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processototal do desenvolvimentoda sociedadehumana, como

nos trabalhos de Morgan, P. Schmidt e Elliot Smith. Outras


vêzes,apresenta-nosuma história conjetural do desenvolvimento
de uma instituição, como no estudo de Robertson Smith sôbre
O ESTUDO DOS SISTEMASDE PARENTESCO* ; o sacrifício. A forma especialdo método com a qual lidaremos-t
{ é a tentativa de explicar um traço particular de um ou mais I
sistemassociaispor uma hipótesede sua origem.

A. R. Reocrmpr-BnowN

Tradução de SôNII RBcna Pecnnco Arvrs

Po* ,"sr"*re e cinco anosos estudosde parentesco


têm ocupado uma posição especial e importante na Antropo-
logia Social. Nesta leitura, considerarei os métodos que têm trabalhosde M'Lennan e Morgan precederamuma quantidade,
sido, e ainda são usadosnesteramo de estudo,e os tipos de considerávelde obras, que continuãm a ser produzidas até os l
resultadosque nos permitem alcançar. Falarei sôbre a história nossosdias, aplicando o método da história õonjetural de ma_
conjetural e a análise sociológicaou estrutural. neira diversa aos vários traços da organizaçãode parentesco.
Um dêssesmétodos foi primeiramenteaplicado a algumas
instituições sociais por escritores franceses e britânicos (em
geral escoceses)do século XVIII. Sôbre êle, Dugald Stewart
escreveuem 1795: "A esta espéciede investigaçãofilosófica,
que não tem um nome apropriado em nosso idioma, tomarei a
liberdade de intitular "História Teórica ou Conjetural"; uma
expressãoque coincide, aproximadamente,em seu significado,
com o de "História Natural", como foi empregadopor Hume
(ver o seu "Natural History of Religion") e com o que alguns
autores franceseschamaram "História Raciocinada"." Aceitarei
a sugestãode Dugald Stewart e usarei o nome de "história
conjetural".
O método da história conjetural é usado em diferenteq_
I' modos. Um tenta basear em consideraçõesgerais, no que i
Dugald Stewart chama "princípios conhecidosda natureza hu-
lr
ii
mana", conjeturas sôbre as origens da sociedadepolítica
(Hobbes), da linguagem(Adam Smith), da religião (Tylor),
da família (Westermarck)etc. Às vêzes,procura lidar com o
l, social que certamente não possuímos e às quais, acredito,
jamais chegaremos.
t
I Fala Presidencial ao Royal AnthÍopological Institute, 1941'

50 51
r
Meu próprio estudo de parentesco começou em 1904, sob (siblinss) e entre marido e mulher como pais dos mesmos
a direção ãe Rivers, quando eu era o seu primeiro e, então, filhos. Uma pessoa nasce ou é adotada numa família onde êle
único aluno de Antropologia Social, tendo anteriormente estu- ou ela é filho ou filha e irmão ou irmã. Quando um homem
dado com êle três anoJ de Psicologia. Muito devo a êsse contato casa e tem filhos passa a pertencer a uma segunda família
elementar, onde é o marido e pai. Êsse entrelaçamento de fa-
mílias elementarescria uma rêde do que chamarei, por ausência
de um têrmo melhor, relações genealógicase que se estendem
indefinidamente.
_As três relações que existem dentro da família elementar'-
constituem o que chamarei de \primeira ordem. As relações de
segunda ordem'são as que dependem da conexão de duas fa-
mílias elementares através de um membro comum, como o pai
do g{, o irmão da máe, a irmã da espôsa etc. Na lterceira
ordçmì encontramos o filho do irmão do pai e a espõsadõ
irmão da mãe. Assim, podemos ttaçar, se tivermos informa-
ções genealógicas,relações de quarta, quinta e n ordens. -Em.
como homem, professor e cientista não fica diminuída pelo qualquer sociedade um certo número dessas relações é reco-.
fato de censurãr o seu emprêgo do método da história nhecido para fins sociais, isto é, ligam-se a elas certos direitos
conjetural. ò deveres,. ou certos modos distintos de comportamento. As
De início, é necessáriodar uma definição. Usarei o têrmo relações reconhecidas dêsse modo formam o que chamo de
um sistema de parentesco ou, em extensão, um sistema de
parentesco e afinidade.
Um aspecto importante do sistema de parentesco é sua
ordenação. Num sistema de ordenação estreita, como o inglês
atual, apenas um número limitado de parentes é reconhecido
parentescoe afinidade. Espero, portanto, 9!e m9y uso do têrmo como tais, não acarretando qualquer comportamento especial
*ieja aceito, pois êle não precisa levar à ambigüidade. ou direitos e obrigações específicos. Na Inglaterra primitiva,
A unidade da estrutura onde é construído o sistema de essa ordenação era mais ampla, pois um primo em quinto grau
parentesco é o grupo que chamarei de "família elementar", tinha direito a uma parte do wergild quando um homem era
èonsistindo num homem, sua espôsa e seus filhos, quer vivam morto. Em sistemas de ordenação muito ampla, como os en-
iuntos ou não. Um casal sem filhos não constitui, nesse sen- contrados em algumas sociedades não-européias, um homem
ìido, umu família. São os filhos, adotivos ou naturais, que os pode reconhecer centenas de parentes qualificando o seu com-
farão membros desta. Devemos reconhecer também a existência portamento em relação a cada um dêles pela existência das
de famílias compostas, como a poligâmica, onde há apenas um relações.
marido com duas ou mais espôsas e respectivos filhos, e, nas Em algumas sociedades, há pessoas consideradas como
sociedades monogâmicas, a produzida por. um segur$o matri- unidas por relações de parentescos, embora não se conheça
mônio dando origem às relações de meio-irmãos e ao que em qualquer laço genealógico real. Assim, os membros de um
I inglês se denomina "step-relations". Podemos considerar as
clã são considerados parentes, mesmo que alguns não possam
famílias compostas como um grupo de famílias elementares provar sua descendência de um ancestral comum. É isso o
unidas por um membro comum. que distingue o que chamaremos um clã' de uma linhagem.*
A existência da família elementar cria três tipos especiais Assim, um sistema de parentesco conforme minha defi-
de relações: entre pais e filhos, entre os filhos dos mesmos pais nição, ou um sistema de parentesco e afinidade, se preferem,
t
ó acimade tudo um sistcmadc rclaçõrcs cntrc pcsstlas
tliáclicas r:rn rcfrrrêrtcin
itos ctrtclcrcs gcriristluc iìpcnls siul clcscobcrtos
numa comunidade,sendo que o comportamgnto,cm qualqucr lìo pr()ccss()dc conrplrlçho. Nossoprop(lsitoó chcgara abs-
dessasrelações,é regulado,de algum modo e em maior ou traçõcsvírliclas ou itlóiasgcraiscnr tôrmosquc possamdescrever
menor extensão,pelo uso social.. c classificaros fcnômcnos.
Um sistemade parentescotambém inclui a existênciade Pr<lponhoilustrar os dois métodos- o de história conje-
tural e o dc sistemade análise- atravésde um exemplopar-
€rupos sociaisdefinidos. O primeiro dêstesé a família domés- ticular, selecionando um traço especialde terminolograde paren-
tièã - um grupo de pessoasque, num determinadotempo,
vivem juntas numa residência ou num conjunto destas, com tescode um númerode tribos esparsas.QuandoMorgan estudou
uma espéciede prganizaçãoeconômicaque poderíamoschamar as tribos da América do Norte, notou certaspeculiaridades nos
de "economiadoméstica"(housekeeping).Há muitos tipos de têrmos para primos. Na tribo Choctaw, percebeu que um
famílias domésticas,variando em forma, tamanho e na ma- homem chama o filho da irmã do pai pelo mesmo têrmo de
neira de sua vida em comum. Uma família domésticapode relaçãoque aplica a seu pai e ao irmão do pai. Podemosdizer
consistirnuma única família elementarou pode ser um grupo que o filho da irmã do pai é tratado na terminologiacomo se
incluindo cem ou mais pessoas,como o zadruga dos eslavos fôsse um irmão mais nôvo do pai. Recìprocamente,um ho-
do Sul e o taravad dos Nayar. Em algumassociedadeso "grupo mem chama o filho do irmão da mãe pelo têrmo próprio para
local" das famílias domésticasé importante. Também ocupam "filho". Do mesmomodo, êle aplicaum têrmo de relaçãopara
uma posição de destaque em muitos sistemasde parentesco, a irmã do pai e a filha desta,e fala da filha do irmão'da mãe
pale-qlëçgr: linhagens, clãs e metades. como "filha". Na tribo Omaha,rpor outro lado, Morgan veri-
.grupos unilineares,.d_-e, ficou que um homem chama b filho do irmão da mãe como
Por sìstemade parentescoentendouma rêde de relaçõeS-
g.gçipisdo tipo agui definido, formando uma parte da rêde "tio", isto é, irmão da mãe, e a filha do irmão da mãe como
gstruturasocial. Os.direitos e obrigações-' "mãe" e recìprocame-ntefala do filho da irmã do pai pelo
-to!{ que clramo de têrmo que usa para o filho da sua irmã e uma mulher emprega
dos paìèntesentre si e o uso social que observamem seus
contatossociais,já que as relaçõessão descritaspor êstes,fazem um mesmo têrmo para seu próprio filho, para o filho de sua
parte do sistema.Consideroo culto dos ancestrais,onde ocorre, irmã e para o filho da irmã do pai desta. As Figuras 1 e 2
como uma parte real do sistemade parentesco,constituídapelas ajudarão a esclareceressasterminologias.
relaçõesdas pessoasvivas com seusparentesmortos e afetando
as relaçõesentre os vivos. Os têrmosusadospor uma sociedade
para se dirigir ou referir-se a parentes são partes do sistema,
assimcomo as idéias do povo sôbre parentesco.
--
Percebemosque pelo uso da palavra "sistema') fiz uma
suposiçãoimportantee de longo alcance,pois'estaimplica uma.
unidadecomplexa,num todo organizado,onde quer que seja uti-
lizada. Minha hipótese explícita é que ,entrq_,osvários traços
de um sistemaparticular de parentescohá uma relação com-
plexa de interdependência.A formulação dessa hipótese de
-trabalholeva
imediatamenteao método da análisesociológica
pelo qual procuramos descobrir a natvÍeza dos sistemasde pa-
rentescocomo sistemas,se assim o forem. Para tanto, preci-
samos realizar uma comparaçãosistemáticade um número su- Frc. 1 - Choctaw
ficiente de sistemasbastantediversos. Devemos compará-los P- p a i m =m a e
não em referênciaa caracteresúnicos, superficiaise, portanto, I - Irmão i = irmã
imediatamenteobserváveis, mas como um todo, como sistema, F - filho f - filha

54 55
lggiqq Çhoctaw e Omaha são bastanteracionaise ajustam-seaos
sistemassociais onde ocorrem, como a nossaadapta-sea nosso
iistema.
\essaltaria que os sistemas acima ilustrados exibem um
aplicado de maneira diversa, que po-
único hrinc(pj9_-act1lflg:rgl
deremos talvez chamar de posições diversas. Consideramo-los
juntos, porém, como variedadesde uma única espécie.
Tentou-seexplicar essasterminologiaspelo método da his-
tória conjetural. Primeiro foi Kohler em 1897, no seu ensaio
"Zur Urgeschichte der Ehe". Kohler defendia a teoria de
Morgan sôbre matrimônio de grupo, usando os sistemasChoc-
taw e Omaha em sua argumentação. Êle explicava a termi-
nologia Choctaw como resultante do casamentocoÍn a espôsa
do irmão da mãe, e o sistemaOmaha como o resultadode um
costumede matrimônio com a filha do irmão do pai. O ensaio
ilmlm de Kohler foi revistopor Durkheim (1898) numa contribuição
FIc. 2 - Omaha breve e importante à teoria do parentesco. Êle rejeitou as hi- ' I"'
pótesesde Kohler e destacoua ìonexão dos sistemas Choctaw,
Terminologias semelhantesà Omaha são encontradas: 1) è Omaha com as descendênciasmatri e patrilaterais, respecti-i
nas tribos Sioux aparentadas ao Omaha, como as Osage, vamente.
Winnebago etc.; 2) em certas tribos algonquianas,podendo.se O assuntofoi consideradode nôvo por Rivers com relaÍ
citar os índios Fox como exemplo; 3) numa área da Califórnia ção às ilhas Banks e, sem trazer à baila ã questão dos matri-
que inclui os Miwok; 4) em algumastribos da África oriental, mônios de grupo, a terminologia foi explicada como o resul-
quer banto, quer não-banto,incluindo os Nandi e os Baúonge; tado de um costume de matrimônio com a viúva do irmão da
5) entreos ShotaNagasde Assam;6) em tribos da Nova Guiné. mãe. Gifford (1916), encontrandoo traço característicodo
As semelhantesaos Choctaw são encontradas: 1) em outras sistemaOmaha entre os Miwok da Califórnia, seguiu Kohler e
tribos sul-orientaisdos Estados Unidos, incluindo os Cherokee; Rivers, explicando-o como resultante do costume de matri-
2) nas tribos Crow e Hidatsa da planície;3) entre os Hopi e mônio com a filha do irmão da espôsa.Quaseao mesmotempo,
alguns índios Pueblo; 4) entre os Tlingit e os Haida da costa e independentemente,Seligman (1917) oferecia a mesma ex-
noroesteda América; 5) nas ilhas Banks da Melanésia;6) plicação do traço Omaha ocorrendo entre os Nandi e outras
huma comunidadede língua Twi da África ocidental. tribos da África.
Alguns olhariam estaterminologiacomo "contrária ao bom Resumindo o argumento ern relação ao tipo Omaha: a
senso",mas isso $ignificaapenasque ela não estáde acôrdo com hipótese é de que, em certas sociedades,a maioria com uma
nossasidéias européiasmodernassôbre parentescoe sua no- organizaçáopatrilinear definida, adotou-se,por qualquer mo-
menclatura. Deveria ser fácil a qualquer antropólogo reconhe- tivo, o costume de permitir o casamentocom a filha do irmão
cer que o que é bom sensonuma sociedadepode ser o oposto _da espôsa.
em outra. As terminologias Choctaw e Omaha exigem uma Na Fig. 3, D teria permissãode casar com f. Ocorrendo
explicação, mas a inglêsa também o requer, quando usa a tal matrimônio, f - que é a filha do irmão da mãe de G e h
palavra "cousin" para todos os filhos dos irmãos e irmãs da - seria a madrastadêlese E - filho do irmão de sua mãe -
mãe e do pai, um procedimentoque para alguns não-europeus tornar-se-iao irmão da madrasta. Conforme a hipótese, a ter-
pareceriacontrário não apenasao bom senso,como também à minologia de parentescoseria modificada para antecipar essa
moral. ,O que procuro, entretanto, é mostrar que as termino- forma de matrimônio, onde quer que pudesseocorrer. G e h

56 57
, -{ ,

Seria igualmcntcplausívclsugerir que uma forma especÍ-


fica de matrimônioé o resultadoda terminologia. Se, no caso
Omaha, trato a filha do irmão da espôsacomo a irmã mais
nova desta e pelo costumede sororato ela seria o parente indi-
cado para o segundomatrimônio,então também poderei casar
com a mulher que trato ,comotal no sistematerminológico,isto
é, a filha do irmão da espôsa. Essa hipótese, naturalmente,
também náo ê, comprovada. Se adotamos a de Kohler, acei-
tamos que a terminologia foi explicada em algum sentido, mas
não se elucida o costume de matrimônio. Pela outra hipótese
explica-seo costume matrimonial, mas não a terminologia. O
único critério concebívelpara a escolhade alguma delas, creio
Frc. 3 eu, é o da predileção estritamentepessoal.
Enquanto podemos considerar o costume matrimonial
Nore: A e c sãoirmãoe irmã
como sendo o resultado imediato dp terminologia numa socie-
chamarãof (filha do irmão da mãe e sua possívelmadrasta) dade que já tinha a poligamia sororal, o inverso só é possível
de "mãe", e o irmão dela. E - de "irmão da mãe". Há um com a ação concomitantede algum outro fator indeterminado.
mesmo argumento para o sistema Choctaw. Conforme o cos- Temos exemplos de sociedadesonde um homem às vêzes se
tume, um homem pode ocasionalmentecasar-se com a viúva casa com a viúva do irmão da sua mãe, mas apenasusa a ter-
do irmão de sua mãe. No esquemaacima, G casaria com b minologia que tal matrimônio torna apropriada após êste ter
ocorrido. Embora não tenhamos provas dêsse procedimento
- espôsado irmão da mãe (A) - ficando E e f como seus
enteados. Se êste matrimônio fôr antecipado na terminologia, em relação ao casamentocom a filha do irmão da espôsa,é
possívelque isso ocorra; a hipótesenão pode explicar o motivo'
então E e f chamarãoG de "pai" e h de "irmão do pai".
por que tôda a terminologia deva ser elaborada a fim de se
Notemos que numa tribo Omaha e qualquer outra tendo
terminologiasemelhante,o casamentode um homem com a adaptar a uma forma particular de matrimônio que só ocorre
filha do irmão da espôsaé permissível. O matrimônio com a ocasionalmente.
oq-pripçíp!9s g$ru--
Deixemos a hipótese e teèelqlÍ_tg_tro.ç..
viúva do irmão da mãe não aparece regularmente na termi-
nologia Choctaw, mas se apresentaonde esta não existe como turais dos sistemasde parentescoonde essaterminologia ocorrg,
quer na forma Choctaw, quer na Omaha. É necessário,porém,
dizer algo a seu respeito, pois tem havido muita controvérsia
neste calopo. Morgan primeiro se interessou pelo problema
como -etnólogo) isto é, alguém que procura descobrir as rela- \
ções hìstóricas'dospovos sôbre a teÍÍa. Êle julgou que cole- |
tando um exemplo suficientede terminologiase comparando-as,'
descobririaa relaçãohistóricados índios americanos(os povos
Ganowanian,como chamava) com os asiáticos. No correr do
matrimonial causou ou produziu a terminologia especial, ou trabalho, entretanto,conclui que elas poderiam ser usadaspara
resultou desta. Não há evidência de que isso realmentetenha inferir a existênciadas formas anterioresde organizaçãosocial.
ocorrido. O argumento é a priori. A fraqueza essencialda Supôs que as terminologias classificatóriasque encontrou em
história conjetural é que a hipótese não pode ser verificada. tribos norte-americanas,como as iroquesas,eram inconsistentes
Assim, esta reduz-se a uma especulaçãoou conjetura sôbre com a forma de organizaçáosocial onde se inseriam e assim
como as coisas deveriam ter acontecido. não poderiam ser origináriasde uma sociedadeorganizadaem
tal modo, e sim uma "sobrevivência" de outro sistema social.
58 ,'4" 'i l, 59
é f r .- i
que, apresentaconexõescausais; para Kroeber, ela não o é.
Aqú, discordo de ambos,afirmando que uma verdadeiraciência
teórica pura (física, biológica ou social) não está ligada a
relaçõescausaisnesse sentido.O conceito de causa e efeito
pertence à ciência aplicada, à vida prâtica com suas artes e
técnicase à história.

+ \ Sociologid'. "Os têrmos de relação" - escreve Qlg - "5ã.o


tentativa de usar tais notlenclaturas para reconstruçõeshis- \ determinadosprimàriamentepelos latôres lingüísticose só oca-
tóricas das sociedadespassadas.Seria interessanteestudar por :sional e indiretamentesão aletadospelas circunstânciassociais."
que SÍarcke teve tão poucos discípulose Morgan, tantos. Mas Mas em seu útimo artigo, esclareceo que êle considerafatôres
isso foge ao nosso assunto. psicológicos: "são fenômenos sociais ou culturais, tão verda-
Em 1909, Kroeber publicou no lournnl oÍ the Royat An- deira e completamentequqnto as instituições, crenç(N ou indús-
Institute um artigo sôbre "Classificatory Systems tri.as são fenômenos sociaií'. Sua tese, portanto, refere-se à
of Relationship". Rivers fêz algumas críticas ao seu conteúdo distinção entre duas espéciesde fenômenossociais. Uma, êle
em Kinship anà Social Organisation (1914b) e Kroeber res- chama de institucional, definindo-a como "práticas relacio'
pondeu-lhe no Calilornia Kinship Systems (191,7). nad.ascom o matrimônio, descendêrrcia,relações pessoaisetc.",
e chamou-a de "fatôres sociais". A outta, chamou de "psique"
_ Discuti o artigo de Kroeber com Rives, quando foi publi- de uma cultura, "isto é, a maneira de pensar e sentir caracte-
cado, e acabei discordandode ambos os lados-da controvérsia.
Kroeber escreveu: "Nada é mais precório do que o método r'utica da culturd'. São o que chama de "fatôres psicológicos".
comutn de deduzir a existência recente de instituições sociais O lado positivo da tese de Kroeber é estabelecerque as se-
e conjugais pelas designaçõesde parentesco." Esta é uma rea- melhançase diferençasda nomenclaturade parent€scodevemser
firmação da idéia de Starcke em 1889, e com isso eu con- interpretadas ou compreendidaspor referência a semelhanças
cordava,e ainda concordointeiramente,em oposiçãoa Rivers. e diferençasna "maneira de pensar" geral. O seu lado negativo,
O autor continua: "Uma característica inlortunada da Ántro- que nos interessaaqui, é que não existe relação entre seme-
pologia, em anos recentes, tem sido a ampla procura de causas lhanças e diferenças de nomenclatura de parentesco e seme-
específicaspara acontecímentosdeterminados cuia conexão só lhanças e diferençasde "instituições", ou melhor, das práticas
pode ser estabelecidapela evidência subietivamcnte selecionnda. relacionadasao matrimônio, descendênciaou relação pessoal.
Num maior conhecimento e liberdade de motivo torna-se cada Êle admitia, em 1917, a existência de uma "correspondência
t'ez mais evidente que as explanaçõescqasais dos lenômenos clata entre terminologia e prótica social em certas partes da
antropológicos distintos só rararnente podem ser encontradqs ÁÍrica e Oceânid', mas nega que estaspossamser encontradas
etn outros fenômenossepora.dos."Isso também admito. na Califórnia. Destacaque na Austrália e Oceânia elas foram
Mas tanto Kroeber quanto Rivers parecem concordar que deliberadamenteprocuradas, mas não na Califórnia. E talvez
explicaçõescausais são necessáriaspara a constituição do que seja tarde demaispara isso.
o primeiro chama "a verdadeira ciência". Para Rivers, a Ãn- Em oposiçãoa Kroeber e, de certa forma, concordandocom
tropologia é uma verdadeira ciência porque, ou na medida em Rivers, asseguraque em todo mundo há uma correspondência

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importante entre nomenclaturade parentescoe prática sociais. Demorei-me na discussãoentre Kroeber e Rivers porque'
Estas relaçõesnão devem ser apenas afirmadas, mas demons- como ambos ressaltaram,o problema real não se limita aos
tradas por trabalhos de campo e análisescomparativas. O que têrmos de parentesco,mas a uma questão bastante importante
não significa aceitarmoso contrário, e o argumentode Kroeber sôbre o método geral dos estudos antropológicos. Parece-me
a respeito de sua alegada ausência na Califórnia permanece, que deveria ter esclarecidomelhor minha própria posição,mos-
creio, inteiramente inconvincente. trando como ela difere das defendidas por Rivers e por
-* Para Kroeber, a nomenclaturade parentescode um povo Kroeber.
representasua maneira geral de pensar aplicada ao parentesco.
Mas as instituições de um povo também representamsua ma- Os sistemasde parentescosão feitos e refeitos pelo homem
neira geral de pensarsôbreparentescoe matrimônio. Devemos assim como as línguas são feitas e refeitas, o que não significa
que sejam normalmente construídasou transformadaspor um
supor que nas tribos californianas o pensamentosôbre paren-
processo de deliberaçãoe sob o contrôle de propósitos cons-
tesco,como aparecepor um lado na terminologia,e, por outro,
nos costumessociais,não é apenasdiferente,mas também não- èientes. Uma língua deve funcionar, isto é, deve providenciar
correlacionado?Isso paÍece ser o que Kroeber propõe. um instrumento mais ou menos adequadopaÍa. a comunicação
Êste autor ressaltou,em 191,7,que seu primeirò artigo re- e por isso deve ajustar-se a algumas condições gerais neces-
presentavalma "tentativa genuína de compreen^der sárias. Uma comparaçãomorfológica de línguas mostra-nosos
sistemqsde
porentesco como tais". Mas por "sistema de parentesco", diferentes caminhos para onde foram compelidaspelo uso de
Kroeber entendia apenas um sistema de nomenclatura. Além
do mais, êle é um etnólogo, não um antropólogo social. Seu
interêssemaior, ou único, no assunto,é a possibilidadede des-
cobrir e definir as relaçõeshistóricas entre povos por compa-
ração de seussistemasde nomenclatura. 'costume
social. Uma comparaçãode sistemasdiferentes mos--
ìra-nos como iêú sidô briàdos sistèmasde parentescoviáveiq
ìrtilizando certos princípios estruturais e determinados meca-
nismos.-
Um traço comum entre êles é o reconhecimentode certas
categoriasou tipos onde são agrupadosvários parentesde uma

todo, o que não sucederiase não existissemrelaçõesde inter-


dependênciaentre a terminologia e o resto do sistema. eue
existem tais relaçõesposso assegurarpelo meu próprio tra- iode ser empregadopara se referir a uma categoriade parentes,
balho de campo em mais de uma região. Acredito que isso e categoriasdiversas serão distinguidaspor têrmos diferentes.
seria confirmado por qualquer antropólogo que fizeise um Examinemosum exemplo simples: o sistemainglês' Fa-
estudo de campo completo sôbre o assunto.l

l^Minha posição- foi mal compÍeendida, e por isso mesmo mal interpretada
. .,Apache
IÌ9.1o-Lrr._Opler (1937b) em seu iltigo Data concerning the Relaiion of
Iünship Terminology to Social mas nos dois primeiros p;rág;afó;
-Classifisation,';
dc outÍo tÌabalho dêste autor (l93za) sôbre "chiricahua Apache'social orgãnlsãiiõn
estabelece o que eÍa então o seu, e também o meu, poúto de yista.

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títúos nobiliárquicos,por exemplo. O sobrinho tem os mesmos aspectos é subordinada a outro bugqpts-ãt1ffiD que po-
direitos de herança em caso dos bens intestáveisde ambos. No demos chamar de p11nç!p-!9_-,4,ç s-qlide,r"ie.dade
.do* -grupo- .dç,
que podemoschamar de comportamentosocialmenteestandar- sibllns;,- Um grupo de siblings é constitúdo pelos filhos e filhas
dizado na Inglaterra, não é possível notar qualquer distinção ãJffi- homeÀ .ua espôsi numa sociedadì monogâmica,de
entre o tio materno e o paterno. Recìprocamente,a relação de um homem e suas " espôsas,onde houver poligamia, ou de uma
um homem com as espéciesdiferentesde sobrinhosé, em geral, mulher e seus maridos, em comunidadespoliândricas. O laço
a mesma. Por extensão,náo hâ qualquer diferençaentre o filho unindo irmãos e irmãs num grupo social é ressaltado em qual-
do irmão da mãe e o filho do irmão do pai. quer parte, sendo mais enfatizado, porém, er4 algumas socie-
Em Montenegro, ao contrário, tomando outro exemplo dades. A solidariedadedo grupo de siblings apresenta-selogo
europeu, os irmãos do pai constituem uma categoria e os da nas relaçõessociais entre os membros.
mãe, outr,a. Êstes parentes,com suas respectivasespôsas,dis- Dêsse princípio derivou outro que chamarei de princípio
tinguem-sepor têrmos diferentes,e as relações sociais de um da unidade do gr-cpq-{á{lfÁ.-.*pstenão se refere à unidade in-
+4*'='ï
homem com seus dois tipos de tios mostram diferenças ternãÌlõffifiõ exibida no comportamentodos membros enÍe
, marcantes. sil rúás à sua unidade perante uma pessoaestranhaligada por
g@Çuêr felação específicaa um de seusmembÍos e, portanto,
êm contato com o gr-upo. Um diagrama ajuda a discussão.

Os sistemasde parentescocom os quais lidamoS apresen-


tam certas formas do que Morgan chamou de terminologia
"classificatória", cujo significado, conforme o autor entendeu,
está bem esclarecidoem sua obra. Mas essadefiniçãoé quase
ignorada, talvez porque poucos o leiam. IJma nomenclatura
é classificatóriaquando usa, para os colaterais,têrmos que se Flo. 4
referemprimàriamenteaosparenteslineares,como "pai". Assim,
pela definição de Morgan, a palavra inglêsa "tio" não é um
têrmo classificatório, mas o oposto,pois se limita aos colaterais.
Kroeber (1909) critica Morgan e rejeita sua concepçãode ter-
minologia classificatória,mas acaba rttlizando a mesma distin-
ção ao tomar como um dos traços importantesdas terminologias
a extensãocom que separamou distinguemos parenteslineares
dos colaterais. Parece-me que Kroeber discorda apenas da
palavra"classificatório".Sem dúvida estanão é a palavraideal;
mas há múto está sendo usada e embora várias tenham sido
propostas não foi encontrada outra melhor. sistemasonde a idade não é enf.atnada,um homem trata os
Não pretendo lidar com todos os sistemasonde o prin- icmãos de seu pai - o mais velho ou o mais nffvq - ssÍns
cípio classificatório tem sido aplicado na terminologia, mas sendo seu pai. Êle se refere ou se dirige a êles com o mesmo
apenascom um certo tipo mais conhecido. Nessessistemas,a têrmo que aplica ao seu próprio pai e, em certos aspectosimpor-
distinção entre parenteslineares e colaterais é claramentereco- tantes,'seu comportamento assemelha-seao que mantém com
nhecida e de grande importância na vida social, mas em certos êste. O que define o comportamentovaria, sem dúvida, nos

64 65
diversos sistemas. Onde a ordem de idade é muito enfatizada, seuse um homem, em relação aos filhos da irmã dêste. Como
um homempode distinguir o irmão mais velho e mais nôvo, quer s_epercebe,êste é um meio de expressarna terminologia a uni-
no compoÍtamento,apenas,ou nestee na terminologia,mas ainda dade que une irmãos e irmãs em relação aos filhos de ambos.
permaneceum elemento comum para proceder frente a todos Sou chamadopor um têrmo, por meu pai e seusirmãos e irmãs,
os "pais". e por outro, por minha mãe e suas irmãs e irmãos.
A diÍerençaentre sexosé mais importante que a de ordem O mesmoprincípio - o da unidadedo grupo de siblings-
de idade, havendo aí uma grandevariedadenos sistemasexami- é aplicado a outros $upos de siblings. Assim,-o irmão dõ avô
nados, embora a maioria, nas diÍerentespartes do mundo, exiba paternoé consideradocomo pertencenteà mesmacategoriadêste,
algunsaspectosda relaçãoentre um homem e a fumã.do pai que r,esultandoque seu filho é um parente um pouco mãis distante
podem ser corretamentedescritosse dissermosque ële a 1uata do mesmotipo que o pai e seusirmãos. Devido a essaextensão
como uma espéciede pai feminino. Em aÌgunsdêssessistemas,
êle realmente a chama de "pai feminino" ou uma variação do
têrmo para "pai". Pareceimpossívelque um homem considere
a irmã de seupai como um parente da mesmaespéciedêste,mas
isso é porque pensamosnão em relações sociais definidas por
modos de comportamento(que é o nosso campo), mas em
relação psicológica,que é irrelevante.
O mesmo acontececom o grupo de siblíngs materno. As
irmãs da mãe são tratadascomo parentesdo mesmotipo desta, tìrral aqur esboçado. i,
quer em terminologia, queÍ em certos princípios de comporta-
mento e atitudes. Em alguns sistemas,o irmão da mãe também
é assimtratado e pode mesmoser chamadode "mãe masculina",
como em tribos bantos da África, e entÍe os tongas do Pacífico.
Se o princípio de ordem de idade é acentuado,os irmãos da mãe
podem ser distinguidos conforme forem mais velhos ou mais algum elementode atitude ou comportamento,consideradocomo
novos quo esta. apropriado a todos os parentesdesignadospor um têrmo e não
Aquêles que nunca tiveram contato direto com sistemas aos outros. Mas dentro de uma categoriapode haver, e sempre
dessaespécieacharãodifícil, talvez,compreendercomo uma irmã há, distinçõesimportantes, sobressaindo-sea existente entró o
do pai pode ser encaradacomo um pai feminino e o irmão da
mãe como uma mãe masculina. Isso se deve à dificuldade de
dissociaros têrmos "pai" e "máe" das conotaçõesque possuem
em nosso próprio sistemasocial, o que é absolutamenteneces-
sário se queremos compreenderos sistemasde parentescode
outras sociedades. Talvez ajude um pouco se eu citar outra
terminologia que nos parece peculiar. Na maioria dos sistemas
com que trabalho existe uma palavra para "filho" ou palavras Se essatese é verdadeira,se essaé realmentea termino-
para "filho" e "fi7ha", que um homem aplica aos seuspróprios logia classificatôrianas tribos onde ela existe, é óbvio que tôda
filhos e aos filhos de sua irmã. Mas em algumastribos austra- a teoria de Morgan está destrúda. O sistema classificatório,'
lianas há duas ou mais palavraspara "filho", sendo que uma é como entendemos,dependedo reconhecimentodos fortes laços
usadapor um homem em relação a seusfilhos (ou os filhos de sociais que unem irmãos e irmãs da mesma famflia elementar
seu irmão) e por uma mulher para os filhos do irmão. A outra, e-a utiljzaçãodêsseslaçospara construiruma ordenaçãocomplexa
uma mulher, emprega paÍa os filhos de sua irmã ou para os das relações sociais entre parentes. Êle não poderia exisiir, a

66 67
l[.'
I
não ser numa sociedadebaseada na família elementar. Em ascendente;restriçõesde comportamentoimpõem uma certa dis-
nenhumlugar do mundo, os laços entre um homem e seusfilhos, tância ou impedem uma grande intimidade. De fato, há uma
e entre os filhos de um mesmo pai, são tão fortes quanto nas relação generalizadade ascendênciae subordinação entre as
tribos australianasque apresentam,como se sabe, um exemplo duas gerações. A nomenclaturapara avós e netos é bastante
extremo de terminologia classificatória. significantenessecaso. Em algunssistemasclassificatórios,como
os das tribos australianas,os avós paternossão distingúdos dos
A solidariedadeinterna do grupo de siblings e sua unidade-r
maternospela terminologia e comportamento. Mas, em outros,
em relação às pessoasrelacionadascom êle aparecemsob um
grande número de formas diferentes em sociedadesdiversas. a tendênciageral é classificartodos os parentesdaquela geração
como "avôs" e t'avós".
Não posso [q,zg1qualquer tentativa para esclarecê-los,mas Para
reforÇarb último argumentoressaltareique devemosinterpretar l . De passagem,indiquemg.sque.nas terminologias1!e$i{ig-
os costumesda poligamiasororal (casamentocom duas ou mais tórias chamadaspor Morgan'de tipo qtdalo e por ,giverd)de I
irmãs), o sororàto(casamentocom a irmã da espôsamorta), Itay,qrgng,êste processogeneralizadoré aplicado a outras gera- *''
!
aLqliandrìaadélfica(casamentodeumamu]hercomdoisou ções, dènominando-se de "pai" e "máe" todos os parentesda
geraçãodos pais, e de "irmão" e "irmã" todos os da sua geração.
mais irmãos, que é a forma mais comum de poliandria) e o
levirato (casamentocom a viúva do irmão) à luz do princípio. l Muitos sistemasde parentescode várias partes do mundo
estrutural. Sapir, usandoo método da história conjetural,sugeriu.' exibem um sistemaestrutural que chamarei de 'iqqgr-!144g1o- de
'que terminologia classificatóriapode ser o resultado dos cos- geraçõesalternadas".Isso significa que os parentes da geração1
a
tumes de levirato e sororato. Que as duas coisas são correla- dos avós são combinadoscom os da geraçãode Ego, em opo-
cÌonadas,creio que está claro, rnAq-nãoFíèü-tlêriciaíem qüal: siçãoaos da geraçãode seuspais. Pareceque o desenvolvimento,
causais.-ÉiefS4q mo.dg-ç. extremo dêsseprincípio é encontradonas tribos australianas,e
, 4g"r parte para as supostasconexõgs_ a êles voltarei mais adiante.
í-i dlfgrentesde aplicar ou usar o princípio da unidade do grupo
' ãâ dbfinss e põdem existir juntos ou ieparadamente: eis a sua Enquanto alguns sistemasenfatizam as distinçõesde gera-
i'erdadeira correlação. ções em suas terminologias ou na estrutura social, há outros
que incluem na mesma categoria parentes de duas ou mais
*l- U.u organizaçáoem clãs ou metadesé baseadaou 'bog\ gerações. Pelos estudos comparativos que levei a efeito,
fi--@ entre-o princípio de solidariedadee unidade do grupo
6 siblWi com outros princlpios, Tylor sugeriu uma conexão podemos dividir essasocorrênciasem quatro classes.
'ëúie Na primeira classe, o têrmo de relação não possui uma
ôlãs exógamose terminologia classificatória. Rivers colo-
cou-a €m têrmos de história conjetural e argumenta que uma conotação referente a qualquer geração particular e é usado
terminologia classificatóriadeve ter tido sua S1g*-@)na organi- para destacaruma espéciede região marginal entre não-parentes
zaçáoda sociedadeem metadesorgânicas.,-Ì-- ,. ., ",,. e aquêlesmais íntimos, aos quais são devidosdeveresespecíficos
e sôbre os quais são reconhecidosdireitosespeciais.O uso do
têrmo geralmenteimplica que uma pessoadeve ser tratada com
II uma certa atitude geral amistosae não como um estranho,desde
que foi reconhecidacomo parente. Um bom exemplo é for-
É necessário,para nossa análise, considerarbrevemente necido pelos têrmos ol-le-sotwa e en-e-sotwa,em Masai, e eu
outro aspectpda, eellruturados sistemasde parentesco,isto é, incluiria a palavra inglêsa cousin (primo).
a@v-lCõúm ge-raçõeòEssa distinção baseia-sena famflia ele- A segundainclui aquêlestêrmos que apresentamconflito
t mentar, na relaçã<iexistente entre pais e pilhos. Em muitos ou inconsistênciaentre a atitude geral requerida para o dado
sistemas,verifica-seuma certa tendênciageneralizadorano com- parente e a requerida para a geraçã,oà qual êle pertence.
portanto dos parentes de geraçõesdiferentes; em geral espe- Assim, nas tribos do Sudesteafricano há um conflito entre a
li ra-se que uma pessoamantenha uma atitude de respeito mais regra geral que exige um nítido respeito nas relações com os
parentes da primeira geração ascendentee o costume de des-
ou menos acentuadacom todos os parentesda primeira geração
I
68 69
l'
respeito privilegiado ao irmão da mãe; isso é resolvido colo- cu matrimônio,enquadrando-os numa categoriaúnica, com dis-_
cando-o na segunda geração ascendente e chamando-o de tinçõespara sexo e talvez outras. Onde êsseprincípio existe'
"avô", Outro exemplo é encontrado entre os Masai: um na terminologia,uma pessoarelacionadacom a linhagempor
homem mantém grande familiaridade com seus "netos", isto é, laçosexternosaplica a seusmembrosdo mesmosexo,ao menos
com todos os parentes da segunda geração descendente, mas em três gerações,um só têrmo de relação. Em seu desenvol-
deve observar uma profunda reserva perante a espôsa do filho vimento extremo,isto é, no clã, uma pessoarelacionadacom-
de seu filho. O impasse é afastado por uma espécie de ficção êste aplica o mesmo têrmo a todos os membros do clã. A
legal, retirando-a de sua geração e chamando-a de "espôsa do seguir, damos exemplos.
filho". O tipo de terminologia Omaha pode ser ilustrado pelo
Uma terceira classe de probabilidade é a resultante do sistemados índios Fox, cuidadosamenteestudadopelo Dr. Sol
princípio estrutural já mencionado, onde se combinam gerações Tax (1937): Os traços dêssesistema,relevantespara a argu-
alternadas. Assim, o pai do pai pode ser chamado de "irmão mentação,são ilustradospelos diagramasabaixo (Figs. 5-9).2
mais velho", e tratado como tal, e o filho do filho será "irmão
mais nôvo". Ora, um homem e o filho de seu filho podem ser,
ambos, incluídos na mesma categoria de relação. Há muitos
exemplos semelhantes nas tribos australianas e em outros locais.
Posteriormente citaremos os Hopi.
A quarta classe inclui, entre outros, os sistemas do tipo
Choctaw e Omaha; aqui a distinção de gerações é suplantada
por outro princípio:,o da unidade do grupo de linhagem.
Desde que a palavra linhagem é usada indistintamente,
o
devo explicar o que entendo por tal. Uma linhagem patrilinear-
ou agnática consiste em um homem e seus descendentespela
linha masculina, num número determinado de gerações. Uma
linhagem mínima inclui três gerações, mas podemos tê-las de
quatro, cinco ou n. A linhagem matrilinear consiste numa
mulher e tôdas as suas descendentespelo lado feminino, por
um determinado número de gerações. Um grupo de linhagem
consiste em todos os membros vivos desta. num determinado
momento. O que entendo por clã é um grupo que se asse-
melha, de certo modo, a uma linhagem, embora não seja real
Frc. 5 - Fox
ou demonstrável (por genealogias). Em geral, é formado por
Linhagem do pai
um grupo de linhagens verdadeiras. Linhagens patri ou matri-
laterais estão implícitas em qualquer sistema de parentesco, mas Em sua iinhagem patrilinear um homem distingue seus
é apenas em alguns que a solidariedade dêsses grupos é um parentes,de acôrdo com a geração,como "avô" (A), "pai"
traço importante da estrutura social.
Onde grupos de linhagem são importantes, podemos falar^' 2 Nestes dìa$amas  representa uma pessoa do sexo masculino e O, do sexo
de solidariedade do grupo) que se mostra claramente nas rela- feminino. O sinal : une um marido à sua espôsa, e as linhâs que saem dêste
indicam os filhos. As letras maiúsculas são usadas para homens e as minúsculas
ções internas entre os membros. Por princípio de unidade dos para mulheres, representando os têrmos de parentesco de um sistema classifica-
grupos de linhagem entendo o aspecto de unidade que seus tório, onde o mesmo têrmo é aplicado a vários paÍentes, A corresponde à expressão
que indica um avô e a, uma avó; os demais sáo: P (pai), m (mãe), im (irmã
membros apresentam frente a uma pessoa que não pertence a da mãe), iP (irmã do pai), IM (irmão da mãe), S (sogro), s (sogra), I (irmáo),
i (irmã), C (cunhado), c (cunhada), F (Íilho), f (filha), SO (sobrinho, aperas
esta, embora se ligue por algum laço importante de parentesco o filbo da irmã), so (osbrinha, filha da irmã de um homem), N (neto), n (neta).

70 71
(P), "irmão mais velho ou mais nôvo" (I), "filho" (F), "avó"
(a), "irmão do pai" (iP), "irmã" (i), "filha" (f). Chamo a
('ssafusds"
atençãopara o fato de que êle aplica um só têrmo -
(C) - aos maridos de tôdas as mulheres da linhagem, por
três geraçõesindistintamente (a sua e as duas ascendentes)e
os filhos de tôdas elas são chamadosde "sobrinhos" (SO) e
"sobrinhas" (so). Assim, as mulheres da linhagem de Ego
por três geraçõesformam uma espécie de grupo e Ego se
considera como mantendo as mesmas relações entre os filhos
e os maridos destas, embora pertençam a geraçõesdiferentes.

iPP
Ftc. 7 - Fox
P
Linhagem da avó Paterna

=Q Na liúagem da mãe de seu pai, Ego chama todos os


homens e mulheres, por três gerações,de "avô" e "avó"; os
filhos destasavós são seus "pais" e "irmãos do pai", indepen-
dente da geração. Na linhagem da mãe de sua mãe, êle também
chama todos os homens de avô e as mulheres de avó, e creio
que não é preciso um nôvo diagrama explicativo.

=Q
IM rP
Frc. 6 - Fox
Linhagem da Mãe

Estudando a linhagem patriúinear da mãe, vemos que um


homem chama ao pai da mãe de "avô" e a todos os membros
masculinosda linhagem, em três geraçõessucessivas,de "irmão
da mãe" (IM). Do mesmo modo, trata as mulheres das três
gerações,com exceçãoda mãe, com um têrmo traduzível por
"irmã da mãe" (im). O têrmo "pai" (P) é aplicadoaos ma-
ridos de tôdas as mulheres da linhagem por quatro gerações
(incluindo o marido da irmã do avô materno) e os filhos
dêstesserão seus"irmãos" e "irmãs", isso porque êle é o filho
de uma determinadamulher de um grupo unificado e os filhos Ftc. 8 - Fox
das outras mulheres do grupo são, portanto, seus "iÍmãos". Linhagem da espôsa

72 73
r
Na linhagem da espôsa,um homem chama o pai desta distinto. Em têrmos gerais, o comportamento de pa-
por um têrmo que traduziríamospor "sogro" (S), uma modi- ;ãtês intimos segue ãrais rìgidamente o padrão, e o
ficaçáo da palavra "avô".3 Os filhos do sogro e do irmão dêste dos parentesafastadosé mais fleível, mas há nume-
são "cunhados" (C) e "cunhadas" (c); os filhos do cunhado rososcasosonde,por algummotivo,um par de parentes
recebemo mesmotratamento.Assim, aplicam-seos dois têrmos íntimos não se comporta recìprocamentecomo deveria.
aos homense mulheresde uma linhagempor três gerações.Os
II filhos de todos êssescunhadosserão "filhos" e "filhas". p- Dr. Tax continua a definir os padrõesde comportamento
i pelosváriostipos de relação. Assim, a classificaçãodos parentes.
em categorias,seja pela nomenclatura ou por outro critério,
aparece também na regulamentaçãodo comportamento social.
I
I Há evidência de que isso ocorre em outros sistemasde tipo
Omaha e, ao contrário da tese de Kroeber, podemos aceitar
plenamentea hipótesede que seja real em todos.
Podemosfazer diagtamassemelhantesaos dados aqui para
-A os Fox com referênciaa outros sistemasde tipo Omaha. _Petrqq.
EGO que um exame e compaÍaçãocuidadososdos vários sistemas
mostram a existênciade um princípio estrutural único das varia-
ções. Uma linhagemde três gerações(ou mais) é considerada
uma unidade. O indivíduo relaciona-secom certas linhagens
êm determinadospontos; na tribo Fox, por exemplo,às tinha-_
gens da mãe, da âvó materna, da espôsáe da mâe desta. fm-l
Frc. 9 - Fox
qualquer caso, êle se considera como relacionado às gerações I
Linhagem da mãe da espôsa *""riiuu. da iinhagem, do mesmo modo que à geração oìa" I
esta relação é real. .Assl1n-,todos os homens da linhagem de_
A Fig. 9 mostra-nosa linhagemda mãe da espôsa.Nessí sua mãe são "irmãoó ãã mãe", os da de sua avó são seus-
linhagem, por três gerações,todos os homens são chamados i'avôs", e os da de sua espôsasão seus "cunhados".
"sogros" e as mulheres "sogras". Êsse princípio estrutural da unidade da linhagem patri-
Essa classificaçãode parentes na terminologia Fox é um- linear não é uma causahipotética da terminologia. É um prin-
simples jôgo de linguagem como alguns acreditam? As cípio diretamente percepúvel pela análise comparativa dos
otservaçõesdo Dr. Tax (1937) permitem-nosafirmar que não. sjqtgmasdêsse tipo ou, em outras palavras, é uma lãbstlggQ
Conforme êste autor: imediata dos fatos observados.
Examinemos agora uma sociedade onde o princípio da
A terminologiade parentescoé aplicadaa todos os unidade do grupo da linhagem é aplicado às linhagens matri-
parentesconhecidos(mesmo em casosem que a rela-
lineares. Para tal, selecionoo sistemados índios Hopi, que
ção genealógicanão é demonstrável)de modo que tôda foi analisadomagistralmentepelo Dr. Fred Eggan (1933) em
a tribo fica dividida num pequeno número de tipos de
pares de relações. Çada um dêssestipos insere um sua tese de doutorado (Ph. D.), infelizmenteainda não-publi-
padrão de comportamentotradicional mais ou menos cada.a Os traços mais significantesdo sistemasão ilustradosnos
seguintesgráficos.

3. Os têrmos Fox para sogro e sogra são modificações dos têrmos para avô
e avó, Na tribo Omala, os têrmos para avós são aplicãdos sem modificãção aos 4 A tese, numa forma revista, foi agora publicada por Eggan, Social Organisa-
sogros e a todos que êles chamam de "sogro" e "sogra". tion oÍ the Western Pwbloq The University of Chicago Press, 1950.

74 75
A=
?
A- A
Cn A iP
filhos
Frc. ll - Hopi
Ftc. l0 - Hopi
Linhagem do Pai
Linhagem Materna

A linhagemde um homem é, sem dúvida, a de sua mãe. "avó"). O marido de qualquermulher da linhagemé um "avô",
Êle distingueas mulheresde sua linhagempor geraçãocomo: e a espôsade qualquer homem é chamadade "máe". Os filhos
"av6" (a), "máe" (m), irmã" (i), "sobrinha" (so) e "neta" dêsses"pais" são seus"irmãos" e "irmãs". Comparara Fig' 11
(n). Entre os homens,consideraos "irmãos da mãe" (IM), comaFig.6(Fox).
os "irmãos" (I) e os "sobrinhos" (SO). Mas inclui o irmão Na linhagem do pai de sua mãe, um homem chama todos
de sua avó materna e o filho da filha de sua irmã na mesma os homens e mulheres,por quatro gerações,de "avô" e "avó".
categoria dos seus irmãos. O princípio estrutural aqui apre- Os Hopi não consideramque um homem estejarelacionado
sentado é o da combinação de geraçõesalternadas,como já à linhagem do pai de seu pai como um todo, não se aplicando,
dissemos.Ressaltemosque um homem inclui os filhos de todos então, o princípio acima. Mas ao pai de seu pai êle chama
"avôtt.
os homensde sua linhagem,independente de geração,na mesma
categoria dos seus fiihos. A Fig. 10 deveria ser cuidadosa-
mente comparadacom a Fig.5 (índiosFox), pois isso seria
esclarecedor.
Na liúagem paterna, um homem chamaria de "pai" todos
os membros masculinosatravés de cinco gerações,e de "irmã
do pai", tôdas as mulheres, com exceçãoda mãe do pai (sua

76 77
-o

E GO

entÍe si relaçõesde geraçõesalternadas.


AoAo
Nos sistemasFox e Hopi, todos os membrosda linhagem
Fro. 12 - Hopi de um avô são incluídos na categoria dêste, e a atitude apro-
Linhagem do Avô Materno priada em relação ao avô é extensívela todos. Isso não im-
plica qualquer grupo definido de direitos e deveres,mas apenas
acidental de processos históricos diferentes; pela
um certo tipo geral de comportamento, olhado como apro-
-tado minha
teoria, é- a- conseqüênciada aplicação sistemáticadì princípio priado aos parentesde geraçãoascendentena maioria das so-
estrutural à linhagem patrilinear, num caso, e à mãtrilinèar ciedadesque não pertencem ao tipo Omaha.
no outro. Eu gostaria de me aprofundar no assuntoe trabalhar com
Naturalmente, não posso discutir todos os sistemasdife- aquelasvariedadesdo tipo Omaha (como os Vandau) onde o
irmão da mãe e o filho do irmão da mãe são chamados de
"avô". Mas apenastenho tempo de chamar a atenção para a
variedade especialdo tipo Choctaw que é do maior interêsse
nessaconexão. Os Cherokeeestãodivididosem seteclãs matri-
lineares. No clã do pai, um homem chama a todos os homens
e mulheres da geraçãopaterna e seguinte de "pai" e "itmão
do pai", êste clã e todos os seus membrosindividuais devem
ser tratados com grande respeito. Um homem não poderia
Note-se que nessessistemashá um número extraordinário casar-secom uma mulher do clã de seu pai e, naturalmente,
dentro de seu próprio clã. No clã do avô paterno e do avô
materno, um homem chama tôdas as mulheres, independente
de gerações,de "avó". Êle trata assim não a linhagem, mas
todo o clã como uma unidade, embora êste possaconter muitas
centenasde pessoas. O homem pode manter relaçõesfáceis
e livres com qualquer mulher que chama de "avó". Era con-

78 79
siderado particularmente apropriado que êle se casassecom de sua espôsa,as filhas dos irmãos desta e, em alguns sistemas,
uma "avó", isto é, com uma mulher do clã do pai de seu pai as irmãs do pai da espôsa.O grupo onde êle pode conseguir,
ou do pai de sua mãe. pelo princípio do sororato, uma segunda espôsa sem formar
qualquer laço social nôvo é estendido para incluir as filhas
Consideremosbrevementeos costumesespeciaisde matri- do irmão da espôsa;e o costume de matrimônio com êsse
mônio que foram propostos como causas das terminologias parente é um simples resultado da aplicação do princípio de
Choctaw e Omúa. O matrimônio com a filha do irmão da unidade da linhagem num sistema de linhagens patrilineares.
espôsa é teòricamentepossível e talvez ocorra, embora espo- A forma especialde matrimônio e o sistema de terminologia,
rádico, em algumas tribos com sistema do tipo Omaha. Não onde ocorrem juntos, são diretamenterelacionados,pois ambos
ucorrendo entre os Fox nos últimos anos, é tido como tendo são aplicações de um princípio estrutural. Não há qualquer
existido anteriormente. Assim, o costume matrimonial e a teÍ- base para supor que um é a causa histórica do outro.
minologia ajustam-seperfeitamentee agora é fâcú compreen-
dermos o motivo, pois uma pequenaconsideraçãomostrará que O assuntoé bem mais complexo quando discutimoso cos-
êsse matrimônio particular é uma aplicação do princípio de tume de matrimônio com a viúva do irmão da mãe. Essa forma
unidade de linhagem combinando com o costume do sororato está associadaà terminologia do tipo Choctaw nas ilhas Banks,
ou de poliginia sororal. Na forma usual dêsses costumes, nas tribos do noroesteda América e entre os Akim Abuakwa,
lidamos apenas com um princípio de unidade do grupo de de fala Twi. Mas ela também é encontradaem muitos outros
siblings. Um homem casa-secom uma mulher de um deter- locais onde aquêle tipo de terminologia não ocorre. Não se
minado grupo de siblings estabelecendouma relação particular correlaciona com descendênciamatrilinear, pois existe nas
com o grupo como unidade. Os homens são, agora e para sociedadesafricanas cujas instituições são nìtidamente patri-
sempre, seus cunhados;com uma das mulheres êle permanece lineares. Assim, parece que não há qualquer explicaçãoteórica
que se aplique a todos os exemplos dêsse costume. Não há
em relação marital e, com as outras, pressupõe-seque man-
tenha uma relação quase-marital;é assim que elas consideram tempo aqui para discutir o assunto através de uma análise de
os filhos dêle como seus "filhos". É aceitável que ao tomar exemplos.
uma segunda espôsa,antes ou depois da morte da primeira, Devo-me referir brevementea outra teoria que se liga à
êle escolha a irmã desta. critica de Kohler feita por Durkheim (1898), pela qual as
Estou quase certo de que a poliginia sororal pode ser terminologias Choctaw e Omaha são explicadascomo um re-
atribúda ao fato de que as co-espôsasbrigarão menos sèria-
I sultado direto da ênfasenuma descendênciamatri e patrilinear
mente sendoirmãs, do que não sendo aparentadas;e o sororato respectivamente.Felizmentetemos um exemplo importantíssimo
pode ser também justificado pelo fato de que uma madrasta a êste respeito,que é o sistemados Manus das ilhas Admiralty,
terá mais afeição pelos enteadosse êstes forem filhos de sua muito bem analisadopela Dr.a Margaret Mead (1934). O
própria irmã. Essas suposiçõesnão entram em conflito com traço mais importante do sistemaManus é a existênciade clãs
minha explicação, mas a reforçam, pois o princípio da uni- patrilineares (que Mead chamou "gentes") e maior ênfase na
dade do grupo de siblings como um princípio estrutural é ì descendênciapatrilinear. A solidariedadedessalinhagem é exi-
baseado na solidariedade de irmãos e irmãs numa mesma bida em muitos aspectosdo sistema,mas não na terminologia.
família. Entretanto, essa ênfase na descendênciapatrilinear é contra-
Ì- balançada, até certo ponto, pelo reconhecimentode linhagens
Quando voltamos aos sistemasdo tipo Omaha, vemos que matrilinearese isso aparecena terminologia de um modo que
I em lugar da unidade do grupo de siblingi temos a de um grrfoo o aproxima do tipo Choctaw, Assim, um único têrmo pinpapu
, maior: o grupo de linhagem por três gerações. Quando um é aplicado à irmã do avô paterno e a tôdas as mulheresdescen-
homem se casa com uma mulher do grupo, entra em relação
dentes dela na liúa feminina, e o tèrmo patieye é aplicado à
f com êste como uma unidade; todos os homens são seus irmã do pai e a todos os seus descendentesna linha feminina.
j cunhadose, ao mesmotempo, mantêm o que chamei de relações
; quase-maritaiscom tôdas as mulheres,incluindo além das irmãs A unidade de liúagem matrilinear é exibida não apenas no

80 81
uso dêssestêrmos, mas também na relação social geral entre do pai e seus irmãos e irmãs, mas a todos que pertencem ao
uma pessoae um membro desta, sendo um aspectoimportante mesmo clã, de qualquer geraçãoe sexo. O clã é tratado cole-
do complexo total da estrutura de parentesco. tivamente como o mutsaurui de um homem; assim, baka é
Pensou-secomumente (e ainda se pensa, creio) que aplicado à mãe da mãe e seus irmãos e irmãs e a todos os
sociedadesó pode reconheceruma linhagem: a patrilinear"-ilou
a matrilinear. Parece-meque a origem dessanoção absurda e
sua persistência,em oposiçãoaos fatos conhecidos,são o resul-
tado de uma hipótese antiga da história conjetural, isto é, de
que a descendênciamatrilinear é mais primitiva, ou melhor,
històricamenteanterior à patrilinear. Desde o início do século l
que estamosem contato cìm sociedadescomo a Herero, onde-
se recoúecem ambasas liúagens; mas essassão consideradas
noltlo n o rÌ l o
formas "transicionais". Eis outro exemplo de como os métodos
po i d o mõ e i rmõ d o p o i d o mõ e
e hipótesesda história conjetural nos impedem de ver as coisas
como realmenteelas são. Pensoque a isso se deve o insucesso
de Rivers em descobrir que o sistemaToda reconheceas duas
linhagens igualmente e que as ilhas Novas Hébridas têm um
sistema de grupos patrilineares em adição às metades matri-
lineares. Além das suposiçõesdo método da história conjetural,
não há razáo para que uma sociedadenão possa construir seu
sistema de parentescona base das duas linhagens, e sabemos
que isso realmente acontece.
Na minha critica ao método da história conjetural, insisti
sôbre a necessidadeda pemonstraÇãÇr na Antropologia. Como õuyo nuyo
vou demonstrarentão què minha interpretaçãodas terminologias
Íilho do irmõo do mõe Í i l h o d o í rmõ o d o mõ e
Choctaw e Omaha é vâlida? Há um número de argumentos

fi l ho do Íi l ho d o i rmõ o d q mõ e
Os Yaralde são divididos em clãs totêmicos locais, patri-
lineares. Um homem pertenceao clã de seu pai e consideramos
sua relaçãocom três outros clãs: o de sua mãe, o da mãe de
seu pai e o da mãe de sua mãe. Os Yaralde, como muitas
outras tribos australianas(os Aranda, por exemplo), têm quatro nuyo
têrmos para avós, cada um dos quais é aplicado sem distinção
de sexo: o têrmo maiya é usadopara o pai do pai e seusirmãos FIG. 13 - Yaralde
e irmãs e para todos os membros da segrnda geração do clã Linhagem da Mãe
de um homem; o segundo,fiaitia, é aplicado ao pai da mãe
e seusirmãos e irmãs, isto é, às pessoasda geraçãoapropriada A terminologia Yaralde para parentes no clã materno é
no clã materno; o terceiro, mutsa, refere-senão apenasà mãe ilustrada na Fig. 13. Note-se que o filho e a filha do irmão da

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mãe não são os chamados"irmão da mãe" (wano) e "mãe" em geral alguns séculos. Êsse material não existe nas tribos
(nefrko), como nos sistemasOmaha. Mas o filho e a filha do
que estudamos; isto, naturalmente, é lamentável, mas nada
fiiho do irmão da mãe são tratados como "itmão da mãe" e podemosfazer. Se quisermossaber como a Inglaterra chegou
"mãe". Se isso fôsse explicado por uma forma especial de
ao atual sistema de monarqúa constitucional e Govêrno par-
matrimônio, deveria ser o com a filha do filho do irmão da
lamentar, procuramos nos livros de História que nos darão
mãe. Não tenho certeza se tal matrimônio seria proibido pelo
com detalheso desenvolvimentodo sistema. Se não há dados
sistemaYaralde, mas estou quase certo que não é um costume
sôbre a evolução histórica, será que vale a pena perder tempo
regúar para ser consideradouma causa efetiva na produção
fazendo conjeturas de como pode ter sido?
da terminologra e não forneceria qualquer explicação sôbre a
Mesmo quando há dados históricos, êles apenas nos per-
mitem descobrir como um sistema particular se desenvolveu
de outro algo diferente. Assim, seria possívelescreverum ensaio
histórico das mudançasdo sistema de parentescona Inglaterra
nos últimos dez séculos,recuando até o sistema teutônico da
i Austrália; mas contento-meem citâ-la. siá bilateral, exibido na instituição do wergild. Mas não sabe-
No início dessaconferência,eu disse que tentaria mostrar ríamos por que os povos teutônicostinham êssetipo de paren-
como o tipo de terminologia Omaha é bastanterazoável e se tesco, enquanto o sistema romano se baseava nas linhagens
ajusta aos sistemassociais onde é encontrado, como a nossa agnáticas. O grande valor da história para uma ciência social
própria terminologia se adapta ao nosso sistema. Espero que é oferecer dados para o estudo das mudanças dos sistemas.
tenha tido sucessoao fazê-lo. Com base na família elementar Nesse caso, a história conjetural não tem qualquer valor.
e nas relaçõesgenealógicasdela resultantes,nós, inglQsss,cons- Mas se pergrntarem, a respeito dos sistemasde parentescoi
truímos um certo sistema de parentescoque vem de encontro ou político inglês, não como passarama existir, mas como fun-
às necessidadesde uma vida social ordenada e bastante auto- cionam no momento atual, uma pesquisa do mesmo tipo do'
consistente. Os Fox e Hopi constrúram na mesma base um trabalho de campo antropológico pode responder; aqui, consi-
sistema relativamente autoconsisteúe,de -qn tipo diverso_que" deraçõeshistóricas são relativa ou totalmente sem importância. i
às necessidadesde coesão socia\de outro modo e Embora o conhecimentode como os sistemastrabalham seja-
-respo-nde
com uma ordenaçãomais ampla. Compreeídemosa termino- de grande valor para a compreensãoda vida humana, tem sido
logia em cada exemplo tão logo a vemos como parte de um
bastante esquecido pelos antropólogos que consideram sua
sistemaordenado. A conexãoóbvia entre a terminologiaOmaha
tarefa principal escrevera história de povos ou instituiçõesque
e o costume de matrimônio com a filha do irmão da espôsa
é vista como uma rclaçío entre duas partes de um sistema não têm história.
autoconsistenteque funciona, e não como uma relação de causa Se a análiseque dei foi aceita,mas ainda se se desejaaplicar
e efeito. o método da história conjetural,pode-seinvestigarpor que tôdas
Se perguntarem: "Como é que os Omúa (ou qualquer as tribos aqui enumeradasconstruíramseu sistemade parentesco
das tribos examinadas) têm aquêle determinado sistema?", o na base da unidade de linhagem.
método da análise estrutural não dará a resposta,mas também Que espéciesde resultadospodemosesperardo método da
não o fará a história conjetural. A explicação puramente hi- análise sociológica? Nenhum que seja aceito como significante
potética da terminologia Omaha é que esta resulta da adoção por aquêles que só admitem a explicação do fenômeno social
de um costume de matrimônio um tanto incomum. O único em base histórica ou que advogam a chamada explicação"psi-
modo possívelde responderà questãopor que uma dada socie- cológica", isto é, em têrmos do indivíduo e seus motivos. Os
dade tem o sistemasocial que apresentaé por um estudo deta-
resultados que podemos esperar, em minha opinião, são os
lhado de sua história sôbre um período de tempo suficiente,
seguintes:

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1) A análisepermite-nosuma _de!!St9aç,Ap* pi-s-t_e"g1t!iç4
dos 'a êste que devemos interpretar a terminologia classificatíria
sistemasde parentesco,e isso é essencialem qualquer e costumes como o sororato e o levirato. Pelo princípio de
tratamento científico de qualquer classede fenômenos. unidade do grupo de linhagem,coloca-seuma relação-tipoentre
Essa classificaçãodeve ser em têrmos de proprieda{es uma dada pessoae todos os membros do grupo de linhagem ao
qual se relacionade algumaforma. Baseando-se nêle, podemos
EI?i9-.. interpretar as terminologias Fox, Hopi e Yaralde, e outros
2) Permite-noscompreenderos traços particularesdos sis- sistemassemelhantesem várias resiõesdo mundo.
temas, de duas maneiras: a) rey-ela-ndo-o como partg
de um todo organizado;à) mostrandoque é--uq1. exem- Quem tiver tempo pu.u duas ou três centenasde
sistemasde parentescode tôdas "rúur
as partes do globo, ficará im-
lïõ ëS1ièiìàlde:uin éconh
a-,dáËè)'f écíve[ de iènômenos.
'terminologias pressionado,penso,pela grande diversidadeque exibem. Mas
Ãòsim, tenbi provar-Q'üè as Choctaw e "
Omaha pertencem a uma classe que também inclui a também se impressionarâao ver como um aspecto particular,
Yaralde, sendo tôdas aplicaçõesespeciaisdo princípio tal como a terminologia tipo Omaha, reapaÍeceem regiões dis-
geral de solidariedadee continuidadeda linhagem, que persas. O_-rdenar de algum modo essadiversidadeé.qqìa laf_efa
"
apaÍeceem muitas outras formas num grande número da análise,e por sèu intérmédio, acredito, poderemosencóntrár xt-
de sociedadesdiferentes. úm número limitado de princíplgs geraisapúcadose corub-inadoE.
è-rnmandiáÈ'dfiliônteqr- A sõtidariedadeãa ünhagem é encón-
3) É o único método que nos permitirá alcançar,por fim, trada, de alguma forma, entre a maioria dos sistemasde paren-
seneralizacõesválidas sôbre a nattJÍezada sociedade tesco. Nada há de surpreendenteno fato de que apareça em
fiu-ãou, isto é, sôbre as caracterísücasuniversaisde.' regiõesdistantesda América,Ásia, África e Oceânia,em muitas
tôdas as sociedades, passadas, presentese futuras. São. famílias lingüísticasdiÍerentes e associadasa diversos tipos de
'a essas generalizaçõesque nos referimos quando fa- "cultura".
Ìamos em leis sociológicas.
No ano passado,expliquei em têrmos gerais como imagino
Com freqüência, o método da história conjetural consi- o estudo da estrutura social (Radcliffe-Brown, 1.940b). Agora,
dera os problemas singularesisoladamente. Por outro lado, a por meio de um exemplo particular, tentei mostrar algo da
análise eitrutural, buscando uma teoria geral, agrupa muitôs"" naúJïezade um certo método de investigação.Mas não pensem
fatos e problemasd_r&.ryn!ql,_f_elaS1q4q44!qqs que possa ser aplicado apenari ao estudo do parentesco; êle
entre si. É lógico
que, nesta já bem longa comunicação, sõ püde referir-me a
--,.-:---7_T-_ abrange,de um modo ou de outro, todos os fenômenossociais,
uns poucos tópicos da teoria geral da estrutura de parentesco. pois é simplesmenteo método da gençralizaçãoabstrafg-pçk
Em publicações anteriores, tratei brevemente de um ou dois comparaçãó de exemplds,característlcodas iiêpc1as,iriãütii-
* '--"-Por-qüe
outros. Êsse aspectoparticular da teoria, que vimos hoje, pode tôda essaconÍusãosôbre métodos?",perguntará
ser consideradocomo a teoria do estabelecimentode relações- alguém. Não podemos chegar a uma concordância sôbre a
titrro* Mencionei a tendêilia- átual- em muitas soôiedadéi Oe validadeou o valor dos resultados,sem concordar,de um modo,
estabeleceruma relação-tipo entre uma pessoae todos os seus quanto aos objetivos e métodos próprios para atingi-los. Em
parentes da geração paterna, e sobretudo em manter uma re- outras CiênciasNaturais, isso já foi feito, mas não na Antro-
lação-tipo, usualmentede comportamentolivre e fácil, com os pologia Social. Definir com a maior precisãopossívelo campo
parentesda geraçãodos avós. Essa menção não foi acidental. da divergência, deveria ser o propósito básico da discussão.
Na maior parte do relato, considerei dois princípios estruturais Expus aqui minha idéia, e espero não ter praticado alguma in-
justiça contra aquêlesde quem discordo. Vocês devem julgar,
_gu€, em si mesmo, são exemplos de um princípio mais geral
I ou classe de princípios. Pelo princípio de unidade do grupo entre os dois métodos comparados,qual está mais apto para
i de siblings, estabelece-seuma relação-tipo entre uma deter- fornecer aquêle tipo de compreensãocientífica da natureza da
sociedadehumana, que é a tarefa precípua do antropólogo
' minada pessoa e todos os membros de um grupo de siblings social, jornecendo uma,órientação à espéciòhumana.
, ao qual ela está de certo modo relacionada. É com referência

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