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Índice

1. Autolesão Não-Suicida (NSSI) 3


2. Sexo como autolesão (SASI) 3
2.1. Grupos mais afetados 4
3. Manifestações do SASI 5
3.1. Dano psicológico 5
3.2. Danos físicos 5
3.3. Contexto autoinfligido 5
4. Motivos do SASI 6
4.1. Regulação emocional 6
4.2. Confirmação 6
4.3. Compulsão 6
5. Consequências do SASI 7

6. Perturbação de Personalidade Borderline (BPD) 7


6.1. BPD e NSSI 8
6.2. BPD e SASI 9
6.2.1. Complacência sexual 10
6.2.2. Comportamento sexual de risco 10
6.3. Terapia Comportamental Dialética (DBT) 11
7. Limitações 11
8. Potencialidades 12
9. Conclusão 13
10. Referências 14
11. Anexos 17
11.1 Modelo de Evitamento Experiencial 17
11.2. Modelo Neurocomportamental Explicativo da Perturbação de
Personalidade Borderline 18
11.3 Principais traços de BPD e automutilação 19

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Autolesão Não-Suicida (NSSI)
Comportamentos autolesivos de caráter não suicida são comportamentos que visam a
imposição repetida de comportamentos lesivos e de risco no próprio corpo ou pessoa, sem
intenção de morte. Estes acontecem depois de um evento stressor e fazem parte de uma
estratégia utilizada para lidar com a raiva sentida no momento, ou seja, trazem alívio
emocional. Para além de uma forma de exprimir raiva, o NSSI pode ocorrer pela necessidade
de se autopunir, produzir um sentimento de estabilidade ou até como distração. Além disso,
este comportamento pode ser interpretado como uma forma de recuperar o controlo da angústia
gerada pelos afetos negativos (Mühlen e Câmara, 2021). A nomenclatura que diz respeito a tais
comportamentos ainda está em processo de construção, tanto no que diz respeito à definição
como à busca do consenso dentro da literatura vigente, visto que existem diversas formas
encontradas dentro da literatura para nomear a prática de NSSI (Mühlen e Câmara, 2021).
O Modelo de Evitamento Experiencial (Anexo 1), é um dos modelos explicativos do
comportamento autolesivo e do seu ciclo vicioso, com base no Evitamento Experiencial
(vontade de impedir emoções, experiências ou sensações angustiantes). Um estímulo provoca
uma emoção como a tristeza, vergonha, frustração ou raiva, que aliadas a uma alta sensibilidade
e a uma dificuldade de regulação emocional levam ao Evitamento Experiencial, com o objetivo
de tentar evitar ou diminuir as emoções frustrantes experienciadas (Chapman et al, 2006).
Assim, o indivíduo pratica comportamentos autolesivos como forma de evitamento. Este
comportamento alivia temporariamente as emoções indesejadas, o que leva ao reforço da
autolesão como comportamento aliviador, formando, assim, um ciclo vicioso.
Os comportamentos autolesivos podem ser diretos (cortar ou queimar a pele), ou
indiretos (relacionamentos abusivos, compulsão alimentar ou abuso de álcool). Os
comportamentos sexuais de risco são definidos como uma forma de autolesão indireta, pois são
comportamentos repetitivos que potencialmente causam danos físicos e psicológicos, sendo
motivo de preocupação para médicos ou familiares (Mühlen e Câmara, 2021).

Sexo como autolesão (SASI)


O sexo como autolesão, apesar de não ter uma definição consensual, pode descrever-
se, em traços gerais, como a exposição voluntária a situações sexuais, muitas vezes em contexto
de violência sexual deliberada, que incluam danos psicológicos e/ou físicos semelhante a outros
comportamentos autolesivos, fazendo assim parte da autolesão não suicida. Há então uma clara
associação entre SASI e outros tipos de comportamentos autolesivos diretos e indiretos.

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Deste modo, a Children’s Welfare Foundation Sweden sugere que se defina SASI como
um “padrão de procurar situações sexuais que envolvam danos mentais ou físicos a si mesmo.
O comportamento causa sofrimento significativo ou prejudica a escola, trabalho, ou outras
atividades/áreas.” (Fredlund et al, 2017). Já segundo Stockholms Tjejjour, o sexo como
autolesão é definido como a existência de sentimentos intensos, repetitivos e recorrentes, como
vergonha, culpa, ansiedade, nojo e ódio por si mesmo, que são temporariamente amenizados
pela exposição repetida e recorrente a fatores sexuais, como o abuso físico e humilhação.
Alternativamente, é definido pela busca repetitiva e recorrente de situações sexuais que
angustiam e inquietam, que muitas vezes, mas não necessariamente, envolvem um terceiro,
responsável por causar a lesão física e/ou mental (Fredlund et al, 2017).
A prevalência do sexo como meio de autolesão (SASI) foi investigada numa escola
nacional sueca, numa amostra que incluiu 5.750 participantes com idade média de 18 anos. No
total, 3,2% das mulheres e 0,8% dos homens relataram que já se magoaram intencionalmente
por meio de sexo (Fredlund, 2020).
Noutro meio escolar, também na Suécia, realizou-se um estudo comparativo entre
adolescentes com mais de 15 anos que reportavam comportamentos autolesivos não-suicidas
(NSSI), que praticavam sexo como autolesão (SASI) ou ambos (NSSI+SASI). Concluiu-se que
o grupo de adolescentes que praticava SASI corresponde a uma população mais traumatizada,
que experiênciou mais vezes abuso sexual através da penetração, com mais parceiros sexuais,
valores mais elevados de sintomas de trauma (como stress pós-traumático, dissociação,
preocupações com sexo) quando comparado com o grupo de adolescentes que apenas reportam
NSSI. Os resultados do grupo SASI também revelam que para estes adolescentes não é
incomum a venda de conteúdos sexuais ou o uso de drogas (Zetterqvist et. al, 2018).

Grupos mais afetados


Os grupos que se têm mostrado mais afetados com esta problemática são as camadas
mais jovens da população, especialmente mulheres, pessoas com uma saúde mental mais
debilitada e com experiências de abuso físico durante a infância/adolescência, que mantenham
uma má relação de comunicação com os parceiros e que apresentem traços de ansiedade,
depressão, PTSD, dissociação, raiva e preocupações sexuais. Recorrem mais vezes ao SASI
pessoas com uma situação financeira familiar mais pobre e pertencentes à comunidade LGBT
(Fredlund et. al, 2017).

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Manifestações do SASI
Os princiais comportamentos descritos como manifestações de sexo como autolesão
foram os danos psicológico e físico em situações sexuais e o contexto autoinfligido (Fredlund,
2020).
O dano psicológico em situações sexuais foi uma das mais importantes manifestações
do SASI. Traduz-se no envolvimento voluntário em atividades sexuais apesar do sentimento
de não querer estar envolvido, em que não existe desejo/atração sexual pela(s) outra(s)
pessoa(s) ou até mesmo em consentir com situações que não se apresentem como uma vontade
própria. O envolvimento com homens, por parte de alguém que apenas sente desejo sexual por
mulheres, seria então considerado duplamente autolesivo.
O dano físico em situações sexuais foi descrito como uma procura ativa de situações
nas quais a pessoa possa experienciar violência física ou sexual. Inclui descrições nas quais as
pessoas faziam sexo anal apesar da dor ou se envolviam em interações sexuais com alguém
abusivo. Estas situações podem incluir abuso físico/verbal, sexo violento/desprotegido, fisting,
estrangulamento, queimaduras, cuspir e bater. Apesar da violência física e sexual poder fazer
parte do SASI (situação voluntária, a pessoa tem controlo e a situação foi concordada pelo
participante), a exposição ao mesmo pode resultar em riscos de violência sexual involuntária,
violações (não há controlo ou consentimento).
Quase todos os participantes descrevem as situações sexuais de SASI como algo
opcional, onde existia a capacidade de sair da mesma, e o contacto foi, em muitos casos,
descrito como uma busca ativa e deliberada por contacto sexual, seja pela internet ou
pessoalmente (bares, festas, postar/vender fotografias/vídeos online (Fredlund, 2018), vender
sexo/praticar sexo desprotegido), correndo assim vários riscos. Isto enquadra-se na última
manifestação do SASI, o contexto autoinfligido.
Maioritariamente, o sexo como autolesão ocorre em situações de sexo casual. Apesar
disso, há também bastantes relatos dessa situação em relações. Pelo contrário, apenas uma
pequena parte das pessoas pratica comportamentos lesivos em si mesma, podendo ser
realizados através de masturbação compulsiva, magoar os órgãos genitais com objetos afiados
ou a repetição de comportamentos alusivos a situações abusivas onde esteve, incluindo danos
físicos e dor (Fredlund, 2020).
Durante algumas entrevistas entrevistas, mulheres jovens que vendem sexo
descreveram o uso do mesmo como forma de automutilação, da mesma forma que queimar ou
cortar a pele. O sexo substitui então outros comportamentos lesivos por ser menos visível
(Fredlund et. al, 2017).

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Motivos do SASI
Foram identificados três motivos principais: regulação emocional, confirmação e não
conseguir parar, compulsão (Fredlund, 2020).
Algo muito comum é a descrição da saúde mental dos participantes como fraca,
incluindo ansiedade, depressão e autodesprezo como motivos subjacentes para o SASI, por
exemplo, os adolescentes que exibiram este tipo de comportamento têm duas vezes mais
chances de ter histórico de tentativa de suicídio. O sexo como autolesão foi considerado como
forma de controlo da ansiedade e dos sentimentos e pensamentos negativos. Este é usado como
uma forma de repetir e controlar memórias ou lidar com sentimentos negativos, pois dá às
pessoas um sentimento de controlo sobre a situação e retira o foco do stress físico. Este
comportamento foi percebido como eficaz na regulação emocional, pois era mais fácil sentir a
dor física em comparação à psicológica, sendo então a primeira usada para amenizar a segunda.
Alguns relataram um sentimento de vazio que tentaram preencher usando o SASI, de modo a
tentar sentir algo, ainda que fosse dor. Assim, é então demonstrada a relação entre SASI e a
regulação emocional (Fredlund et. al, 2017; Fredlund, 2020; Zetterqvist et. al, 2018).
O SASI não é apenas usado para a regulação de emoções negativas, também pode ser
útil para receber confirmação positiva, de forma a obter atenção, afeto e validação. Estes dão a
confirmação às pessoas de que são desejadas, especiais e importantes. Baixa autoestima e
autoconfiança e autodesprezo foram descritos como fatores associados ao envolvimento em
SASI (Zetterqvist et. al, 2018). Por vezes, existe também uma procura pela confirmação
negativa, ou seja, serem tratados de acordo com os seus sentimentos interiores de autoconceito,
já que acreditam que é mais fácil ser odiado pelo agressor do que por si mesmos (Fredlund,
2020).
Uma razão importante para estes comportamentos continuarem apesar de resultarem
em consequências negativas para a pessoa, é serem difíceis de parar devido ao alívio de
sentimentos negativos durante o encontro sexual. Apesar disso, estes voltam ainda mais fortes
depois, aliados a sentimentos de vergonha e culpa, o que pode impulsionar o início do
comportamento novamente, criando uma compulsão.
Alguns descrevem este comportamento de risco como excitante inicialmente, mas com
o tempo, autodestrutivo, atrasando a compreensão de que é autolesivo. Álcool e drogas foram
descritos como facilitadores para o SASI. A pouca noção do comportamento e falta de
suporte/ajuda da rede de amizades, familiar e médica foram razões para a continuidade do

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comportamento, sendo a vergonha um fator dificultador para pedir ajuda e envolver terceiros
(Fredlund, 2020).

Consequências do SASI
Este comportamento autolesivo pode ter como consequências uma atitude sexual de
risco, sem uso de contracetivos, criando assim uma maior probabilidade de abortos e contração
de IST’s, agravada pela maior quantidade de parceiros sexuais. De facto, estudos comprovam
a relação entre pouca saúde mental e comportamentos sexuais de risco (Fredlund, 2018). Além
disso, verifica-se que aliada ao SASI está uma maior venda de sexo, um presente sentimento
de vergonha, compulsão sexual e um início de atividade sexual mais precoce.

Perturbação de Personalidade Borderline (BPD)


A Perturbação de Personalidade Borderline é uma perturbação de personalidade que se
enquadra no Cluster B, segundo o DSM-V. Este engloba perturbações de personalidade que se
caracterizam por pensamentos, comportamentos e interações com outras pessoas considerados
por estas como dramáticos, excessivamente emocionais ou imprevisíveis, podendo ser
diagnosticado apenas a partir do fim da adolescência/início da idade adulta (Paola et.al, 2019).
Pessoas com Borderline sentem um medo extremo de abandono real ou imaginário,
tentado evitá-lo, por vezes, com esforços desadequados. Estas apresentam padrões instáveis
nas suas relações, na sua perceção de identidade e afetivos. A impulsividade é um dos seus
pilares, tendo de se manifestar em, pelo menos, duas áreas potencialmente autodestrutivas.
Pessoas com Borderline recorrem muitas vezes a comportamentos agressivos (para consigo
mesmo ou os outros), autolesivos e/ou suicidas, descrevendo um sentimento crónico de vazio
e, por vezes, paranoia ou dissociação. Sentem ainda uma raiva intensa/inapropriada ou
dificuldade em controlá-la (American Psychiatric Association, 2022).
Atualmente, acredita-se que esta perturbação de personalidade tenha na sua génese
fatores genéticos, ambientais e neurológicos (Lieb et. al, 2004). Apesar de não haver nenhum
gene claramente responsável pela causa do Borderline, estudos com gémeos mostram que caso
um deles sofra da perturbação, a probabilidade do outro também sofrer com a mesma é muito
grande. Além disso, pessoas filhas de um ou ambos os progenitores com Borderline, têm
também maior probabilidade de a vir a desenvolver (Amad et al, 2014).
Ligado a esta predisposição biológica, surge então o ambiente ao qual, durante a
infância, a pessoa foi exposta. Ambientes instáveis e abusivos contribuem para o
desenvolvimento desta perturbação de personalidade, através de situações traumáticas onde as

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crianças são abusadas física, verbal e emocionalmente ou negligenciadas. Por fim, o
desequilíbrio químico (especialmente do neurotransmissor da Serotonina) no cérebro pode
também ser uma das causas de Borderline, por afetar a saúde mental e a regulação emocional
(Anexo 2) (Lieb et. al, 2004).

BPD e NSSI
Como referido anteriormente, pessoas com Borderline muitas vezes recorrem a
comportamentos autolesivos de carácter não suicida, por diversos motivos, incluindo a
perturbação do senso de identidade e a instabilidade emocional (Anexo 3). Esta última está
muitas vezes associada a comportamentos autolesivos diretos, servindo principalmente para a
função de regulação emocional. Isto aplica-se, particularmente, a pessoas com BPD, sendo que
95% das mulheres que têm comportamentos autolesivos de caráter não suicida, afirma fazê-lo
com o propósito de regular as próprias emoções (Brickman et al, 2014). Deste modo,
comportamentos autolesivos podem também ser adotados para transformar uma dor emocional
insuportável numa dor física mais tolerável.
Outro motivo que leva pessoas com Borderline a praticar comportamentos autolesivos
é o facto de os fazer sentir no controlo de si e dos seus corpos. Quando este tipo de
comportamentos ocorre como um sintoma, normalmente é em comorbidade com
comportamentos autodestrutivos e impulsivos, como compulsão alimentar, abuso de
substâncias e sexo.
Após a prática de comportamentos autolesivos, as pessoas relatam que esta é
rapidamente seguida por uma onda de endorfinas, semelhante à de drogas recreativas, podendo
este ser outro motivo pelo qual pessoas com Borderline adotam este tipo de práticas, pela
libertação de hormonas de bem-estar, sendo assim quase que uma compulsão pela recompensa
interna, criando um ciclo vicioso (Reichl e Kaess, 2021).
Apesar de não ser o mais comum, algumas pessoas afirmam que este tipo de
comportamentos são uma forma de obter atenção por parte dos outros. É de salientar que 9%
das pessoas com BPD acabam por se suicidar antes dos 27 anos, aproximadamente 65-80%
pratica comportamentos autolesivos de caráter não suicida e 75% têm um histórico de tentativa
de suicidio (Early Mortality in Patients with Borderline Personality Disorder, 2019).

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BPD e SASI
Pacientes com Borderline podem usar o sexo como uma das muitas estratégias de
coping autodestrutivas e maladaptadas para tentar aliviar a intensidade ou o desconforto de
certos sentimentos ou estados de espírito, sendo a sexualidade usada frequentemente para evitar
sentimentos cónicos de vazio ou para amenizar a ansiedade de abandono (Richards e Laaser,
1999).
A grande maioria das pessoas com BPD tem um estilo de vinculação inseguro ou
ansioso, marcado pelo medo de abandono e falta de confiança nos outros, portanto, é expectável
que a sexualidade destas pessoas seja afetada por este modelo de vinculação. Tipicamente,
pessoas com representações ansiosas de vinculação têm tendência a usar o sexo como forma
de reafirmarem que conseguem captar a atenção do seu parceiro e que este ainda se preocupa
e, por isso, estas pessoas têm propensão para se envolverem mais vezes em sexo casual e terem
uma grande perceção do sexo como algo que lhes proporciona um sentimento de proximidade
física com o parceiro, aumentando o sentimento de proximidade emocional. Podem também
envolver-se numa situação indesejada pelas mesmas apenas para satisfazerem a vontade do
parceiro, pelo medo de serem abandonadas ou rejeitadas (Bouchard et al. 2009).
Os traços da perturbação de personalidade Borderline são caracterizados
principalmente por esforços frenéticos para evitar o abandono e relações interpessoais
instáveis. A coerção sexual e, consequentemente, a obediência sexual estão super-
representadas nos relacionamentos românticos daqueles com traços de BPD (Northey, 2016).
O critério de diagnóstico mais importante de acordo com o DSM-5 - esforços frenéticos
para evitar o abandono real ou imaginário - destaca um fator situacional que pode tornar essa
população mais propensa a ser vitimizada sexualmente por um parceiro romântico parceiro.

Complacência sexual
A forma mais comum de SASI em pessoas com Borderline é manifestada através da
complacência sexual, que se refere à disposição de uma pessoa de se envolver em sexo
indesejado, ou seja, apesar de haver consentimento, a pessoa não o quer fazer, apenas o faz por
razões externas. Relacionamentos românticos para pessoas com traços de BPD são
especialmente propensos a disfunções, sendo uma das manifestações a conformidade sexual
(Willis e Nelson-Gray, 2017).
Efetivamente, devido ao medo de abandono característico e do consequente esforço
para o evitamento deste, pessoas com BPD costumam envolver-se em ações impulsivas, como
por exemplo, em comportamento sexual indesejado (ou seja, complacência sexual), usando

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esta estratégia para manter esse relacionamento, evitar a perda do parceiro e, por conseguinte,
regular as emoções negativas (Willis e Nelson-Gray, 2017).
De facto, vários estudos indicam que pessoas com BPD são mais suscetíveis a ter
dificuldades em estabelecer e impor limites claros e saudáveis para a atividade sexual, o que as
torna mais vulneráveis à coerção sexual quando o seu relacionamento é ameaçado. Além disso,
estudos demonstraram também uma relação significativa entre sintomas autolesivos e
comportamentos sexuais compulsivos em pessoas com esta perturbação (Willis e Nelson-Gray,
2017).

Comportamento sexual de risco


Como já foi referido anteriormente, os comportamentos sexuais de risco são uma das
várias manifestações de SASI. Indivíduos com BPD são mais suscetíveis a envolver-se em
comportamentos sexuais impulsivos com pessoas que não conhecem bem, relações sexuais
desprotegidas e relatam mais parceiros sexuais em geral, ou seja, refere uma maior participação
em comportamentos sexuais de risco. Além disso, a compulsividade sexual como forma de
regular as emoções foi associada a este tipo de comportamentos (Sansone e Sansone, 2011).
Por fim, foi demonstrado o papel da impulsividade nos comportamentos sexuais de
risco. Assim sendo, estes comportamentos estão bastante evidentes em pessoas com BPD que
cumprem os típicos critérios de impulsividade em áreas nocivas para o próprio. No entanto, é
de notar que estes comportamentos apenas estarão presentes em pessoas com BPD que
realmente participam em padrões autodestrutivos impulsivos, como a atividade sexual
desprotegida, não estando, assim, presentes noutros indivíduos que não recorram a este tipo de
autolesão (Michaël et al, 2022).

Terapia Comportamental Dialética (DBT)


A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma das terapias que integra as
Psicoterapias Cognitivo–Comportamentais de Terceira Geração, desenvolvida com o objetivo
de dar resposta às pessoas que experienciam as emoções de forma muito intensa, que
apresentam dificuldades ao nível da regulação de pensamentos, comportamentos e sentimentos,
como é o caso das pessoas com Perturbação de Personalidade Borderline. Resultados de vários
estudos sugerem que a DBT apresenta evidências de eficácia para o tratamento de
comportamentos autolesivos, sendo essencial a identificação em terapia dos stressores que
despoletam a autolesão e quais os comportamentos adaptativos que podem ser utilizados como
forma de substituição e prevenção de recaída; aumenta assim as capacidades de regulação de

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emoções e tolerância ao sofrimento, transmite capacidades e estratégias úteis para a vivência
diária e estrutura redes de tratamento e suporte (Lieb et. al, 2004; Kamazaki e Dias, 2021).
Limitações
O sexo como autolesão é ainda um conceito emergente e não reconhecido totalmente
no campo da pesquisa (Fredlund, 2018). Além disso, o seu estudo é maioritariamente feito na
Suécia (Wall e Johnsdotter, 2022), enviesando, por isso, os resultados, já que estão
concentrados numa área demográfica específica, faltando ainda expandir este conceito ao resto
do mundo, criando oportunidades para mais estudos, de forma a validar, refutar ou acrescentar
novas variáveis aos já existentes.
Os estudos feitos neste sentido usaram plataformas on-line e não entrevistas
presenciais, o que tornou impossível fazer um follow-up e, sendo online, as respostas podem
ter sido condicionadas, ou seja, se as perguntas tivessem sido feitas em contexto de entrevista
presencial, as respostas podiam ser mais longas ou elaboradas. Os grupos de estudo incluíam
principalmente as camadas mais jovens e mulheres (problema de auto-seleção), pessoas com
experiência de abuso anterior e saúde mental debilitada, não conseguindo então dar resposta
ou descrever o SASI de forma consistente em relação a homens ou pessoas não binárias
(Fredlund, 2020).
Por ser um conceito não aceite ainda pela comunidade científica, existem várias formas
de designar este fenómeno e, por isso, em certos estudos não foi dada aos participantes uma
definição de SASI, não sabendo assim de que forma é que os participantes usaram sexo como
autolesão, sendo que usaram uma definição individual, não lhes sendo dados exemplos
(Fredlund et. al, 2017). Por outro lado, naqueles em que foi integrada uma definição do termo,
pode ter havido igualmente prejuízo já que esta pode ter afetado a forma de estruturar SASI
para os participantes (Fredlund, 2020).
Por fim, em relação ao SASI pode existir ainda um viés de memória nos resultados,
uma vez que os participantes descrevem um comportamento que ocorreu no passado (Fredlund,
2020).
Há uma grande escassez de pesquisa que demonstre uma relação significativa entre a
Perturbação de Personalidade Borderline e sexo como autolesão, apresentando resultados
muito superficiais, que não abordam os motivos, apenas constatam a existência destes
comportamentos sexuais de risco.
Neste campo, mais uma vez, os estudos são feitos maioritariamente em mulheres por
se acreditar que estas são o grupo mais afetado por esta perturbação de personalidade, porém
há profissionais que dizem que os números não refletem a realidade, apenas que as mulheres

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se predispõem com mais facilidade a procurar ajuda e, por consequência, a receber o
diagnóstico (Melo, 2021). A investigação neste sentido apresenta ainda graves problemas
éticos na realização da metodologia dos seus estudos, não tendo em atenção as características
emocionais e psicológicas vulneráveis desta população (Richards e Laaser, 1999).

Potencialidades
O sexo como autolesão, especialmentem em contexto de pessoas com Personalidade
Borderline, é um tema de extrema importância e pertinência, pois dá-nos uma nova
configuração dos comportamentos autolesivos de caráter não suicida, que não se prende apenas
com as suas manifestações mais comuns.
Os estudos feitos na área do SASI apresentam boas amostras representativas e as
pesquisas são feitas de forma anónima. Produzem ainda bons resultados, posteriormente
divulgados (juntamente com os estudos) sendo este um importante passo na direção da inclusão
do SASI nos cuidados de saúde e na promoção de estudos futuros para melhor conhecimento e
compreensão do mesmo, garantindo a melhor ajuda a estas pessoas.
Foi ainda investigada, pela primeira vez, a prevalência do SASI e a sua associação com
fatores sociodemográficos, comportamentos sexuais, experiências de abuso e saúde mental
(Fredlund et. al, 2017).
A Terapia Comportamental Dialética apresenta-se como uma potencialidade por se
mostrar eficaz na redução destes e outros comportamentos em pessoas com BPD (Lieb et. al,
2004; Kamazaki e Dias, 2021).
Apesar de anteriormente o facto do estudo ser focado nas camadas mais jovens ter sido
apresentado como uma limitação, visto de outro prisma, é possível que se identifique como um
ponto positivo, por permitir detetar e prevenir padrões de comportamentos autolesivos mais
precocemente.

Conclusão
Concluindo, o sexo como autolesão é, de alguma forma, comparável a outros
comportamentos autolesivos não suicidas e pode ser classificado como uma forma de violência
sexual, apesar de voluntária, com o objetivo de controlar e diminuir sentimentos
negativos/induzir positivos, regulando assim as emoções, de forma a obter confirmação
positiva ou negativa e acaba por se manter por via da compulsão.
Na população específica na qual focamos a nossa revisão, o sexo como autolesão pode
ainda ser usado para evitar o abandono real/imaginário, manifestando-se maioritariamente,

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através da complacência sexual. Pessoas com Perturbação de Personalidade Borderline são
especialmente vulneráveis a este tipo de comportamentos, pelo facto de apresentarem traços
mais instáveis e impulsivos na regulação emocional e relacional.
Os contextos nos quais estes ocorrem são variados, porém a dor física/psicológica e a
conotação voluntária, ainda que inconsciente, destes comportamentos classificam-se como
variáveis comuns a todos eles.
O SASI pode criar sérios traumas através da exposição a situações de alto risco. São
comportamentos que devem preocupar não só psicólogos como também os setores social e da
saúde, de modo a tentar preveni-los e garantir os cuidados e assistência necessários às pessoas
que neles participam.
Para eventuais pesquisas futuras em relação a esta temática, pode ser útil a expansão
demográfica e amostral do conceito assim como a inclusão da investigação de novas variáveis,
como a existência ou não de prazer durante as relações sexuais motivadas pelo sexo como
autolesão ou a prática destes comportamentos ligadas ao envolvimento com BDSM, focando
mais em pessoas com Perturbação de Personalidade Borderline.

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16
Anexos

Anexo 1. Representação Gráfica do Modelo de Evitamento Experiencial de comportamentos


autolesivos deliberados.

17
Anexo 2. Representação Gráfica do Modelo Neurocomportamental Explicativo da Perturbação
de Personalidade de Borderline.

18
Anexo 3. Principais traços de BPD e automutilação. Os círculos de tamanhos variados
representam diferenças nas taxas de prevalência entre BPD e automutilação em populações
sobrepostas. As setas representam relações recíprocas.

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