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O DIREITO
CODIGO CIVIL
TÍTULO VI
Das servidões prediais
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1543.º
(Noção)
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro
prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e
dominante o que dela beneficia.
Artigo 1544.º
(Conteúdo)
Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais,
susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não
aumentem o seu valor.
Artigo 1545.º
(Inseparabilidade das servidões)
1. Salvas as excepções previstas na lei, as servidões não podem ser separadas dos
prédios a que pertencem, activa ou passivamente.
2. A afectação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a
constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga.
Artigo 1546.º
(Indivisibilidade das servidões)
As servidões são indivisíveis: se o prédio serviente for dividido entre vários donos,
cada porção fica sujeita à parte da servidão que lhe cabia; se for dividido o prédio
dominante, tem cada consorte o direito de usar da servidão sem alteração nem
mudança.
CAPÍTULO II
Constituição das servidões
Artigo 1547.º
(Princípios gerais)
1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião
ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por
sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.
Artigo 1548.º
(Constituição por usucapião)
1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.
2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis
e permanentes.
Artigo 1549.º
(Constituição por destinação do pai de família)
Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver
sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem
serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão
quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo
prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver
declarado no respectivo documento.
CAPÍTULO III
Servidões legais
SECÇÃO I
Servidões legais de passagem
Artigo 1550.º
(Servidão em benefício de prédio encravado)
1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem
condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a
faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios
rústicos vizinhos.
2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a
via pública, por terreno seu ou alheio.
Artigo 1551.º
(Possibilidade de afastamento da servidão)
1. Os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a
prédios urbanos podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o
prédio encravado pelo seu justo valor.
2. Na falta de acordo, o preço é fixado judicialmente; sendo dois ou mais os
proprietários interessados, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o
alienante.
Artigo 1552.º
(Encrave voluntário)
1. O proprietário que, sem justo motivo, provocar o encrave absoluto ou relativo do
prédio só pode constituir a servidão mediante o pagamento de indemnização
agravada.
2. A indemnização agravada é fixada, de harmonia com a culpa do proprietário, até ao
dobro da que normalmente seria devida.
Artigo 1553.º
(Lugar da constituição da servidão)
A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor
prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.
Artigo 1554.º
(Indemnização)
Pela constituição da servidão de passagem é devida a indemnização correspondente
ao prejuízo sofrido.
Artigo 1555.º
(Direito de preferência na alienação do prédio encravado)
1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que
tenha sido o título constutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em
cumprimento ou aforamento do prédio dominante.
2. É aplicável a este caso o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º
3. Sendo dois ou mais os preferentes, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o
excesso para o alienante.
Artigo 1556.º
(Servidões de passagem para o aproveitamento de águas)
1. Quando para seus gastos domésticos os proprietários não tenham acesso às
fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, bem como às correntes
de domínio público, podem ser constituídas servidões de passagem nos termos
aplicáveis dos artigos anteriores.
2. Estas servidões só serão constituídas depois de se verificar que os proprietários
que as reclamam não podem haver água suficiente de outra proveniência, sem
excessivo incómodo ou dispêndio.
SECÇÃO II
Servidões legais de águas
Artigo 1557.º
(Aproveitamento de águas para gastos domésticos)
1. Quando não seja possível ao proprietário, sem excessivo incómodo ou dispêndio,
obter água para seus gastos domésticos pela forma indicada no artigo anterior, os
proprietários vizinhos podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, o
aproveitamento das águas sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, na medida
do indispensável para aqueles gastos.
2. Estão isentos da servidão os prédios urbanos e os referidos no n.º 1 do artigo
1551.º
Artigo 1558.º
(Aproveitamento de águas para fins agrícolas)
1. O proprietário que não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou
dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio, tem a faculdade de
aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu
justo valor.
2. O disposto no número anterior não é aplicável às águas provenientes de concessão
nem faculta a exploração de águas subterrâneas em prédio alheio.
Artigo 1559.º
(Servidão legal de presa)
Os proprietários e os donos de estabelecimentos industriais, que tenham direito ao
uso de águas particulares existentes em prédio alheio, podem fazer neste prédio as
obras necessárias ao represamento e derivação da respectiva água, mediante o
pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo que causarem.
Artigo 1560.º
(Servidão legal de presa para o aproveitamento de águas públicas)
1. A servidão de presa para o aproveitamento de águas públicas só pode ser imposta
coercivamente nos casos seguintes:
a) Quando os proprietários, ou os donos de estabelecimentos industriais, sitos na
margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar a água
a que tenham direito fazendo presa, açude ou obra semelhante que vá travar no
prédio fronteiro;
b) Quando a água tenha sido objecto de concessão.
2. No caso da alínea a) do número anterior e no de concessão de interesse privado,
não estão sujeitas à servidão as casas de habitação, nem os quintais, jardins ou
terreiros que lhes sejam contíguos; no caso de concessão de utilidade pública, estes
prédios só estão sujeitos ao encargo se no respectivo processo administrativo se tiver
provado a impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua
utilização.
3. No caso da alínea b) do n.º 1, a servidão considera-se constituída em
consequência da concessão, mas a indemnização, na falta de acordo, é fixada pelo
tribunal.
4. Se o proprietário do prédio fronteiro sujeito à servidão de travamento quiser utilizar
a obra realizada, pode torná-la comum, provando que tem direito a aproveitar-se da
água e pagando uma parte da despesa proporcional ao benefício que receber.
Artigo 1561.º
(Servidão legal de aqueduto)
1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é
permitido encanar, subterrâneamente ou a descoberto, as águas particulares a que
tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou
terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da
obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas só estão sujeitas ao encargo
quando o aqueduto seja construído subterrâneamente.
2. O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também
indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou
da deterioração das obras feitas para a sua condução.
3. A natureza, direcção e forma do aqueduto serão as mais convenientes para o
prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.
4. Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o proprietário
do prédio serviente quiser ter parte no excedente, ser-lhe-á concedida essa parte a
todo o tempo, mediante prévia indemnização, e pagando ele, além disso, a quota
proporcional à despesa feita com a sua condução até ao ponto donde pretende
derivá-la.
Artigo 1562.º
(Servidão legal de aqueduto para o aproveitamento de águas públicas)
1. Para o aproveitamento de águas públicas, a constituição forçada de servidão de
aqueduto só é admitida no caso de haver concessão da água.
2. É aplicável a esta servidão o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 1560.º
Artigo 1563.º
(Servidão legal de escoamento)
1. A constituição forçada da servidão de escoamento é permitida, precedendo
indemnização do prejuízo:
a) Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas
em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio;
b) Quando se pretenda dar direcção definida a águas que seguiam o seu curso
natural;
c) Em relação às águas provenientes de gaivagem, canos falsos, valas, guarda-
matos, alcorcas ou qualquer outro modo de enxugo de prédios;
d) Quando haja concessão de águas públicas, relativamente às sobejas.
2. Aos proprietários onerados com a servidão de escoamento é aplicável o disposto
no artigo 1391.º
3. Na liquidação da indemnização será levado em conta o valor dos benefícios que
para o prédio serviente advenham do uso da água, nos termos do número anterior; e,
no caso da alínea b) do n.º 1, será atendido o prejuízo que já resultava do decurso
natural das águas.
4. Só estão sujeitos à servidão de escoamento os prédios que podem ser onerados
com a servidão legal de aqueduto.
CAPÍTULO IV
Exercício das servidões
Artigo 1564.º
(Modo de exercício)
As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo
respectivo título; na insuficiência do título, observar-se-á o disposto nos artigos
seguintes.
Artigo 1565.º
(Extensão da servidão)
1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e
conservação.
2. Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á
constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis
do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
Artigo 1566.º
(obras no prédio serviente)
1. É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro
dos poderes que lhe são conferidos no artigo anterior, desde que não torne mais
onerosa a servidão.
2. As obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais convenientes
para o proprietário do prédio serviente.
Artigo 1567.º
(Encargo das obras)
1. As obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante, salvo se outro
regime tiver sido convencionado.
2. Sendo diversos os prédios dominantes, todos os proprietários são obrigados a
contribuir, na proporção da parte que tiverem nas vantagens da servidão, para as
despesas das obras; e só poderão eximir-se do encargo renunciando à servidão em
proveito dos outros.
3. Se o proprietário do prédio serviente também auferir utilidades da servidão, é
obrigado a contribuir pela forma estabelecida no número anterior.
4. Se o proprietário do prédio serviente se houver obrigado a custear as obras, só lhe
será possível eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu direito de propriedade em
benefício do proprietário do prédio dominante, podendo a renúncia, no caso de a
servidão onerar apenas uma parte do prédio, limitar-se a essa parte; recusando-se o
proprietário do prédio dominante a aceitar a renúncia, não fica, por isso, dispensado
de custear as obras.
Artigo 1568.º
(Mudança de servidão)
1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode,
a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado,
ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses
do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o
consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.
2. A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio
dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o
proprietário do prédio serviente.
3. O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido
de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos
números anteriores.
4. As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser
limitadas por negócio jurídico.
CAPÍTULO V
Extinção das servidões
Artigo 1569.º
(Casos de extinção)
1. As servidões extinguem-se:
a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma
pessoa;
b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;
c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;
d) Pela renúncia;
e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente.
2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a
requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem
desnecessárias ao prédio dominante.
3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha
sido o título da sua constituição; tendo havido indemnização, será esta restituída, no
todo ou em parte, conforme as circunstâncias.
4. As servidões referidas nos artigos 1557.º e 1558.º também podem ser remidas
judicialmente, mostrando o proprietário do prédio serviente que pretende fazer da
água um aproveitamento justificado; no que respeita à restituição da indemnização, é
aplicável o disposto anteriormente, não podendo, todavia, a remição ser exigida antes
de decorridos dez anos sobre a constituição da servidão.
5. A renúncia a que se refere a alínea d) do n.º 1 não requer aceitação do proprietário
do prédio serviente.
Artigo 1570.º
(Começo do prazo para a extinção pelo não uso)
1. O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento
em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é
necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que
impeça o seu exercício.
2. Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em
que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.
3. Se o prédio dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles fizer da
servidão impede a extinção relativamente aos demais.
Artigo 1571.º
(Impossibilidade de exercício)
A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não
decorrer o prazo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1569.º
Artigo 1572.º
(Exercício parcial)
A servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro, quando o proprietário do
prédio dominante aproveite apenas uma parte das utilidades que lhe são inerentes.
Artigo 1573.º
(Exercício em época diversa)
O exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua
extinção pelo não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova
servidão por usucapião.
Artigo 1574.º
(«Usucapio libertatis»)
1. A aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio só pode dar-se quando haja, por
parte do proprietário do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão.
2. O prazo para a usucapião só começa a contar-se desde a oposição.
Artigo 1575.º
(Servidões constituídas pelo usufrutuário ou enfiteuta)
As servidões activas adquiridas pelo usufrutário não se extinguem pela cessação do
usufruto, como também se não extinguem pela devolução do prazo ao senhorio as
servidões, activas ou passivas, constituídas pelo enfiteuta.
A JURISPRUDENCIA
De harmonia com a máxima, servitus fundus utililis, esse debet, as servidões prediais
traduzem, vincadamente, uma relação entre prédios: a servidão deve traduzir uma
utilidade real de um prédio em favor de outro, ampliando as qualidades naturais de um
prédio – o serviente – para outro - o dominante (artºs 1543º e 1544º do Código Civil)
[2]. Sendo a servidão um direito real, ainda que menor, é, evidentemente, inerente à
coisa, acompanhando-o em todas as suas vicissitudes. Daí que não possa ser
separada dos prédios a que pertence (artº 1545º, nºs 1 e 2 do Código Civil). Além de
inseparáveis, as servidões prediais estão ainda sujeitas ao princípio da indivisibilidade:
a servidão onera todo o prédio dominado a favor de todo o prédio dominante (artº
1546º do Código Civil). Descritivamente, a classificação mais relevante das servidões
prediais é a que as cinde em legais e voluntárias; as primeiras derivam da lei; 6 / 22 as
segundas são constituídas no exercício da autonomia privada (artº 1547º, nº 2 do
Código Civil). As servidões legais, porque podem ser constituídas, na falta de
constituição voluntária, por sentença judicial ou decisão administrativa, dizem-se
coactivas ou judiciais. Note-se que as servidões legais não resultam imediatamente da
lei. A expressão servidão legal, não designa casos em que a servidão é um efeito da
lei, sem o concurso de um acto jurídico – mas sim os casos em que a lei concede ao
titular do prédio dominante o direito – potestativo – de exigir a constituição da servidão.
Neste caso, uma de duas: ou o titular do prédio serviente colabora na constituição da
servidão ou se recusa – mas em ambos os casos, se fala de servidão legal. A recusa
de colaboração do prédio dominado pode ser ultrapassada por recurso ao tribunal, ou,
nalguns casos, às entidades administrativas (artº 1547º, nº 2 do Código Civil). Quer
dizer: servidão legal é aquela que pode ser coactivamente imposta – mesmo que o
não tenha sido. Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a situação, a lei
não deixa de considerar existente uma servidão legal, como comprovadamente
decorre da circunstância da extinção por desnecessidade das servidões legais,
qualquer que tenha sido o título da sua constituição (artº 1569º, nº 3 do Código Civil).
Significa isto que, verificando-se os pressupostos que permitam a imposição de uma
servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo
que não tenha sido coactivamente actuada. Em termos técnicos, pode assentar-se que
na servidão legal de passagem, surgem dois momentos distintos: o direito potestativo
de, por recurso à via judicial, fazer surgir a servidão; a servidão, propriamente dita,
uma vez constituída. Na falta de constituição voluntária, a servidão surgirá por via
coactiva. Exemplo de servidão legal é a servidão de passagem. Esta deriva da
faculdade que os titulares de prédios que não tenha comunicação com a via pública,
nem condições que permitam estabelecê-la, têm de exigir a sua constituição sobre os
prédios rústicos vizinhos (artº 1550º, nº 1 do Código Civil). Quando não haja
materialmente comunicação com a via pública, o encrave dizse absoluto; é relativo
quando essa comunicação exista, mas seja economicamente inviável. 7 / 22 Em
qualquer dos casos, para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem, o
prédio considera-se encravado. O problema do encrave, e dos direitos de passagem
que dele emergem, dão lugar a limitações sérias ao direito de propriedade e a conflitos
graves entre titulares daquele direito real. Um traço importante da constituição das
servidões legais é a indemnização devida ao proprietário do prédio dominado. Esta
indemnização pode ser simples ou agravada, conforme o encrave tenha sido
involuntário ou não (artºs 1552º e 1554º do Código Civil). Contudo, o dever de
indemnizar do proprietário do prédio dominante só existe perante a constituição judicial
ou equivalente da servidão.
Apreciação Judicial:
Profissionalismo Pericial:
Em alguns casos, peritos profissionais, como avaliadores de propriedades, podem ser
envolvidos para avaliar o impacto financeiro da servidão na propriedade serviente e
ajudar na determinação da indemnização.
15/14.1TBCNF.C1
Nº Convencional:JTRCRelator:ARLINDO OLIVEIRADescritores:SERVIDÃO DE
PASSAGEM
INDEMNIZAÇÃO Data do Acordão:04/04/2017Votação:UNANIMIDADETribunal
Recurso:COMARCA DE VISEU, VISEU, JUÍZO CENTRAL CÍVELTexto Integral:S
Meio Processual:APELAÇÃODecisão:CONFIRMADALegislação
Nacional:ARTIGO 1554º DO CÓDIGO CIVIL Sumário:1. Pela constituição da
servidão de passagem é devida a indemnização correspondente ao prejuízo
sofrido, para fixação de cujo montante valem as regras gerais aplicáveis à
obrigação de indemnizar, abrangendo o dano a considerar tanto o dano
emergente como os lucros cessantes do proprietário do prédio onerado e que
abarcam tanto os prejuízos resultantes da constituição, como os provenientes
do exercício da servidão mas, deixando de fora, não cobrindo, as vantagens ou
lucros obtidos pelo proprietário do prédio dominante com a constituição da
servidão.
Citados pessoal e regularmente para o efeito, os réus D... e marido E... , F... e esposa
G... apresentaram contestação, em tempo útil, na qual se defenderam por
impugnação, considerando que nunca foi público o caminho invocado pelos autores,
tratando-se, ao invés, de um mero carreiro de pé que os autores utilizaram por mera
tolerância, tanto mais que sempre existiu e continua a existir um caminho mais a
nordeste, esse público. O carreiro em questão nos autos foi, assim implantado em
finais de 2001, por ação do segundo réu e dos seus familiares apenas por mero favor
e por tolerância, tendo sido utilizado pelos autores, que têm acesso para a via pública
de e para os seus prédios, pelo que, a declarar-se constituída por usucapião a dita
servidão de passagem, sempre a mesma deveria ser considerada extinta por
desnecessidade.
Concluíram os réus pugnando pela improcedência da ação e deduzindo reconvenção,
pela qual solicitaram que a servidão, a existir, seja declarada extinta por
desnecessidade.
Foi agendada uma audiência prévia que não se veio a realizar, atentos os
fundamentos exarados em ata.
Ulteriormente, foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido
despacho saneador tabelar, no qual se afirmou a validade e a regularidade da
instância.
Foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova por despacho que não
mereceu reclamação.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, com
recurso à gravação dos depoimentos prestados, finda a qual foi proferida a sentença
de fl.s 469 a 489, na qual se seleccionou a matéria de facto dada como provada e não
provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:
“Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação, instaurada
pelos autores A... , B... , e C... contra os réus D... e marido E... , F... e G... e, em
consequência:
- declaro a autora A... proprietária do prédio identificado nos pontos 5.1 e 5.2 dos
factos provados;
- declaro a autora B... proprietária do prédio identificado no ponto 5.4 dos factos
provados;
- declaro o autor C... proprietário dos prédios descritos nos pontos 5.6 e 5.8 dos factos
provados;
- declaro os réus D... e E... proprietários do prédio identificado no ponto 5.14 dos
factos provados;
- declaro os réus F... e G... proprietários do prédio identificado no ponto 5.16 dos
factos provados;
- declaro constituída sobre os prédios dos réus E... e D... identificado no ponto 5.14
dos factos provados em benefício dos prédios dos autores identificados nos pontos
5.1, 5.2, 5.4, 5.6 e 5.8 uma servidão legal de passagem correspondente à faixa de
terreno implantada no prédio dos primeiros, com uma extensão de 120 metros e uma
largura de 3 metros e com o traçado mencionado nos pontos 5.35, 5.36, 5.26 e 5.27
dos factos provados, pela qual os autores poderão transitar a pé, de carros de bois, de
tratores, e de veículos automóveis;
- condeno os réus a respeitarem e a não estorvarem a servidão legal de passagem
declarada por via da presente decisão;
- condeno os supra identificados autores a pagarem aos proprietários do prédio
identificado no ponto 5.14, a título de indemnização pela constituição da servidão legal
estabelecida por via da presente ação, a quantia de € 1.080,00 (mil e oitenta euros);
- julgo improcedentes os demais pedidos formulados pelos autores contra os réus,
incluindo o pedido indemnizatório, absolvendo estes de tais pedidos.
Julgo improcedente a reconvenção deduzida, absolvendo os supra identificados
autores/reconvindos do pedido reconvencional deduzido pelos réus/reconvintes.
Custas da ação pelos autores e pelos réus, na proporção do respetivo decaimento,
que fixo em 20 % para os primeiros e 80 % para os segundos - cfr. artigo 527º, CPC.
Custas da reconvenção pelos réus/reconvintes – cfr. artigo 527º, CPC.
Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus, recurso, esse,
admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito
meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 538), rematando as respectivas
motivações, com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto matéria de facto e de direito e a reapreciação da
prova gravada na sessão de audiência e julgamento a razão da discordância dos RR
baseia-se, fundamentalmente, na apreciação que o Tribunal a quo, fez das:
2. Declarações de parte da R. G... , cujo depoimento está gravado em CD no
programa “Habilus MediaStudio” e cuja gravação tem o seu início em 03-06-2016,
pelas 10:05:10 e fim em 03-06-2016 10:26:51 e dos depoimentos das testemunhas:
H... , cujo depoimento está gravado em CD no programa “Habilus MediaStudio” e cuja
gravação tem o seu inicio em 23-05-2016 pelas 12:00:42 e fim em 23-05-2016, pelas
13:00:10; I... , cujo depoimento está gravado em CD no programa “Habilus
MediaStudio” e cuja gravação tem o seu inicio em 27-05-2016, pelas 10:22:23 e fim
em 27-05-2016, pelas 10:44:41; J... , cujo depoimento está gravado em CD no
programa “Habilus MediaStudio” e cuja gravação tem o seu inicio em 27-05-2016,
pelas 11:27:44 e fim em 27-05-2016, pelas 11:50:29.
3. Os RR. Recorrem da Douta Sentença proferida, por discordarem de um único e
absolutamente balizado ponto, que infra se percorrerá, porque no mais, diga-se já e
em abono da mais cristalina verdade, a Sentença não nos merece qualquer censura,
ainda que em desacordo com a posição que os RR trouxeram ao pleito.
4. A ver: Nenhuma dúvida pode ser oposta quanto à exigibilidade de indemnização
pelos prejuízos sofridos pelo prédio que venha a ser onerado com servidão de
passagem, indemnização essa cujo montante haverá de ser fixado tendo em conta as
regras gerais aplicáveis à obrigação de indemnizar [Cfr. P. Lima e A. Varela, CCivil
Anotado, vol. III, 2ª ed., nota ao art. 1554º, pág. 643], - E é esta a pedra de toque do
presente Recurso.
5. O Tribunal considerou provado o facto 5.44: “Os réus, desde junho de 2012, negam
o direito dos autores de transitarem na passagem em questão com veículos, e
procederam à lavoura de uma sua leira com a mesma confinante, levando o arado a
ocupar já parte do leito deste último, apenas respeitando um estreito carreiro que tão
só permite a passagem de pessoas a pé (artigos 63º e 95º da petição inicial e 30º da
réplica);” E dá este facto como provado, assim, tout court.
6. Entendemos pois, que dos depoimentos acima descritos, ouvidos em audiência de
discussão e julgamento, a M. Juíz podia e devia ter retirado a convicção de que os RR
somente negam o direito de passagem dos AA (na medida descrita) porquanto em
tempos foram uma família unida e harmoniosa e a partir de 2012 o deixaram de ser.
7. É inegável a tensão existente entre ambos os lados da família.
8. Poderá o Tribunal não querer conhecer dos reais motivos, porém, dos depoimentos
indicados, ressuma cristalino que a dada altura de 2012, os RR se sentiram ofendidos,
vexados e ressentidos com uma indeterminada atuação dos AA e por esse motivo,
Indignados que estavam, exerceram aquilo que entendiam ser um direito seu, negar a
passagem de carro, pelo caminho em crise nos autos, como forma de retaliação,
9. Tendo em conta que também resulta claro e está dado como provado,
nomeadamente nos pontos 5.38 e 5.39, que o melhoramento do caminho resultou da
vontade do R. F... , que até executou os trabalhos, pelas próprias mãos.
10. No que respeita às declarações de parte da R. G... , cujo depoimento está gravado
em CD no programa “Habilus MediaStudio” e cuja gravação tem o seu início em 03-06-
2016, pelas 10:05:10 e fim em 03-06-2016 10:26:51, apreciadas no seu todo,
entendemos que outro valor lhe havia de ter sido dado, que não, sic “contribuíram para
a contextualização dos termos do litigio, embora não tenham contribuído de forma
significativa para o apuramento da matéria controvertida por ambas, no essencial,
terem reproduzido as posições exaradas nos respetivos articulados.
11. É evidente que é expectável que as declarações da parte primem pela coerência,
tanto mais que a parte pode mesmo ter-se preparado para prestar declarações.
Porém, a R. G... prestou declarações de parte, que no seu todo, demonstram
claramente a coerência como parâmetro de credibilização. Achamos que a parte foi
absolutamente autêntica e não acusou qualquer toque que estivesse a utilizar detalhes
oportunistas em seu favor.
12. Isto, a par de um parâmetro que assume extrema importância e a que a M. Juiz de
certeza terá estado atenta, nas declarações de parte, a começar pela contextualização
espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais. E que
assume particular relevância, uma vez que é corroborado perifericamente, o que
confirma o teor das declarações da parte.
13. As corroborações periféricas consistem no facto das declarações da parte serem
confirmadas por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da
declaração. Esses dados podem provir de outros depoimentos realizados sobre a
mesma factualidade e que sejam confluentes com a declaração em causa. O que
aconteceu.
14. No que, para este Recurso interessa, pelas declarações de parte da Ré G... ,
consideradas no seu todo, entendemos que a M. Juíz a quo, podia ter levado à
factualidade dada como provada, a evidente relação de inimizade das partes, que são
família, que nos RR causou e causa transtorno quase irremediável.
15. Como acima dissemos, as declarações da parte da Ré G... , foram corroboradas
perifericamente, pelo depoimento de testemunhas, que, sobre a mesma factualidade,
foram confluentes, é o caso da testemunha H... , cujo depoimento está gravado em CD
no programa “Habilus MediaStudio” e cuja gravação tem o seu inicio em 23-05-2016
pelas 12:00:42 e fim em 23-05-2016, pelas 13:00:10.
16. Esta testemunha, arrolada pelos AA e com evidente interesse no desfecho da
causa, porquanto é irmão e pai das AA e irmão da Ré D... , desde logo, do texto da
Douta Sentença se lê “com quem está de más relações”, apesar de ter feito um
depoimento escorreito, não conseguiu evitar dizer aquilo que é a verdade dos factos,
mas que a todo o custo tentou escamotear e subverter, não conseguindo, a nosso ver.
17. Só demonstrou o que é evidente, a tensão entre as partes, até pela forma de
quase gozo, com que se refere à situação de confronto das partes.
18. A testemunha I... , cujo depoimento está gravado em CD no programa “Habilus
MediaStudio” e cuja gravação tem o seu inicio em 27-05-2016, pelas 10:22:23 e fim
em 27-05-2016, pelas 10:44:41., que na opinião da M. Juiz a quo, teve um depoimento
“algo comprometido”,
19. Entendemos nós que o poderá ter tido sim, mas somente no que ao caminho em
crise diz respeito. Porque na sua ruralidade e modos um tanto rudes e desnorteados,
foi inteiramente escorreita quando inquirida acerca das relações familiares das partes.
Dizendo indubitavelmente que agora “estão inimigos”.
20. Por fim, a testemunha J... , cujo depoimento está gravado em CD no programa
“Habilus MediaStudio” e cuja gravação tem o seu inicio em 27-05-2016, pelas 11:27:44
e fim em 27-05-2016, pelas 11:50:29, pai da Ré G... , teve o seu depoimento
devidamente validado e acreditado pela M. Juiz a quo, porém, é aqui que mais uma
vez referimos, que a M. Juiz a quo, podia ter ido mais longe e confirmado aquilo que
foi expressa e credivelmente dito pela testemunha e que a nosso ver, devia constar
dos factos provados. Ou seja, as relações extremadas entre as partes, que levaram os
RR a praticar atos que a lei considera abusivos, nunca com essa intenção, outrossim,
com a intenção de “pagar na mesma moeda”, pelo mal que fizeram as primeiros RR,
segundo palavras desta testemunha.
21. Com todo o respeito intelectual que nos merece a Douta Sentença de que se
recorre, neste ponto e só neste ponto, entendemos que existe errada valoração dos
depoimentos supra, má apreciação dos mesmos e julgamento arbitrário da prova.
22. Ou seja, com base nos depoimentos supra, a M. Juíz a quo devia ter dado como
provado o artigo 17º da Contestação,
23. E devia ter respondido aos artigos 38º e 39º da Contestação, dando os mesmos
como provados, porquanto, já abundantemente expressamos, entender que não são
inócuos. Pelo contrário.
24. Ao dar como provado estes artigos e incluir no ponto 5..44, podia e devia ter ido
mais longe e acrescentar a este ponto, o texto que abaixo se sublinha,
25. – “Os réus, desde junho de 2012, negam o direito dos autores de transitarem na
passagem em questão com veículos, e procederam à lavoura de uma sua leira com a
mesma confinante, levando o arado a ocupar já parte do leito deste último, apenas
respeitando um estreito carreiro que tão só permite a passagem de pessoas a pé
(artigos 63º e 95º da petição inicial e 30º da réplica), o que foi determinado, em virtude
das relações familiares das partes se encontrarem extremadas e tal facto ter
influenciado os RR, em virtude do sofrimento em que se encontravam;
26. Após apreciação da prova e respetiva Motivação o Tribunal a quo julgou a Ação
parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: 1. declarou
a autora A... proprietária do prédio identificado nos pontos 5.1 e 5.2 dos factos
provados; 2. declarou a autora B... proprietária do prédio identificado no ponto 5.4 dos
factos provados; 3. declarou o autor C... proprietário dos prédios descritos nos pontos
5.6 e 5.8 dos factos provados; 4. declarou os réus D... e E... proprietários do prédio
identificado no ponto 5.14 dos factos provados; 5. declarou os réus F... e G...
proprietários do prédio identificado no ponto 5.16 dos factos provados; 6. declarou
constituída sobre os prédios dos réus E... e D... identificado no ponto 5.14 dos factos
provados em benefício dos prédios dos autores identificados nos pontos 5.1, 5.2, 5.4,
5.6 e 5.8 uma servidão legal de passagem correspondente à faixa de terreno
implantada no prédio dos primeiros, com uma extensão de 120 metros e uma largura
de 3 metros e com o traçado mencionado nos pontos 5.35, 5.36, 5.26 e 5.27 dos
factos provados, pela qual os autores poderão transitar a pé, de carros de bois, de
tratores, e de veículos automóveis; 7. condenou os réus a respeitarem e a não
estorvarem a servidão legal de passagem declarada por via da decisão; 8. condenou
os supra identificados autores a pagarem aos proprietários do prédio identificado no
ponto 5.14, a título de indemnização pela constituição da servidão legal estabelecida
por via da ação, a quantia de € 1.080,00 (mil e oitenta euros); 9. julgou improcedentes
os demais pedidos formulados pelos autores contra os réus, incluindo o pedido
indemnizatório, absolvendo estes de tais pedidos. 10. Julgou improcedente a
reconvenção deduzida, absolvendo os supra identificados autores/reconvindos do
pedido reconvencional deduzido pelos réus/reconvintes.
27. Assim sendo e no único ponto que pretendemos ver reapreciado,
28. A M. Juíz declarou constituída sobre os prédios dos réus E... e D... identificado no
ponto 5.14 dos factos provados em benefício dos prédios dos autores identificados nos
pontos 5.1, 5.2, 5.4, 5.6 e 5.8 uma servidão legal de passagem correspondente à faixa
de terreno implantada no prédio dos primeiros, com uma extensão de 120 metros e
uma largura de 3 metros e com o traçado mencionado nos pontos 5.35, 5.36, 5.26 e
5.27 dos factos provados, pela qual os autores poderão transitar a pé, de carros de
bois, de tratores, e de veículos automóveis,
29. Nenhuma dúvida pode ser oposta quanto à exigibilidade de indemnização pelos
prejuízos sofridos pelo prédio que venha a ser onerado com servidão de passagem,
indemnização essa cujo montante haverá de ser fixado tendo em conta as regras
gerais aplicáveis à obrigação de indemnizar [Cfr. P. Lima e A. Varela, CCivil Anotado,
vol. III, 2ª ed., nota ao art. 1554º, pág. 643],
30. No entanto, o elemento legal que acompanha este tipo de servidão, na nossa
opinião encontra-se amplamente desvalorizado, no dispositivo acima descrito.
31. A M. Juiz condenou os supra identificados autores a pagarem aos proprietários do
prédio identificado no ponto 5.14, a título de indemnização pela constituição da
servidão legal estabelecida por via da ação, a quantia de € 1.080,00 (mil e oitenta
euros);
32. Mas bastou-se para tal, numa ação meramente aritmética. Quando é indubitável,
porque legalmente disposto, que deveria ter sido atribuída, nos termos gerais do
direito. Entendemos que a aritmética não chega como elemento, para fundamentar a
decisão.
33. Conforme vimos dizendo, a M. Juíz a quo, podia e devia ter ido mais longe e
esvaziando-se dos m2 que só servem para avaliar transações, deveria ter olhado para
o ónus que impôs sobre o prédio dos RR e ver que este é muito mais do que o preço
do m2.
34. É o ónus de lhe ter sido imposta a passagem de pessoas com quem não
convivem, familiares diretos com quem extremaram posições e que saberemos nós, se
algum dia se apaziguarão!
35. O ónus de saberem que aquele prédio será sempre desvalorizado face a outro nas
mesmas condições, mas sem estar onerado por servidão alguma, muito mais uma
servidão que serve (passando o pleonasmo), pessoas que não lhes merecem perdão.
36. A M. Juíz, se tivesse dado como provado tudo quanto acima se reproduziu, já
podia lançar mão de outros critérios,
37. Não se vai pagar com dinheiro, a amargura dos RR, por verem passar à sua porta
todos os dias, pessoas que um dia lhes foram queridas e que hoje nada trazem de
bom às suas vidas.
38. Só assim, só pensando no ónus para além dos m2 é que a Sentença seria
absolutamente Justa.
39. A Sentença não merece reparo, a não ser na quantia arbitrada pela M. Juiz a quo,
a título de indemnização, indemnização essa que é legalmente imposta, pela
constituição de servidões legais.
40. Violando deste modo os artigos 1550º e 1554º do Código Civil.
41. Somente dado como provados os factos acima descritos, a M. Juiz poderia servir-
nos com uma Sentença absolutamente irrepreensível e de uma justeza cabal.
42. O valor arbitrado nunca paga os males de “vidas”, porém, a ter de o ser, que seja
numa indemnização de valor nunca inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).
Terminam, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação
da sentença recorrida, na parte objecto do presente recurso.
Relator:
Arlindo Oliveira
Adjuntos:
1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves
6417/16.1T8LSB.E1.S1
V - O STJ pode, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do art. 682º do CPC, ordenar ex officio a
ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e
instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de
investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
I. AA, intentou a presente Acção Declarativa, sob a forma de Processo Comum, contra
EDP Distribuição - Energia, S.A., formulando os seguintes pedidos:
Em alternativa,
Em alternativa,
Em alternativa,
d) Deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de 120.000,00 euros (cento e vinte
mil euros), a títido de enriquecimento sem causa, que resulta do lucro que a R. obtém
pelo atravessamento, na “propriedade” da A., da Linha aérea a 60 KV com 20265 m -
L160-134 P… - … II a partir da Substação de P… (SE60-604); na(s) freguesias
de ..., ..., ..., …, concelho de ..., …, e pela instalação de um poste de condução
também na sua propriedade (apoio n.° 22), acrescido de juros mora, civis, calculados à
taxa legal, e contados desde 01 de Janeiro de 2000 até efectivo e integral pagamento,
que, nesta data, ascendem a 89.612,056 (oitenta e nove mil seiscentos e doze euros e
cinco cêntimos.
Alegou para o efeito, em síntese, que foi implantada na sua propriedade uma linha de
alta tensão (e postes que a suportam) do serviço de electricidade que se encontra
concessionado à R., e que tal linha prejudica a fruição da propriedade, causando
ruído, provocando dor de cabeça e sendo potencialmente lesiva da saúde, tendo
deixado, tal como a sua família, de frequentar a propriedade, à qual antigamente se
deslocavam com grande frequência.
Quanto ao fundo da causa, sustentou que a instalação elétrica em causa cumpre com
todos os requisitos legais relativos à exploração de linhas como aquela a que os autos
se referem. Mais alegou que correu, aquando da instalação da linha, um processo
público, com consulta e possibilidade de reclamação, não tendo existido qualquer
reclamação no âmbito desse procedimento. Ademais, outros proprietários também têm
as suas terras atravessadas por esta linha, não tendo igualmente reclamado de tal
circunstância.
A Autora veio ampliar o seu pedido, no sentido de que o mesmo abrangesse a quantia
de €200.000 pela desvalorização do seu imóvel e € 120.000 por lesão dos seus
direitos de personalidade, passando o pedido a ter os seguintes termos:
Em alternativa,
Em alternativa,
Registe e notifique”.
Inconformada com o decidido pela Relação, interpõe recurso de Revista para este STJ
a ré E-REDES – DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE, S.A., e formula as seguintes
conclusões:
“1. No âmbito dos presentes autos foi proferida, em primeira instância, sentença a
declarar parcialmente procedente a ação interposta pela então A. contra a R., sendo a
segunda condenada nos seguintes termos:
2. Tal decisão foi alvo de recurso de apelação por parte da R., e de recurso
subordinado por parte da A.
3. Julgados os recursos pelo Tribunal a quo foram declarados parcialmente
procedentes ambos os Recursos, revogando-se parcialmente a decisão de primeira
instância, decidindo-se nos seguintes termos:
“a) Condenar a Ré EDP Distribuição Energia, S.A. a pagar à Autora AA, a título de
danos patrimoniais pela desvalorização do seu prédio, a quantia de € 197.894,00
(cento e noventa e sete mil, oitocentos e noventa e quatro Euros);
4. A questão primordial dos presentes autos prende-se com a aplicação do Direito aos
factos estabelecidos, e interpretação jurídica dos mesmos, o que motiva a
apresentação do presente recurso de revista.
6. Bem como tendo em vista a arguição da nulidade do acórdão a quo, nos termos do
disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
10. Sucede, porém, que tal divergência não tem respaldo nos factos considerados
como provados, nem apresenta fundamentação suficiente.
11. Com efeito, verifica-se que o Tribunal de primeira instância escalpelizou
minuciosamente o enquadramento jurídico para a definição do quantum
indemnizatório, alicerçando-o no leque de factos provados.
12. Sucede que o douto acórdão a quo, no que concerne a este particular, afastou tal
entendimento com parca fundamentação (cfr. 2º e 3º parágrafos da página 34 do
douto acórdão).
13. Efetivamente, sobre este particular o douto acórdão a quo limita-se a discordar do
entendimento da primeira instância sem, no entanto, escalpelizar as razões para o
afastamento, em concreto, de tal entendimento.
15. E, por fim, o douto acórdão a quo define o quantum indemnizatório “tendo em
conta o Relatório da Peritagem de fls. 241 e sgs.”, ou seja, sem qualquer referência ao
leque de factos provados.
16. A douta decisão proferida pelo Tribunal a quo encontra-se, assim, manifestamente
ferida de nulidade, porquanto se encontra em contradição com os factos determinados
como provados, bem como em virtude da falta de fundamentação para o afastamento
da decisão empregue em primeira instância.
17. Como tal, o acórdão ora recorrido é nulo, uma vez que não especifica os
fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e por oposição entre os
fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615º/1/b) e c) do CPC, nulidade essa
cujo reconhecimento se requer a V. Exas., com todos os devidos efeitos legais.
Do Direito
19. Nesse sentido, o douto acórdão a quo alicerça a sua decisão no âmbito da
responsabilidade civil por atos lícitos.
21. Dispõe o DL 43335 na sua Secção V, capítulo II, sob o título “Da execução das
obras”, que:
25. Ao Invés, elemento teológico é inadequado para tal desiderato, porquanto impõe
que se afira qual a racionalidade que motivou a prolação da norma, exercício
especulativo, tendo em conta a antiguidade da mesma.
26. E, mesmo que assim não fosse, sempre seria necessário atender a que a norma
foi proferida numa época em que a maior parte da eletrificação do País ainda se
encontrava em curso, sendo um processo necessário e essencial para o
desenvolvimento das regiões.
27. Motivo pelo qual jamais se poderá figurar como espírito de tal norma impor aos
concessionários da rede pública de distribuição de energia elétrica encargos de tal
forma excessivos com a eletrificação do território, conforme o veio efetuar o acórdão a
quo.
30. E, como tal, tendo por referência que, para a passagem de uma segunda linha
elétrica no local, com características semelhantes à sub judice, a Recorrida aceitou um
valor indemnizatório de € 6.000,00, dispunha o Tribunal a quo de critérios mais
objetivos para estabelecer um montante indemnizatório mais adequado.
31. Tal interpretação do art. 37º do DL 43335 não encontra qualquer obstáculo, ou
colide com qualquer Direito Fundamental.
33. Porém, apesar de trilhar tal caminho, o douto acórdão a quo concluiu com uma
decisão sem respaldo na letra da Lei.
34. Com efeito, a figura da responsabilidade por atos lícitos encontra-se consagrada
no art. 16º do RRCEEP, nos termos do qual:
35. Ora, o eventual direito indemnizatório que o mesmo gera terá de ter em conta a
natureza da responsabilidade dos factos em causa, designadamente a atividade
desenvolvida e utilidade da mesma.
36. Como tal, o conteúdo da indemnização atribuída ao abrigo de tal instituto não tem
uma natureza punitiva, mas meramente compensatória, porquanto sempre se estará
perante uma conduta lesante que não merece qualquer censura social perseguindo,
ao invés, finalidades de interesse público e em benefício da generalidade da
população.
37. Neste contexto, e com o devido respeito, não tem cabimento as conclusões
alcançadas pelo acórdão a quo, na medida em que condena a ora Recorrente a
indemnizar a Recorrida como se de factos ilícitos se tratassem.
38. Efetivamente, o art. 16º do RRCEEP obriga a que se efetue uma apreciação
equitativa do valor do encargo ou dano e que, desse modo, poderá não corresponder
ao montante económico efetivamente em causa, jamais podendo atingir os valores de
reparação integral, conforme conclui o douto acórdão a quo.
39. Resulta da construção Legal em apreço que o instituto da responsabilidade por ato
lícito trata-se de uma forma de tutela de eventuais prejuízos sofridos pelos Sujeitos
afetados pela constituição de uma servidão administrativa por passagem de linha
elétrica, e não um elemento interpretativo do disposto no art. 37º do DL 43335.
40. Nesse contexto, sendo o art. 16º do RRECEP uma norma de aplicação excecional,
acessória ao art. 37º do DL 43335 tem como pressuposto para a tutela indemnizatória
os danos que, pela sua gravidade, ultrapassem o caráter de ónus natural decorrente
da vida em sociedade.
41. Como tal, e para a aplicação do referido instituto, nos termos empregues pelo
acórdão a quo, sempre se terá de atender a critério financeiro, e de utilidade do facto
“lesante”.
42. Nesse sentido, a obra realizada correspondeu à edificação de uma linha elétrica,
com as evidentes vantagem que daí advêm, designadamente no sentido da
eletrificação do território Nacional, e da qualidade com que tal serviço é prestado.
44. Por outro lado, com a suposta depreciação do valor do imóvel da Recorrida, em
função da edificação da linha elétrica em causa, aquela jamais se vê privada do real
valor do imóvel, vendo sim, em abstrato, uma limitação à rentabilidade que poderia
obter com uma eventual venda.
45. Ou seja, por outras palavras, o designado gozo standard do imóvel não sofre
qualquer afetação, tanto mais que, como provado, se trata de uma habitação de férias.
46. Pelo exposto, o douto acórdão a quo padece de uma manifesta errada
interpretação jurídica e aplicação do disposto nos arts. 37º do DL 43335 e do art. 16º
do RCEEP.
47. Não existindo qualquer motivo atendível, nem qualquer enquadramento jurídico,
para o agravamento da condenação da Recorrente, nos termos perpetrados pelo
acórdão a quo.
48. Nos presentes autos estamos perante uma servidão administrativa e não uma
expropriação (como bem enquadra a sentença a quo), o âmbito dessa servidão pode
alterar-se a todo o tempo, seja pela modificação do trajeto ou da altura dos condutores
das linhas, designadamente por via da Lei e dos direitos daí decorrentes para os
proprietários dos prédios atravessados (vide artigo 43º e seguintes do Dec. Lei 43335,
de 19/11/1960), seja ainda por qualquer modificação ou mesmo pela remoção operada
pelo concessionário da linha, no interesse deste ou no interesse da própria rede
elétrica em geral.
49. Atenta a natureza precária e não definitiva das servidões de passagem de linhas
elétricas, os prejuízos indemnizáveis correspondem aos danos atuais.
50. Por outro lado, resultou da discussão da causa que, para além da linha elétrica
edificada pela Recorrente, o prédio é atravessado por outra linha de características
semelhantes.
51. E, como supra referido, como indemnização pela passagem de tal linha a A.
considerou-se adequadamente indemnizada no valor de € 6.000,00.
53. Assim, o valor da justa indemnização já foi aceite pela ora Recorrida (€ 6.000,00).
Acresce que,
55. Ao mesmo tempo que não descurou, nem podia descurar, o facto de o serviço
público de distribuição ser assegurado sob a forma de concessão e das redes elétricas
não pertencerem ao concessionário.
56. Tendo sido com base nestes pressupostos que o legislador fixou os termos das
indemnizações a prestar pelos concessionários aos proprietários afetados com as
servidões que se verifiquem à data da constituição da servidão administrativa.
57. Por conseguinte, não restam dúvidas de que, atenta a natureza precária e não
definitiva das servidões de passagem de linhas elétricas, os prejuízos indemnizáveis
correspondem tão somente aos danos atuais mas já não aos danos que, mesmo que
se entendam como possíveis, ainda não tiveram concretização.
58. Ou seja, o que está em causa nos presentes autos é saber se a passagem das
linhas de alta tensão sobre o prédio da Recorrida lhe confere o direito a indemnização
e em que medida, nos termos do artigo 37º do citado Dec. Lei 43 335 e do art. 16º do
RRCEEP.
59. O apuramento de tal montante não se poderá partir de danos hipotéticos, futuros e
revertíveis, mas sim apenas os correspondentes à área da faixa de proteção utilizada
no prédio, ocupação da base dos apoios e perda de rendimento florestal à data da
constituição da servidão administrativa.
60. Tendo por referência que, para a passagem de uma segunda linha elétrica no
local, com características semelhantes à sub judice, a Recorrida aceitou um valor
indemnizatório de € 6.000,00, dispõe o Tribunal de critérios mais objetivos para,
recorrendo aos juízos de equidade preconizados, estabelecer um montante
indemnizatório mais adequado.
61. Nesse sentido, e com o supra mencionado enquadramento, sempre deverá ser o
acórdão a quo ser revogado, substituindo-se a decisão por uma que condene a
Recorrente ao pagamento de uma valor não superior a € 6.000,00 a título de danos
patrimoniais.
62. Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas se configura por mero
exercício académico, o certo é que o montante indemnizatório a atribuir à Recorrida
sempre terá de ser equacionado ao abrigo das disposições Legais de que deriva,
designadamente do art. 37º do DL 43335 e do art. 16º do RCEEPE.
63. Ora, nesse sentido, e em especial, dita o art. 16º do RCEEPE que o valor
indemnizatório terá de ser enquadrado de acordo com uma apreciação equitativa do
valor do encargo ou dano e que, desse modo, poderá não corresponder ao montante
económico efetivamente em causa, assumindo uma natureza compensatória, e não
indemnizatória.
65. Nesse sentido, nesse pressuposto académico, e a título subsidiário, sempre terá
cabimento a atenuação do valor indemnizatório nos termos empregues pelo Tribunal
de Primeira Instância, e que o douto acórdão a quo afasta sem fundamentação válida
de toda a argumentação para o efeito.
Subsidiariamente,
1.ª: Está provado nos autos que foi a Linha aérea a 60 KV - LI60-134 P… – … II, com
sete fios de alta tensão, que atravessa a propriedade da Recorrida a noroeste desta, e
que se encontra a cerca de 7 metros da casa de habitação, e que ocupa o espaço
aéreo da referida propriedade no comprimento de aproximadamente 230 metros e, na
largura, de cerca de 5 metros, e com um poste instalado a cerca de 50 metros da casa
de habitação, (i) que fez baixar o valor de mercado da propriedade da Recorrida, e (ii)
num valor próximo dos €200.000.
3.ª: Consta dos autos um Relatório Pericial, elaborado pelo Perito Avaliador BB, que
apurou que a factualidade referida na conclusão 1.ª fez desvalorizar a propriedade em
€197.894,00 euros.
5.ª: Para a formulação do seu juízo, o Tribunal da Relação de … teve uma tarefa
simples, pois, os (i) factos dados como provados, (ii) os factos complementares,
concretizadores e instrumentais dos autos, (iii) todos os documentos constantes dos
autos, designadamente o relatório pericial, (iv) a prova testemunhal, (v) a motivação da
sentença proferida pelo Mm.º Juiz de 1.ª Instância, e (vi) demais matéria/elementos
constantes nos autos, são mais do que bastantes e suficientes para que o valor
apurado da desvalorização da propriedade da Recorrida ficasse definitivamente fixado
nos €197.894,00, que mais não é senão um mero anunciar do valor constante dos
autos.
6.ª: O Acórdão só padecia da nulidade invocada pela Recorrente (que teria como
consequência a aplicação do disposto no art.º 669.º, n.º 2, do CPC, ou seja, tinha o
processo que baixar às Instâncias para se apurar, liquidando, o valor exacto da
desvalorização do Prédio da Recorrida) se não houvesse nos autos qualquer elemento
válido para a liquidação definitiva do valor da desvalorização.
9.ª: Pelo exposto, facilmente se constacta que a nulidade invocada pela Recorrente
não se verifica, não devendo, assim, merecer qualquer acolhimento, devendo
improceder por não provada.
10.ª: A factualidade dos autos deve ser apreciada por recurso e com fundamento no
disposto no artigo 37.º do Decreto-lei n.º 43335, de 19/11/60, que reveste a natureza
de Lei Especial, que estatui que os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados
para o estabelecimento de linhas electricas serão indemnizados pelo concessionário
ou proprietários dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de
rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes
da construção das linhas.
11.ª: Integra-se na norma em apreço qualquer prejuízo (seja ele qualquer for)
proveniente da construção das linhas eléctricas, sejam eles directos e imediatos sejam
quaisquer outros que possam advir do simples facto da sua existência.
15.ª: Não ofereceu a mínima dúvida ao Tribunal de 1.ª Instância, bem assim ao
Tribunal da Relação de … que o art.º 37.º do Decreto-Lei n. º 43335, de 19-11-1960,
prevê um direito indemnizatório geral decorrente não só dos prejuízos directos
advindos do acto de construção de linhas eléctricas, mas também de todos os
prejuízos decorrentes da diminuição do actual do valor do imóvel pela construção ou
pela passagem dessas linhas e independentemente do destino que os seus titulares
lhe pretendam dar.
16.ª: Sendo esta a única interpretação que respeita e honra o citado art.º 37.º do
Decreto-Lei n. º 43335, de 19-11-1960.
17.ª: Assim, estando perfeitamente apurado nos autos o prejuízo causado no Prédio
da Recorrida, independentemente do destino que a mesma queira dar ao mesmo, pois
estamos perante um dano real e não hipotético, não há outra alternativa, à luz do
citado art.º 37.º do Decreto n.º 43335, de 19.11.1960, que é uma lei especial, senão
atribuir-se-lhe uma indemnização em tal valor, no caso €197.894,00.
18.ª: No seu recurso de revista, a Recorrente faz uma interpretação bastante restritiva
ao art.º 37.º do Decreto n.º 43335, de 19.11.1960 e que não se coaduna nem com a
letra nem com o espírito da lei, pois o artigo em apreço fala expressamente de
quaisquer prejuízos provenientes da construção, sejam eles directos e imediatos
sejam quaisquer outros que possam advir do simples facto da sua existência.
20.ª: Qualquer outro entendimento que não o vertido no Tribunal recorrido no que
concerne aos danos patrimoniais seria sempre inconstitucional por violar um direito
constitucionalmente consagrado: O da propriedade privada, prevista no n.º 1 do art.º
62.º da Constituição da República Portuguesa, pois permitiria que um proprietário
fosse coactivamente privado do valor real da propriedade.
21.ª: O pagamento do valor justo e actual traduz-se num princípio geral, ínsito no
princípio do Estado de direito democrático, de indemnização pelos actos lesivos de
direitos e pelos danos causados a outrem.
22.ª: Data Maxima Venia, a Recorrida, uma vez mais, reproduz o Ponto 28. dos factos
provados, que é matéria assente:
23.ª: Antes da instalação das linhas eléctricas dos autos, a propriedade da Recorrida
era sítio edílico, aprazível, sossegado, silencioso, frequentado praticamente todos os
fins de semana pela Recorrida e sua família, valioso e invejado e sem linhas eléctricas
e sem postes de alta tensão. Tudo mudou em 2001 com a instalação das linhas
eléctricas da Recorrente. A partir desse momento, o local passou a ser um verdadeiro
inferno, ruidoso, incomodativo, que causa dores de cabeça à Recorrida, com o espaço
aéreo todo ocupado com linhas de alta tensão, perdeu metade do seu valor e passou
a ser um local vazio de pessoas, pois a Recorrida e a sua família deixaram de a
frequentar. E a Recorrente entregou à Recorrida um cheque (nunca levantado) que
nem chegou ao valor de 25,00 euros (vinte e cinco euros!) para pagar todos os
prejuízos. E ficou provado no processo (vide Ponto 34 da sentença proferida pela 1.ª
Instância) que todos os proprietários afectados pela linha eléctrica da Recorrente (e
que são/foram largas dezenas de proprietários, na sua esmagadora maioria pessoas
de terceira idade) foram indemnizados pela Recorrente com os mesmos critérios
utilizados por esta para indemnizar a Autora, ora Recorrida, ou seja, foram
compensados com meia dúzia de trocos. Há uma palavra que qualifica esta actuação:
Indecência.
a) Factos provados
5 - O prédio referido em 1 destes factos provados está situado numa zona rural,
próxima de …, no concelho de ..., a cerca de 12 Km desta localidade, a norte da EN
125 e Via do Infante, a cerca de 8 Km e 1 Km, respetivamente, destas duas vias,
próxima do e da estrada Municipal que faz a ligação da EN 152 (no lugar da …) a …
(resposta ao art° 8o da p.i.).
9 - Por carta datada de 23 de outubro de 2000, a R. remeteu uma carta a CC, pai da
A., com o seguinte teor:
LI60-134 P… - … II
Exmo. Senhor,
A EDP Distribuição, S.A., com declaração de utilidade pública, vai estabelecer a linha
eléctrica acima referida, a qual atravessa a propriedade de V. Exa., sita na freguesia
de ..., concelho de ..., compreendida entre o apoio n.° 21 e o n.° 23, na qual será
montado o apoio n.° 22 num estrema.
Nestas condições, aguardaremos que, a pós a conclusão dos trabalhos, nos informe
quanto a eventual existência de prejuízos que devam ser objecto de compreensão e,
em caso afirmativo, a sua discriminação e valor de indemnização pretendida, com a
devida justificação.
10 - A A., em resposta, remeteu em 27/11/2000 um fax à R., que esta recebeu, com o
seguinte teor:
V/ referência
LI60-134 P… - … II
Esta solicitação prende-se, entre outros aspectos, com o facto de em duas das
propriedades em causa (dado que efectivamente se tratam de duas propriedades
contíguas da família), estarem em curso obras de recuperação das casas de
habitação, tendo sido enterradas infraestruturas de água e electricidade, pelo que
haverá necessidade de ser compatibilizada a localização do apoio com as referidas
infraestruturas.
Para além disso gostaríamos de saber que parte das propriedades é sobrepassada
pelo troço da linha aérea em causa, pelo que solicito que o mesmo seja assinalado na
planta que for enviada.
Coimbra, 17.11.2000
Foi com base nessa informação que foi enviada a carta 492/00/DIS, de 23.10.2000.
13 - Em 04 de janeiro de 2001, a A. remeteu outra carta à R., que esta recebeu, com o
seguinte teor:
17 - A A., por não concordar com o valor da indemnização calculada pela R., não
depositou nem movimentou o cheque em questão, que ainda tem na sua posse
(resposta aos art°s 27° da p.i. e 41° da contestação).
19 - Com a instalação da referida linha aérea foi ocupado o espaço aéreo do prédio
referido em 1 destes factos provados no comprimento de aproximadamente 230
(duzentos e trinta) metros e, na largura, de cerca de 5 (cinco) metros (resposta ao art°
31° da p.i.).
A SAÚDE OU A DOENÇA
Há ou não risco de se viver, ou estar muito tempo, perto dos circuitos de linhas de alta
tensão? Como referi, a Ciência ainda não conseguiu dar uma resposta definitiva, o que
não quer dizer que o risco não possa existir.
Cientistas de vários sectores têm chamado a atenção para o perigo que estes campos
podem criar - sobretudo nas cidades, em que estão no subsolo -, para a
«estabilidade» do ser humano - não apenas no aparecimento de cancros, abortos
espontâneos (há quem fale num aumento de 5% do total de grávidas), malformações
congénitas e outras doenças, mas também no sono, humor, resistência ao cansaço e
noutras valências que perturbam a qualidade de vida sem serem propriamente
'doenças'.
Numa criança, o efeito pode traduzir-se por tristeza, perturbações do sono (certos
estudos referem baixa da produção de melatonina, a hormona do sono), insucesso na
aprendizagem, entre outras. Alguns estudos referem uma maior taxa de depressão,
outros falam de irritabilidade e agressividade. Mas sendo situações que têm a ver com
factores pessoais e ambientais, tantos e tão vastos, é sempre difícil, se não mesmo
impossível, relacionar directamente as duas coisas em termos de causa-efeito.”
(resposta ao art° 41° da p.i.).
29 - A EDP Distribuição - Energia, S.A. (por assim ter sido determinado no Decreto-Lei
n.° 29/2006, de 15 de fevereiro, e Decreto-lei n.° 172/2006, de 23 de agosto), é
concessionária da distribuição de energia elétrica, por contrato celebrado com o
Estado em média tensão e alta tensão, e das concessões municipais de distribuição
de energia elétrica em baixa tensão, que integram a “Rede Eléctrica de Serviço
Público” (RESP), mediante contrato de concessão celebrado com os municípios,
cabendo à EDP Distribuição a exploração das redes, sendo que é a REN - Rede
Elétrica Nacional e a entidade concessionária da Rede de Transporte de Energia
elétrica (resposta aos art°s 56° e 60° da p.i. e 14° e 15° da contestação).
36 - A R. vem defendendo a posição de não aceitar que linhas como a “Linha aérea a
60 KV - LI60- 134 P… - … II” criem riscos para a saúde, invocando, designadamente,
documentos publicados pela Organização Mundial de Saúde, como sejam os
acessíveis em:
-http://projectomedeaesa.llmb.eom/Web_documen1s/pesquisa_a.p._14-10-
09_2.pdf2007
ou
-http://www.who.mt/peh-emf/about/WhatisEMF/en/
Foi considerada não provada a matéria dos art°s. 9°, 10°, 17° e 28° da p.i.
Não se respondeu à matéria dos art°s 49°, 54°, 58°, 59° e 61° a 76° da p.i., e 9o a 13°,
16° a 24°, 27°, 29° a 31°, 34° a 40°, 43° a 53°, 56° a 62°, 68° e 69° da contestação,
por se considerar o respetivo teor conclusivo.”
Conhecendo:
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º do
Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam:
O que o citado Acórdão, sustenta, nos seguintes termos: "Dispõe o art.37° do Decreto-
Lei n°43335 de 19 de Novembro de 1960 que: "Os proprietários dos terenos ou
edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados
pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização
resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer
prejuízos provenientes da construção das linhas".
(…)
Do que podemos retirar, em face da melhor interpretação deste dispositivo, que, para
além dos prejuízos indemnizáveis por via da imposição da servidão administrativa,
resultantes directamente da materialização dessa servidão, existem outros prejuízos
indemnizáveis, por danos indirectos, nomeadamente os resultantes da desvalorização
do prédio por danos na qualidade ambiental do mesmo, ou por danos morais para o
proprietário resultantes da perturbação dos seus direitos de personalidade, como
sejam o direito ao repouso, ao sono, e a usufruir do prédio com tranquilidade”.
Ou seja, a lei permite a imposição de uma servidão a onerar um prédio, mas apesar de
o ser em benefício público não dispensa a compensação do onerado pelos prejuízos
sofridos.
19 - Com a instalação da referida linha aérea foi ocupado o espaço aéreo do prédio
referido em 1 destes factos provados no comprimento de aproximadamente 230
(duzentos e trinta) metros e, na largura, de cerca de 5 (cinco) metros (resposta ao art°
31° da p.i.).
O dano patrimonial consiste na perda de valor (total ou parcial) dum bem material,
sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização ao proprietário, pelo
responsável.
Apenas se referindo que a linha elétrica e o poste de apoio fizeram baixa o valor de
mercado da propriedade, mas não o apuraram.
Projetar vender o imóvel por 400.000 euros não é o mesmo que o imóvel tem o valor
de 400.000,00€.
Obter (inicialmente) ofertas que não eram superiores a 200.000 euros não é o mesmo
que o imóvel passar a valer, com a constituição da servidão, apenas 200.000,00€ e
com desvalorização de igual montante.
E posteriormente não obter mais qualquer oferta não é o mesmo que o imóvel passou
a valer zero.
Por essa razão, determino a realização de prova pericial com o objeto supra referido –
art. 477.º do Código de Processo Civil”.
E tem razão por que para concluir pelo valor da desvalorização do prédio deveria
haver facto correspondente a ser dado como provado.
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 2 al. c), do CPC, a Relação, mesmo
oficiosamente, deve anular a decisão da 1ª Instância e mandar ampliar a matéria de
facto.
Temos que são factos alegados pela autora, não constantes dos factos provados, nem
dos não provados. O facto 28 dos provados não responde a esta matéria apesar de no
mesmo tal vir referido.
Pode ler-se nesse aresto: “Em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça limita-se a
aplicar «definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» aos factos materiais
fixados pelo tribunal recorrido» (art.º 729.º, n.º 1, do CPC). Isto porque «a decisão
proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo
Supremo em sede de recurso de revista (seja «por erro na apreciação das provas»,
seja na fixação dos factos materiais da causa), salvo o caso excepcional previsto no
n.º 3 do art.º 722.º (violação de qualquer norma de direito probatório material) - art.º
729.º, n.º 2, do CPC.
Assim que, com estes fundamentos, deve ser revogado o acórdão recorrido, por
necessidade de ampliação da matéria de facto.
V - O STJ pode, ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do art. 682º do CPC, ordenar ex officio a
ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e
instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de
investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Decisão:
Lisboa, 29-03-2022