Você está na página 1de 108

Fundamentos da Neuropsicopedagogia

Fundamentos da
Neuropsicopedagogia
Soiara Vaz de O. Rodrigues

Soiara Vaz de O. Rodrigues

Código Logístico
ISBN 978-65-5821-218-8

I0 0 0 9 7 2 9 786558 212188
Fundamentos da
Neuropsicopedagogia

Soiara Vaz de O. Rodrigues

IESDE BRASIL
2023
© 2023 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do
detentor dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: wowowG/shutterstock

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R616f

Rodrigues, Soiara Vaz de O.


Fundamentos da neuropsicopedagogia / Soiara Vaz de O. Rodrigues. - 1. ed. -
Curitiba [PR] : IESDE, 2023.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5821-218-8

1. Psicologia educacional. 2. Psicopedagogia. 3. Psicologia da aprendizagem. 4.


Neurociência cognitiva. I. Título.

CDD: 370.1523
23-81986 CDU: 37.015.3

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

13/01/2023 18/01/2023

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Soiara Vaz de Mestre em Educação pela Universidade Tuiuti do
Paraná (UTP). Especialista em Pedagogia Social pela
O. Rodrigues UTP. Especialista em Psicopedagogia e em Educação
Especial pela Faculdade Evangélica de São Paulo (Faesp).
Especialista em Neuropsicopedagogia pela Faculdade
Censupeg. Especialista em Síndrome de Down pela
IESP. Especialista em Intervenção ABA para Autismo e
Deficiência Intelectual pelo Child Behavior Institute of Miami
(CBI-Miami). Graduada em Pedagogia pela UTP. Professora
no Ensino Superior, ministrando as disciplinas de Educação
e Trabalho e o módulo Alfabetização da Criança com
Síndrome de Down. Neuropsicopedagoga e palestrante.
Vídeos
em
QR code!
Agora é possível acessar os vídeos do livro por
meio de QR codes (códigos de barras) presentes
no início de cada seção de capítulo.

Acesse os vídeos automaticamente, direcionando


a câmera fotográfica de seu smartphone ou tablet
para o QR code.

Em alguns dispositivos é necessário ter instalado


um leitor de QR code, que pode ser adquirido
gratuitamente em lojas de aplicativos.
SUMÁRIO
1 Bases teóricas da neuropsicopedagogia 9
1.1 Introdução à neuropsicopedagogia 10
1.2 Quem é o neuropsicopedagogo 15
1.3 Neuropsicopedagogia, psicopedagogia e neurociências 22

2 Bases neuropsicológicas da aprendizagem 28


2.1 Como o cérebro funciona 28
2.2 Apropriação do conhecimento formal 34
2.3 Aprendizagem e plasticidade cerebral 41
2.4 O olhar preventivo do educador 43

3 Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 48


3.1 Dificuldades de aprendizagem e estratégias de intervenções 49
3.2 Fatores que interferem na aprendizagem 54
3.3 Transtornos e distúrbios na aprendizagem e estratégias
de intervenções 57

4 Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 66


4.1 Ferramentas de sondagem 67
4.2 Atenção e funções executivas 72
4.3 Leitura e escrita 74
4.4 O olhar preventivo da neurociência na aprendizagem 78

5 Desafios da neuropsicopedagogia 82
5.1 Aprendizagem de crianças autistas 83
5.2 Aprendizagem de crianças com deficiência intelectual 86
5.3 Aprendizagem de crianças com altas habilidades 92
5.4 Papel do neuropsicopedagogo na inclusão escolar 95

6 Resolução das atividades


Vídeo
APRESENTAÇÃO
O crescimento e reconhecimento da neuropsicopedagogia
no Brasil e de sua importância em vários contextos fez
necessário entender as bases dessa ciência transdisciplinar
a partir da ligação entre as bases que a fundamentam. A
neuropsicopedagogia tem como objetivo compreender as
funções cerebrais para o processo de aprendizagem, visando
à reabilitação e à prevenção dos eventuais problemas
detectados nos indivíduos.
Este livro aborda as bases teóricas e práticas que
sustentam essa ciência, que é de suma importância para a
formação dos profissionais da neuropsicopedagogia. Essas
bases são: neurociência, pedagogia e psicologia cognitiva.
Portanto, referente ao processo de aprendizagem e às bases
fundamentais dessa ciência, entendemos que existe uma
interface entre duas áreas de atuação: a educação e a saúde.
A rigor, essa interface entre saúde e educação, na qual
o assunto é a aprendizagem e seus principais problemas,
poderíamos denominar neuropsicopedagogia. As informações
vindas das neurociências e da área médica, em especial da
neurologia, são de suma importância para o entendimento
do processo da aprendizagem e dos seus distúrbios, que em
última análise são funções corticais.
Assim, nossa proposta é estender as ideias derivadas
da neuropsicopedagogia para os processos educativos no
ambiente escolar. Ajudar a tornar o conhecimento na área
da neuropsicopedagogia mais acessível é um dos principais
objetivos deste livro.
No Capítulo 1, conhecemos os pilares da ciência
neuropsicopedagógica, refletindo sobre a atuação do
neuropsicopedagogo, seu perfil e formação, por meio de uma
discussão de seus fundamentos e da análise das ciências
que influenciam a visão e a ação neuropsicopedagógica e a
relação entre as ciências que a sustentam e sua contribuição
para a educação.
No Capítulo 2, refletimos sobre as bases neuropsicológicas da
aprendizagem. Por utilizar-se dos processos de metacognição, estudaremos
o sistema nervoso central (SNC), a importância da estimulação e os sinais que
podem ser percebidos para um trabalho preventivo e interventivo, dentro do
desenvolvimento global, entendendo que os processos metacognitivos vão
além da cognição, uma vez que somos seres biopsicossociais, formados por
partes biológicas, emocionais e sociais.
No Capítulo 3, discorremos sobre a neuropsicopedagogia e os problemas
de aprendizagem, abordando as diferenças existentes entre dificuldades,
transtornos e distúrbios de aprendizagem encontradas na aquisição do
conhecimento, podendo ser neurobiológicas ou dificuldades momentâneas.
Essas diferenças podem ser verificadas analisando-se quais estratégias
contribuirão para o desenvolvimento do sujeito, por meio da descoberta de suas
habilidades, melhorando sua motivação para aprender. Essa descoberta é feita
pelo neuropsicopedagogo, que ajudará o sujeito a superar suas dificuldades,
permitindo que o aluno crie rotas funcionais para atingir seu objetivo.
No Capítulo 4, abordamos as avaliações e intervenções
neuropsicopedagógicas, entendendo não só a abordagem quantitativa, mas
também a qualitativa. Por meio de seus métodos, a neuropsicopedagogia
busca entender como o ambiente afeta o pensamento e a ação, e investiga
de que maneira os fatores biológicos, emocionais e culturais influenciam a
aprendizagem das pessoas, acompanhando o desenvolvimento maturacional
de crianças e adultos.
No Capítulo 5, debatemos sobre a complexidade do ser humano,
percebendo que é por meio do indivíduo que as emoções se traduzem,
que as sensações assumem forma, que as palavras se personificam.
Contudo, sobre essa visão de desenvolvimento humano, temos a educação
brasileira, que engatinha nos calcanhares do desenvolvimento do processo
de ensino e aprendizagem, apresentando diversos preconceitos quanto
aos educandos que sofrem alguma dificuldade e deficiência educacional. É,
portanto, no âmbito dessa complexidade que buscamos entender onde o
neuropsicopedagogo poderá intervir para mudanças no quadro educacional
em que nos encontramos hoje.

8 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
1
Bases teóricas da
neuropsicopedagogia
A neuropsicopedagogia é uma área que integra saberes da neurociên-
cia, psicologia cognitiva, pedagogia e demais áreas da educação e saúde,
sendo, portanto, uma área interdisciplinar, que busca compreender os
processos relacionados à cognição, ao comportamento e à linguagem.
Neste capítulo, nosso objetivo será conhecer os pilares da ciência
neuropsicopedagógica, refletindo sobre a atuação do neuropsicopeda-
gogo e seu perfil e formação, por meio de uma discussão sobre os seus
fundamentos, conhecendo as ciências que influenciam o olhar, o fazer
neuropsicopedagógico, a relação entre as ciências que a fundamentam e
sua contribuição para a educação.
Contribuir para tornar o conhecimento da neuropsicopedagogia
mais acessível é um dos principais objetivos neste livro. Este capítulo
pretende elucidar algumas dúvidas e diminuir a distância entre a neu-
ropsicopedagogia e o mundo educacional, mostrando a importância
desse conhecimento como apoio nas intervenções em sala de aula, be-
neficiando não apenas crianças atípicas, mas pensando em uma melhor
efetivação da aprendizagem. Por meio da descoberta de suas habilida-
des, o educando melhora sua motivação para aprender e essa desco-
berta se dá pelo neuropsicopedagogo auxiliando o sujeito a vencer suas
dificuldades, possibilitando o aprendente a criar rotas funcionais que o
auxiliem a chegar no objetivo final.
Nossa proposta é expandir as ideias derivadas da neuropsicopeda-
gogia para dentro dos processos pedagógicos, nos ambientes escola-
res, pois sabemos que esses processos não se dão exclusivamente nas
salas de aula.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 9


Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• conhecer os pilares da ciência neuropsicopedagógica;

• refletir sobre a atuação do neuropsicopedagogo, seu perfil e formação;

• conhecer as ciências que influenciam o fazer neuropsicopedagógi-


co, a relação entre elas e sua contribuição para a educação.

1.1 Introdução à neuropsicopedagogia


Vídeo
Conforme a Figura 1, observamos que, essencialmente, a neuropsi-
copedagogia tem como base de conhecimento a neurociência – tanto
cognitiva quanto neurofisiológica –, a psicologia cognitiva e a pedago-
gia, dando ao profissional da neuropsicopedagogia a possibilidade de
um olhar acurado, tendo a compreensão tanto do desenvolvimento
neural como também do percurso sináptico até a sedimentação da
aprendizagem.
Figura 1
Bases da neuropsicopedagogia

diagrama: Vectosome/Shutterstock / ícones: M-vector/Shutterstock


Neuropsicopedagogia

Neurociências

Psicologia cognitiva

Pedagogia

Fonte: Elaborada pela autora.

Por ser uma ciência transdisciplinar, a neuropsicopedagogia tem


como pilar a neurociência aplicada à educação. Leva também em seu

10 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
escopo saberes básicos da psicologia comportamental e da pedagogia,
contribuindo para um olhar mais amplo quando se trata da aprendiza-
gem humana, que necessita não apenas das sinapses, mas também de
um ambiente preparado e um emocional organizado para que as ha-
bilidades sejam desenvolvidas, conforme mostra o esquema a seguir.

Contribuição da
neuropsicopedagogia
PixMarket/Shutterstock

Funções psíquicas Comportamento Cérebro

Aprendizagem neural

Um dos pontos principais do conhecimento neuropsicopedagógico


é entender como as redes neurais recebem e selecionam as informa-
ções, gerando assim a aprendizagem. Todo esse percurso se transfor-
ma em memórias de curto prazo – que permanecem por pouco tempo
arquivadas – e longo prazo – que são arquivadas por tempo indetermi-
nado. Com esse conhecimento, o neuropsicopedagogo apresenta uma
maior habilidade para adaptar metodologias e técnicas educacionais
para pessoas típicas e atípicas.

Assim sendo, ao se deparar com dificuldades e transtornos da apren-


dizagem, o profissional neuropsicopedagogo terá habilidade tanto na ava-
liação quanto na intervenção, caso se levante alguma hipótese patológica.

1.1.1 A neuropsicopedagogia
O tema que apresentamos nesta subseção é muito especial, por
tratar de uma nova perspectiva em educação, um olhar minucioso e
específico sobre a aprendizagem. Estamos em constante transforma-
ção na sociedade, e é imprescindível que a educação acompanhe essas
mudanças e se mantenha em sintonia com os novos processos educa-
cionais. Um desses processos é reconhecer que cada indivíduo apren-
de de uma forma e que temos casos especiais dentro dos ambientes
escolares, o que faz da nossa prática um desafio constante.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 11


Por essa razão, a educação se aproximou de campos específicos,
como da psicologia, da neurociência e da neuroeducação, ciências que
trazem novas ferramentas de entrosamento e aplicabilidade sobre a
arte do aprender.

A neuropsicopedagogia veio para desmistificar o olhar psicométrico


das diferenças, apontando que independentemente do desenvolvimen-
to cognitivo e habilidades/dificuldades, todos apresentam potencial de
aprendizagem. Assim, faz-se necessário um olhar mais apurado para
as diferenças, compreendendo que somos únicos com habilidades de
aprendizagem diferentes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Alexandre Romanovich Luria,


em suas pesquisas, mapeou como ocorre o desenvolvimento cognitivo
de pessoas com lesões cerebrais, apontando quais alterações ocorrem
em cada área atingida e quais os reflexos percebidos no comportamen-
to (RAMALHO, 2015).

Assim, com essa nova base de informações, Luria desenvolve uma


linguagem multidisciplinar entre a psicologia, a neurociência e a neu-
ropsicologia, dando um grande avanço em relação ao olhar psicométrico
e determinista em relação às deficiências. Com isso, o olhar sobre como
a aprendizagem acontece começa a mudar e a dar ao sujeito a chance
de buscar novas maneiras e ferramentas para adquirir conhecimento.

A neuropsicopedagogia é uma interface com a neurociência, e Ven-


tura (2010, p. 123) a define do seguinte modo:
A neurociência compreende o estudo do sistema nervoso e suas
ligações com toda a fisiologia do organismo, incluindo a relação
entre cérebro e comportamento. O controle neural das funções
vegetativas, digestão, circulação, respiração, homeostase, tempe-
ratura, das funções sensoriais e motoras, da locomoção, reprodu-
ção, alimentação e ingestão de água, os mecanismos da atenção
e memória, aprendizagem, emoção, linguagem e comunicação,
são temas de estudo da neurociência e da neuropsicopedagogia.

A neurociência tem sua origem no grego neurosque, que significa ner-


vos, ou seja, trata-se do estudo do sistema nervoso, e a psicologia estuda
os processos mentais e o comportamento humano. Assim, a junção das
duas ciências traz um novo olhar para a aprendizagem. A tríade de bases
fundamentais se fecha ao conciliar os conhecimentos da neuropsicologia,
neurociência e pedagogia, trazendo um novo olhar para área do aprender.

12 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Dessa junção de pesquisa nasce a neuropsicopedagogia, uma jun-
ção dos conhecimentos da neurociência, da psicologia comportamen-
tal e da pedagogia, que tem como objetivo uma educação que respeita
as diferentes formas de aprender.

Sem a intenção de replicar conhecimentos já apontados, a neurop-


sicopedagogia reúne os conhecimentos que fundamentam essas três
áreas e cria um novo conhecimento, que aponta novos caminhos, os
quais podem ser aplicados desde a tenra idade, a fim de proporcio-
nar tanto às famílias neurotípicas quanto aos profissionais da educa-
ção maior segurança ao se defrontar com o, até então desconhecido,
mundo da deficiência.

Ou seja, o objetivo da neuropsicopedagogia é aproximar esses


saberes e trazer o que cada um tem de mais especial em termos de
conceito de aprendizado, modificando, assim, o modo de interagir
com o conhecimento.

Quando falamos das diferentes formas de aprender, logo entende-


mos que se faz necessário também diferentes formas de ensinar. As-
sim, as pesquisas nessa área nos mostram que existe a possibilidade
de todos aprenderem, independentemente da sua condição neuroló-
gica, e que para isso é necessário que nossa prática de mediação seja
transformada em uma práxis, que nada mais é que a reflexão sobre
o nosso trabalho e a pesquisa contínua em busca de melhorarmos a
atuação como mediador de conhecimento.

Nesse sentido, é necessária e importante a compreensão do nosso


sistema nervoso. Na Figura 2 podemos observar que o sistema nervoso
humano é composto de duas partes fundamentais: o sistema nervoso
central (SNC), que se localiza no crânio e na coluna vertebral, e o siste-
ma nervoso periférico (SNP), que se localiza fora dessa cavidade e é in-
tegrado por numerosos nervos (espinhais e cranianos), pelos gânglios
periféricos e pelos receptores sensoriais.

Com base nas neurociências, ressalta-se que o desenvolvimento do


sistema nervoso se inicia nas primeiras semanas da vida embrionária,
passando por várias etapas a serem cumpridas rigorosamente, a fim
de que as conexões entre as células nervosas aconteçam de maneira
correta. Cada recém-nascido nasce com imaturidade do sistema nervo-
so central, uma vez que a maior parte das conexões cerebrais decorre
das interações com o meio ambiente. Mesmo a percepção sensorial e

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 13


a habilidade motora, já presentes ao nascimento, passarão por longos
períodos de aprendizagem e aprimoramento.

Figura 2
Sistema nervoso central e periférico

Sistema
nervoso central
Encéfalo

Medula espinhal

Sistema nervoso
periférico
Gânglios

Nervos

VectorMine/Shutterstock

Passando para o âmbito educacional, a neuropsicopedagogia tem


por objetivo promover a integração educacional, social e individual com
base em diagnósticos que originarão a reabilitação ou, até mesmo, a
prevenção de dificuldades de aprendizagem. Para isso, o conhecimen-
to do sistema nervoso e sua interação com a constituição do organismo
é imperativo na compreensão do desenvolvimento e da aprendizagem
humana.

14 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
É preciso pontuar que a neuropsicopedagogia não é uma especia-
lização dessas diferentes áreas, mas é um novo olhar sobre o estu-
do do funcionamento do cérebro e do comportamento humano em
uma perspectiva da aprendizagem e dos processos de ensino-apren-
dizagem, podendo o neuropsicopedagogo atuar tanto na área clínica
(consultórios) quanto na institucional (dentro da escola). Conforme o
Código de Ética Técnico Profissional da Neuropsicopedagogia, no capí-
tulo II, artigo 10, encontramos a seguinte definição dessa ciência:
A Neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar, funda-
mentada nos conhecimentos da Neurociência aplicada à educa-
ção, com interfaces da Pedagogia e Psicologia Cognitiva que tem
como objeto formal de estudo a relação entre o funcionamento
do sistema nervoso e a aprendizagem humana numa perspectiva
de reintegração pessoal, social e educacional. (SBNPP, 2016, p. 3)

A neuropsicopedagogia busca estudar a relação entre o funciona-


mento do sistema nervoso e a aprendizagem, mas sempre sob uma
perspectiva da relação do sujeito com a família, a escola e a sociedade de
modo geral. É preciso entender que somos seres constituídos não ape-
nas pelo biológico, e que muitas vezes questões emocionais e culturais
interferem na prática de quem trabalha com a aprendizagem – profes-
sores, especialistas neuropsicopedagogos – e também na aprendizagem
de quem recebe orientações de profissionais que possuem essa pers-
pectiva ampla e fundamentada sobre o ato de aprender, o qual, como
se sabe, é complexo, dinâmico e, principalmente, ocorre de modo indivi-
dual, de acordo com as características de cada ser humano.

1.2 Quem é o neuropsicopedagogo


Vídeo
Iniciamos esta seção com uma afirmação de Hennemann (2015,
p. 12), que diz:
Além das atribuições do psicopedagogo de estudar as caracte-
rísticas da aprendizagem humana, processos de “ensinagem”
e a origem das alterações na aprendizagem promovendo a
identificação, diagnóstico, reabilitação e prevenção frente às
dificuldades e distúrbios das aprendizagens, o neuropsicope-
dagogo, mediante seus saberes e conhecimentos em neuro-
ciências, poderá elaborar pareceres de encaminhamento para
neurologistas, pediatras e psiquiatras, auxiliando-os na identi-
ficação diagnóstica, mediante o quadro de sintomas e queixa

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 15


principal. Na Unidade Escolar, irá atuar com os pais mediante
a explanação clínica do distúrbio e as condutas a serem de-
senvolvidas, com intuito de realizar um processo sistêmico de
tratamento e intervenção, colocando a família como principal
agente prognóstico do sucesso da intervenção. Sempre num
trabalho interdisciplinar com o Orientador Educacional, caso a
escola possua esse profissional.

Compreendemos que existem várias formas de se aprender, assim,


fica clara a necessidade de profissionais que atuem diretamente com
a inclusão, mas é preciso engajamento nessa mudança, além de uma
forma mais aprofundada de compreender os elementos cognitivos do
processo que compõe a aprendizagem. Fica evidente, com as desco-
bertas da neurociência, que as formas de aprender estão mudando,
e com isso surge a necessidade de os profissionais que atuam dire-
tamente nessa área participarem dessa mudança, contudo não bas-
ta apenas compreender mais profundamente os processos cognitivos
que compõem a aprendizagem, mas estar atentos a como cada sujeito
apreende, quais suas facilidades e/ou dificuldades. A neuropsicopeda-
gogia surge refletindo e contribuindo para esse novo olhar, a favor des-
sas novas reflexões. Mas, afinal, o que faz um neuropsicopedagogo?

A formação de neuropsicopedagogo é realizada por meio de espe-


cialização em educação neuropsicológica clínica ou institucional, minis-
trada por instituições de Ensino Superior devidamente reconhecidas
pelo órgão competente, conforme Código de Ética da Associação Bra-
sileira de Neuropsicopedagogia (SBNPP, 2016). Os cursos devem ser
cadastrados no sistema MEC, com carga horária mínima de 360 ​​horas
para o curso de Neuropsicopedagogia e Educação Especial Inclusiva e
600 horas para Neuropsicopedagogia Clínica.

Os alunos podem trabalhar nas áreas clínica e institucional somente


após obter um certificado. O objetivo da especialização é preparar os alu-
nos para o desempenho da função por meio de fundamentos teóricos,
práticos e técnicos e equipar os alunos para diagnóstico e intervenção. É
importante compreender os processos neurocognitivos que a aprendiza-
gem enfrenta, pois assim o aluno poderá intervir nos processos de dificul-
dade e deficiência, potencializando a possibilidade de o sujeito aprender
a aprender, dando autonomia em seu caminho na escola e na vida. Russo
(2015) apontou que ainda é necessária uma melhor compreensão da teo-
ria educacional, pois embora a neuropsicopedagogia clínica estude a fun-

16 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ção cerebral e o comportamento humano, sua base é a teoria e a prática
do aprendizado, assim como as estratégias de ensino e aprendizagem. A
formação pode ocorrer em cursos voltados para áreas clínicas e institucio-
nais, sendo estas últimas entendidas como espaços de prática educativa,
não necessariamente escolas. Os neuropsicopedagogos institucionais fa-
rão parte da equipe institucional em instituições acadêmicas, trabalhando
exclusivamente em ambientes educacionais, como escolas públicas e pri-
vadas, centros educacionais, instituições de Ensino Superior e organiza-
ções do terceiro setor. Suas atividades incluem:
• construção de projetos;
• orientação de estudos;
• campanhas relacionadas à saúde, à educação e ao lazer;
• orientações à família, aos professores e especialistas;
• encaminhamentos a especialistas quando necessário e acompa-
nhamento desses casos;
• acompanhamento de crianças em oficinas.

A formação no campo institucional se baseia no conceito de Edu-


cação Especial e Inclusiva pautada na neurociência. De acordo com o
Código de Ética da SBNPp (artigo 30, parágrafo segundo), o profissional
deve considerar as seguintes ações:
• Observação, identificação e análise dos ambientes e dos gru-
pos de pessoas atendidas, focando nas questões relacionadas
à aprendizagem e ao desenvolvimento humano nas áreas moto-
ras, cognitivas e comportamentais, considerando os preceitos da
Neurociência aplicada à Educação, em interface com a Pedagogia
e Psicologia Cognitiva.
• Criação de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do
processo ensino-aprendizagem dos que são atendidos nos es-
paços coletivos.
• Encaminhamento de pessoas atendidas a outros profissionais
quando o caso for de outra área de atuação/especialização e con-
tribuir com aspectos específicos que influenciam
• Formação multiprofissional do neuropsicopedagogo na aprendi-
zagem e no desenvolvimento humano. (SBNPP, 2016, p. 5)

Para a área clínica, a formação é pensada para a intervenção neu-


ropsicopedagógica individual, podendo acontecer em consultório, pos-
to de saúde, organização de terceiro setor e hospitais, desde que os
ambientes sejam adequados para a realização de um trabalho indivi-

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 17


dualizado de qualidade. A atuação clínica, de acordo com o Código de
Ética da SBNPp (artigo 31, parágrafo primeiro), deve contemplar:
• Observação, identificação e análise dos ambientes sociais no
qual está inserida a pessoa atendida, focando nas questões re-
lacionadas à aprendizagem e ao desenvolvimento humano nas
áreas motoras, cognitivas e comportamentais;
• Avaliação, intervenção e acompanhamento do indivíduo com
dificuldades de aprendizagem, transtornos, síndromes ou altas
habilidades que causam prejuízos na aprendizagem escolar e
social, através de um plano de intervenção específico que prevê
sessões contínuas de atendimento;
• Criação de estratégias que viabilizem o desenvolvimento do pro-
cesso ensino-aprendizagem do aluno;
• Utilização de protocolos e instrumentos de avaliação e reabilitação
devidamente validados, respeitando sua formação de graduação;
• Elaboração de relatórios, laudos e pareceres técnicos-
profissionais;
• Encaminhamento a outros profissionais quando o caso for de
outra área de atuação/especialização. (SBNPP, 2016, p. 5-6)

Em questões teóricas, até aqui entendemos que a neuropsicope-


dagogia faz relações entre as neurociências com os conhecimentos da
psicologia cognitiva e da pedagogia. Pode-se dizer que essa relação
possui três aspectos principais. O plano educacional busca contribuir
com orientações referentes à aprendizagem na área acadêmica, bus-
cando novos caminhos nesse percurso, entendendo que somos seres
diferentes com habilidades e dificuldades que precisam ser respeita-
das. Já na visão da psicologia é preciso entender que somos, além da
composição biológica, constituídos de emoções e que elas influenciam
o processo da aprendizagem, sendo essenciais na aquisição de conhe-
cimento. E a neurociência nos auxilia como base fundamental desse
saber; ao conhecer como o cérebro funciona e todas as suas estrutu-
ras, temos uma maior segurança de planejar rotas mais seguras para
chegar ao objetivo final, que é o conhecimento.

Temos, dentro desse movimento, habilidades que nos dão uma


melhor efetividade na apropriação dos saberes, quando são usadas.
Howard Gardner (1995) aponta que somos constituídos por múltiplas
inteligências, mas o que isso significa? Exemplo: ao explicar as partes
do cérebro a uma turma, alguns alunos irão compreender apenas len-
do o que se escreve, mas outros entenderão melhor quando tiverem
acesso a uma réplica, podendo vê-lo, manuseá-lo etc.

18 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Gardner (1995) aponta oito tipos de inteligências, descritos a seguir:
• Cinestésica-corporal: grande capacidade de utilizar o corpo para
se expressar ou em atividades artísticas e esportivas.
• Lógico-matemática: voltada para conclusões baseadas em dados
numéricos e na razão. As pessoas com essa inteligência possuem
facilidade em explicar as coisas utilizando-se de fórmulas e nú-
meros e costumam fazer contas de cabeça rapidamente.
• Linguística: capacidade elevada de utilizar a língua para comuni-
cação e expressão.
• Intrapessoal: pessoas com essa inteligência possuem a capacida-
de de se autoconhecer, tomando atitudes capazes de melhorar a
vida com base nesses conhecimentos.
• Interpessoal: facilidade em estabelecer relacionamentos com ou-
tras pessoas. Indivíduos com essa inteligência conseguem facil-
mente identificar a personalidade das outras pessoas.
• Naturalista: inteligência voltada para a análise e compreensão dos
fenômenos da natureza (físicos, climáticos, astronômicos, químicos).
• Espacial: habilidade na interpretação e no reconhecimento de fe-
nômenos que envolvem movimentos e posicionamento de objetos.
• Musical: inteligência voltada para a interpretação e produção de
sons com a utilização de instrumentos musicais.

O que queremos pontuar é que a neuropsicopedagogia nos auxilia


a compreender essas habilidades, podendo assim ajudar ao outro a
utilizar suas habilidades para adquirir conhecimento sem sofrimento.
Metaforicamente, fazemos a função do GPS, quando existe um blo-
queio na rota traçada, apontamos uma nova rota para que o sujeito
chegue ao seu objetivo final, o conhecimento.

O neuropsicopedagogo pode atuar na área clínica e institucional,


conforme apontado anteriormente. Dentro da área, o neuropsicopeda-
gogo poderá atuar nos seguintes espaços:
• instituições escolares;
• centros e associações educacionais;
• instituições de Ensino Superior;
• terceiro setor, como organizações não governamentais (ONGs);
• organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip),
entre outros.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 19


Segundo Gardner (1995), o desempenho criativo depende de atri-
butos pessoais e forças ambientais, bem como de habilidades cogniti-
vas. Segundo Sanmartí (2009), convém considerar que somente quem
cometeu os erros pode corrigi-los, pois a função do professor é propor
ações que ajudem os alunos a se autorregularem.

Devemos constantemente nos autoavaliar, recuar quando necessá-


rio e recomeçar com novas alternativas. O conhecimento técnico não
nos dá receitas prontas, mas nos auxilia na criatividade para transfor-
mar e adaptar metodologias que sejam adequadas e personalizadas
ao sujeito avaliado, pois ele é o responsável pelos resultados de seu
trabalho. Deve estar muito claro ao profissional que toda criança pode
aprender a ler e a escrever, mas não em qualquer situação.

Tendo em vista a diversidade de situações surgidas pelos avanços


da ciência e pelas condições impostas pelo meio ambiente neste sécu-
lo, as pessoas se defrontam com novidades a todo o momento e são
obrigadas a apreender, registrar novos conhecimentos e conceitos,
modificando assim muitos de seus hábitos e costumes.

Para que ocorra uma participação de maneira ativa, segundo a


neurociência, seu cérebro deverá absorver e registrar essas “novida-
des” de maneira coerente; equalizar com os conhecimentos já exis-
tentes e, assim, acontecerá a acomodação desses conhecimentos,
modificando as informações que já estavam gravadas em suas dife-
rentes formas de memória.

Hennemann (2015, p. 28) destaca que “não adianta apenas enten-


der o funcionamento do sistema nervoso”. O neuropsicopedagogo
igualmente necessita “entender as teorias que fundamentam a apren-
dizagem e que estratégias poderiam ser mais eficazes no atendimento
de determinados aprendizes”.

Desse modo, acompanhando a síntese teórica apresentada por


Russo (2015), com base nas importantes contribuições de Piaget, Vy-
gotsky, Wallon e Bandura, entre outros, ressalta-se a importância do
neuropsicopedagogo institucional ou clínico possuir uma fundamenta-
ção teórica sólida relativa ao processo de aprendizagem.

Rotta, Ohlweiler e Riesgo (2006, p. 21), pesquisadores na área da


saúde, afirmam que “o ideal é que não só os profissionais da área da
saúde, mas também da educação tenham noções básicas acerca do
funcionamento normal e patológico do Sistema Nervoso Central (SNC)”.

20 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Com esses conhecimentos, o professor poderá avaliar de manei-
ra segura as dificuldades de aprendizagem que o grupo de alunos
apresenta. Assim sendo, o professor poderá escolher a melhor for-
ma de intervenção junto ao grupo de alunos que necessitam de seu
apoio imediato, minimizando déficits nas diferentes fases do pro-
cesso de aprendizagem. Com os conhecimentos da neuropsicope-
dagogia, o professor poderá lançar mão de sua prática pedagógica
no ambiente de aprendizagem, direcionando estímulos para grupos
específicos de neurônios localizados nas diferentes regiões do cére-
bro, sendo capaz então de criar situações motivacionais que atinjam
o maior número possível de alunos em sua sala de aula, desenvol-
vendo suas habilidades.

Hennemann (2015) apresenta um quadro-síntese da visão intera-


cionista de desenvolvimento, elaborada por Jean Piaget (1896-1980),
voltado para a concepção de que o desenvolvimento humano envolve
um processo contínuo entre pessoa como ser social e o meio ambien-
Alicerce teórico de Piaget
te, conforme consta no esquema a seguir. Ser social busca equilíbrio nas
interações sociais.
Figura 3 Interações sociais = Base de
Piaget e os processos de equilibração, assimilação e acomodação desenvolvimento da inteligência
humana.
Passagem de estados de menor
para maior equilíbrio.
Mecanismos de abstração
reflexiva e generalização
Equilibração construtiva.
Necessária para conciliar
os aportes da maturação, da

Hermin/Shutterstock
Endereçada às exigências experiência dos objetos e
do ambiente da experiência social

Acomodação
Piaget

Momento da ação do
objeto sobre o sujeito

Comandada pelo sujeito


cognoscente
Assimilação
Uma tentativa de integrar
dados da experiência a
Epigênese esquemas ou estruturas
previamente construídos

Fonte: Hennemamm, 2015.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 21


Livro Esse processo, segundo Piaget, é apresentado por estágios que
Para saber mais sobre acontecem numa ordem fixa de desenvolvimento, sendo um estágio
a neurociência e o fun-
cionamento do sistema sempre integrado ao seguinte. Em cada estágio a criança apresenta
nervoso, sugerimos o uma maneira típica de agir e de pensar, constituindo uma forma espe-
livro O livro Cem bilhões de
neurônios? Conceitos Fun- cial de equilibração em relação ao meio. A criança passa, portanto, para
damentais de Neurociência. um novo estágio, quando aquela maneira de agir e de pensar anterior é
LENTE, R. Rio de Janeiro: Atheneu, 2010. inadequada para enfrentar as dificuldades que surgem em relação com
o meio, levando a um desequilíbrio do organismo. Isso leva a criança a
desenvolver novos modos de agir e pensar mais elaborados.

1.3 Neuropsicopedagogia,
Vídeo psicopedagogia e neurociências
Antes de iniciarmos esta seção, faz-se necessário refletir que o ser
humano é 100% social, e não há um ser humano fora do social. Como
exemplo podemos recordar o filme O náufrago: o personagem principal
do filme, após um naufrágio, ficou isolado em uma ilha; com o passar
dos dias, ele achou uma bola e a transformou em seu companheiro.

Talvez aqueles que não tiveram a oportunidade de assistir ao filme


podem estar se perguntando “O que ele fazia com a bola?”. Bom, o
personagem dessa história, com seu companheiro (a bola), realizava
atividades como: brincar, conversar, expressar suas emoções e de-
siquilíbrio emocional. Isso acontecia porque ele precisava dessa in-
teração. Mas o que isso tem a ver com a neuropsicopedagogia e a
neurociência? Quando falamos no processo educacional, precisamos
pensar na genética que não determina o humano, então, quando pen-
Filme
samos nisso, precisamos entender que, segundo Varela (1971), aque-
Com o filme O náufrago
você poderá com- le que é geneticamente humanizável só consuma tal condição por
preender não apenas a meio do relacionamento com seres humanizados, ou seja, herdamos
importância da interação,
mas fazer uma reflexão características genéticas, mas nos construímos como humano com
sobre a importância da nossos saberes, desejos e sentimentos por meio da relação social,
resiliência, que é preciso
abrir mão de velhas prá- interpessoal, com outros humanos.
ticas e entender que não
controlamos nada, a não
Pesquisas recentes apontam o papel importante da neuropsicope-
ser nossa própria maneira dagogia, que, tendo como coluna a neurociência, busca um novo olhar
de encarar a realidade.
na compreensão da construção da aprendizagem. A neurociência, atual-
Direção: Robert Zemeckis. EUA:
Universal Pictures, 2000.
mente, tem estado nos centros das grandes discussões relacionadas à
educação e aos processos de aprendizagem. A neurociência é o ramo

22 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
das ciências biomédicas responsável pelo desenvolvimento dos estudos
referentes ao sistema nervoso, abordando seu desenvolvimento, sua
evolução, sua morfologia e seu funcionamento. Neste século, a neuro-
ciência tem participação importante nas tentativas de elucidar paradig-
mas educacionais que se prolongaram pelos séculos anteriores. Está
ligada aos processos de avaliações, alterações da mente e do comporta-
mento dos indivíduos frente à carga de estresse que o momento impõe.

A neurociência é definida por Souza e Gomes (2015) como o estudo


científico do sistema nervoso, cujo objetivo é investigar o seu funcio-
namento, sua estrutura, seu desenvolvimento e suas alterações, agre-
gando suas diversas funções. Esse saber se complementa ainda na sua
definição junto às ciências naturais, que estudam princípios que des-
crevem a estrutura e atividades neurais, buscando assim compreender
os fenômenos observados.

Sob o olhar da neurociência, percebemos a necessidade de o profes-


sor entender que a aprendizagem escolar necessita de bases concretas
para acomodar a aprendizagem. É preciso pensar principalmente que
aprendizagem não é simplesmente aquisição de conhecimento, justa-
mente porque o processo de escolarização necessita desenvolver estra-
tégias para que o aluno desenvolva as habilidades de ler, compreender,
explicar, escrever e se tornar um cidadão pleno. Então, a neurociência é
a área multidisciplinar do conhecimento que analisa o sistema nervoso
para entender as partes biológicas.

Ao longo do século XIX, vários pensadores foram imprescindíveis


para o estudo da neurociência; entre eles, Erick Kandel, que iniciou
seus estudos observando uma lesma do mar. Durante quatro décadas,
interessado em descobrir os processos que envolvem nossa memória,
Kandel buscou estudar o animal com o sistema nervoso mais simples
que encontrou. Ele descobriu que os neurônios do ser humano fazem
mais ou menos as mesmas coisas que o da lesma do mar, com a dife-
rença de que em nós os neurônios se apresentam em maior número.
Assim, conseguiu identificar os genes e proteínas que possibilitam a
permanência da memória nos neurônios. Kandel nos fala que somos o
que somos devido àquilo que aprendemos e que lembramos.

O objetivo principal da neurociência é a compreensão de como os


sinais elétricos através de circuitos neurais origina a mente, como per-
cebemos, agimos, pensamos, aprendemos e lembramos.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 23


Assim, a neurociência vem contribuir com a neuropsicopedagogia no
processo de ensino-aprendizagem, segundo Souza e Silva (2019, p. 15): “A
Neurociência é considerada a ciência do cérebro, enquanto a Educação é
conhecida como a ciência do ensino e da aprendizagem e são próximas
porque o cérebro participa do processo de aprendizagem do indivíduo [...]”.

Esse suporte se faz necessário para potencializar as práticas de sala


de aula no sentido de minimizar a exclusão escolar e social oriunda de
dificuldades de aprendizagem e ainda contribuir no processo de forma-
ção para a cidadania.
A educação, como ciência do ensino e aprendizagem, também se
ocupa em explicar como o processo de ensinar e aprender ocor-
re, tendo em sua constituição basal algumas particularidades
que a diferem da neurociência, mas que vêm sendo descontruí-
das com o passar do tempo em decorrência de novas descober-
tas. (CORRÊA; FERRANDI; SIMÃO, 2020, p. 8)

A neuropsicopedagogia, tendo como base de conhecimento a neu-


rociência, nos dá uma maior compreensão de como podemos melho-
rar nossa prática como educadores, tornando o conhecimento mais
acessível a todos, pois ao entender o percurso que é feito por nosso
cérebro para adquirir conhecimento e também os bloqueios que po-
dem surgir nesse processo teremos maior habilidade para superá-los.

Isso é o senso inclusivo, que nasce a partir do momento que acredita-


mos que independentemente de nossas dificuldades, apontadas ou não
por um laudo, somos capazes de adquirir o conhecimento, sendo não
apenas um instrutor de saberes, mas uma presença suportadora, que
auxilia o sujeito a crescer, não somente dentro do contexto escolar, como
também em suas outras dimensões que perpassam os muros da esco-
la, especialmente por entender que o objetivo educacional é valorizar e
potencializar as habilidades e competências dos alunos, desenvolvendo
meios adequados a cada um, segundo suas limitações e possibilidades.

Contudo, é preciso enfatizar que a neurociência não fornece estra-


tégias de ensino; ela nos mostra que o desenvolvimento do cérebro
decorre da integração entre corpo e meio social, assim, o educador
precisa potencializar essa interação por parte das crianças.

São princípios da psicopedagogia:


• Princípio da prevenção: refere-se às ações que podem ser execu-
tadas, de modo que um sujeito aprenda a lidar com suas dificul-
dades de aprendizagem.

24 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
• Princípio do desenvolvimento: está intimamente ligado ao princípio
anterior; um sujeito pode não apenas superar as dificuldades de
aprendizagem, como também aprimorar seus talentos, indo além.
• Princípio da ação social: tem a ver com a forma de o indivíduo
interagir com os outros e construir relações positivas.

A psicopedagogia lida com o sujeito, seu objeto do conhecimento, sua


relação com a linguagem e com a influência sócio-histórica no ambiente
de aprendizagem. Aprendizagem é um processo de mudança e modifica-
ção permanente de comportamento em um tempo e em um espaço, de
forma gradual. Trata-se de coordenar a aprendizagem com o desenvol-
vimento integral do sujeito ao longo de toda a vida, independentemente
das instituições em que se desenvolve o processo ensino-aprendizagem.

O objeto de estudo da psicopedagogia tem enfoques distintos. Con-


tudo, surge certo consenso quanto ao fato de que a psicopedagogia
deve se ocupar em estudar a aprendizagem humana. Esse processo de
aprendizagem ocorre com o indivíduo:
• como sujeito cognitivo e sua particular maneira de conceber o
conhecimento;
• como sujeito desejante de formação;
• no seu modo particular de apreender conhecimentos;
• em sua estrutura familiar e no seu posicionamento nesse contex-
to, sua relação com o saber e o conhecer, o modo de processar,
de mudar as normas e as complicações decorrentes do impacto
sobre o sintoma do não aprender;
• em um contexto socioeconômico-cultural, em sua qualidade de
transmissor de valores, ideologias e expectativas, mediado pelas
instituições e seus discursos.

A psicopedagogia assume, então, o desafio de atuar e articu- Livro


lar, com sua ação de interpretação, a compreensão do processo de Jean Marc Gaspard Itard
foi um médico francês
aprendizagem, fortalecendo a presença de identidades particulares e
nascido na Provença. O
plenas de significados sociais. Nesse contexto complexo, proporcio- livro O garoto selvagem e
o Dr. Jean Itard: história e
nará a construção e desconstrução de valores e atitudes, a fim de que
diálogos contemporâneos
abarquem as reais necessidades sociais, culturais e político-educati- conta a história do trabalho
deste médico com Victor
vas dos sujeitos rodeados por histórias e culturas diversas.
de Aveyron, o menino que
Embora haja enfoques distintos em relação ao objeto de estudo, a viveu com lobos.

psicopedagogia assume, então, o desafio de atuar e articular, com sua LEITE, L. B.; GALVÂO, E.; DAINEZ, D.
Campinas: Mercado das Letras, 2017.
ação de interpretação, a compreensão do processo de aprendizagem,

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 25


fortalecendo a presença de identidades particulares e plenas de signi-
ficados sociais. Nesse contexto complexo, proporcionará a construção
e desconstrução de valores e atitudes, a fim de que abarquem as reais
necessidades sociais, culturais e político-educativas dos sujeitos rodea-
dos por histórias e culturas diversas.

Artigo

http://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/234

Para aprofundar seus conhecimentos acerca da história da psicopedagogia,


leia o artigo Análise histórica do surgimento da psicopedagogia no Brasil, de Ana
Araújo Costa, Telma Maranhão Gomes Pinto e Márcia Siqueira de Andrade.

Acesso em: 12 jan. 2023.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste capítulo, ressaltamos que a neuropsicopedagogia pode
auxiliar o professor na sua prática em sala, na prevenção de ingerência,
na prevenção das dificuldades e na inclusão de alunos com transtornos
da aprendizagem, entendendo que, enquanto uma defasagem é supera-
da, previnem-se algumas outras questões importantes, principalmente as
comportamentais. Com esse conhecimento, o professor pode auxiliar o
seu aluno a superar suas dificuldades, independentemente dos obstácu-
los que surjam, com estratégias direcionadas às necessidades do momen-
to, oportunizando a reflexão.

ATIVIDADES
Atividade 1
A neuropsicopedagogia foi o primeiro projeto que envolvia as neu-
rociências aplicadas à educação, unindo neurociências, psicologia
comportamental e pedagogia. Este foi o início de uma nova confi-
guração para os educadores profissionais que têm a oportunidade
de se tornar mais capacitados para lidar com inclusão, nossa
realidade escolar desde sempre, mas só agora falada. Com base
no que foi aprendido até agora, qual é o papel do neuropsicopeda-
gogo na aprendizagem de pessoas com deficiência, pensando que
a deficiência causa bloqueios em determinadas regiões do SNC,
causando assim dificuldade no trajeto preexistente?

26 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Atividade 2
Retomando a imagem do processo da aprendizagem, segundo Piaget,
qual o papel da adaptação e do desequilíbrio na aprendizagem?

Atividade 3
Qual noção de conhecimento, se faz necessária na área da educação,
não só da saúde?

REFERÊNCIAS
CORRÊA, T. H. B.; FERRANDI, L. M.; SIMÃO, G. F. Contribuições da Neuropsicopedagogia no
Contexto Educacional: Um novo olhar para a Instituição Escolar. Educere et Educare, v. 15,
n. 36, p. 1- 21, out. 2020.
GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Trad. de Maria Adriana Veríssimo
Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
HENNEMANN, A. L. Considerações sobre o livro Neuropsicopedagogia clínica: introdução,
conceitos, teoria e prática. Novo Hamburgo: Juruá, 2015.
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985.
RAMALHO, B, L. Formação para docência profissional. Brasília: Liber livros, 2015.
ROTTA, N. T.; OHLWEILER, L.; RIESGO, R. S. Transtornos da Aprendizagem – abordagem
neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
RUSSO, R. M. T. Neuropsicopedagogia Clínica – Introdução Conceitos, Teoria e Prática. Curitiba:
Juruá, 2015.
SANMARTÍ, N. Avaliar para Aprender. Trad. de Carlos H. L. Lima. Porto Alegre: Artmed, 2009.
SBNPP – Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia. Conselho Técnico-Profissional. Nota
técnica n. 01/2016.
SOUZA, L. A. A. F. de; SILVA, S. V. A Neurociência como Ferramenta no Processo Ensino-
Aprendizagem. Revista Mythos, v. 12, n. 2, 2019.
SOUZA, M. C. de; GOMES, C. Neurociência e o déficit intelectual: aportes para a ação
pedagógica. Revista psicopedagogia, São Paulo, v. 32, n. 97, p. 104-114 , 2015.
VARELA, F. G. A árvore do conhecimento. São Paulo: Editorial Psy II, 1971.
VENTURA, D. F. Um retrato da área de neurociência e comportamento no Brasil. Revista
Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26 n. especial. Brasília: Universidade de São Paulo, 2010.

Bases teóricas da neuropsicopedagogia 27


2
Bases neuropsicológicas
da aprendizagem
Com a realidade da inclusão existente hoje, entender como o apren-
der acontece é de extrema importância, não apenas para os profissionais
que atuam em clínicas, mas também para aqueles que estão diretamente
envolvidos com a sistematização desse processo, como os educadores.
Isso é feito ao compreender como ocorre a aprendizagem no processo
de desenvolvimento, típico e atípico, como aquisição, armazenamento e
evocação de informações necessárias, portanto a atuação é menos sofri-
da tanto para o educando quanto para o educador.
Neste capítulo estudaremos sobre o sistema nervoso central (SNC),
a importância da sua estimulação e os sinais que podem ser percebidos
para um trabalho preventivo dentro do desenvolvimento global.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• conhecer a estrutura e as divisões do cérebro e suas funções gerais;

• compreender como ocorre o aprendizado, segundo a neurociência;

• entender o que é plasticidade cerebral e sua importância no pro-


cesso de aprendizagem;

• compreender sinais de alerta na criança, em relação a problemas de


desenvolvimento da linguagem, psicomotricidade e funções executivas.

2.1 Como o cérebro funciona


Vídeo
Ao buscar autores que pesquisam sobre o assunto, um dos pontos
principais que são apontados para a aquisição do conhecimento é a esti-
mulação das áreas do cérebro identificadas como as responsáveis pelos
mecanismos das memórias. Tendo essa expertise e cuidado, o desenvol-
vimento da aprendizagem flui melhor, sem uma busca sofrida, e o obje-
tivo principal é auxiliar os neurônios a desenvolverem novas conexões.

28 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
A neuropsicopedagogia, com base na neurociência e áreas afins,
afirma que se faz necessário, além do trabalho preventivo, uma melhor
compreensão tanto do processo de aprendizagem quanto das janelas
maturacionais, além da estimulação, desde a mais tenra idade, para
que o desenvolvimento cognitivo tanto maturacional quanto cronológi-
co siga em equilíbrio.

Com essa nova maneira de se entender esse processo, a escola tem


como desafio unir os referenciais teóricos pedagógicos às pesquisas no
campo da neuropsicopedagogia e áreas afins, para que o sucesso no
processo de aprendizagem de seus alunos seja bem trabalhado, sen-
do o professor a ponte que liga o conhecimento sistemático ao aluno.
O profissional da educação precisa ter um olhar amplo desse sujeito,
entendendo que o aluno não é apenas constituído pelo cérebro, mas
sim pela tríade cérebro, psique e corpo, assim sua mediação será sig-
nificativa. Desse modo, o professor não realiza apenas um depósito
de informações sem sentido, mas se desenvolve junto com seu aluno.
Não existem receitas de aprendizagem, assim, ao compreender as difi-
culdades e facilidades de cada aluno, o professor, consequentemente,
também aprende por meio da práxis criativa, que necessita da teoria e
da prática, trilhando caminhos com menos obstáculos.

Em decorrência dos avanços das técnicas de neuroimagem, que


possibilitaram a confirmação das interações entre as funções cogniti-
vas e as áreas cerebrais, os anos 1990 ficaram conhecidos como a dé-
cada do cérebro.

Alexander Luria é considerado por muitos estudiosos como “o


pai da neuropsicologia”. Ele investigou casos de pacientes com
lesões no sistema nervoso central e demonstrou que as funções
mentais superiores estão organizadas em sistemas funcionais
complexos. Seu objetivo era identificar precocemente o local onde
ocorriam as lesões e oferecer a reabilitação adequada ao paciente.
Ele considera que o cérebro está dividido em três unidades funcio-
nais básicas (LURIA, 1981):
• Primeira unidade: as estruturas dessa unidade estão localizadas
no tronco cerebral e têm relação com a atenção, o estado de vigí-
lia e a regulação da atividade cerebral. Envolve o sistema reticular
ativador e as camadas do córtex.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 29


• Segunda unidade: encontra-se nos lóbulos occipital, parietal e
temporal. É responsável por receber, analisar e armazenar as in-
formações recebidas por meio dos órgãos dos sentidos, gerando
um sistema de conexões complexas.
• Terceira unidade: é constituída no lóbulo frontal. Essa unidade é
responsável por programar, regular e controlar as atividades do
indivíduo, gerando e construindo intenções e ações, tanto inter-
nas quanto externas.

Pode-se dizer, de maneira geral, que o sistema nervoso (SN) é com-


posto de: córtex cerebral, tronco encefálico, cerebelo, medula, nervos e
terminações nervosas. É dividido em:
• Sistema nervoso central (SNC): controla o processamento de in-
formações e dados, memórias, julgamentos, avaliações, compor-
tamentos e soluções de problemas. É constituído de duas partes:
o encéfalo e a medula espinhal.
• Sistema nervoso periférico (SNP): realiza o trânsito da informação
que sai do SNC e chega a diversas partes do organismo, trazendo
de volta algum comando. Divide-se em sistema nervoso somático
(SNS), formado por neurônios que estimulam as ações motoras
voluntárias e intencionais; e sistema nervoso autônomo (SNA),
que se divide em: sistema nervoso autônomo parassimpático
(SNAp); sistema nervoso autônomo simpático (SNAs); e sistema
nervoso autônomo visceral ou entérico.

Figura 1
Divisão do sistema nervoso

Vectosome/Shutterstock
Sistema nervoso
central Sistema nervoso
Sistema Sistema nervoso autônomo parassimpático
nervoso somático
Sistema nervoso
periférico
Sistema nervoso Sistema nervoso
autônomo autônomo simpático

Sistema nervoso autônomo


visceral ou entérico

Fonte: Elaborada pela autora.

30 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Apesar de nascermos com o cérebro já formado, é necessário que
haja um tempo para que ele se desenvolva e forme as redes neurais,
ou seja, as células do sistema nervoso que estão relacionadas com a
propagação do impulso nervoso e da entrada e saída sináptica.

Pesquisadores como Bianculli (1997), afirmam que só a partir dos


21 anos de idade é que as redes neurais estarão formadas, dando-nos
capacidade para lidarmos com o contexto e, assim, podermos produzir
comportamentos mais adaptados e organizados.

O mediador, seja clínico ou institucional, ao entender o modo como


o cérebro aprende, pode promover aprendizados que sejam signifi-
cativos para o estudante. Aprender não é acumular conhecimentos
na memória, pois a cada novo saber aprendido, naturalmente, existe
novo reposicionamento das sinapses e a informação de maior signi-
ficância ficará ali retida. As sinapses se estabelecem a partir do mo-
mento em que a informação recebida tem significação para as redes
neurais, e só assim o cérebro sofrerá alterações em sua forma de in-
teragir diante dos estímulos.

Ao entender as rotas que são utilizadas na busca pelo conhecimen-


to, o neuropsicopedagogo consegue elaborar trajetos mais eficientes
para se chegar ao objetivo. Para que isso seja possível, é preciso co-
nhecer e entender que o processo da aprendizagem ocorre por redes
neurais, que é a comunicação realizada entre os neurônios, assim o
profissional consegue elaborar planos pontuais que facilitam a com-
preensão do aluno. Isso é possível porque a alteração que será feita é
referente às ferramentas que serão utilizadas para que o aluno siga ao
objetivo final: o conhecimento.

Assim, podemos alterar nosso modo de ensinar, tendo maior criati-


vidade na organização dos materiais utilizados e mudando nosso olhar
e as metodologias. Em crianças com déficits sensoriais, por exemplo,
o professor irá utilizar ferramentas visuais (vídeos, figuras) e auditivas
(músicas, brincadeiras) para alcançar esses alunos. Hoje, com a inclu-
são, temos novas realidades educacionais, portanto temos uma nova
chance de nos superar e entender que somos todos diferentes, não
apenas nas características físicas, mas também nas cognitivas, além de
termos diferentes habilidades. A busca por essa compreensão é um

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 31


caminho que exige reflexão não apenas teórica, mas sim uma junção
da técnica com a escuta.

Além disso, é preciso pontuar que saber as partes do cérebro


e suas funções não nos exime de entender como ocorre o processo
de aprendizagem individual, captado pela escuta. Assim sendo, ter
uma deficiência X não significa que a forma de aprender seja igual a
de outro que apresenta o mesmo diagnóstico, visto que somos seres
multiconstituídos, não apenas por um cérebro (biológico) ou por uma
deficiência que leva a um CID (Código Internacional de Doenças), mas
também pelo lado emocional. Cada indivíduo formado culturalmente,
socialmente e biologicamente é único.

Primeiramente, precisamos entender que o cérebro humano é se-


parado por lobos. Essa divisão não é tão perfeita como apresentada
na Figura 2, contudo é possível termos uma ideia de como isso ocorre.
Figura 2
Divisão do cérebro

Lobo frontal Lobo parietal

Zonda/Shutterstock
Lobo
occipital

Cérebro

Cerebelo
Lobo temporal

Medula espinal
Fonte: Elaborada pela autora.

Para um melhor entendimento, é preciso pensar que nosso cérebro


possui “caminhos”, e cada “caminho” nos leva a um “destino”. Vamos pensar
aqui na organização de uma empresa: dentro dela existem setores, e cada

32 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
setor é responsável por uma demanda. Assim também é o nosso cérebro,
pois existem setores que são responsáveis por determinadas funções.

Iniciaremos dividindo o cérebro em quatro setores, para uma me-


lhor compreensão. Pense em uma empresa chamada cérebro; den-
tro dela existem repartições, que são: lobo frontal, lobo parietal, lobo
temporal e lobo occipital.

A primeira delas, o lobo frontal, possui sub-repartições que são res-


ponsáveis pela área motora; pela área pré-motora e motora suplemen-
tar; pela área de Broca; e pelo córtex pré-frontal. No lobo frontal estão as
áreas mais funcionais, responsáveis pela regulação do comportamento.
Podemos pensar nele como a área técnica da empresa, ou seja, a função
executiva associada a estruturas cerebrais que é parte do gerenciamento
onde ocorre o planejamento, a elaboração, a resolução de problemas etc.

O lobo parietal faz a função do departamento pessoal, responsável


por conhecer o corpo, por exemplo, a sua relação com o exterior, a
noção de espaço e a compreensão do que vê, toca e escuta. As dificul-
dades nessa área se manifestam na comunicação espacial, na escrita
(como a ortografia), no pensamento matemático (como a discalculia) e
na linguagem (chamada de afasia).

Já o lobo temporal, conhecida como área de Wernicke, seria o al- Biografia


moxarifado, tendo a função de dar destino a cada informação recebida, Carl Wernicke (1848-
1905) foi um médico,
como a aprendizagem, a memória e todo o processamento de informa-
anatomista, psiquiatra e
ções que favorece a memória refletida em uma melhor aprendizagem. neuropatologista alemão.
Ele focou seus estudos
Essa área também tem um papel importante na compreensão da lin-
nos distúrbios de lingua-
guagem (GAZZANIGA; IVRY; MANGUN, 2006). gem e comunicação.

Por fim, o lobo occipital organiza todas as informações recebidas


pelos olhos, encaminhando-as para o setor responsável. Apesar de ter
uma função similar ao lobo temporal, faz um percurso diferente. O
lobo occipital constitui o primeiro nível do processamento da informa-
ção visual. Essas informações são transmitidas por meio de duas vias
principais: uma via ventral para o lobo temporal e uma dorsal para o
lobo parietal. O corpo caloso, que conecta os dois hemisférios, unifica
a percepção dos objetos ligando as áreas corticais que representam os
hemicampos opostos, arquivando as informações.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 33


Após conhecer as áreas funcionais do cérebro e suas atribuições, é
preciso pensar que nem sempre todos os departamentos realizam suas
funções com perfeição, pois existem interferências que resultam em
falhas do setor. Assim, diagnosticada a falha, o neuropsicopedagogo,
ao conhecer bem cada área, busca avaliar quais as dificuldades encon-
tradas em cada setor, sejam internas (neurobiológica/lesões) ou exter-
nas (inadequação de estímulos), ajudando o cérebro a se reorganizar e
realizando um plano de ação para sanar as dificuldades apresentadas.

Além disso, é preciso entender que o lobo frontal, em especial a re-


gião pré-frontal, não está totalmente desenvolvido ao nascermos; ele é a
última peça que será desenvolvida, finalizando seu crescimento, aproxi-
madamente quando completamos 21 anos. Assim sendo, entender cada
etapa de crescimento auxilia o profissional clínico e acadêmico a criar es-
tratégias quando aparecerem as dificuldades ao longo do crescimento.

2.2 Apropriação do conhecimento formal


Vídeo
O conhecimento (ou a aprendizagem) é construído no cotidiano e
nas práticas educacionais, sejam formais ou não formais. A educação vai
além dos muros das escolas, pois aprendemos vivenciando interações
cognitivas, afetivas, sociais e culturais constituídas com o outro e com os
conhecimentos corporificados nos currículos escolares. Portanto, criar
conexões entre os neurônios está presente em toda a vida e em todos os
lugares, e todos os alunos são capazes de aprender algo novo, todo dia.

Mas como o cérebro arquiva as novas informações?

Sendo a memória nossa capacidade de armazenar informações e evo-


cá-las sempre que for necessário, é importante que nosso cérebro esteja
focado nas informações relevantes. É comum esquecermos onde deixa-
mos nossos óculos ou o que fizemos mais cedo durante o dia, e, muitas
vezes, isso se deve à falta de atenção no momento de nossas ações.

A atenção está entre as funções cerebrais que auxiliam na apren-


dizagem e ocorre quando o indivíduo, por um breve ou um longo pe-
ríodo, se dirige e se fixa em algum objeto ou situação; é quando nossa
consciência está concentrada em determinada informação. A atenção
pode ser voluntária ou involuntária e permanece dependendo da repe-
tição, da intensidade e do movimento.

34 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Inúmeros fatores podem influenciar nossa atenção. Primeiramen-
te, nosso cérebro é incapaz de prestar atenção em mais de uma in-
formação ao mesmo tempo de modo satisfatório. Quando tentamos
executar duas tarefas (ou mais) juntas, é muito provável que uma delas
não fique bem-feita. É por esse motivo que não se deve dirigir e usar o
celular, mesmo que o indivíduo se julgue hábil o suficiente para isso. Já
algumas pessoas, por exemplo, conseguem se concentrar melhor ou-
vindo música, enquanto para outras isso é bastante prejudicial. Cada
pessoa tem um desenvolvimento da atenção diferente, pois ele está
relacionado à anatomia cerebral e a exercícios mentais.

Portanto, para reter informações que necessitam ser armazenadas


em nossa memória, é necessário estarmos atentos. Quando estamos
concentrados em uma atividade, o cérebro entende que aquela infor-
mação é significativa e, por isso, a armazena.

A memória trata da capacidade de adquirir, recuperar, registrar e


armazenar as informações captadas e que estão no cérebro. Ela pode
ser dividida em três fases:

PUWADON SANG/Shutterstock / 2Hermin/Shutterstock


Armazenamento
Aprendizagem
ou consolidação Recordação

1 2

Há vários tipos de memórias que são processadas em diferentes


partes do cérebro. As três principais classificações são: memória senso-
1

rial, memória de curto prazo e memória de longo prazo.


• Memória sensorial: é aquela que se concretiza por meio de nos-
sos sentidos (tátil, visual, olfativo, auditivo e gustativo).
• Memória de curto prazo: são informações que guardamos por
Saiba mais
pouco tempo. Por exemplo, quando você está em um restaurante
e alguém te explica como chegar ao banheiro, é a memória de cur- Há fatores que podem
influenciar negativamente
to prazo, também chamada de operacional, que você utiliza para a memória, como algumas
retornar à mesa onde estava assentado. doenças (disfunções na
tireoide, mal de Alzheimer,
• Memória de longo prazo: são memórias permanentes, em que são esclerose, depressão) e
condições como estresse,
arquivados os fatos, os acontecimentos mais antigos que vão ficar
alcoolismo, concussões etc.
lá por anos, mesmo se o cérebro sofrer algum dano – por exemplo

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 35


o mal de Alzheimer –, o resgate desse arquivo será possível, lem-
brando que sua capacidade de armazenamento é ilimitada.

Dentro da memória de longo prazo, a mais importante para aprendi-


zagem, existem duas subclassificações que precisamos conhecer:
• Memória reflexiva: também conhecida como memória não
declarativa, está associada a atitudes inconscientes; são
habilidades, manias, hábitos que temos ou aprendemos.
• Memória declarativa: é relacionada a fatos, eventos que
conseguimos lembrar trazidos à tona por meio de números
ou palavras. Essa memória pode ser caracterizada como:
declarativa episódica, que está relacionada com o tempo e
eventos que ocorrem ou que temos conhecimento; semântica,
ou seja, a compreensão do significado das palavras e da relação
entre elas; e processual, quando uma parte da memória de
longo prazo nos auxilia a executar tarefas como dirigir, utilizar
o computador, preparar uma receita etc.
A memória é uma faculdade mental de extrema importância para
os seres humanos. Por causa dela podemos aprender novas habili-
dades e reter informações importantes sobre nós mesmos e sobre
o mundo em que vivemos. Quando adicionamos uma nova infor-
mação sobre outra já conhecida e fazemos uma relação, estamos
usando a memória para aprender. De acordo com a neurociência, o
aprendizado não acontece sem memória, e existe uma rede entre a
aprendizagem, memória e emoção quando ativadas pelo processo
de aquisição do conhecimento.

Podemos, então, traçar o caminho de uma memória em nosso cére-


bro: a informação é recebida pelo cérebro por meio dos nossos senti-
dos. A memória sensorial vai então preservar a imagem, ou a sensação,
e codificá-la. Depois de codificada, essa mensagem vai para a memória
de curto prazo, que se encarregará de reter essa informação por um
tempo para que seja usada e posteriormente descartada ou armaze-
nada. Quando uma informação deve ser armazenada, ela passa para a
memória de longo prazo (Figura 3).

36 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Figura 3
Caminho da memória

Informação
entra
Darya Palchikova/Shutterstock

Memória
sensorial

Descarta

Codificação Memória de
curto prazo

Armazena

Memória de
longo prazo

Fonte: Elaborada pela autora.

Para Lent (2001, p. 594):


O processo de aquisição de novas informações que vão ser
retidas na memória é chamado aprendizagem. Através dele
nos tornamos capazes de orientar o comportamento e o
pensamento. Memória, diferentemente, é o processo de ar-
quivamento seletivo dessas informações, pelo qual podemos
evocá-las sempre que desejarmos, consciente ou inconscien-
temente. De certo modo, a memória pode ser vista como o
conjunto de processos neurobiológicos e neuropsicológicos
que permitem a aprendizagem.

Diferente do que acontece com outros seres vivos, a memória nos


dá a capacidade de associar o passado, compreender o presente e pla-
nejar o futuro, e essa habilidade de planejamento é inerente ao ser hu-
mano. Contudo, é importante lembrarmos que os neurônios possuem
funções diferentes em relação à memória: alguns trabalham com os
estímulos visuais, outros com os verbais, e outros com os movimentos.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 37


Assim, os processamentos cerebrais podem ou não ter sucesso de
1 1
acordo com a eficácia das sinapses entre os neurônios. As sinapses se
A sinapse é a região estabelecem a partir do momento em que a informação recebida tem
de conexão entre a
extremidade do axônio de
significação para as redes neurais, e só assim o cérebro sofrerá altera-
um neurônio e a face de ções em sua forma de interagir diante dos estímulos.
outra célula.
Então, podemos entender que a aprendizagem acontece quando
a informação fica armazenada em nossa memória. Em alguns casos,
o sinal elétrico processado no interior do neurônio consegue pas-
sar para outro neurônio e seguir adiante; em outros casos, essa co-
municação celular necessitará de uma substância química chamada
neurotransmissor.

Os neurotransmissores são elementos liberados a partir das extre-


2 midades do axônio
2
para fazer com que as informações passem pela
O axônio é uma linha
fenda sináptica e alcancem outras células. Após cumprir sua função,
longa da célula nervosa
(neurônio) que atua como o neurotransmissor é reabsorvido pelo neurônio. Existem diversos
um cabo de fibra óptica
tipos de neurotransmissores, e a disfunção dessas substâncias pode
que transporta mensa-
gens de saída (eferentes). ocasionar algumas doenças. A acetilcolina é um dos principais neuro-
transmissores e está ligada à aprendizagem e à memorização, funções
com elevado grau de enredamento e de componentes cognitivos que
interagem dinamicamente, tais como atenção, memória e linguagem,
que executam um ou mais comportamentos voltados para alcançar de-
terminados objetivos.

Segundo Posner e Raichle (2001 apud CARVALHO, 2010), os siste-


mas cognitivos são sistemas mentais que regem as atividades diárias
do ser humano, como ler, escrever, conversar, planejar e reconhecer
rostos. Dentro dos sistemas principais existem subsistemas, agregan-
do complexidade na geração de um comportamento.

No sistema cognitivo da linguagem existem subsistemas respon-


sáveis pelo falar, decodificar e escrever, que necessitam de apoio de
outros setores para sua efetivação. Como base, são três os processos
para a aquisição da linguagem, e dentro de cada um deles podem ocor-
rer distúrbios que tendem a comprometer a aprendizagem.
• Linguagem interna: estrutura-se na língua em que o indivíduo
está inserido, e só a partir da internalização do que vivencia é que
ele constrói sua linguagem.

38 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
• Linguagem receptiva: é abrangente e está focada na capacidade de Livro
compreender as relações do que é dito entre o emissor e o receptor No livro Piaget, Vygotsky e
Wallon: Teorias psicogenéti-
da mensagem, com estreita sintonia entre recepção e expressão. cas em discussão é possível
se aprofundar sobre os
• Linguagem expressiva: o indivíduo está preparado para a comu-
pontos em comum entre
nicação com outro, tendo em vista que adquiriu experiências esses três autores, referen-
significativas, e consegue discriminar a recepção da informação, tes à ação do meio e suas
características no desenvol-
sem ruído na compreensão. vimento e na aprendiza-
gem humana, entendendo
O sistema cerebral da linguagem é associado com outros sistemas as trocas ativas entre o
cognitivos motores, porém dentro do cérebro podem ser encontradas humano e o ambiente.

áreas mais específicas. Segundo Piaget (1998), o desenvolvimento não LA TAILLE, Y. de; OLIVEIRA, M. K.
de; DANTAS, H. de L. São Paulo:
é apenas a maturação do sistema nervoso, mas é uma condição de Summus, 1992.
possibilidades de responder ao meio, de potencial para assimilar e es-
truturar novas informações.

Voltando a imaginar o cérebro como uma grande empresa, coloca-


mos a memória como o arquivo, sendo responsável por arquivar o que
é necessário para um bom desenvolvimento de cada setor, tendo tudo
isso guardado em um local específico. Ao ser necessária a utilização de
um arquivo, a memória vai até o lugar específico e pega a informação
para um melhor desempenho de cada área.

É preciso entender que todos temos a memória visual, a memória au-


ditiva e a memória sensorial, independentemente de qual delas o sujeito
terá domínio, visto que cada um desenvolve melhor uma ou várias, de acor-
do com habilidades que são mais ou menos estimuladas, ou mesmo com
lesões em determinados setores, que podem dificultar o armazenamento
de memórias. Assim, é importante avaliar com qual memória o aluno apre-
senta maior facilidade de armazenamento, para então planejar os recursos Vídeo
necessários, obtendo um melhor resultado. Por exemplo, um aluno com No vídeo Neurociência
na aprendizagem escolar,
maior habilidade visual deve estudar por meio de esquemas, gráficos, ma- publicado no canal
pas e demais recursos gráficos disponíveis para aquela matéria. Gabriel Sathler, você
poderá se aprofundar
As funções cognitivas (atenção, memória, linguagem, aprendizagem, sobre a importância da
neurociência no processo
percepção e pensamento) fazem parte do nosso funcionamento e são da aprendizagem.
fundamentais para que possamos realizar as atividades do dia a dia de
Disponível em: https://
modo automático e com maestria; porém, quando elas são alteradas por www.youtube.com/
watch?v=M5F2S5D5CDE. Acesso
algum motivo, começamos a ter contato com limitações que podem nos
em: 28 dez. 2022.
causar uma série de transtornos, desde físicos até emocionais.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 39


A importância da memória para a aprendizagem é independente
da concepção seguida pela escola. Sabe-se que o indivíduo, desde o
nascimento, ao utilizar a percepção vai expandindo seu repertório e
construindo conceitos. Esses conceitos são conduzidos por estruturas
de memória em que as imagens dos sentidos são fixadas e recordadas
por associação a cada nova experiência.

Quando pensamos na aprendizagem é preciso entender como ela


acontece. Segundo Piaget (1983), a assimilação é a mudança quantita-
tiva, ou seja, a modificação de conteúdo. Já a acomodação trata-se das
informações que recebemos, criando esquemas e visando a uma melhor
adaptação; é a mudança qualitativa, ou seja, modificação de estrutura.

Paín (1989) afirma que as dificuldades de aprendizagem podem es-


tar relacionadas a uma hiperatuação (excesso) gerando as modalida-
des de aprendizagem sintomáticas a seguir:
• Hiperassimilação: quando a adaptação ao meio é alterada, a in-
formação recebida (aprendizagem) é sofrida, dolorida, penosa.
• Hipoacomodação: consiste em adaptar-se para que ocorra a in-
ternalização; portanto, quando a adaptação não ocorre o sujeito
apresenta dificuldade de internalizar os objetos.
• Hiperacomodação: a criança com essa disfunção não cria, apenas
copia, por exemplo repetir movimentos ou tudo o que lhe é fala-
do sem questionar. Isso não é aprendizagem.
• Hipoassimilação: nesse modelo a criança não consegue interagir
com o objeto, por exemplo blocos de madeira. Ela vê o exemplo,
repete e continua repetindo o que lhe foi mostrado sem tentati-
vas de criação.

Quando não ocorre alteração médica como síndromes, patolo-


gias etc., a aprendizagem natural acontece por meio do movimento
de assimilação e equilíbrio. Nesse processo, ocorre a assimilação
(perceber e compreender um determinado objeto) e na sequência
a acomodação (criar estratégias para a resolução de problemas a
partir do que foi assimilado). Quando predomina a assimilação, as
dificuldades de aprendizagem são da ordem da não resignação, o
que leva o sujeito a perceber os objetos subjetivamente, não tendo
habilidade de utilizá-los ou criar novas estratégias tendo esse novo
saber como base.

40 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
2.3 Aprendizagem e plasticidade cerebral
Vídeo
O cérebro apresenta habilidades para modificar sua organização es-
trutural e funcional, utilizando novas rotas para chegar ao objetivo, em
nosso caso a aprendizagem. Por exemplo, alguém que sempre utilizou
o braço direito para escrever se depara com a impossibilidade de con-
tinuar utilizando-o; nesse caso, o cérebro ativa uma rota diferente para
que outro membro faça o movimento, antes realizado pelo lado direito,
necessário para esse corpo. Por meio de estímulos, o ambiente pode
ser transformado para que a criança desenvolva suas habilidades. Au-
tores como Feuerstein et al. (1980), Mantoan (1997), Vygotsky (2019) e
outros apontam o meio como mediador da aprendizagem, como ins-
piração que ajuda o sujeito em novas tentativas visando a um desen-
volvimento significativo. As conexões do cérebro, ainda que complexas
e precisas, são altamente flexíveis, contudo, podem ser afetadas por
fatores ambientais, como lesões ou carências sensoriais.

Já a plasticidade cerebral ou neuroplasticidade apresenta várias capa-


cidades adaptativas do cérebro, como habilidade para se adaptar às mu-
danças no ambiente e no armazenamento de informações memorizadas
associadas à aprendizagem; é a maneira que nosso SNC tem de resolver
problemas encontrados no meio do caminho. A plasticidade cerebral é
um atributo do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de mu-
tações estruturais em resposta à experiência e a estímulos repetitivos
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003; KOLB; WHISHAW, 2002).

A plasticidade cerebral está ligada à reestruturação cerebral promovi-


da por mudanças coordenadas nas estruturas sinápticas e por proteínas
associadas que levam ao remapeamento dos circuitos neurais. Até os anos
1990 acreditava-se que os neurônios eram rígidos, não havendo a possibi-
lidade de uma readaptação após uma lesão ou mesmo em decorrência de
uma disfunção no desenvolvimento. A falta de noções específicas sobre a
maleabilidade cerebral acabava favorecendo uma apatia terapêutica.

O cérebro se modifica em contato com o meio durante toda a vida, o


que também é entendido como plasticidade cerebral. A interferência do
ambiente no sistema nervoso causa mudanças anatômicas e funcionais no
cérebro, assim a quantidade de neurônios e as conexões entre as sinapses
mudam, dependendo das experiências pelas quais o sujeito passa. Antes

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 41


acreditava-se que as sinapses formadas na infância permaneciam imutá-
veis o resto da vida, mas pesquisas nessa área apontam que não é assim.

A plasticidade cerebral é um dos aspectos mais proeminentes do cé-


rebro e, embora ocorra ao longo da vida, ela pode seguir dois caminhos:
• Processo de remodelação contínua: acontece ao longo do desen-
volvimento, implicando mudanças no sistema nervoso à medida
que novas informações e/ou habilidades são aprendidas.
• Processo de remodelação após lesão no sistema nervoso: pode
acontecer no cérebro em desenvolvimento ou no cérebro madu-
ro após algum tipo de lesão; dependendo do momento da lesão,
os mecanismos de reparação serão distintos.

Vamos observar como ocorre a reorganização da estrutura neural


no processo de plasticidade neural (Figura 4).

Figura 4
Reorganização da estrutura neural

Plasticidade

Capacidade de Algumas áreas com


Reorganização do SNC
remodelar em função das capacidade de gerar
pós-lesão
experiências do sujeito novas células

Caráter plástico de cérebro que


Reformular suas conexões de
permite a aprendizagem durante
acordo com suas necessidades
a vida

Modificações Produção de neurônios por meio de


estímulos do meio ambiente

Novas sinapses
Aprendizagem ligada às experiências do sujeito

Zona ativa de contato entre uma terminação


nervosa e outro neurônio
Fonte: Elaborada pela autora.

42 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Mora (2004) afirma que ao analisar a flexibilidade do cérebro para reagir 3
3
aos processos do ambiente – explicada pela sinaptogênese e pelo fato de Capacidade de formação
de novas conexões, ou
que o conhecimento deve ser codificado nas ligações entre os neurônios –, seja, sinapses, entre as
a aprendizagem é possibilitada pela plasticidade cerebral, modificando quí- células cerebrais.

mica, anatômica e fisiologicamente o cérebro, assim, cada vez que as situa-


ções estimulam as novas sinapses, ocorrem novas alterações/rotas.

Hoje, com pesquisas nas áreas da ciência, como na neurociência,


sabemos que enquanto houver vida cerebral há possibilidade de novas
conexões, como acontece com o GPS, quando um trajeto está bloquea-
do existe a possibilidade de fazer um novo caminho, para que o obje-
tivo seja alcançado. Contudo, é preciso levar em consideração que no
desenvolvimento humano existem períodos em que aprendemos de-
terminadas habilidades e competências com mais facilidade ao sermos
expostos a experiências e estímulos que favorecem esse aprender. A
memória ativada pela emoção facilita a aprendizagem, por exemplo
quando utilizamos uma música que traz lembranças boas. Com a emo-
ção, a aprendizagem se torna mais significativa ao aluno. O processo do
aprender deve ser compreendido como algo multifatorial, envolvendo
elementos internos e externos e aspectos culturais, sociais e familiares.
Além disso, é derivado, principalmente, do conhecimento adquirido pe-
las relações sujeito/sujeito e sujeito/objeto.

2.4 O olhar preventivo do educador


Vídeo
Tradicionalmente, o professor era tido como a principal figura na sala
de aula, e os alunos eram aqueles que deveriam ouvir e tomar nota de
tudo que era dito e escrito e, geralmente, não tinham chances de refletir a
respeito das informações transmitidas. Após algum tempo, passavam por
uma avaliação em que deveriam mostrar que memorizaram o conteúdo,
uma prática que pouco contribuía para o desenvolvimento intelectual dos
alunos. Com o passar dos anos, a estrutura vigente foi sofrendo alterações
e hoje o professor também aprende muito com a prática educativa.

Entendemos que, com o avanço do desenvolvimento humano e a


compreensão das rotas funcionais utilizadas para apropriação da apren-
dizagem, o professor não é mais um mero transmissor de informações,
mas uma ponte entre o conhecimento e o aluno, com o olhar que en-
xerga o discente em sua totalidade e sem deixar de considerar aquilo

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 43


Filme que os estudantes já sabem, suas capacidades, motivações e sua forma
O filme Além da Sala de própria de construir o conhecimento e fomentar o pensamento crítico.
Aula conta a história de
uma professora jovem O professor deve também observar seus alunos e auxiliá-los a alcançar o
iniciando a carreira conhecimento, já que cada grupo interage de modo diferente.
profissional com amor,
generosidade, determina- Apenas deter informações acadêmicas não é o suficiente se o pro-
ção e coragem em uma
instituição provisória, um
fessor não souber transmitir informações. Não é incomum encontrar-
local extremamente ina- mos professores extremamente comprometidos com suas práticas de
dequado e em uma sala
multisseriada. A professo-
sala de aula que se transformam em indivíduos angustiados por não
ra possibilitou até mesmo perceberem resultados positivos provenientes de suas práticas.
que as crianças carentes
tivessem alimento. Ela Nesse momento a neuropsicopedagogia entra como ferramenta impor-
lutou para alfabetizar e,
assim, ajudou as crianças.
tantíssima, capaz de levar esse professor a perceber cada avanço, que deve
ser único para cada sujeito, através do olhar, além de principalmente tor-
Direção: Jeff Bleckner. EUA:
Hallmark, 2011. ná-lo um profissional capaz de desenvolver e aplicar técnicas pedagógicas
neurologicamente contextualizadas, capazes de contribuir na facilitação do
processo da aprendizagem dos variados conteúdos da grade curricular.

Vivemos em uma sociedade extremamente exigente e com demandas a


todo momento, frequentemente cobrando readequações profissionais do
professor, remetendo-o à necessidade de uma constante formação e atuali-
zação de seus conhecimentos. Além disso, ser professor em um mundo tec-
nologicamente ativo tem sido desgastante. Os professores se deparam em
suas salas de aula com alunos hipoativos, hiperativos, agressivos, calmos,
entre outros, o que gera uma turma heterogênea. Isso torna o trabalho do-
cente único, entendendo que todos somos diferentes, mas também difícil, o
que dá a cada profissional a possibilidade de gerir com flexibilidade.

Ballone (2008) considera que os alunos podem apresentar um conjun-


to de ocorrências emocionais intrínsecas ou extrínsecas. As intrínsecas
são de dentro para fora, são questões hormonais e emocionais da sua
própria constituição emocional, do desenvolvimento da personalidade e
de traços herdados, por exemplo ansiedade de separação, transtornos
obsessivo-compulsivos, autismo, depressão e/ou psicose. As extrínsecas
são de fora e correspondem às consequências de vivências sociais e fami-
4 4
liares, por exemplo bullying, dispedagogia , dificuldades adaptativas da
A dispedagogia refere-se adolescência e puberdade, abuso sexual infantil, gravidez na adolescên-
a problemas de aprendi-
zagem que são gerados cia, violência doméstica, entre outros. Muitas vezes são os professores os
pelo professor e pelo primeiros a observar quais as necessidades de cada sujeito ou identificar
próprio ensino.
precocemente eventuais problemas emocionais, e essa identificação já no
âmbito escolar é fundamental para o sucesso do tratamento.

44 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Os professores, apresentados à neuropsicopedagogia, tomam cons- Livro
ciência de possuir em suas mãos um instrumento eficaz. Esse segmento Com a leitura do livro
Neurociências na Prática
da ciência lhes proporciona ferramentas de identificação e de alterações ­Pedagógica, você conhece-
nos processos de aprendizagem. Possibilita também testagem de alunos rá técnicas fáceis de serem
colocadas em prática na
acometidos por possíveis distúrbios e capacidade de intervenção junto a atuação como mediador.
uma grande variedade de disfunções ou transtornos de aprendizagem. RELVAS, M. P. Rio De Janeiro: Wak, 2012.

O professor atualizado será capaz de identificar o momento exa-


to de diversificar as abordagens e escolher o recurso pedagógico
mais adequado, visando favorecer os processos de aprendizagem
de cada um de seus alunos.

Para que esse profissional da educação possa executar tal façanha


com maestria, é necessário que ele domine os conceitos da neurociência,
entendendo que aprender não é acumular conhecimentos na memória,
pois, a cada novo saber aprendido, naturalmente existe novo reposiciona-
mento das sinapses, e a informação de maior significância ficará ali retida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando refletimos, com base na neurociência, sobre o processo da
aprendizagem, percebemos que nosso papel como mediadores é o de
provocar desafios e reflexões e possibilitar o diálogo entre as emoções e
os afetos nos sujeitos. Para a aprendizagem, é necessário que ocorra uma
combinação de diferentes elementos, sejam eles emocionais, culturais,
biológicos ou pedagógicos.
Pesquisas referentes ao processo de aprendizagem nos apontam que
trabalhar com a memória de diferentes maneiras ajuda na estimulação da
plasticidade cerebral, abrindo muitas possibilidades para estudos sobre
os mecanismos pelos quais aprendemos e lembramos, independente de
bloqueios que podem acontecer em algum desses processos.
Entender a memória e a aprendizagem, estudadas pela neuropsicopedago-
gia, contribui para auxiliar a atuação dos profissionais não apenas clínicos, mas
institucionais, tendo com esse conhecimento um maior leque de ferramentas
e auxiliando o sujeito a ter uma aprendizagem mais significativa. É importante
ter novas informações para complementar as informações que já temos, con-
sequentemente a informação é razoável e não deixada livremente.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 45


ATIVIDADES
Atividade 1
Ao entender que o cérebro pode, por meio de novas conexões
(plasticidade cerebral), superar danos em seu processo cognitivo,
como podemos avaliar o papel do professor hoje?

Atividade 2
A plasticidade cerebral é definida como a capacidade de o sistema
nervoso modificar sua estrutura e função em decorrência dos
padrões de experiência. Sabendo disso, o que muda em relação às
deficiências diante do aprender?

Atividade 3
Qual a importância da neuropsicopedagogia para o professor?

REFERÊNCIAS
BALLONE. G. J. O que são Transtornos Mentais. PsiqWeb, 2008.
BIANCULLI, C. H. Realidad y propuestas para continencia de la transición adolescente en
nuestro medio. Adolescência Latinoamericana, 1997.
CARVALHO, F. A. H. Neurociências e educação: uma articulação necessária na formação
docente. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 537-550, nov. 2010.
FEUERSTEIN, R. et al. Instrumental enrichment: an intervention program for cognitive.
Illinois: Scott Foresman and Company, 1980.
GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Breve história da neurociência cognitiva. In:
GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência cognitiva: a biologia da mente.
2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
KANDEL, E.; SCHWARTZ, J.; JESSELL, T. Princípios da neurociência. 4. ed. São Paulo: Manole
Editora, 2003.
KOLB, B.; WHISHAW, I. Q. Neurociência do Comportamento. São Paulo: Manole, 2002.
LENT, R. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais da neurociência. São Paulo:
Atheneu, 2001.
LURIA, A. R. Fundamentos de neuropsicologia. São Paulo: Edusp, 1981.
MANTOAN, M. T. E. A interpretação de pessoas com deficiência: contribuições para uma
reflexão sobre o tema. São Paulo: Memmon, 1997.
MORA, F. Como funciona o cérebro. Porto Alegre: Artmed, 2004.

46 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
PAÍN, S. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. 3. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.
SANTOS, A. C. T. et al. Recomendações para reabilitação neuropsicológica aplicada à
demência. Mosaico: estudos em psicologia, v. 2, n. 1, 2015.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 12. ed. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.
PIAGET, J. A epistemologia genética. São Paulo: Editora Abril S.A., 1983. (Os pensadores).
PIAGET, J. Sobre a Pedagogia: textos inéditos. São Paulo: Casa do Psicólogo. 1998.

Bases neuropsicológicas da aprendizagem 47


3
Neuropsicopedagogia e
problemas de aprendizagem
O desafio de ensinar para a diversidade e reconhecer as dificuldades
de aprendizagem é cada vez mais comum no campo educacional. É pre-
ciso repensar como se dá a inclusão de crianças com deficiência ou com
dificuldades nesse espaço, pensando que esse ambiente – especialmente
a Educação Infantil – é a principal base para a estimulação cognitiva, pois
a criança está com suas redes neurais predispostas a aprender. É notório
que, quando não há um trabalho voltado à prevenção de dificuldades de
aprendizagem, isso se traduz em problemas mais graves nas etapas pos-
teriores à Educação Básica.
Neste capítulo veremos as barreiras encontradas na aquisição do co-
nhecimento, podendo ser neurobiológicas ou dificuldades momentâneas,
causadas por fatores como métodos inadequados ou mesmo questões
emocionais e ou culturais. Por fim, apontaremos estratégias para que
essas barreiras sejam superadas, auxiliando cada sujeito no seu desen-
volvimento pleno.

Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender a diferença entre questões neurobiológicas e outras
barreiras que dificultam a aprendizagem;

• compreender os diversos fatores que interferem na aprendizagem,


com o objetivo de auxiliar os alunos a se adaptarem melhor ao
contexto escolar e social;

• conhecer e aplicar estratégias que promovam o trabalho pedagó-


gico inclusivo.

48 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
3.1 Dificuldades de aprendizagem e
estratégias de intervenções
Vídeo
No campo da intervenção terapêutica, o neuropsicopedagogo bus-
ca compreender a relação entre o cérebro e a aprendizagem frente ao
processo cognitivo e à ampliação do conhecimento e das práticas edu-
cacionais, a fim de identificar problemas de aprendizagem escolar e
possíveis intervenções. Isso ajuda a fortalecer a aprendizagem e a evi-
tar o fracasso escolar, e configura-se como questão fundamental nos
debates epistemológicos sobre educação.

A busca pela compreensão da relação entre cérebro e aprendiza-


gem abrange tanto o conhecimento dos fundamentos neurológicos da
aprendizagem como do comportamento humano. Esse conhecimen-
1
1 to pode ser obtido por meio de estímulos contextuais que fornecem

Referem- se a estímulos
respostas essenciais aos processos de desenvolvimento humano, com
internos ou externos, com foco na relação inerente entre interesses, função motora, linguagem,
influência positiva ou nega-
tiva sobre a situação. Por
memória, cognição e emoção, psicologia e cérebro. A ciência ainda ten-
exemplo, exclamar “muito ta entender o processo cognitivo da matéria desde os primeiros anos
bem, você conseguiu!”,
como reforçador social.
de vida de um ser humano, seus obstáculos e as principais implicações
para o aprendizado. Mesmo com grandes avanços já conquistados até
hoje, há muito ainda o que pesquisar.

Alguns filósofos e cientistas, como Wallon (2006), Piaget (1993),


Vygotsky (1991), discorrem sobre até que ponto as tendências inatas
e os fatores ambientais influenciam o desenvolvimento. As crianças
neuroatípicas geralmente seguem os mesmos padrões de desenvolvi-
mento que as crianças neurotípicas, mas com um ritmo mais lento em
algumas áreas. No entanto, é importante ter em mente que o desenvol-
vimento em certas áreas afeta o desenvolvimento em outras; por exem-
plo, as aptidões motoras contribuem para a capacidade de explorar o
ambiente, e o desenvolvimento de movimentos mais lentos também
pode afetar a independência e autonomia da criança. Por exemplo, ela
pode ter dificuldade em se vestir sozinha ou completar um jogo de in-
serir formas em buracos, construir com blocos, entre outros.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 49


Com base nisso, compreende-se que o neuropsicopedagogo ge-
ralmente é procurado quando as dificuldades já estão presentes na
rotina escolar da criança, razão pela qual é necessário montar um
plano de intervenção, já que em muitos casos já se tem instaurado
um prejuízo significativo. No entanto, a neuropsicopedagogia não
intervém apenas quando já existem problemas e dificuldades, mas
poderá agir preventivamente para evitar que mais perdas ocorram.
Nessa perspectiva preventiva, entendemos que diversas interven-
ções podem prevenir algumas dificuldades de aprendizagem rela-
cionadas às habilidades de leitura, escrita e matemática, que são
diretamente afetadas pelo desenvolvimento psicomotor infantil.

Alguma vez você já se perguntou como saber se o seu aluno/


paciente tem uma dificuldade de aprendizagem ou um distúrbio de
aprendizagem?

Primeiramente, precisamos entender a diferença entre cada um


deles. A dificuldade de aprendizagem está relacionada a vários fa-
tores, como: métodos pedagógicos da escola onde a criança está
inserida, ambiente familiar, ambiente de vida e/ou outros fatores
ambientais. Já os distúrbios de aprendizagem estão diretamen-
te relacionados às condições de origem neurológica que afetam a
aprendizagem.

As dificuldades de aprendizagem são mais usuais na escola


do que você imagina. Há estudos mostrando que isso se aplica a
cerca de 50% dos estudantes brasileiros. Essa situação é de gran-
de preocupação para os pais, para os educadores e para os pró-
prios alunos. Afinal, crianças e adolescentes podem sentir agonia
e ansiedade por não conseguir aprender com tranquilidade. Sendo
assim, é importante entender a causa da dificuldade de aprendiza-
gem para que essa questão seja revertida.

A Figura 1 lista as principais causas tanto das dificuldades quan-


to dos distúrbios/transtornos de aprendizagem. Com base nela po-
deremos compreender um pouco melhor sobre essas diferenças.

50 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Figura 1
Diferenças entre dificuldade e distúrbio/transtorno de aprendizagem

Hermin/Shutterstock
Falta de estimulação;
fatores culturais;
metodologia da escola;
didática do professor;
Dificuldade ambiente físico ruim;
problemas emocionais;
famílias disfuncionais etc.

Dificuldade na linguagem;
dificuldade no uso da
audição, fala, escrita,
raciocínio lógico;
Distúrbio/
deficiências.
transtorno

Fonte: Elaborada pela autora.

A dificuldade de aprendizagem é uma condição multidisciplinar, ma-


nifestada principalmente pelo mau desempenho escolar, e pode ser
definida como os entraves que uma pessoa possa ter e que a prejudi-
quem no processo de ensino-aprendizagem. Essa condição tem muitas
causas diferentes – como conflitos na família, falta de interesse, me-
todologia de ensino não adequada, diferenças culturais, desnutrição
etc.–, e sua forma evolutiva está intimamente relacionada aos sistemas
familiar, educacional e terapêutico nos quais o sujeito está inserido.
Essas dificuldades interferem na maneira como o aluno aprende e po-
dem prejudicá-lo parcial ou até totalmente – ocasionando muitas vezes
2
um baixo desempenho escolar. A relação familiar tóxica, baixo nível
A deficiência de apren-
cognitivo, formas inadequadas de planejamento etc. são exemplos de dizagem pode englobar
tanto as dificuldades
situações que podem estar relacionadas à dificuldade de assimilação
quanto os distúrbios de
apresentada pelo sujeito. aprendizagem. Quando
2
se fala em deficiência na
A deficiência de aprendizagem tem muitas causas – não devemos área da aprendizagem, re-
pensar que surge por um único fator. Quando uma criança não está fere-se a tudo que causa
bloqueios na fluidez do
aprendendo, muitos fatores se combinam e, na maioria das vezes, é aprender, seja momentâ-
difícil isolar um fator único responsável pelo fracasso escolar dela. neo ou patológico.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 51


Podemos pensar que todas as crianças com deficiências de
aprendizagem específicas apresentam dificuldade em uma ou mais
áreas cognitivas, mas nem todas as crianças com dificuldades de
aprendizagem apresentam distúrbios/transtornos. Estar pronto
para o aprendizado escolar (ou aprendizado formal) significa ser ca-
paz de possuir as aptidões para realizar determinadas tarefas, ou
seja, ela apresenta as habilidades necessárias para realizá-las, ao
demonstrar maturidade cognitiva para desenvolver as atividades
apropriadamente.

Assim, quando os processos envolvidos no desenvolvimento não


estão maduros o suficiente para que os desafios escolares – por mais
simples que sejam – possam ser enfrentados e superados com ex-
celência, a criança pode apresentar comportamentos que sinalizam
esse desconforto, como a relutância em se envolver na escola e na
aprendizagem, aversão em ir à escola, comportamento de oposição
na aula ou durante os trabalhos de casa, entre outros.

Normalmente, essas crianças não conseguem acompanhar o


ritmo de aprendizagem dos seus pares e tendem a ser mais agita-
das e/ou confusas, o que faz com que os pais sejam chamados às
reuniões escolares com mais frequência. Além disso, a participação
dos pais nesse processo de descoberta é fundamental: compreen-
der a dificuldade dela e acolhê-la, além de buscar tratamento espe-
cializado são os primeiros passos para a superação dos desafios.
Cabe ressaltar que as dificuldades de aprendizagem não são ape-
nas prejudiciais ao desenvolvimento escolar. Se uma dificuldade
de aprendizagem não for avaliada e tratada, podemos ter outros
problemas, como o desenvolvimento de baixa autoestima e senti-
mento de inferioridade; dificuldades com as habilidades sociais e
cognitivas; alterações no comportamento e impacto direto no âm-
bito emocional e social.

Por outro lado, uma dificuldade de aprendizagem não representa


falta de inteligência, mas o oposto. Muitas pessoas com dificuldade
têm um QI (quociente de inteligência) acima da média – elas apenas
aprendem de uma maneira diferente.

Como vimos, as dificuldades no processo de aprendizagem podem


ter muitas causas, tais como problemas com aparelhos auditivos, com
a visão, com núcleo familiar, a baixa qualidade do ensino, a inadequa-

52 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ção do método de ensino, a aversão a um assunto particular, as dife-
renças culturais, problemas sociais como subnutrição, acidentes, entre
outros. Devido a essa variedade, muitas crianças chegam aos consul-
tórios médicos, neuropsicopedagógicos e psicológicos sem realmente
precisar de um tratamento.

Consequentemente, é necessário esclarecer que o diagnóstico cor-


reto de uma dificuldade de aprendizagem depende de uma série de
procedimentos, como a análise de um especialista da área neuropsi-
copedagógica, que conheça tanto o processo de aprendizagem quan-
to os processos cognitivos envolvidos.

Enquanto as dificuldades de aprendizagem podem estar ligadas a


inúmeros fatores (como ambiente sem estímulo, metodologia inade-
Vídeo
quada etc.), o transtorno ou distúrbio se apresenta quando a criança
O vídeo Transtorno
possui uma deficiência, seja ela neurobiológica, motora ou emocional.
específico de aprendizagem
Contudo, é preciso lembrar que cada indivíduo, independentemente e deficiência intelectual,
qual a diferença? irá
de seu diagnóstico, pode se desenvolver com a intervenção adequada
ajudá-los a compreender
para seu quadro. Existem algumas características que sinalizam um um pouco mais sobre
as diferenças existentes
distúrbio de aprendizagem:
entre o distúrbio/transtor-
no da aprendizagem e a
• QI muito próximo do normal, podendo ser até mais alto;
dificuldade de aprendi-
• não apresentação de carências sensoriais ou neurológicas zagem, duas situações
bem diferentes, mas que
significantes; geram muitas dúvidas no
• desempenho escolar baixo em comparação a outros alunos da meio acadêmico.

mesma faixa etária; Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=Q5_
• disfunções no sistema nervoso central; rp22ITmQ. Acesso em: 3 jan. 2023.

• geralmente, as dificuldades são efetivamente percebidas quando


a criança entra na escola, em que as diferenças de aprendizado
em relação às outras crianças se destacam;
• dificuldades de aprendizado na leitura e na escrita, na conversa-
ção, na matemática, na lógica e no raciocínio motor.

Os distúrbios da aprendizagem são causados por problemas no


sistema nervoso central e produzem dificuldades específicas, como na
escrita ou na fala, podendo se apresentar em crianças com QI normal,
com uma boa qualidade de vida e educadas com métodos de ensino
adequados, em crianças sem deficiências visuais ou auditivas, entre ou-
tros fatores. Características como a desnutrição podem ampliar ainda
mais as dificuldades que um indivíduo apresenta, mas não se pode di-
zer que é a causa determinante do distúrbio.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 53


3.2 Fatores que interferem na aprendizagem
Vídeo
A educação vem sendo cada vez mais valorizada em todo o mundo.
O conhecimento é um dos pré-requisitos para se obter uma posição
no mercado de trabalho. Ela serve também para fortalecer a cultura no
sentido de uma mudança social efetiva e aumentar o valor da ética, da
moral e dos índices educacionais. Com a democratização do ensino, as
escolas passaram a atender um número muito maior de alunos. Isso
significa que, antes, as escolas não conseguiam fornecer o número ne-
cessário de vagas e, ao mesmo tempo, manter a qualidade da educa-
ção, atendendo às necessidades individuais de todos.

O Brasil é um dos países que mais investe em educação, mas o pro-


blema é que, além dos recursos exigidos, leva-se tempo para que a
educação melhore em qualidade. Aprimorar o processo de ensino re-
quer análises, pesquisas e experiências capazes de mostrar quais são
as melhores metodologias para aplicar na educação brasileira. Afinal,
apesar dos investimentos em educação, o país apresenta altos índices
de analfabetismo e é um dos países onde as crianças passam menos
tempo na escola. Considerando que os alunos da maioria dos países
desenvolvidos passam muito mais horas no ambiente escolar, pode-
mos supor que aumentar o tempo em sala de aula, ou outro ambien-
te educacional, pode proporcionar novas oportunidades para que os
alunos se desenvolvam e alcancem seus objetivos, além de oferecer
espaço para pessoas com diversidade.

A característica que dificulta o processo educacional é que ele trata


prioritariamente de uma formação baseada nas necessidades tecnoló-
gicas do mercado de trabalho e esquece de levar em conta as qualida-
des, as oportunidades e as aptidões específicas do indivíduo.

Com efeito, o ato de aprender não está apenas ligado à compreen-


são da informação, mas também a um conjunto de competências (psi-
comotora, cognitiva, socioemocional e psicolinguística) que devem ser
desenvolvidas nas crianças desde a mais tenra idade. Após a primeira
infância, o processo de aprender certas coisas fica mais lento – cha-
mamos isso de janela do conhecimento – e pode ser ainda mais inter-
rompido pela falta de incentivos adequados em cada fase da vida. A
desatenção às séries iniciais certamente é a causa do aumento das difi-
culdades de aprendizagem e dos agravantes.

54 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
A seguir estão listados alguns dos principais desafios da educação
brasileira e da rede pública de ensino que certamente impedem os alu-
nos com dificuldade de aprendizagem a se desenvolverem e supera-
rem plenamente suas carências.

Vectosome/Shutterstock
• Ausência de recursos financeiros suficientes. • Materiais didáticos inapropriados.
• Número insuficiente de professores e outros • Ausência de suporte para as crianças com
profissionais. deficiência.
• Condições físicas das escolas inadequadas.

Grande parte das escolas tem a prática de culpar os pais e demais


responsáveis, alunos, professores, governo ou mesmo a comunidade
pelo fracasso escolar de seus alunos. No entanto, elas não devem ser
isentas de responsabilidade, pois a eficácia da educação depende de
muitos fatores.

Muitos gestores escolares que cumprem seu papel não assumem


a responsabilidade por seus fracassos no trabalho, transferindo
suas responsabilidades para outras questões. Isso decorre do fato
de que a maioria deles não possui os pré-requisitos básicos para
dirigir a instituição educacional e (ou) não recebeu treinamento sufi-
ciente com antecedência.

Além da experiência em gestão acadêmica, os diretores devem ser


capazes de focar nas aulas e estabelecer metas claras que sirvam de
base para o trabalho dos professores e demais educadores. Nesse con-
texto, a gestão escolar deve passar pela integração de componentes
administrativos e pedagógicos.

O planejamento e a execução de um projeto pedagógico eficaz são


capazes de trazer mudanças benéficas para a instituição de ensino, e
isso leva tempo para se concretizar, podendo ser dificultado pelas cir-
cunstâncias já descritas. Nesse sentido, a escola acaba por reproduzir
apenas a ideia de formar indivíduos produtivos, sem respeitar, muito
menos estimular, as possibilidades e habilidades de cada aluno que,
por diversos motivos, não se adapta aos padrões impostos. Outro fator
que afeta muito a vida escolar das crianças é o ambiente familiar em
que vivem. Algumas características, como o envolvimento dos pais na
vida dos filhos (se há interesse ou não por eles), a existência de confli-
tos entre os pais, a escolaridade dos responsáveis, entre outras, podem
causar ou aumentar as dificuldades no processo sobre o aprendizado.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 55


Também podemos citar os seguintes fatores: excesso de atividades ex-
tracurriculares na vida das crianças e excesso de tempo no computa-
dor, videogame e televisor – esse tipo de situação gera dificuldade em
estabelecer uma rotina de estudos; falta de estímulo da autonomia da
criança – isso pode produzir filhos dependentes e incapazes de resolver
problemas por conta própria; exigência sem limite e projeção de suas
frustrações no filho – o que pode gerar graves problemas emocionais
nas crianças; e filhos de pais divorciados são mais propensos a desen-
volver dificuldades de aprendizagem – essas crianças têm uma grande
necessidade de serem compreendidas.

Todos esses fatores mencionados e outros advindos de questões neu-


robiológicas, causadoras das múltiplas deficiências, precisam ser analisa-
dos com um olhar único, visto que, independentemente da situação, cada
sujeito é único e necessita de intervenções pensadas para ele.

Além dos fatores institucionais que dificultam a aprendizagem,


existem fatores emocionais que se entrelaçam nesse quadro e estão
relacionados a diferentes fatores desencadeadores da raiva, tristeza,
medo, vergonha, entre outras emoções que se apresentam como ele-
mento determinante para o insucesso na aprendizagem.

Com base na leitura do trecho do poema Aluna, de Cecília Meireles


(1983), podemos entender um pouco sobre o lugar dessa criança que
apresenta dificuldade no processo de ensino e aprendizagem.

[...]

Leva sempre a minha imagem


a submissa rebeldia
dos que estudam todo o dia
sem chegar à aprendizagem...

[...]

Esse trecho nos faz refletir sobre o que se passa nos pensamentos
da criança que não consegue estudar, não consegue aprender e não
apresenta diagnósticos de dificuldades ou problemas de aprendizagem
ou transtornos – pensamentos esses ocasionados por interesses aos
quais a escola não atende.

56 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Percebemos que muitas dificuldades de aprendizagem podem ser
ocasionados pela negligência escolar, pelas curiosidades inexploradas
pela escola ou por acontecimentos da realidade vivida pela criança que
a escola parece desconhecer.

Os neuropsicopedagogos precisam avaliar em todas as situações – seja


por dificuldade de aprendizagem ou transtornos – se as barreiras nesse
aprender não estão ocorrendo ou se intensificando por conta do cotidiano
dessas crianças, pela realidade vivida por elas: a casa/família, a escola e
suas relações com os outros, a comunidade como um todo podem estar
desencadeando emoções que desviam a atenção dos estudos e se tornam
invisíveis aos olhos dos professores que ainda não compreendem as emo-
ções como fator determinante para a aprendizagem.
Livro
Sejam fatores orgânicos referentes ao funcionamento anatômico do
No livro Parceiros da
sistema nervoso central, sejam fatores específicos (deficiência cognitiva Inclusão Escolar, a autora
ou motora), ou mesmo fatores ambientais (moradia, escola, social) ou aborda como dificuldades
de aprendizagem são
fatores psicógenos (conflitos internos, traumas), é preciso entender que identificados na área esco-
embora os transtornos estejam presentes no sujeito e possam ser com- lar e clínica – hoje mais do
que antes – devido às leis
provados clinicamente, vale ressaltar que esse sujeito, com o apoio e me- de inclusão. O livro ajuda
diação necessária, pode alcançar objetivos em seu desenvolvimento. No o neuropsicopedagogo
a entender como ocorre
entanto, o neuropsicopedagogo não interfere apenas quando já existe o a inclusão de crianças
problema ou dificuldade, mas atua também de maneira preventiva, no atípicas no sistema
educacional.
intuito de evitar que as barreiras aumentem. Com base nessa perspec-
PICCHI, M. B. São Paulo: Arte &
tiva preventiva, entendemos que, por meio de diferentes intervenções,
Ciência, 2002.
podemos prevenir algumas dificuldades de aprendizagem.

3.3 Transtornos e distúrbios na aprendizagem


Vídeo e estratégias de intervenções
3
Discutir transtornos e distúrbios de aprendizagem dentro do
currículo escolar do Brasil não é um tema simples, devido às muitas
concepções sobre esse assunto, as quais se misturam com muitos
mitos, contribuindo para práticas de uma segregação velada daque-
3 les alunos que apresentam ritmos muito diferentes do esperado du-
Seja transtorno ou
rante a escolarização.
distúrbios, ambos geram
dificuldades na aprendi-
Em relação aos transtornos e distúrbios de aprendizagem, a origem
zagem da criança.
é neurobiológica, e podem ser de entrada ou de saída, sendo necessária

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 57


4 uma avaliação multidisciplinar para o fechamento do diagnóstico. Ou-
4
Manual diagnóstico e tro aspecto importante a ser considerado na quinta edição do DSM-5
estatístico de transtor-
nos mentais. (APA, 2014) é a maneira como os transtornos e distúrbios de aprendi-
zagem são compreendidos e relacionados, apontando que alguns pro-
cessamentos podem estar mais comprometidos do que outros.

Tanto os transtornos quanto os distúrbios de aprendizagem são vistos


em crianças, adolescentes e adultos e causam dificuldade no processo de
ensino não só para quem possui, mas também para professores, familia-
res e demais pessoas que convivem com eles. As pessoas com distúrbios
ou transtornos de aprendizagem, como todas as outras pessoas, têm di-
ficuldade em fazer certas atividades e se sentem à vontade com outras.

Quando falamos em distúrbios de aprendizagem, mesmo que haja dife-


rença em relação ao transtorno, é preciso entender que raramente eles
estão dissociados. Uma criança com transtorno (deficiência neurológica)
geralmente apresenta-o associado a um distúrbio, no seu desenvolvimen-
to cognitivo. Por exemplo, uma criança que nasce com Síndrome de Down
ou com Transtorno do Espectro Autismo terá essa condição associada a
um distúrbio de aprendizagem – na maioria dos casos elas apresentam
um distúrbio de saída de informação.

O distúrbio de aprendizagem não pode ser confundido com o trans-


torno neurológico. Quando uma criança apresenta um transtorno
neurológico, por exemplo o TEA, ela consequentemente mostra dificul-
dades emocionais (interação social, oscilação de humor etc.). Com isso
a informação (entrada) apresenta barreiras, porque a atenção fica de-
ficitária e quando a informação entra desorganizada a saída (resposta)
não acontece com eficiência. Concluímos então que a criança com TEA
apresenta distúrbios tanto de entrada quanto de saída. Mas nem to-
das as crianças com autismo apresentam distúrbios de entrada e saída,
visto que no autismo, por ser um espectro, temos crianças com níveis
de atenção diferentes, como aquelas com suporte de graus leve que
apresentam uma melhor atenção.

Todas as informações precisam entrar e sair do sistema nervoso


central, sejam elas auditivas, visuais ou sensoriais, por isso os trans-
tornos e distúrbios podem ser classificados como de entrada e saída.

Para melhor compreender os possíveis quadros de transtornos de


aprendizagem e de distúrbios de aprendizagem, com as dificuldades
que um ambiente, no meio educacional não planejado, podem gerar,

58 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
abordaremos alguns dos transtornos e distúrbios mais comentados
nos meios educacionais. São eles: dislexia (distúrbio de percepção vi-
sual, contudo pode ser também auditiva), discalculia (distúrbio de per-
cepção visual) e disgrafia (distúrbio de percepção visual e motora); e os
transtornos: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
(pode aprensentar distúrbio de memória) e Transtorno do Espectro Au-
tista (pode apresentar distúrbio visual, sequencial ou de memória).

Os chamados transtornos ou distúrbios de entrada são problemas


que ocorrem quando a informação entra no cérebro, principalmente por
meio da visão e da audição. Porém, dentro do transtorno pode também
ocorrer o distúrbio de aprendizagem, por exemplo: uma criança com TEA
pode ter como comorbidade também a dislexia ou apraxia.

Agora, vamos apontar alguns distúrbios de entrada:

Vectosome/Shutterstock
Distúrbios de percepção visual: em que há dificuldade em localizar/reconhecer
a forma do que se vê – a criança confunde letras parecidas.

Distúrbio de sequência: o sujeito com esse distúrbio entende as informações


recebidas, mas não consegue repeti-las. Ao repetir a informação para alguém, ele o faz
invertendo a ordem dos elementos (em uma narrativa, por exemplo).

Distúrbio de memória: pessoas que sofrem desse distúrbio geralmente têm a


memória de curto prazo afetada.

Os chamados transtornos ou distúrbios de saída são os relacio-


nados à saída de informações recebidas pelo cérebro, e que causam
dificuldades na implementação e processamento do conhecimento
adquirido. É o que ocorre nos transtornos como TEA e na Síndrome
de Down. Exemplo: criança com Síndrome de Down (transtorno) que
apresenta praxia da fala (distúrbio) – ela compreende a informação re-
cebida, mas ao ter que responder, o distúrbio da fala não permite que
ela articule corretamente as palavras para expressá-la.

Já nos distúrbios de saída, como apontado no exemplo anterior, o in-


divíduo pode ter dificuldade em uma ou ambas as áreas, na organização
motora (dificuldade no parietal) ou também no processamento (fonoló-

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 59


gico) ao ouvir a informação. As dificuldades são percebidas quando os
indivíduos desenham, escrevem e desempenham atividades motoras.

Dando como exemplo a Síndrome de Down e o Transtorno do Es-


pectro Autista, ambos os transtornos – na maioria dos casos – podem
apresentar distúrbio da produção verbal e o distúrbio da produção
motora, quando ocorre durante a atividade muscular – todos distúr-
bios de saída. As pessoas com transtorno como Síndrome de Down,
por exemplo, têm dificuldade de responder às interações, sempre soli-
citando que a pergunta seja repetida.

Já os distúrbios que serão elencados a seguir são difíceis de serem


diagnosticados, visto que não existem testes que avaliem essas defi-
ciências, necessitando de uma equipe multidisciplinar para que a ava-
liação seja segura.
• Dislexia: esse é o distúrbio que deu o start na busca do conhe-
cimento de todos os outros tipos de distúrbio. Ocorre quando a
capacidade de leitura e/ou escrita de uma criança cai abaixo de
seu nível de intelecto. Consiste na inabilidade de assimilar os sím-
bolos gráficos da linguagem e tem origem hereditária.
• Disgrafia: conhecido como caligrafia ruim, as pessoas com esse
distúrbio têm uma caligrafia lenta e ilegível, que exibe gráficos de
linha de baixa qualidade.
• Disortografia: é também associada à dislexia, contudo as princi-
pais características são: alteração de letras, aversão em escrever,
dificuldade de apreender parágrafos, hifens, pontuação, acen-
tuação, associação de palavras. Esse distúrbio diz respeito à di-
ficuldade motora, o sujeito recebe a informação, mas apresenta
dificuldade na hora de passar a informação para o papel.
• Afasia: é um distúrbio de linguagem cuja principal característica é
a perda das habilidades de comunicação oral e escrita. O indivíduo
afásico tem áreas do cérebro responsáveis pela
​​ comunicação afe-
tadas. Isso pode acontecer devido a acidentes vasculares cerebrais,
infecções e outros eventos que podem danificar o cérebro. Existem
quatro tipos de afasia. Uma delas é afasia de Broca, que também é
Leonik Natalia/Shutterstock

conhecida como Transtorno Afásico Motor. O sujeito tem dificuldade


com cálculos, não diferenciando tons de fala, apresenta dificuldades
com rimas e não tem prosódia (falam como um robô).

60 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
• Disartria: essa é uma dificuldade motora fonoarticulatória; o indiví-
duo com esse distúrbio não apresenta habilidade em articular as pala-
vras e ligar sílabas, como também mostra dificuldade na mastigação.
• Discalculia: está relacionada às dificuldades com habilidades
matemáticas. As crianças podem entender as lições aprendidas,
mas quando tentam colocar em prática o que aprenderam, aca-
bam reordenando e invertendo as tarefas. Dentro desse distúrbio
podemos encontrar a acalculia, que também é uma dificuldade
relacionada às habilidades matemáticas e está diretamente rela-
cionada à discalculia. A acalculia é a peça das habilidades já adqui-
ridas, por exemplo quando ocorre um dano cerebral por acidente
ou doença. Diferente da discalculia, na acalculia o SNC apresenta
um bloqueio que dificulta a aquisição dessa habilidade.
• Apraxia: envolve a incapacidade de realizar ações motoras sob
comando ou imitação. Isso pode ser causado por dormência ou
fraqueza muscular.
• Dispraxia: é caracterizada por problemas neurológicos que difi-
cultam o planejamento de uma série de movimentos coordena-
dos, como amarrar cadarços.
• Gagueira: é um distúrbio de linguagem caracterizado por fala
bloqueada, hesitação, alongamento e repetição de timbres, síla-
bas e palavras.

Discutindo alguns transtornos de aprendizagem, iniciaremos com


um dos transtornos que hoje é muito comum nas instituições escola-
res: o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) – muito
difícil de ser diagnosticado, sendo confundido como má vontade ou
mesmo preguiça. É difícil porque não existe uma avaliação psicométri-
ca quantitativa que auxilie no diagnóstico, assim, faz-se necessária uma
avaliação multidisciplinar para que o diagnóstico seja fechado.

O TDAH é caracterizado pela desatenção, agitação e impulsividade.


Crianças com hiperatividade podem aprender, mas têm problemas de
desempenho na escola devido a seus sintomas. Fala excessiva, dificulda-
de com atividades silenciosas e dificuldade em ficar em pé ou sentado
são algumas das principais características encontradas nesse transtorno.

Os transtornos neurobiológicos que atualmente apresentam maior


dificuldade quando pensamos na relação da aprendizagem são o TEA
e a Síndrome de Down.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 61


O Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com Kaplan
(1997), é um transtorno de desenvolvimento prevalente, sendo uma con-
dição psiquiátrica na qual as aptidões sociais, o desenvolvimento da lin-
guagem e os traços comportamentais esperados não são desenvolvidos
convenientemente ou são perdidos na primeira infância. Várias áreas de
desenvolvimento são afetadas precoce e continuamente. O Transtorno do
Espectro Autista é caracterizado por interações sociais persistentemente
perturbadas, problemas de comunicação, linguagem e comportamento
estereotipado e restrito. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 2014), esse funcionamento patoló-
gico nas áreas descritas deve estar presente desde os três anos de idade.

A Síndrome de Down é uma anomalia cromossômica que ocorre du-


rante ou imediatamente após a concepção. A alteração genética se carac-
teriza pela presença de um cromossomo 21 a mais, ou seja, ao invés de o
indivíduo apresentar dois cromossomos 21, possui três. As crianças com
esse quadro apresentam características fisionômicas peculiares (como
olhos, orelhas e bocas de tamanho menor, entre outros), e apresentam difi-
culdade em aprender conteúdos se comparadas a outras pessoas.

Apontados os principais transtornos e distúrbios de aprendizagem,


precisamos pensar sobre quais estratégias existem para que esses indi-
víduos possam ter um desenvolvimento próximo do “normal”. Antes, é
preciso reforçar que não existe receita pronta para nenhuma deficiência,
visto que cada sujeito é único e seu desenvolvimento depende muito de
vários fatores, como os sociais, culturais, biológicos e emocionais. Assim,
é preciso que cada mediador conheça cada sujeito a fim de organizar
planos de intervenção que os auxilie no avanço do aprender.

O principal objetivo das estratégias de aprendizagem é levar os alu-


BNP Design Studio/Shutterstock
nos a se tornarem aprendizes mais eficazes – exploração e
pesquisa nessa área nos fornecem diferentes maneiras de
atingir esse objetivo. As três estratégias de aprendizagem
mais famosas são a mnemônica (por associação de
ideias, ou mesmo imagem palavras), a estruturada
(organizar uma rotina de atividade com imagens,
início, meio e fim) e a generativa (quando utiliza-
mos um grupo para passar informações, como
jogos, ou na questão da inclusão, quando há um
colega para auxiliar outro na atividade proposta –
é mais fácil aprender como nossos pares).

62 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Esses tipos de estratégia de aprendizado ajudam os alunos a memo-
rizar o conteúdo, como fatos ou termos específicos. Por exemplo, são
úteis para memorizar os nomes das cidades, de datas importantes, sí-
labas, palavras etc. Quando é necessário memorizar fatos sem sentido,
as estratégias mnemônicas nos oferecem uma maneira de estabelecer
algum grau de significado.

Um exemplo de ferramenta mnemônica é a codificação dupla. Essa


estratégia envolve o uso de códigos não verbais (imagens) em conjunto
com outros códigos não verbais (palavras). O que significa que o mes-
mo conteúdo é codificado de duas maneiras diferentes – isso facilitará
o acesso à informação.

Como exemplo de ferramenta estruturada, temos a organização.


Para esse tipo de estratégia é importante criar um contexto coerente
no qual as informações são inseridas. Isso permite que você tenha in-
formações que pertencem juntas (o ambiente auxilia na compreensão
da informação, exemplo: rotina visual de como utilizar o banheiro), em
vez de fragmentá-las. Por exemplo, listas de palavras são mais fáceis de
lembrar se você fizer frases com elas.

Por fim, como exemplo de ferramenta generativa, temos a asso-


ciação. Ela é uma excelente opção de aprendizagem significante. De-
ve-se associar uma informação abstrata a uma forma visual concreta
e deve-se usar o que é significativo para o sujeito. Associações fortes
ajudam, pois quando você olha para um dos elementos, os outros ele-
mentos imediatamente vêm à mente. Por exemplo, objetos comuns
da criança, ensinar o nome de um brinquedo que ela goste, ou um
bichinho de estimação etc.

O brincar é uma forma divertida de adquirir novos conhecimentos,


pois permite que a criança participe coletiva e ativamente do aprendi-
zado, e ajuda a desenvolver a comunicação, a expressão, a criatividade
e a autonomia. A mediação da aprendizagem por meio do jogo desen-
volve regras junto aos alunos com todos os tipos de deficiência, estimu-
la os participantes a trocar informações e tirar conclusões e pode ser
considerada como uma estratégia de aprendizagem.

A tecnologia (como computadores, tablets, celulares etc.) também


pode auxiliar o aluno com deficiência, proporcionando o uso de proces-
sadores de texto e imagem, a internet como meio de pesquisa e interação
(que pode acontecer por meio de redes sociais), o acesso à informação

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 63


Vídeo e à comunicação, bem como a possibilidade de aquisição de softwares
No vídeo TDAH e Trans- específicos que estimulam a capacidade de criação, descoberta e constru-
torno de aprendizagem:
Sinais de alerta, o Dr. Clay
ção colaborativa do conhecimento. Consequentemente, a tecnologia se
Brites pontua sobre os torna uma ferramenta muito eficaz no desenvolvimento de atividades que
principais sinais de alerta
para suspeita de dificulda-
melhoram a aprendizagem de alunos com carências de desenvolvimento.
de de aprendizagem em
Uma obra que possui referência visual marcante (como letreiros,
crianças menores.
murais etc.), com fotos e letras grandes e coloridas também promove
Disponível em: https://
www.youtube.com/ o aprendizado de crianças com deficiência, pois permite uma visua-
watch?v=gZrhdlUjDAI. Acesso em:
lização imediata, lúdica e impactante do estudo e do conhecimento
3 jan. 2023.
apreendido, facilitando a compreensão e memorização dos conteúdos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As dificuldades e os transtornos e distúrbios de aprendizagem, sejam
estes de entrada das informações ou de processamento e saída, estão
diretamente ligados às razões pelas quais os mediadores por vezes não
conseguem estimular crianças e alunos de maneira efetiva, mesmo com
tanto conhecimento à disposição.
Entendemos que os pais – e até mesmo os profissionais –, em razão da
relação entre o tempo e o desenvolvimento infantil, ao buscar alcançar obje-
tivos para ontem, ou não prevenindo nem realizando a avaliação certa, “quei-
mam” importantes etapas, deixando as crianças cada vez mais perdidas.
A falta de compreensão das fases do desenvolvimento da primeira
infância (zero a seis anos), que é um período de grande crescimento,
tanto físico como neurológico, faz com que muitos coloquem barreiras
ao invés de auxiliar no desenvolvimento da criança, ainda mais aquelas
com deficiência.
É preciso entender que uma avaliação cuidadosa é essencial nesse
processo, principalmente na primeira infância, para que as dificuldades
de cada sujeito sejam trabalhadas de modo pontual. Assim, compreender
como o cérebro da criança amadurece, o que vai afetar o modo como
ela aprende e se comporta, é essencial para ajudá-la a se desenvolver.
Contudo, observamos que além das barreiras neurobiológicas, existem
barreiras estruturais e de currículo, que intensificam esse descompasso
de aprendizagem e geram a exclusão.

64 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ATIVIDADES
Atividade 1
Os principais desafios enfrentados pela instituição escolar refor-
çam a dificuldade de aprendizagem, impedindo os alunos com
deficiência a se desenvolverem. Explique quais são esses desafios.

Atividade 2
Aborde algumas características que a família do estudante apre-
senta e que podem causar prejuízos à aprendizagem das crianças.

Atividade 3
As crianças com deficiência seguem o mesmo padrão de desenvol-
vimento que as crianças sem deficiência, porém apresentam uma
diferença. Qual seria essa diferença?

REFERÊNCIAS
APA – AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MEIRELES, C. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983.
KAPLAN, H. I. Compêndio de psiquiatria – Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica.
7. ed. Porto Alegre: Séries Médicas, 1997.
PIAGET, J. Biologia e conhecimento: ensaio sobre as relações entre as regulações orgânicas e
os processos cognoscitivos. Petrópolis: Vozes, 1993.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 2006.

Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem 65


4
Avaliação e intervenção
neuropsicopedagógica
O conjunto de observações para identificar dificuldades de apren-
dizagem segue alguns critérios básicos que podem ser aplicados para
diagnosticar dificuldades ou transtornos de aprendizagem. São eles:
apresentar problemas de aprendizagem em uma ou mais áreas; mostrar
grandes diferenças entre o desempenho potencial e real de uma criança;
e apresentar o desempenho irregular de uma criança que atinge o objeti-
vo, mas em outro momento não consegue realizar a mesma tarefa.
Porém, inicialmente é preciso garantir que as dificuldades das crianças
não sejam criadas, por exemplo, por problemas de visão e/ou audição.
Quando não se tem este cuidado, muitas são frequentemente submetidas
a exames desnecessários devido à falta de diligência. Quando caracterís-
ticas que indicam possíveis problemas de aprendizagem são percebidas,
a criança deve passar por uma avaliação ampla que considere todas as
capacidades e aptidões necessárias para a aprendizagem.
É preciso lembrar que, devido ao grande número de causas que
podem ser atribuídas às dificuldades de aprendizagem, muitas crian-
ças são encaminhadas desnecessariamente para avaliações médicas
e neuropsicopedagógicas. O diagnóstico correto de uma dificuldade e/
ou transtorno de aprendizagem depende de uma série de observações,
como acompanhamento constante da criança, ambiente familiar, condi-
ções de vida adequadas e saúde.

66 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• conhecer instrumentos da neuropsicopedagogia que podem auxi-
liar o professor a identificar habilidades e dificuldades dos alunos;

• compreender os domínios das funções executivas, como controle


inibitório e sua relação com a atenção;

• aprender estratégias da neurociência no desenvolvimento da lei-


tura e da escrita;

• avaliar a prática de aprendizagem estruturada por meio de diálo-


gos entre a neurociência e a neuropsicopedagogia.

4.1 Ferramentas de sondagem


Vídeo
Muitos problemas podem ser facilmente resolvidos se a causa for
detectada precocemente, evitando que a criança passe por situações
mais difíceis e desconfortáveis​​. Um agravante do processo educacional
é que ele trata prioritariamente de uma formação baseada nas necessi-
dades tecnológicas do mercado de trabalho, esquecendo-se das carac-
terísticas, potencialidades e habilidades do indivíduo. Esse processo,
somado a outros motivos, criou uma lacuna na educação brasileira,
ocasionando muitas dificuldades no processo de aprendizagem dos
alunos e ampliando as dificuldades daqueles que já as tinham.

Após a primeira infância, o processo de aprendizagem lúdico é interrom-


pido, causando uma ruptura brusca do brincar, da magia etc., gerando a
falta de motivação, necessária em todo processo de aprendizagem.

Certamente os desafios impossibilitam a avaliação e a intervenção, bem


como a detecção precoce tanto de habilidades quanto de dificuldades de
aprendizagem, contribuindo para que as barreiras inerentes à aprendiza-
gem não sejam vencidas. A Figura 1 pontua alguns desses desafios.

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 67


Figura 1
Principais problemas encontrados na educação

Ausência de recursos
financeiros suficientes

Ausência de suporte
para as crianças com
deficiência

Condições físicas
inadequadas

Obstáculos

utterstock
Sh
a/
kov
alc

hi
Darya P

Materiais didáticos Número insuficiente


inapropriados de professores e
outros profissionais

Fonte: Elaborada pela autora.

Uma das razões para a incidência das dificuldades de aprendizagem


é a forma como a maioria dos professores desenvolve o seu trabalho,
Livro
uma vez que o processo de formação incompleta produz profissionais
Com o livro Dificuldades de
inábeis. Em razão desse obstáculo ao repassar o conhecimento, muitos
aprendizagem – aborda-
gem neuropsicopedagógica alunos, especialmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apre-
você poderá compreen-
sentam grandes dificuldades na leitura e na escrita.
der melhor as temáticas e
os tópicos mais relevantes Da mesma forma, a precária formação dos professores mostra o
da teoria e da prática das
dificuldades de apren- déficit curricular frente ao conhecimento das dificuldades e/ou trans-
dizagem que ocorrem, tornos de aprendizagem, visto que esses profissionais mal sabem
principalmente, na criança
e no adolescente. como lidar com elas. No Quadro 1 apontamos alguns marcadores que
FONSECA, V. São Paulo: Wak, 2016. devem ser observados em crianças que indicam possíveis dificuldades
de aprendizagem em diferentes níveis.

68 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Quadro 1
Marcadores de possíveis dificuldades de aprendizagem

Marcadores por nível escolar


Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio
Problema na aprendizagem de números, Dificuldade nas interações Problemas em estudar para as provas
alfabeto e dias da semana sociais
Problemas em se manter sentado quando Problemas de organização Dificuldade na memória de longo prazo
necessário
Dificuldade em seguir rotinas Lenta aquisição de novas Capacidade baixa para perceber detalhes
aptidões
Falta de persistência nas tarefas Erros cometidos por falta de Fadiga mental
atenção
Falta de interesse em ouvir histórias Problemas na forma da letra e Dificuldade em argumentar
na pressão do traço no papel
Problemas na noção de direita e esquerda Problemas com a noção de -
tempo
Dificuldade nas interações sociais Impulsividade -

Fonte: Elaborado pela autora.

Os marcadores apontados no Quadro 1 foram levantados com base


nas queixas levantadas pela escola, seguindo o currículo em vigor dentro
de cada competência mínima exigida pela escola. É preciso muito cuidado
para detectar uma falha de aprendizagem. A escuta e a observação apu-
rada, embasadas no conhecimento teórico do desenvolvimento humano,
são as melhores ferramentas para apontar alguma alteração no processo
de desenvolvimento. Essas ferramentas são observáveis, por exemplo,
quando as crianças brincam, notando como elas constroem sua imagina-
ção e se há estrutura no jogo; ouvindo o que elas têm a dizer; prestando
atenção em suas conversas com seus pares; entendendo como elas en-
xergam o entorno e organizam seus pensamentos; e permitindo que elas
manipulem objetos, movam-se e aprendam coisas diferentes.

Existem alguns critérios básicos para apontar uma dificuldade de


aprendizagem, sendo eles: dificuldade na leitura, ortografia, escrita ou
matemática; dificuldade em manter e seguir regras e instruções; e difi-
culdade na memória de curto e longo prazo. Assim, o profissional deve
observar se o aluno apresenta problemas de aprendizagem em uma ou

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 69


Livro mais dessas áreas, seja cognitiva, emocional e/ou motora. Também é
No livro Neurociência preciso avaliar se a criança apresenta diferenças entre o desempenho
e transtorno de apren-
dizagem você poderá potencial e real, se apresenta um desempenho irregular de crianças de
compreender melhor sua faixa etária e se atinge os objetivos num momento mas em outro
como as sinapses formam
circuitos que processam não consegue realizar a mesma tarefa.
as informações com
capacidade de armazena-
Acima de tudo, deve-se garantir que as dificuldades das crianças
mento (aprendizagem). não sejam criadas por problemas de visão e/ou audição, ou mesmo
RELVAZ, M. P. São Paulo: Wak, 2011. uma dispedagogia, pois esses problemas também podem ser resolvi-
dos com métodos mais práticos.

É necessário, no processo de ensino, que o profissional e a família


estejam atentos às dificuldades das crianças, observando se elas são
momentâneas ou persistentes em diversos momentos, ambientes e
atividades. Quando características que indicam possíveis distúrbios de
aprendizagem são observadas, a criança tem que ser submetida a uma
avaliação mais profunda que considere todas as capacidades, habilida-
des e aptidões necessárias para a aprendizagem.

O primeiro ponto importante é que os educadores devem conhecer


profundamente os seus alunos, considerando as atividades em que eles se
dão bem e aquelas em que têm dificuldades. Ao perceber que existe uma
dificuldade de aprendizagem, as causas que as geram devem ser determi-
nadas e, então, é possível buscar as ferramentas adequadas para corrigi-las.

Para as crianças, a construção de conhecimentos é feita por etapas. Pular


uma dessas fases ou passar por elas de maneira inadequada impossibilita
que elas alcancem as demais. Assim, por meio do conhecimento referen-
te ao desenvolvimento humano e a forma como o aprender acontece, o
neuropsicopedagogo poderá fazer uma avaliação quantitativa e qualitativa
levantando hipótese dos possíveis bloqueios que estão ocorrendo.

Ferreira (1975) define qualidade como propriedade, atributo ou con-


dição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de
lhes determinar a natureza. Pensando na avaliação, a qualidade é enten-
dida como observação baseada em pesquisa, suspendendo o achismo.

Em se tratando da avaliação neuropsicopedagógica dentro do con-


texto educacional, a qualidade está relacionada aos vários aspectos do
ser humano, em especial às habilidades e formas de aprender de cada
sujeito, entendendo que alguns são mais visuais, outros sinestésicos e
outros auditivos.

70 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Cronbach (1996) reforça que a sondagem é um processo mais amplo
do que a testagem, porque é necessário integrar e valorar informações.
O termo sondagem ou avaliação é entendido como método de investi-
gação, sendo por vias qualitativas (escuta e observação) e quantitativas
(testes padronizados por medição), e sugere apropriadamente uma com-
binação de informações com julgamentos de valor que vão muito além
da testagem. A avaliação realizada nos moldes da teoria de Luria (1987)
privilegiou a influência dos fatores socioculturais sobre o desempenho e
análise dos erros levando em conta a particularidade como sujeito.

A quantificação/testagem psicométrica sozinha negligencia o emocio-


nal, o vínculo etc. e atribui ao sujeito uma pontuação ao tentar quantificar
o indivíduo. Assim, entendemos que a sondagem/avaliação, que avalia pela
observação, levando em conta o emocional, o cultural etc. de cada sujei-
to, tem como maior ferramenta a escuta. Portanto, é preciso enfatizar que
a interpretação do comportamento humano não é simples, uma vez que
este é consequência de três grandes sistemas funcionais. Esses sistemas, de
acordo com Lezak (1995), são interdependentes na medida em que, mes-
mo exercendo funções separadamente, eles se encontram ligados como
conceitos que geram o comportamento individual.

O primeiro sistema junta as funções cognitivas, responsáveis pelo


processamento das informações. Nesse processo, o sistema é dividi-
do em quatro categorias, que são nomeadas com base nas operações
computacionais correspondentes (Figura 2) às funções de recepção, me-
mória, pensamento e às chamadas funções expressivas. Também estão
envolvidas nessa categoria as variáveis de atividade mental – por exem-
plo, nível de alerta, atenção, taxa de atividade ou velocidade.

Figura 2
Operações computacionais

Estocagem Processamento
Input (entrada): (armazenamento): (organização): Output (saída):
recepção memória pensamento funções expressivas
Hermin/Shutterstock

O segundo sistema se refere aos aspectos emocionais, por exem-


plo, a personalidade e a emoção. Esse é o campo sistêmico do com-
portamento humano decorrente de acomodações que se apresentam

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 71


de modo complexo, visto que esse aspecto está diretamente envolvido
com um conjunto de ações e reações provenientes do ambiente social.

O terceiro sistema funcional compreende as funções executivas


ligadas às ações particulares independentes, cujo propósito vem da
decisão do sujeito e se traduz como ação autorregulada. O que deve
ser avaliado nesse quesito são pessoas indecisas, que apresentam di-
ficuldades de iniciar atividades e conduzi-las dentro de uma sequência
lógica, ou que apresentam dificuldade de planejamento ao estabelecer
um objetivo. Por mais simples que seja, elas revelam dificuldades nesse
sistema funcional.

Lembrando que os sistemas precisam um do outro para que ocorra


a aprendizagem de uma forma mais limpa. Contudo, faz-se necessário
conhecer cada sistema separadamente para que seu funcionamento
seja compreendido, visto que na sondagem poderemos avaliar se exis-
te algum bloqueio em algum deles, podendo, assim, intervir pontual-
mente nas dificuldades encontradas.

Além disso, a complexidade inerente às funções cerebrais, à verifica-


ção e ao diagnóstico requer uma abordagem integrada de observações
de conduta e dados levantados pelos testes padronizados (clínicos), in-
cluindo os dados médicos.

4.2 Atenção e funções executivas


Vídeo
O ser humano é capaz de enfrentar novas situações e se adaptar às
mudanças com rapidez e flexibilidade. As habilidades cognitivas que
permitem ao indivíduo controlar e regular seus pensamentos e com-
portamentos são referidas de várias formas na literatura, incluindo
(mas não se limitando a): funções executivas, funcionamento executi-
vo, habilidade executiva, entre outros sinônimos.

Embora não haja consenso sobre como nomear as funções executi-


vas (FE), elas geralmente são definidas como um conjunto de aptidões
que permitem ao indivíduo direcionar comportamentos para objetivos,
avaliar a eficácia e adequabilidade de tais comportamentos e aban-
donar estratégias ineficientes em direção a estratégias mais eficazes
(LEZAK, 1995). Assim, o sujeito é equipado com ferramentas que auxi-
liam na transformação de uma solução imediata.

72 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Essas funções permitem que uma pessoa pense antes de agir, pro-
cesse ideias diferentes mentalmente, resolva desafios inesperados,
pense em diferentes perspectivas, reconsidere opiniões e evite distra-
ções. Essas capacidades são fundamentais para a tomada de decisões
e para ter pensamentos autônomos durante toda a vida. Seu principal
desenvolvimento ocorre do nascimento aos seis anos, na primeira in-
fância, e é intensamente influenciado pela qualidade e quantidade de
experiências que as crianças podem ter, incluindo aquelas relaciona-
das aos aspectos biológicos e emocionais.

As funções executivas também incluem a capacidade de organizar


diferentes atividades diárias, planejar e executar etapas em direção a
um objetivo de longo prazo, concluir tarefas apesar de interrupções e
distrações, controlar ímpetos, manter o foco, refazer planos para corri-
gir erros e executar ações diferentes simultaneamente. Essas habilida-
des evitam ações com consequências indesejáveis tanto no trabalho e
na escola quanto nas relações com familiares e amigos.

Não é por acaso que as funções executivas ocorrem em diferentes


dimensões da vida das pessoas. Uma boa função executiva está ligada
à qualidade de vida, com uma melhor saúde física e mental, bem como
melhor desempenho escolar e realização profissional.

Essas funções são necessárias sempre que um plano de ação é for-


mulado, e a sequência apropriada de respostas deve ser selecionada e
especificada. Para realizar com sucesso as várias tarefas diárias, o in-
divíduo deve definir claramente seu objetivo final e delinear um plano
para ajudar a atingir os objetivos dentro de uma organização hierárqui-
ca. Em seguida, é necessário executar as etapas planejadas, avaliando
constantemente o sucesso de cada uma delas, corrigindo as etapas
malsucedidas e aplicando novas estratégias, se necessário.

Ao mesmo tempo, o sujeito deve voltar sua atenção para a tarefa


que está efetuando, monitorar sua atenção e integrar ao longo do
tempo as etapas já realizadas, as que estão em andamento e as que
ainda serão realizadas.

Além disso, as informações utilizadas nessas tarefas devem ser


armazenadas temporariamente na memória, e esse armazenamen-
to deve ser “protegido” dos efeitos da distração. Essa organização de
processos garante um bom desempenho nas atividades do dia a dia,

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 73


principalmente nas tarefas mais complexas, que exigem seleção de
processos, priorização de etapas e gerenciamento de informações.

O controle inibitório é um dos componentes das funções executivas


que fornece controle sobre a atenção, o pensamento, o comportamen-
to e as emoções para evitar distrações, ímpetos e ações automáticas.
Sem controle inibitório, não conseguimos focar nossa atenção, mudar
nossos hábitos ou escolher como nos comportar quando for preciso.

No período da infância, estimular o desenvolvimento do controle


inibitório é imprescindível para as crianças aprenderem, por exemplo,
a esperarem sua vez de falar em uma roda de conversa, a manterem a
atenção durante a leitura de uma história e a participarem de brinca-
deiras que requerem essa habilidade, como estátua.

Uma das patologias que encontramos ligadas diretamente a défi-


cits na função executiva é o transtorno de déficit de atenção e hipe-
ratividade (TDAH), caracterizado por persistentes características de
desatenção e/ou hiperatividade que interferem no funcionamento e
desenvolvimento do indivíduo, com níveis que variam de leve a grave.

O TDAH geralmente se manifesta em meninos com idade de até


sete anos. São alunos que têm facilidade em se distrair e dificuldade
em se concentrar.

Assim, alguns possíveis impactos no desenvolvimento do aluno no


ambiente escolar são: dificuldade na integração da linguagem; proble-
mas de leitura, escrita e coordenação; dificuldade na execução de ta-
refas de matemática; e menor capacidade de aprendizagem em geral.

4.3 Leitura e escrita


Vídeo
A leitura e a escrita são extremamente complexas, mas essenciais
para a comunicação. Fazer uma leitura adequada e escrever correta-
mente são um desafio enfrentado diariamente, mas que se inicia na in-
fância, quando nos deparamos com várias situações de aprendizagem.
A leitura e a escrita favorecem a aquisição de novos conhecimentos e
representam o apoio para efetivação de relações interpessoais e para
a comunicação de seu mundo interno e externo.

Um sujeito que não tenha solidificado sua alfabetização na educa-


ção formal poderá se tornar frustrado diante da sociedade. Se o aluno,

74 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
já na alfabetização, tiver dificuldade de leitura e/ou escrita, todo o seu
processo de aprendizagem será deficitário, e aos poucos sua autocon-
fiança ficará baixa, podendo o levar a manifestar ações negativas de
comportamento na sociedade, bem como levá-lo ao desinteresse e
muitas vezes até à evasão escolar. Os distúrbios de leitura e de escri-
ta podem ocorrer de maneiras diversas, não necessariamente sendo
diagnosticada uma patologia, como a dislexia.

O enfoque preventivo é importante na função do neuropsicope-


dagogo, pois identifica possíveis distúrbios no processo de ensino-
-aprendizagem, objetivando favorecer processos de integração e
trocas, considerando as características do indivíduo ou grupo. Nesse
sentido, o neuropsicopedagogo é um profissional apto para diag-
nosticar as dificuldades de aprendizagem, por meio de intervenções
preventivas e curativas, além de evitar o surgimento de outras.

A dislexia é um distúrbio de leitura ainda ignorado no ambiente es-


colar em nosso país. A desinformação, o desconhecimento ou a infor-
mação inapropriada podem desencadear insucessos na aprendizagem
do aluno. Normalmente o diagnóstico de dislexia é feito por exclusão, e
nem sempre é fácil identificar se um sujeito tem esse distúrbio.

O disléxico, durante o processo de alfabetização: troca letras com


sons parecidos, como p e q ou d e b; comumente inverte palavras,
por exemplo, troca prato por pato; tem dificuldade para juntar síla-
bas no momento da leitura, na memorização de textos, entre outros.
Alguns alunos podem apresentar essas dificuldades na primeira eta-
pa da aprendizagem, afinal são consideradas obstáculos próprios
do processo. Entretanto, é preciso ficar atento para não confundir
normalidade do processo de aprendizagem com as dificuldades dis-
léxicas, que são mais complexas, constantes e contínuas.

Nem toda criança com dificuldades de leitura e escrita é necessa-


riamente disléxica, mas todas as crianças com dislexia apresentam
um grave distúrbio na linguagem. Em suma, podemos concluir que
para identificar as dificuldades de aprendizagem de uma criança, o
educador tem que focar a atenção na sua singularidade, bem como
observar os aspectos sociais como um todo, já que esse todo compõe
o universo de cada um.

Na Figura 3 apresentamos pontos que devem ser avaliados, para


que seja levantado como hipótese uma possível dislexia.

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 75


Figura 3
O que deve ser avaliado para identificar a dislexia

Leitura e
nomeação rápida

Escrita

Habilidades
Atenção Cálculo motoras
visual

Consciência
fonológica

Memória
imediata

Fonte: Elaborada pela autora.

Para a leitura e nomeação rápida e a escrita, é necessário identi-


ficar: movimento de pinça, coordenação olho-mão, força na parte supe-
rior, percepção visual, integração bilateral, linha de cruzamento do meio,
força das mãos e dedos, domínio de mão e controle postural, atenção
concentrada, atenção dividida, atenção alternada e memória de curto e
longo prazo. Para o cálculo, além desses elementos, também é preciso
identificar o conceito de cardialidade, conhecimento verbal dos núme-
ros, contagem verbal significativa, contagem de objetos, relação entre o
todo e as partes, habilidade do antecessor e sucessor e raciocínio lógico.
Livro
Em relação às habilidades motoras, é necessário identificar o es-
O livro Dislexia, Dislexia
adquirida e disgrafia: quema corporal, lateralidade, orientação espacial, orientação temporal,
como detectar, diferenciar, discriminação visual, discriminação auditiva, análise e síntese, coorde-
entender e tratar nos traz
um olhar mais apurado nação visomotora, ritmo e memória cinestésica, além da consciência
dos sintomas existentes fonológica (fonêmica, silábica e intrassilábica)
na dislexia e também a
sutileza na diferença entre Existem alguns distúrbios que acabam sendo confundidos com a dis-
dislexia e disgrafia.
lexia, mas não são, pois estão relacionados à escrita, por exemplo a di-
OLIVIER, A. L. 1. ed. São Paulo:
Wak, 2020.
sortografia (dificuldade na expressão da linguagem escrita) e a disgrafia
(desordem de integração visomotora, ou seja, dificuldade no ato da escrita).

76 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Existem dois tipos de disgrafia, a motora e a perceptiva, que ocor-
rem dependendo das áreas afetadas: a disgrafia motora é causada por
lesão ou comprometimento no lobo parietal, e a disgrafia perceptiva é
causada por lesão ou comprometimento na área do lobo frontal.

A disgrafia motora, também chamada de discaligrafia, é quando


a criança ou o adolescente consegue falar e ler normalmente, mas
apresenta dificuldades na coordenação motora ao escrever letras,
palavras e números. Apesar de ver e até entender a figura gráfica, o
indivíduo com disgrafia motora não consegue fazer os movimentos
para escrever. É como se não tivesse a percepção para criar a letra e
transferi-la para o papel ou quadro; é uma ausência de identificação
da letra a ser reproduzida. Nesse caso, não se trata de não reconhe-
cer a letra, mas o indivíduo não encontra uma forma de reproduzi-las
no papel ou quadro.

Na disgrafia perceptiva a criança ou o adolescente não consegue re-


lacionar o sistema simbólico e as grafias que representam os sons, as pa-
lavras e as frases. Nesse ponto, e somente nesse ponto, pode-se afirmar
que possui as características da dislexia, sendo que esta está associada à
leitura, e a disgrafia está associada à escrita. Apesar dessa semelhança,
não se pode afirmar que seja uma dislexia, pois deve-se ter em mente
que as características são parecidas mas a forma como o distúrbio se
manifesta é diferente, ou seja, a disgrafia perceptiva tem o mesmo me-
canismo da dislexia, mas atinge só a escrita e não afeta a leitura.

As principais regiões cerebrais envolvidas no processamento da


leitura são a área visual primária e a área de Broca. O processo de
leitura tem sido muito mais pautado pelo reducionismo experimental
centrado nas palavras. Ao avaliarmos os distúrbios que podem deter-
minar dificuldades no processo de leitura, é possível identificar duas
classes: a sensório-motora e a relacionada aos déficits auditivo, visual
e/ou motor e fonológico. Biografia
Paul Broca (1824-1880) foi
Já o processo de escrita alfabética da nossa língua materna mostra um médico e antropó-
um maior desafio, visto que se espera um relacionamento regular en- logo francês, renomado
pesquisador em diversas
tre grafemas e fonemas. Entretanto, enquanto algumas palavras têm áreas da medicina. Ele
uma relação de “um para um” entre grafemas e fonemas, por exemplo descobriu a região do
centro da linguagem do
/vida/, que é escrito vida, ou seja, escreve-se exatamente como se fala, cérebro, no lobo frontal.
outras não têm a mesma correspondência, como as palavras que são

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 77


escritas com h, letra que não corresponde a nenhum som em nossa
língua, como é o caso de /ora/, que se escreve hora.

Dessa forma, para escrever palavras como essas em português, é


necessário conhecer como elas são escritas, pois apenas a informação
fonológica não é suficiente. Assim, o processo de escrita necessita ser
operado pelos sistemas léxico-fonológico e léxico-ortográfico.

4.4 O olhar preventivo da neurociência


Vídeo na aprendizagem
A neurociência levou para dentro da escola uma visão mais apro-
fundada e científica sobre a aprendizagem, colocando em foco como
ocorre e qual a sua relação com o funcionamento cerebral. Com isso
é possível fazer alterações pontuais, dentro das metodologias utili-
zadas, auxiliando o aluno em suas habilidades, evitando utilizar pas-
sagens cognitivas bloqueadas. Essa ciência vem contribuindo com a
educação e com a forma de o professor olhar o processo do aprender,
ajudando-o a identificar o indivíduo como um ser único, que pensa e
aprende do seu próprio jeito.

O êxito escolar é algo que depende muito das características e da


idade da criança, da estrutura e da dinâmica familiar, da escola, do
meio social, da época e do local onde tudo isso acontece. Os problemas
de aprendizagem são construídos na trama da organização familiar e
social que lhe outorga significações, visto que o fracasso na aprendiza-
gem atinge não só o indivíduo, mas também a sua família, lembrando
que o conhecimento significa poder em nossa cultura.

Filme O filme Como estrelas na terra conta a história de Ishaan, um menino


O filme Como estrelas na com dislexia que relata que as letras dançavam na sua frente, por isso
terra retrata a realidade não conseguia acompanhar as aulas e nem prestar atenção. Ele já tinha
educacional, mostran-
do o despreparo dos repetido de ano uma vez e estava quase reprovando novamente, e os
educadores, não apenas profissionais da escola o rotulavam como menino-problema, visão que
no quesito técnico mas na
inabilidade em lidar com o foi transferida à família pela escola. Assim, seu pai resolve o matricu-
diferente. lar em um internato, pois o menino sofria humilhação tanto na escola
Direção: Aamir Khan. Índia: Aamir quanto em casa, o que gerava baixa autoestima e insegurança. Entre-
Khan Productions; PVR Pictures,
2007. tanto, um professor de artes do internato percebe que Ishaan tinha
dislexia. Nesse filme vemos um olhar apurado e uma escuta ativa de

78 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
um professor que, ao perceber a dificuldade do seu aluno, não o rotula,
mas coloca em prática um projeto para resgatar a vontade de aprender
em Ishaan, ensinando-o a ler e a escrever.

O filme nos mostra que o que salvou o menino não foram testes pa-
dronizados ou receitas prontas para diagnosticá-lo como disléxico, mas
sim a metodologia utilizada pelo educador, que o tratou com respeito e
soube valorizar e entender suas diferenças.

Na Figura 4 podemos observar como a educação sob o olhar da


neurociência entende a dinâmica do aprender, nunca dissociando o
biológico, o psíquico e o emocional desse processo. Pensando que toda
ação gera uma reação, na aprendizagem não é diferente. Quando o
reforçador é positivo, a vontade de continuar a buscar o conhecimento
aumenta, mesmo em situações em que não é produzido o desejado.
Por isso a empatia do mediador e um reforçador que impulsiona a bus-
car a melhora são importantes.
Figura 4
O prazer em aprender

Estimular
Descobrir
Resolver

Informar

Sistema de
recompensa
Sensação
positiva
Prêmio

Livro
Fonte: Elaborada pela autora. O livro Neurociência e
Educação: como o cérebro
Portanto, ao analisar os processos de aprendizagem, várias abor- aprende traz uma base
dagens para descobrir as características psicológicas, neurológicas mais sólida, assim você irá
compreender melhor o
e sociais das pessoas devem ser levadas em consideração, porque o funcionamento do sistema
desenho da aprendizagem leva em conta os aspectos biológicos, cog- nervoso central, seu po-
tencial e as melhores es-
nitivos, emocionais e ambientais que constroem e fundamentam a tratégias de favorecer seu
existência da sua evolução, pautados em fatores-base para uma apren- pleno desenvolvimento.

dizagem significativa. Alguns fatores que influenciam na aprendizagem CONSENZA, R. M. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
são: atenção e prática; método; motivação; e oportunidade.

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 79


O conhecimento da neuropsicopedagogia, tendo como base a neu-
rociência, auxilia a resolver mistérios que têm envolvimento do cérebro
durante o aprendizado, utilizando métodos de processamento (lingua-
gem, memória, emoção, atenção e medo) e possibilitando ao profissio-
nal entender melhor os processos de conhecimento e desenvolvimento
que envolvem a aprendizagem. A real aprendizagem não é aquela que
nos faz reprodutores de conhecimento, mas é aquela que se baseia na
crítica e na reflexão sobre o objeto de conhecimento, fazendo com que
o sujeito tenha a capacidade de perceber o mundo ao seu redor e seu
significado naquele contexto.

Com o conhecimento da área da neuropsicopedagogia, temos auto-


nomia em contribuir não apenas com as intervenções clínicas, mas na
ação educativa, compreendendo as estruturas e funções do sistema ner-
voso central, cada etapa de aprendizado, baseando-se na compreensão
das conexões neurais do aluno. Isso é imprescindível para desenvolver
atividades que estimulem as funções motoras, sensoriais e cognitivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo observamos que a avaliação, com base na neuropsico-
pedagogia, pode ser resumida como uma estratégia investigativa destina-
da a identificar, obter e proporcionar, de maneira válida e confiável, dados
e informações suficientes e relevantes sobre o funcionamento cognitivo,
emocional e comportamental do indivíduo. Contudo, a avaliação realizada
pelo profissional dentro da escola não deve ser determinista, pois se faz
necessária uma avaliação interdisciplinar e psicométrica, com neuropsi-
copedagogo clínico e áreas afins, visto que o ambiente não clínico não
permite a aplicação controlada de muitos métodos experimentais.
Consequentemente, a avaliação e a interpretação do comportamento
humano não são fáceis, sendo necessária, muitas vezes, a investigação
com familiares, amigos, conhecidos e outros, para que o olhar seja de um
todo. Essas informações geralmente podem revelar dados mais confiá-
veis, claros e significativos no processo avaliativo.
Porém, a escuta, seja na clínica ou na escola, ainda é a melhor ferra-
menta para que hipóteses sejam levantadas, podendo ter uma melhor
base no processo avaliativo do sujeito, levando em conta a individualidade
e construção de cada um.

80 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ATIVIDADES
Atividade 1
As funções executivas incluem que tipo de habilidades?

Atividade 2
Diferencie dislexia de disgrafia e dê exemplos.

Atividade 3
A neuropsicopedagogia auxilia o que durante o aprendizado,
utilizando métodos de processamento?

REFERÊNCIAS
CRONBACH, L. J. Fundamentos da testagem psicológica. 5. ed. Porto Alegre: Editora Artes
Médicas, 1996.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
LEZAK, M. D. Neuropsychological assessment. 3. ed. Nova York: Oxford University Press, 1995.
LURIA, A. R. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1987.

Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica 81


5
Desafios da neuropsicopedagogia
O ser humano é um ser complexo. É por meio do indivíduo que as
emoções se traduzem, que as sensações assumem forma, que as pala-
vras se personificam. É, portanto, no âmbito dessa complexidade que
cada ciência e cada instituição deve orientar a dinâmica de seu trabalho.
Mas qual é a incumbência da neuropsicopedagogia nesse processo? O
que cabe a ela? Quais desafios o neuropsicopedagogo encontra? Esses
são alguns questionaremos sobre os quais refletiremos.
Navegando pelos pilares da neuropsicopedagogia, sob os conceitos
do processo de aprendizagem da criança com autismo, altas habilidades
e deficiência intelectual, seremos capazes de entender o papel singular do
neuropsicopedagogo nos vários ambientes – terapêutico, educacional e
familiar –, como também os desafios que encontraremos nesse percurso.
Objetivos de aprendizagem

Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:


• compreender o processo de aprendizagem das crianças autis-
tas, ressaltando características, habilidades e dificuldades, e
propor estratégias de ensino para esse público-alvo com base
na neurociência;

• entender o processo de aprendizagem de pessoas com deficiência


intelectual (DI) e propor estratégias de ensino para esse público-al-
vo com base na neurociência;

• compreender o papel do neuropsicopedagogo no processo de


inclusão de alunos com deficiência, transtornos de aprendiza-
gem e altas habilidades.

82 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
5.1 Aprendizagem de crianças autistas
Vídeo
Quando tratamos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), é preciso
saber que ele atinge um a cada cem indivíduos. No mundo há mais de 70
milhões de pessoas já diagnosticadas com autismo, sendo que no Brasil
esse número chega a mais de 2 milhões de pessoas. Existem dados que
mostram que o autismo atinge mais meninos que meninas, e para quatro
meninos com autismo, uma menina nasce autista (BRASIL, 2004). Contu-
do, essa relação pode não ser tão grande assim, visto que novas pesqui-
sas mostram que as meninas conseguem lidar melhor com os sintomas,
assim, muitas vezes, elas são subdiagnosticadas.

Os dados também mostram que em crianças o autismo é maior


que diabetes, câncer e aids somados. Percebemos que é uma con-
dição prevalente, no entanto sabemos também que o número geral
pode ser mascarado, visto que muitos não têm acesso a profissionais
que possam diagnosticar o TEA, ou ainda que muitos pais resistem a
procurar atendimento especializado para seus filhos que apresentam
sintomas característicos.
Livro O TEA é uma alteração que afeta a capacidade do indivíduo de se
O livro Neuropsicologia comunicar, de estabelecer relacionamentos e de responder apropriada-
hoje traz o progresso
e a consolidação da
mente ao ambiente. Algumas crianças autistas apresentam inteligência
­neuropsicologia como e fala intactas, outras apresentam sérios déficits no desenvolvimento da
área de pesquisa e
intervenção no Brasil nos
linguagem, algumas parecem introspectivas e distantes, outras apresen-
últimos anos. tam comportamentos restritos e rígidos. A identificação mais precoce
SANTOS, F. H.; ANDRADE, V. M.; possível do autismo, ainda na primeira infância, condiciona em grande
BUENO, O. F. A. 2. ed. Porto Alegre:
parte a qualidade do prognóstico, sobretudo do prognóstico cognitivo.
Artmed, 2015. [e-book]
Essa descoberta precoce coloca, entretanto, uma série de questões
clínicas e éticas extremamente importantes. Durante o primeiro ano de
vida são descritas atualmente perturbações interativas precoces, mas
talvez seja necessário sobretudo detectar as crianças que necessitam
de cuidados, sem confiná-las dentro de uma predição autística que in-
corre no risco de fixar as coisas, privando o futuro de uma abertura
evolutiva ainda possível.

O TEA é uma condição multifatorial. Nele estão envolvidos fato-


res tanto genéticos quanto ambientais, nos mostrando que não exis-
te a alteração de um único gene que faça com que o indivíduo venha

Desafios da neuropsicopedagogia 83
a desenvolver o autismo. O TEA, como conhecido hoje, apresenta
três características comuns: inabilidade para interagir socialmente,
padrão de comportamentos restritivos ou repetitivos e dificuldade
de linguagem e comunicação.

Mas como isso se manifesta no dia a dia? Os indivíduos apresentam


dificuldade em manter contato visual, reconhecer expressões faciais,
expressar emoções e fazer amigos. Essa inabilidade social também é
agravada pelo fato de apresentarem uma sensibilidade sensorial, ou
seja, aversão ao toque ou necessidade extrema de contato. Já a comu-
nicação é caracterizada pelo uso repetitivo da linguagem ou pelo blo-
queio para começar ou manter um diálogo. No comportamento, eles
apresentam manias, apego excessivo a rotinas, interesse intenso em
coisas específicas e dificuldade na imaginação. É preciso entender que
essas características podem variar de indivíduo para indivíduo e em
alguns casos umas serão mais predominantes.

Por que espectro? Espectro é um “leque”, existem várias intensida-


des e manifestações diferentes, desde autismo de alto funcionamento
até o autismo clássico. Os déficits, geralmente, apresentam-se nos se-
guintes campos:

EMOCIONAL

Mushakesa/Shutterstock
SOCIAL

COMUNICAÇÃO
ASPECTO MOTOR

COMPORTAMENTAL

84 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Apesar de serem colocados separadamente, é preciso entender que
são campos que se interligam, o déficit em um gera dificuldades nos
outros campos. Ensinar crianças com autismo envolve vários objetivos.
Por exemplo, linguagem, responsabilidade social e adaptabilidade são
algumas das metas que muitas vezes precisam ser monitoradas e desen-
volvidas com crianças com autismo e que não fazem parte do programa
educacional. As crianças sem autismo aprendem muitos dos compor-
tamentos sozinhas, ao interagir com outras pessoas; já as crianças que
estão dentro do espectro precisam ser instruídas mais especificamente.

A maioria dos programas educacionais para crianças com autismo


pode até ser diferente em algumas áreas, mas geralmente eles com-
partilham mais ou menos os mesmos objetivos: desenvolvimento so-
cial e cognitivo, comunicação verbal ou não verbal, adaptabilidade e
resolução de problemas de comportamentos atípicos e indesejáveis.
Muitas dessas áreas de foco para trabalhar com crianças com autismo
se sobrepõem, e os programas e objetivos educacionais variam à medi-
da que a criança se desenvolve.

Os problemas de déficit intelectual são um fator complicador no


processo de aprendizagem, pois em muitos casos estão presentes em
pelo menos dois terços das crianças autistas. Déficits cognitivos, embo-
ra não sejam uma característica fundamental na diagnose de autismo,
têm um papel muito importante na prognose dessas crianças. Entre os
sinais apresentados pelo TEA, acredita-se que as funções que reque-
rem mais habilidades verbais sejam mais afetadas, enquanto habilida-
des não verbais, como aprendizado psicomotor, funcionam melhor ou
são menos comprometidas.

Intervenções comportamentais e educacionais são extremamen-


te necessárias no desenvolvimento do sujeito autista. Muitos métodos
foram descritos, mas apenas um pequeno número desses métodos foi
estudado e validado. Por esse motivo, muitos têm sido usados ​​com pou-
cos dados científicos para confirmar sua eficácia, mesmo sem evidências
suficientes. A maioria dos métodos de ensino e tratamento pode ser di-
vidida em três grandes grupos: os que utilizam modelos de análise do
comportamento aplicados; aqueles baseados em conjecturas desenvol-
vimentistas; e aqueles baseados em conjecturas de ensino estruturadas.
No entanto, o fato de algumas dessas intervenções não terem sido con-
firmadas por dados de enquete não significa que sejam ineficazes, ape-
nas que sua eficácia potencial não foi confirmada por métodos objetivos.

Desafios da neuropsicopedagogia 85
Todas as crianças com autismo são capazes de aprender, cada uma
à sua maneira, desde que tenham seu próprio programa de tratamen-
to individual com atividades claras. Todos ganham com uma inserção
adequada e específica. Com um ambiente bem estruturado e prepara-
do para lidar com as diferenças, esses programas devem ser repetidos
na escola, em casa e na comunidade.

Muitas áreas de percepção podem ser preservadas em pessoas com


autismo, o que se denomina ilhas da imaturidade. Esse é um dos fenô-
menos mais fascinantes do autismo. Essas “ilhas de aptidões especiais”
são áreas protegidas ou altamente desenvolvidas que estão recebendo
grande atenção. Por exemplo, muitas crianças têm habilidades incríveis
com números, às vezes com música.

As pessoas com autismo têm preferência pelo raciocínio repetitivo,


em vez de atividades de integração, o que mostra que têm uma apren-
dizagem fragmentada, não efetuando diferentes partes de uma tare-
fa e situações, como se estivessem fixadas em uma única parte, não
no conjunto. Preferem trabalhos rotineiros por terem funcionamento
executivo prejudicado. Mostram interesse em atividades repetitivas de
memória verbal, em vez de tarefas conceituais e de raciocínio social.
Por apresentarem prejuízos na função executiva, essa falha pode indi-
car possíveis disfunções pré-frontais, levando a prejuízos no controle
atencional e desatenção. Alterações na função executiva causam difi-
culdades no planejamento e na manutenção de metas, no aprendizado
com o feedback e na supressão de respostas irrelevantes e improduti-
vas ao executar as etapas dessa tarefa.

5.2 Aprendizagem de crianças com


Vídeo deficiência intelectual
Quando abordamos a deficiência intelectual, precisamos ter em men-
te a necessidade da intervenção de um neuropsicopedagogo desde a
primeira infância, o que não se esgota com um ou dois dias de acom-
panhamento, mas sim com acompanhamento e avaliação constante do
sujeito, sempre com a família e a escola juntos nesse processo. Cabe
então ao neuropsicopedagogo ver a individualidade de cada paciente.

É importante implementar todas as intervenções educacionais e fa-


miliares necessárias, tendo o conhecimento científico como base das

86 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ações e avaliações. A deficiência intelectual (DI) é entendida, segundo
Luckasson et al. (1992, p. 14), da seguinte forma:
Não é consensual entre os profissionais uma definição concreta do
termo deficiência mental (comprometimento intelectual). No entan-
to, a definição que reúne maior número de adeptos é aquela, pro-
posta pela American Association on Mental Retardation (AAMR) em
1992, que define assim este conceito: “A deficiência mental refere-se
a um estado de funcionamento atípico no seio da comunidade, mani-
festando-se logo na infância, em que as limitações do funcionamento
intelectual (inteligência) coexistem com as limitações no comporta-
mento adaptativo. Para qualquer pessoa com comprometimento
intelectual, a descrição deste estado de funcionamento exige o co-
nhecimento das suas capacidades e uma compreensão da estrutura
e expectativas do meio social e pessoal do indivíduo”.

Em particular, a deficiência intelectual manifesta-se com dificulda-


des no ritmo de aprendizagem, tanto na vida cotidiana quanto na es-
cola. A deficiência intelectual é incurável, pois é uma alteração gênica.
Pesquisas têm sido desenvolvidas nesse sentido, mas ainda não foram
encontrados resultados que corroborem a possibilidade de cura.

É importante que uma criança com deficiência intelectual frequente


a escola primária desde a pré-escola, pois isso será significante para sua
socialização. Além disso, a criança pode continuar sua trajetória educacio-
nal na mesma escola, uma vez que a Constituição Federal garante esse
direito. Tanto os profissionais quanto as escolas devem estar preparados
para receber crianças com deficiência intelectual em suas salas de aula.

A deficiência intelectual não pode ser confundida com distúrbios emo-


cionais, psicoses etc., nem com problemas ou distúrbios de aprendizagem,
tampouco com peculiaridades advindas do ambiente cultural (diferen-
ças linguísticas, de hábitos etc.). Acredita-se que a deficiência intelectual
­corresponda à metade do total de pessoas com deficiência no Brasil. Segun-
do a Organização das Nações Unidas (ONU), seriam 7,5 milhões de pessoas,
entre os 15 milhões de brasileiros hipoteticamente deficientes.

As pessoas com deficiência intelectual apresentam, na maioria das ve-


zes, dificuldades ou um claro atraso no desenvolvimento neuropsicomo-
tor, na aquisição da fala e em outras habilidades. A principal característica
da deficiência intelectual é a redução da capacidade cognitiva, localizada
abaixo dos padrões considerados “normais” para a idade, dos pares ou
abaixo da média da população, quando adultos. Relataremos algumas

Desafios da neuropsicopedagogia 87
­características das pessoas com deficiência intelectual, sempre lembrando
que não é regra apresentar todos esses itens:
• Falta de equilíbrio.
• Dificuldade de locomoção, coordenação e manipulação.
• Falta de autocontrole.
• Atraso no desenvolvimento em relação às outras crianças da
mesma idade: nas atividades lúdicas, no lazer e na sexualidade.
• Perturbações de personalidade.
• Ansiedade.

Para determinar o nível da deficiência intelectual, existem várias


técnicas. A técnica psicrométrica é a mais utilizada, que mede o quo-
ciente de inteligência (QI). Por meio do resultado, podemos obter a
classificação, segundo o DSM 5 – o Manual Diagnóstico e Estatístico de
­Desordens Mentais (2014). Vejamos no quadro a seguir.
Quadro 1
Estágios de desenvolvimento maturacional

Idade
QI Denominação Estágio de desenvolvimento
maturacional
Crianças que se enquadram neste nível não se pode dizer que
apresentam deficiências mentais, porque são crianças com muitas
68-85 Limite 13
possibilidades, revelando apenas um ligeiro atraso nas aprendizagens
ou algumas dificuldades concretas.
Não são claramente deficientes mentais, mas pessoas com proble-
mas de origem cultural, familiar ou ambiental. Podem desenvolver
52-67 Ligeiro 8-12 aprendizagens sociais ou de comunicação e têm capacidade de
­adaptação e integração no mundo social. Apresentam um atraso
mínimo nas áreas perceptivo-motoras.

Podem aprender a se comunicar pela linguagem verbal, mas apresen-


tam, por vezes, dificuldades na expressão oral e na compreensão dos
36-51 Moderado 3-7 convencionalismos sociais. Apresentam um desenvolvimento motor
aceitável e têm possibilidades de adquirir alguns conhecimentos
­pré-tecnológicos básicos que lhes permitam realizar algum trabalho.

Os indivíduos que se enquadram neste nível necessitam geralmente


de proteção ou de ajuda, pois o seu nível de autonomia pessoal e
20-35 Grave 3-7 social é muito pobre. Por vezes têm problemas psicomotores signifi-
cativos. Poderão aprender algum sistema de comunicação, mas a sua
linguagem verbal será sempre muito debilitada.
(Continua)

88 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Idade
QI Denominação Estágio de desenvolvimento
maturacional
Este nível só é aplicado em caso de deficiência muito grave em que o
desempenho das funções básicas se encontra seriamente compro-
metido. Os indivíduos apresentam grandes problemas sensório-mo-
20 Profundo 0-3
tores e de comunicação com o meio onde estão. São dependentes
dos outros em quase todas as funções e atividades, pois suas apti-
dões físicas e intelectuais são gravíssimas.

Fonte: Elaborado pela autora com base em APA, 2014.

Como visto no Quadro 1, a deficiência intelectual pode ser ­entendida


como a insuficiência funcional das funções neurológicas. O encéfalo da
criança não atinge seu pleno desenvolvimento e, portanto, todas as
suas funções são prejudicadas.

Na verdade, o encéfalo de uma criança recém-nascida tem capacida-


des de aprendizagem, porém elas serão desenvolvidas pela internalização
de estímulos, e isso acontece por meio da aprendizagem, estando intima-
mente associada a fatores biológicos, como a integridade orgânica, que
sempre são influenciados diretamente por fatores ambientais e sociais.

Essa asserção de Schwartzman (1999) é amplamente aceita, havendo


muitos estudos de outros autores que são consistentes com essa abor-
dagem. Por exemplo, Piaget afirma que os indivíduos nascem com ape-
nas um potencial (capacitância inata), a capacitância de aprender. Assim,
todo conhecimento e desenvolvimento da criança depende da exposição
ao ambiente e ao ambiente resultante. Para Jean Piaget, a base do co-
nhecimento era a transmissão e a fusão de “estruturas”. Assim, o conhe-
cimento estímulo ambiental é entendido como uma estrutura que será
“assimilada” pelo indivíduo por meio de sua capacitância de aprender.

A aprendizagem é bem-sucedida se as capacitâncias de assimila-


ção, reorganização e acomodação permanecerem intactas, de modo
que as aquisições sejam feitas ao longo do tempo. Esses três processos
­ocorrem de modo que um indivíduo sempre adquire novas informa-
ções. Portanto, ao se deparar com novos dados, para sua internali-
zação, o indivíduo deve reorganizar as aquisições já realizadas, para
acomodar os novos conhecimentos, e isso ocorre à medida que a lin-
guagem e a cognição se desenvolvem. Considerando a grande influên-
cia do ambiente e a competência da criança para atividades cognitivas,
para estimular uma criança devemos torná-la mais capaz de atender às
demandas da vida em seu contexto cultural.

Desafios da neuropsicopedagogia 89
O foco do trabalho com a criança com deficiência intelectual deve ser
o contato e a interação com outra pessoa. Qualquer acréscimo às ativi-
dades pedagógicas desenvolvidas deve ser informal, por meio de brinca-
deiras espontâneas, contato com o colega e materiais apropriados.

Assim, de maneira agradável e prazerosa, a criança desenvolverá


atividades físicas, emocionais e cognitivas que lhe permitem elaborar
seus pensamentos. Segundo Schwartzman (1999), manter a agilidade
e a resiliência neuropsicológica é essencial para evitar que a força pre-
coce leve à redução do uso estratégico no contexto da aprendizagem.

A participação de uma criança com deficiência intelectual no ensino


regular é muito benéfica do ponto de vista do desenvolvimento, uma
vez que a articulação e a diversidade das disciplinas põem novos pro-
blemas na adaptação aos aspectos relacionados à vida em grupo, e a
organização de novos modelos de conhecimento apresenta aos alunos
obstáculos e dificuldades.

A escola deve concentrar seus empenhos no desenvolvimento das


potencialidades e habilidades do aluno, levando em consideração os
objetivos e as estratégias que possam ser mais úteis. O mais importan-
te é que o professor administre o ambiente em sala de aula, para que
este permita uma melhor interação do grupo e, assim, consiga traba-
lhar a dinâmica dos grupos cooperativos.

No início, é muito importante que a escola esteja atenta às dificul-


dades e aptidões de cada criança, a fim de promover suas necessida-
des básicas de aprendizagem e desenvolvimento. O mediador precisa
estar atento a seis pontos primordiais: atitudes, motivação, interesse,
relações pessoais, forma de assumir tarefas e enfrentamento de situa-
ções. Com base nessa observação, as adaptações são planejadas para
apoiar a educação, priorizando a aquisição básica da aprendizagem por
meio de intervenções planejadas e sistemáticas para apoiar os objeti-
vos principais. Os primeiros passos são:
• Organizar os elementos pessoais e materiais que possibilitam no-
vas aprendizagens (isso seria um planejamento maleável, porque
o planejamento precisa ser organizado levando em conta a homo-
geneidade da sala, pensando em cada sujeito, um q
­ uebra-cabeça
que tem como objetivo final sua montagem completa, mas as pe-
ças são diferentes em tamanhos, formas, cores).

90 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
• Mentorear as crianças, o que é complexo e evolutivamente di-
nâmico, baseado em aptidões individuais. Essa mentoria deve
ser constante, porque precisa de uma avaliação contínua, não do
sujeito, mas do mediador, para avaliar se sua metodologia está
sendo eficiente no processo de aprendizagem da criança.

Alguns pontos devem ser considerados quanto à educação da


criança com DI:
• Estruturar seu autoconhecimento.
• Desenvolver seu campo perceptivo.
• Desenvolver a compreensão da realidade.
• Desenvolver a capacidade de expressão.
• Progredir satisfatoriamente em desenvolvimento físico.
• Adquirir hábitos de bom relacionamento.
• Trabalhar cooperativamente.
• Adquirir destreza com materiais de uso diário.
• Atuar em situações do dia a dia.
• Adquirir conceitos de quantidade, forma, tamanho, espaço,
tempo e ordem.
• Familiarizar-se com recursos da comunidade onde vive.
• Conhecer e aplicar regras básicas de segurança física.
• Desenvolver interesses, habilidades e destrezas que o orientem
em atividades profissionais futuras.
• Ler e interpretar textos expressos em frases diretas.
• Desenvolver habilidades e adquirir conhecimentos práticos que o
levem a descobrir valores que favoreçam seu comportamento no
lar, na escola e na comunidade.

Com relação à alfabetização, não há um método voltado especifi-


camente para as crianças com DI, visto que cada criança requer uma
forma de intervenção específica, à qual se adéqua.

Não só na alfabetização, mas em todo percurso acadêmico o aten-


dimento deve atender às características específicas de cada aluno,
propiciar o desenvolvimento do seu equilíbrio emocional, de sua au-
toconfiança, de sua capacidade de criação e expressão, de condições
essenciais à sua integração harmônica na sociedade.

Desafios da neuropsicopedagogia 91
5.3 Aprendizagem de crianças
Vídeo com altas habilidades
Diversos autores têm feito referência a pessoas com altas habilidades
e precocidade, genialidade, prodigalidade e transtorno de Asperger, assim
como às diversas nomenclaturas que têm sido utilizadas para fazer menção
à pessoa com altas habilidades, altamente capaz, pessoa ou portador de al-
tas habilidades, alto habilidoso, bem-dotado, brilhante, dotado, portador de
genialidade, portador de superdotação, talentoso, superdotado. Também
há os mais recentes, mas não menos discriminatórios e preconceituosos:
nerd, geek, sabichão, CDF. Segundo Pérez (2012, p. 47), a maioria das pa-
lavras ou expressões que são utilizadas para nomear a pessoa com altas
habilidades é herdada da literatura estrangeira, principalmente em língua
inglesa (gifted, talented e high ability), francesa (précoce, doué, ­surdoué, haut
potentiel) e espanhola (superdotado, sobredotado, talentoso, altas capacida-
des), de onde vem um número grande das publicações.

No Brasil, o termo altas habilidades foi primeiro associado ao termo


portador de. Por razões filosóficas, foi abandonado por pessoa com, e
hoje faz parte da expressão altas habilidades, que é a terminologia mais
utilizada no meio educacional, uma vez que é a preconizada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 2004).

Gardner formulou sua teoria das inteligências múltiplas no livro


Estruturas da Mente (1994), no qual apresentou sete inteligências.
Posteriormente, no livro Inteligência: um conceito reformulado (2000),
acrescentou mais uma. O autor explica que, para formular sua teoria,
estudou uma série de grupos que lhe permitiram comprovar a validade
de cada uma das inteligências: prodígios, pessoas com altas habilidades,
1
pacientes com danos cerebrais, pessoas chamadas de savants , crian-
1 ças e adultos “normais”, especialistas de diferentes linhas de pesquisa
Síndrome de savant é um e pessoas de diferentes culturas.
distúrbio que faz com que
a pessoa apresente habili- Gardner (2000, p. 47) define a inteligência como “um potencial biop-
dades extraordinárias em
áreas específicas e isoladas,
sicológico para processar informações que pode ser ativado em um ce-
por exemplo, alta capacida- nário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam
de de memorização.
valorizados em uma cultura”.

É importante lembrarmos que pessoas com altas habilidades vi-


venciaram, e ainda vivenciam, situações e processos inadequados

92 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
na Educação Especial, sendo segregados, incompreendidos. Atual-
mente, no entanto, há um avanço, e essas pessoas têm ganhado
espaço, lutando por seus direitos. Pessoas com altas habilidades es-
tão em todos os lugares, mas muitas vezes passam despercebidas.
Logo, é importante um olhar atento às suas características e poten-
cialidades, para os ajudar a desenvolver suas habilidades e serem
compreendidos em suas especificidades.

Para isso, é preciso abrirmos os olhos para regular o fazer desses


sujeitos, ou seja, seu comportamento. Naturalmente, há a busca pelo
fazer, mas desde criança há o aprendizado do se conter, a adaptação,
esta que é essencial não somente para a vida em sociedade, mas tam-
bém para a sobrevivência.

Sem adaptação o homem teria sido extinto há tempos. O acordar


para as altas habilidades surge para novas chances e possibilidades, um
olhar para a frente, desapegando ao máximo do que prende, aprisiona.
O enfrentamento do mundo como ele é, por mais difícil que seja, é algo
inevitável. Além das armadilhas exteriores, mesmo com altas habilida-
des, existem fantasmas internos, medos, erros, impropriedades etc.

Existem dois tipos de altas habilidades: acadêmico e produtivo-cria-


tivo. Algumas características das pessoas com altas habilidades acadê-
micas, segundo Virgolim (2007), são:
• Têm boas notas na escola.
• Apresentam grande vocabulário.
• Gostam de fazer perguntas.
• Necessitam de pouca repetição do conteúdo escolar.
• Aprendem com rapidez.
• Apresentam longos períodos de concentração.
• Têm boa memória.
• São perseverantes.
• Apresentam excelente raciocínio verbal e/ou numérico.
• São consumidores de conhecimento.
• Leem por prazer.
• Tendem a agradar os professores.
• Gostam de livros técnicos/profissionais.
• Tendem a gostar do ambiente escolar.
Victoria Sergeeva/Shutterstock

Desafios da neuropsicopedagogia 93
Já as pessoas que apresentam a superdotação produtivo-criativa pos-
suem as seguintes características:
• Não necessariamente apresentam QI superior.
• Pensam por analogias.
• São criativos e originais.
• Usam o humor.
• Demonstram diversidade de interesses.
• Gostam de fantasiar.
• Gostam de brincar com as ideias.
• Não ligam para as convenções.
• São inventivos, constroem novas estruturas.
johavel/Shutterstock

• São sensíveis a detalhes.


• Procuram novas formas de fazer as coisas.
• São produtores do conhecimento.
• Não gostam de rotina, encontram ordem no caos.

Dessa forma, na educação de pessoas com altas


habilidades existem paradigmas tradicionais que
precisam ser superados, abrindo espaço para paradigmas atuais. Ve-
jamos alguns deles.

Paradigma tradicional:
• Superdotação igual ao alto QI.
• Teoria da personalidade, estável e invariável.
• Identificação baseada nos testes.
• Orientação elitista.
• Superdotação que se expressa sem intervenção especial.
• Autoritário, hierárquico, de cima para baixo.
• Etnocêntrico.

Paradigma atual:
• Superdotação multifacetária.
• Teoria evolutiva, orientada a processos.
• Identificação baseada no rendimento.
• Orientação centrada na excelência.
• Contexto é crucial.

94 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
• Colaborativo em todos os níveis.
• Orientado a campos de conhecimento.
• Ênfase na diversidade.

Até o momento, não há diagnóstico, Classificação Estatística Inter-


nacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) ou
laudo para altas habilidades. Isso pode desencadear problemas para a
pessoa que descobre tardiamente as altas habilidades, uma vez que o
sujeito não integra as áreas de habilidades na sua vida, abafando-as,
sabotando o melhor de si, para simplesmente viver uma vida padrão.
Descobrir tardiamente pode levar a uma crise de identidade.

Portanto, diferentes propostas metodológicas devem ser desenvol-


vidas, pois é de extrema importância a conscientização de que pessoas
com altas habilidades possuem necessidades educacionais especiais e
precisam de ambientes enriquecedores. Os alunos com traços de altas
habilidades precisam de apoio para desenvolver seu potencial, a quem
devem ser dadas oportunidades para expressar e aprimorar suas ha-
bilidades. Entre as propostas de atendimento para alunos com altas
habilidades, encontram-se diferentes possibilidades, como enriqueci-
mento intra e extracurricular, complementação, adaptação, flexibiliza-
ção dos programas, acompanhamento, tutoria e mentoria.

5.4 Papel do neuropsicopedagogo


Vídeo na inclusão escolar
Para começar, é necessário pensar sobre o que entendemos a res-
peito de dificuldades de aprendizagem. Vamos recapitular como essas
dificuldades são caracterizadas como distúrbios na aquisição de impor-
tantes aptidões de aprendizagem.

Em outras palavras, as aptidões de leitura, escrita e matemática das


crianças podem ser prejudicadas. Além disso, aspectos como plane-
jamento, organização, memória de longo prazo, atenção e raciocínio
enfrentam obstáculos. No entanto, foram achadas intervenções no
campo da neurociência para atenuar esses sintomas.

Dessa forma, os especialistas neuropsicopedagogos podem realizar


as seguintes ações:

Desafios da neuropsicopedagogia 95
Livro • Promover ferramentas metodológicas que facilitem a experiência
O livro Neurociência e de ensino dos alunos.
educação: como o cérebro
aprende, de Ramon • Analisar os aspectos comportamentais, cognitivos, motores e so-
­Consenza, associa estu-
ciais que dificultam o percurso escolar da criança.
dos da neurociência com
a educação, mencio- • Cultivar a melhoria e o desenvolvimento humano das crianças
nando a importância da
plasticidade do cérebro e
em contexto pedagógico.
os tipos de inteligência. • Promover a aprendizagem e a regeneração com intervenções
CONSENZA, R. M. Porto Alegre: adequadas.
Artmed, 2011.
• Apontar aos mediadores como a aquisição é ocasionada por me-
canismos cerebrais.
• Promover a inclusão e facilitar a reintegração das crianças nos
espaços escolares.

Entender o funcionamento cerebral e como isso influencia a interação


das crianças com o ambiente e com outras pessoas é um importante au-
xílio ao trabalho do educador. Nas palavras de Paulo Freire (1996, p. 32):
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses
­que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto en-
sino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco,
porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para
constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me
educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e co-
municar ou anunciar a novidade.

O neuropsicopedagogo, por possuir um conhecimento ­estruturado


das funções cerebrais, entendendo como o processo do aprender
acontece, como o cérebro recebe, seleciona, transforma, memoriza,
arquiva e elabora todas as entradas e saídas de informações pelas vias
auditivas, visuais e sensoriais, pode adaptar as metodologias e técni-
cas educacionais a todos, principalmente àqueles com características
­cognitivas e emocionais atípicas.

Como visto antes, a neuropsicopedagogia é uma ciência transdiscipli-


nar, tem sua base na neurociência, aplicada à educação, tendo interfaces
na pedagogia e na psicologia comportamental. Assim, a neuropsicope-
dagogia tem como objetivo formal a compreensão da relação entre o
cérebro e a aprendizagem humana, e esse é o nosso diferencial. Quando
falamos da perspectiva de reinserção desses sujeitos, estamos falando de
uma real inclusão dentro da instituição escolar. O n
­ europsicopedagogo,
além de ter o conhecimento das incompetências do sistema nervoso

96 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
central (SNC), terá que investigar as metodologias que cada instituição
­possui. É preciso entender qual é o perfil/foco da escola. Nesse contex-
to, entender o processo de aprendizagem das p
­ essoas requer romper
com a homogeneização, pois cada aluno é único e possui uma forma de
aprender. A perspectiva de educação para todos constitui um grande de-
safio, quando a realidade aponta para uma numerosa parcela de excluí-
dos do sistema educacional sem possibilidade de acesso à escolarização,
apesar dos esforços empreendidos para a universalização do ensino.

Isso significa refletir sobre a necessidade de introduzir na escola a


disseminação do respeito à diversidade, cuja importância se relaciona
com outras políticas e com a política pedagógica da escola. As experiên-
cias a que os sujeitos são expostos e suas relações nos contextos insti-
tucionais e sociais guiam à constituição da subjetividade e dos sistemas
simbólicos, bem como do significado subjetivo, sendo este um dos as-
pectos constitutivos da personalidade e do conhecimento do mundo.

Podemos nos perguntar qual a relação das práticas pedagógicas com


a prática do neuropsicopedagogo no campo escolar. Quando estamos
imersos no mundo clínico, nossas ações estão o tempo todo pautadas
em determinada forma de intervenção. Diferente do universo clínico, ao
entrarmos no mundo escolar é preciso ter uma visão não apenas das
dificuldades e necessidades do paciente, mas da cultura e identidade da
escola. Assim, o neuropsicopedagogo poderá sugerir ajustes adequados
que auxiliarão no desenvolvimento desse sujeito.

Na verdade, isso nos remete à relação entre teoria e prática, e con-


vém deixarmos claro que a prática alimenta e é alimentada pela teoria.
Quando estamos imersos no mundo prático, nossas ações não estão o
tempo todo pautadas em uma teoria. Por outro lado, seria ingenuidade
não considerar que nossos atos e posicionamentos profissionais estão
impregnados de nossa visão de mundo.

No caso do papel do neuropsicopedagogo com relação à inclusão


na instituição escolar, devemos entender que as nossas intervenções,
posicionamentos e decisões devem estar norteados pela nossa forma
de ver as pessoas, a sociedade e a própria educação, forma essa guiada
pelo conhecimento científico da neuropsicopedagogia. Desse modo, ao
lançarmos olhar sobre o nosso campo de trabalho (aluno, professor,
escola, relações institucionais etc.), utilizamos a lente teórica que mais
se adéqua à nossa visão de mundo e de sujeito.

Desafios da neuropsicopedagogia 97
No entanto, não podemos afirmar que a prática é a aplicação de
uma teoria. Na prática escolar, por exemplo, as crianças riem, brin-
cam, choram, brigam e inventam, e os professores perdem a paciência,
­divertem-se, passam tarefas, desentendem-se e estão satisfeitos ou
não com o processo de trabalho, e todas as experiências são práticas
cotidianas e não aplicação de uma teoria.

Devemos reconhecer que a aprendizagem é um fato complexo e


não ocorre da mesma forma em todas as pessoas, ou melhor, a for-
ma de aprender não é homogênea, o que significa que cada um tem
formas diferentes de aprender, manifestar e expor suas experiências.

Vivemos a prática cotidiana sem refletir a respeito dela. Só paramos


para refletir quando nos deparamos com um problema. Um problema
suscita questões que requerem explicações. Exige, pois, que nos afas-
temos da realidade em questão buscando compreender seus a
­ spectos
e elementos essenciais. É conveniente, portanto, ao analisarmos as
questões colocadas pela prática escolar, que utilizemos as diferentes
abordagens teóricas para apurarmos nossa compreensão sobre suas
peculiaridades. Portanto, o neuropsicopedagogo, para atuar nesse
campo, e em tantos outros, precisa ampliar o seu olhar clínico até in-
cluir o contexto em que os ditos “problemas de aprendizagem” aconte-
cem, sob o sério risco de estigmatizar a criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim. Esperamos que as informações aqui contidas te-
nham sido de grande importância, aumentando seus conhecimentos
no mundo do aprendizado humano. Foi possível perceber que o pro-
cesso de aprendizagem é muito mais complexo que ir para a escola e
conquistar conteúdos. Antes, é um processo evolutivo que começa na
formação inicial, processo que deve começar com o professor no pla-
nejamento das atividades que desenvolvem o cérebro e as habilidades
psicomotoras da criança.
Inevitavelmente, imaginar a inclusão de alunos com deficiência tem
consequências comparativamente abruptas e incoerentes, assim como
imaginar a educação com base em uma única perspectiva.
Logo, o neuropsicopedagogo, clínico ou institucional, deve ter em mente e
na ação o compromisso com uma aprendizagem verdadeiramente inclusiva e
não exclusiva do aluno, principalmente quando se trata do ambiente escolar.

98 Fundamentos da Neuropsicopedagogia
ATIVIDADES
Atividade 1
Com base no levantamento do Conselho Nacional de Saúde,
qual número de crianças diagnosticadas com autismo temos
hoje no Brasil?

Atividade 2
Segundo o DSM-5, qual é a pontuação do QI de crianças com nível
moderado de deficiência intelectual?

Atividade 3
Qual é o papel do neuropsicopedagogo na inclusão de crianças
com deficiência intelectual, autismo e altas habilidades na escola?

REFERÊNCIAS
APA – American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BRASIL. 12ª Conferência Nacional de Saúde: Conferência Sérgio Arouca – Relatório final.
Brasília, DF: Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde, 2004.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
GARDNER, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
LUCKASSON, R. et al. Mental retardation: definition, classification, and systems of
supports. 9. ed. Washington DC: American Association on Mental Retardation, 1992.
PÉREZ, S. G. P. B. E que nome daremos à criança? In: MOREIRA, L. C.; STOLTZ, T. (org.). Altas
habilidades/superdotação, talento, dotação e educação. Curitiba: Juruá, 2012.
SCHWARTZMAN, J. S. (ed.). Síndrome de Down. São Paulo: Memnon, 1999.
VIRGOLIM, Â. M. R. Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais. Brasília, DF:
Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial, 2007.

Desafios da neuropsicopedagogia 99
Resolução das atividades
1 Bases teóricas da neuropsicopedagogia
1. A neuropsicopedagogia foi o primeiro projeto que envolvia as
neurociências aplicadas à educação, unindo neurociências,
psicologia comportamental e pedagogia. Este foi o início de
uma nova configuração para os educadores profissionais que
têm a oportunidade de se tornar mais capacitados para lidar
com inclusão, nossa realidade escolar desde sempre, mas só
agora falada. Com base no que foi aprendido até agora, qual é
o papel do neuropsicopedagogo na aprendizagem de pessoas
com deficiência, pensando que a deficiência causa bloqueios em
determinadas regiões do SNC, causando assim dificuldade no
trajeto preexistente?
Quando pensamos em educação, devemos incluir toda a
sociedade, sem segregação, lembrando que todos podemos
aprender independentemente de nossas habilidades/dificuldades.
A neurociência veio trazer esse olhar para a educação, antes
segregadora em suas gênesis. Com um novo olhar sobre a
aprendizagem, o educador transforma sua prática em práxis
reflexiva, na qual o educando e o educador aprendem juntos, cada
um respeitando sua forma de aprender, conhecendo não só seus
déficits, mas também suas habilidades.

2. Retomando a imagem do processo da aprendizagem, segundo Piaget,


qual o papel da adaptação e do desequilíbrio na aprendizagem?
Após a adaptação de um conhecimento a criança passa para um
novo estágio, quando aquela maneira de agir e de pensar anterior é
inadequada para enfrentar as dificuldades que surgem em relação ao
meio, aparecendo o desequilíbrio do organismo. Isso leva a criança
a desenvolver novos modos de agir e de pensar mais elaborados,
atingindo o equilíbrio, uma posição estável após superar dificuldades
e sobressaltos.

3. Qual noção de conhecimento se faz necessária na área da


educação, não só da saúde?
Não só na área da saúde mas também na educação é preciso ter
noções básicas acerca do funcionamento normal e patológico do
sistema nervoso central.

100 Fundamentos da Neuropsicopedagogia


2 Bases neuropsicológicas da aprendizagem
1. Ao entender que o cérebro pode, por meio de novas conexões
(plasticidade cerebral), superar danos em seu processo cognitivo,
como podemos avaliar o papel do professor hoje?
Com os avanços científicos sobre a adaptabilidade do cérebro, é
necessário um maior aprofundamento do professor para que seja
efetivada, além da real inclusão, uma aprendizagem significativa
que respeite o processo maturacional do sistema nervoso central.

2. A plasticidade cerebral é definida como a capacidade de o sistema


nervoso modificar sua estrutura e função em decorrência dos
padrões de experiência. Sabendo disso, o que muda em relação às
deficiências diante do aprender?
A plasticidade cerebral vem mostrar que independente de nossas
dificuldades neurobiológicas ou mesmo funcionais, é possível uma
reorganização sináptica que busque caminhos alternativos para o
aprender.

3. Qual a importância da neuropsicopedagogia para o professor?


A aprendizagem da neuropsicopedagogia permite ao professor ampliar
sua visão, mostrando que não existem receitas de aprendizagem, visto
que cada sujeito é único, sendo constituído emocional, cognitivo e
socialmente. Assim, essa ciência nos permite ter uma escuta apurada,
refletindo sobre modos significativos de intervenções que poderiam
auxiliar cada aluno.

3 Neuropsicopedagogia e problemas de aprendizagem


1. Os principais desafios enfrentados pela instituição escolar
reforçam a dificuldade de aprendizagem, impedindo os alunos com
deficiência a se desenvolverem. Explique quais são esses desafios.
Os desafios encontrados pela escola que perpetuam a exclusão
são: ausência de recursos financeiros suficientes; número
insuficiente de professores e outros profissionais; condições
físicas inadequadas das escolas; materiais didáticos inapropriados;
ausência de suporte para as crianças com deficiência.

Resolução das atividades 101


2. Aborde algumas características que a família do estudante apresenta
e que podem causar prejuízos à aprendizagem das crianças.
O envolvimento dos pais na vida dos filhos (se há interesse ou não por eles);
a existência de conflitos entre os pais; a escolaridade dos responsáveis;
a superproteção dos pais, o que não permite o amadurecimento e a
autonomia da criança; e a falta de rotina dentro de casa.

3. As crianças com deficiência seguem o mesmo padrão de


desenvolvimento que as crianças sem deficiência, porém
apresentam uma diferença. Qual seria essa diferença?
Mesmo seguindo o mesmo padrão de desenvolvimento, as
crianças com deficiência apresentam, em sua grande maioria, um
desenvolvimento mais lento, sendo necessário alguma intervenção
para que consigam seguir os padrões normativos.

4 Avaliação e intervenção neuropsicopedagógica


1. As funções executivas incluem que tipo de habilidades?
As funções executivas incluem a capacidade de organizar diferentes
atividades diárias, planejar e executar etapas em direção a um objetivo
de longo prazo, concluir tarefas apesar de interrupções e distrações,
controlar ímpetos, manter o foco, refazer planos para corrigir erros e
executar ações diferentes simultaneamente. Essas habilidades evitam
ações com consequências indesejáveis tanto no trabalho e na escola
quanto nas relações com familiares e amigos.

2. Diferencie dislexia de disgrafia e dê exemplos.


A dislexia é um distúrbio na linguagem oral e pode ser observada
quando, no momento da leitura, existirem dificuldades pertinentes à
identificação, à compreensão e à interpretação dos símbolos gráficos.
Nesse caso, a criança ou o adulto terá uma tendência em trocar sílabas,
substituir ou omitir letras ou palavra, podendo ainda invertê-las ou lê-
las de trás para frente. Já a disgrafia é um distúrbio na linguagem escrita
que dificulta o reconhecimento e a escrita de palavras já trabalhadas
anteriormente, por exemplo, são aqueles erros ortográficos vistos com
frequência e não apresenta consciência fonológica.

102 Fundamentos da Neuropsicopedagogia


3. A neuropsicopedagogia auxilia o que durante o aprendizado,
utilizando métodos de processamento?
O conhecimento da neuropsicopedagogia, tendo como base a
neurociência, auxilia a resolver mistérios com o envolvimento do
cérebro durante o aprendizado, utilizando métodos de processamento
(linguagem, memória, emoção, atenção e medo) e possibilitando
ao profissional entender melhor os processos de conhecimento e
desenvolvimento que envolvem a aprendizagem.

5 Desafios da neuropsicopedagogia
1. Com base no levantamento do Conselho Nacional de Saúde, qual
número de crianças diagnosticadas com autismo temos hoje no Brasil?
Segundo o Conselho Nacional de Saúde, temos hoje no Brasil,
aproximadamente, 2 milhões de pessoas diagnosticadas.

2. Segundo o DSM-5, qual é a pontuação do QI de crianças com nível


moderado de deficiência intelectual?
O DSM-5 aponta que crianças entre 3 e 7 anos que obtêm uma
porcentagem de 36 a 51 na avaliação são consideradas com
deficiência intelectual moderada.

3. Qual é o papel do neuropsicopedagogo na inclusão de crianças


com deficiência intelectual, autismo e altas habilidades na escola?
Trabalhar com a reorganização metodológica sob a lente teórica que
mais se adéqua à nossa visão de mundo e de sujeito, sem esquecer
de lançar olhar sobre a linha de trabalho escolar, levando em
consideração a relação aluno, professor, escola e família.

Resolução das atividades 103


Fundamentos da Neuropsicopedagogia
Fundamentos da
Neuropsicopedagogia
Soiara Vaz de O. Rodrigues

Soiara Vaz de O. Rodrigues

Código Logístico
ISBN 978-65-5821-218-8

I0 0 0 9 7 2 9 786558 212188

Você também pode gostar