Será incorporado ao português padrão,
matizando-o de cabo verticalidade.” (JUNIOR, 1994, p. 116), ou seja, como o crioulo não era
bem aceito por Portugal, usá-lo seria também uma forma de se assumir como cabo-verdiano e
não como português.

Os marcos da produção literária em Cabo-Verde


O primeiro que intitula de Iniciação, que vai desde o aparecimento da imprensa em 1842 até
1925, e que tem como figuras e obras centrais o romance cabo-verdiano de José Evaristo de
Almeida, O escravo (1856), e o poema “Ode a África” (1921) de Pedro Cardoso.
O segundo período, chamado Hesperitano, engloba os anos de 1926 a 1935, portanto o que
antecede a Claridade. O que fundamenta a designação de tal período deve-se a um antigo mito
hesperitano ou arsinário.
Este período é caracterizado pela crítica como evasionista, tendo como linha de força mais
evidente dessa “fuga” (ou procura) o tema de Pasárgada16. Integram-se neste período autores
(na sua maioria poetas) como Pedro Cardoso (Hespérides, 1930), José Lopes (Hesperitanas,
1929), Eugénio Tavares (que realiza a consagração literária da morna, de que foi também
cultor) e Jorge Barbosa (Arquipélago, 1935), que vai fazer a ligação com o período seguinte,
o da Claridade.
Para os poetas deste grupo fala-se da influência de António Pedro, sendo esta muito discutida
entre a crítica. Jaime Figueiredo, como sabemos, não o inclui na sua antologia, sendo
criticado por Alfredo Margarido. Este considera a obra de António Pedro fundamental para os
alicerces da poesia cabo-verdiana. Já Manuel Ferreira dá-lhe um lugar de destaque No Reino
de Caliban I, embora em Aventura Crioula refira que esse destaque foi precipitado, e talvez
10
devesse ser repensado. De salientar que Francisco Salinas apresenta algumas diferenças
relativamente a Laranjeira, quando se refere a este período. Enquanto Laranjeira faz questão
de destacar um período que antecede a geração da Claridade, Salinas prefere englobar
“hesperitanos e claridosos” num único período intitulado Hesperitano-Claridoso que vai desde
1926 até 1949.
O terceiro período principia em 1936 (ano da publicação da Claridade) e vai até 1957,
chamado Caboverdianismo, de acordo com a terminologia de Manuel Ferreira, e encerra com
duas novelas de António Aurélio Gonçalves, Pródiga (1956) e O enterro de nha Candinha
Sena (1957). Pelo meio, e a seguir ao movimento claridoso, temos a revista Certeza (1944), o
livro de poemas de Jorge Barbosa Ambiente (1941), os Poemas de longe (1945) de António
Nunes e os Poemas de quem ficou (1949) de Manuel Lopes. Em 1947 aparece Chiquinho
(Baltasar Lopes), e em 1956 Caderno de um ilhéu de Jorge Barbosa e Chuva braba de Manuel
Lopes. Nos anos 40 – 50, ao contrário de Angola e Moçambique, os cabo-verdianos tiveram
uma produção em livro que os tornava autores de prestígio. Temos o exemplo de Jorge
Barbosa ou Baltasar Lopes, que eram acolhidos pelos grupos da Seara Nova e da Presença. -
O quarto período vai de 1958 a 1965. Este período assume, através do Suplemento Cultural,
uma nova cabo-verdianidade, podendo até ser apelidada, segundo Laranjeira, de Cabo-
verdianidade, pois começa a ser esboçada com o curto artigo de Gabriel Mariano Negritude e
cabo-verdianidades e culmina, em 1963, com o famoso ensaio de Onésimo Silveira 18,
provocando uma verdadeira polémica em torno da aceitação tranquila do lugar conquistado
pelo grupo Claridade, como já tivemos oportunidade de salientar neste trabalho. e contos),
Onésimo Silveira; Poemas cabo verdianos (1960), Teobaldo Virgínio; Hora grande (1962,
poemas e contos), Onésimo Silveira; Famintos (1962, romance), Luís Romano; Caminhada
(1962, CEI, poemas), Ovídio Martins. Em 1962, outro grupo de jovens 19 lança o suplemento
Seló que se caracteriza, grosso modo, pelo reforço do discurso da cabo-verdianidade
(expressando uma ansiedade de liberdade e de revalorização cultural e nacional) a par dos
poetas das “sete partidas”, como os intitulou Manuel Ferreira.
Desta poética empenhada surgiram três livros paradigmáticos: Clima (1963, poemas), Luís
Romano; Noti (1964, poemas), Kaoberdiano Dambará; Doze poemas de circunstância (1965),
Gabriel Mariano.

11
Conclusão
Todos os elementos que compõem a identidade caboverdeana, a língua crioula, a morna, o
temperamento morabe e dilema caboverdeana, estão presentes em todo o livro. Ocorrem, sim,
algumas mudanças em como eles aparecem. O crioulo é assumido no final por nha Venância,
junto com a decisão de ficar em Cabo Verde, assumindo as idéias da Certeza. A morna
aparece no segundo momento como incentivo a revolta do povo, onde eles assumem um
temperamento diferente, agora lutam para tentar melhorar de vida. É possível concluir,
portanto, que o movimento Claridade se aproxima da idéia de abandono das ilhas para a
tentativa de obter uma melhor condição de vida, condição representada na primeira parte do
livro Hora di Bai, ao passo que o movimento Certeza apresenta uma ligação com aqueles que
decidem ficar na sua terra para lutar por melhores condições sociais, representado no final da
narrativ

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Bibliografia
.JUNIOR, Benjamin Abdala. Imagens da identidade e a diferença: Manuel Lopes e o
despertar da caboverdianidade. In: Anais do XIV Encontro de Professores Universitários
Brasileiros de Literatura Portuguesa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.
.LARANJEIRA, Pires, “Formação e Desenvolvimento das Literaturas Africanas de Língua
SANTILLI, Maria Aparecida. Manuel Ferreira: A História de um Novelista e suas Histórias
da “Terra Trazida”. In: FERREIRA, Manuel. Hora di Bai. 1ª Ed. São Paulo: Ática, 1980.
(Coleção de autores africanos, 6). p. 3-15.
TUTIKIAN, Jane Fraga. Inquietos Olhares: A construção do processo de identidade nacional
nas obras de Lídia Jorge e Orlanda Amarílis. São Paulo: Arte & Ciência, 1999.
________________. Velhas identidades novas: O pós-colonialismo e a emergência das
nações de língua portuguesa. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2006.

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