Você está na página 1de 55

ECLESIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

A Igreja de Cristo no Novo Testamento


A igreja local como ícone do cristianismo evangélico
Paradigmas eclesiológicos contemporâneos

 Robson Alves dos Santos


Material destinado ao curso de Bacharel em Teologia
Promovido Pela Faculdade Teológica do Espírito Santo
Vitória/ES – (27) 332428-33
prrobson_cbn@hotmail.com

Guia de Estudo
Índice

CAPÍ TULO 1

A IGREJA DE CRISTO NO NOVO CAPÍ TULO 3

TESTAMENTO 1 ESTRUTURAS, MODELOS E

1.1. Missão e Propósitos da Igreja 3 PARADIGMAS 35

1.2. Ações Fundamentais para a Igreja 7 3.1. Importância e Legitimidade da

1.3. Marcas Características da Igreja 8 Contextualização e Reorganização da

1.4. Implicações Práticas Existenciais para Igreja Local 36

a Igreja 11 3.2. A Corruptibilidade da Igreja Local e de

sua Estrutura 36

CAPÍ TULO 2 3.3. A Razão para a Contextualização e a

A IGREJA LOCAL – UM ÍCONE DO Reestruturação 37

CRISTIANISMO DO SÉCULO 21 17 3.4. Pressupostos para Líderes de Igrejas

2.1. A Igreja Local e a Igreja de Cristo 18 Locais 38

2.2. A Necessidade de Uma Avaliação Para 3.5. Paradigmas Oferecidos à Igreja

a Igreja Local 20 Brasileira 43

2.3. Adaptações, Desvios e Relevância 22 CONSIDERAÇÕES FINAIS 47

2.4. A Igreja Local e Sua Relação com a BIBLIOGRAFIA 48

Cultura 26

2.5. A Igreja Local e a Tradição 27

2.6. A Igreja Local e os Desafios de um

Contexto Urbano 29

2.7. Pontos de Avaliação para a Igreja

Local 33
E C L E S I O L O G I A
R O B S O N A L V E S D O S S A N T O S

1. A Igreja de Cristo no Novo


Testamento
“E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do Hades não poderão vence-la.” (Mt 16.18)

O termo que se traduz para o português como igreja nos escritos do Novo Testamento é o
grego “Ekklesia”ou “Ecclesia”, que significa uma assembléia ou um grupo convocado
para uma reunião. Ek significa “fora de”, e kaleo quer dizer “chamado”. Juntas, as duas
palavras significam “chamado fora” e reunido.1
Em inglês, a palavra usada para traduzir o termo grego neotestamentário “Ecclesia” é
church, possivelmente derivado do grego kuriakon (i.e., "a Casa do Senhor"), que foi usado pelos
autores mais antigos para indicar “lugar de culto”.2 Considerando-se o significado corrente dado
ao termo “igreja” no cotidiano religioso brasileiro, tudo indica que ele foi altamente influenciado
pelo sentido da palavra inglesa, identificando mais um local de cultos que um agrupamento de
pessoas. O gráfico a seguir ilustra os valores subjacentes a uma e outra compreensão do termo.

VALORES RELACIONADOS À
COMPREENSÃO DO TERMO IGREJA:
PESSOAS
Assembléia ou
RELACIONAMENTOS
grupo
COMPROMETIMENTO convocado
TESTEMUNHO para reunir-se
CARÁTER
TEMPLO
“Casa do
PROGRAMAS
Senhor” ou
“Lugar de COMPROMISSOS
KURIAKON
FREQÜÊNCIA
Culto”
COSTUMES

O primeiro desafio que enfrentamos ao tratar o assunto são os paradigmas que provocam desvio
em nossa compreensão da igreja como gente, como povo, como comunidade.

1 ANDERS, 2001. p.17.


2 New Dictionary, dicionário bíblico constante do CD-ROM Biblos, produzido pela editora Vida Nova, vocábulo church – tradução
livre feita pelo autor.

1
“Não há qualquer caso em que claramente o vocábulo ecclesia é usado para indicar um
lugar de reunião ou de adoração, embora em tempos pós-apostólicos passasse a receber este
significado”. 3 A palavra ecclesia pode ser encontrada com os seguintes significados no Novo
Testamento4:
 como “assembléia” em seu significado clássico comum (At 19.32, 39, 41);
 denotando a totalidade dos redimidos, todos aqueles que o Pai tem dado ao Filho, a igreja
universal invisível (Ef 5.23, 25, 27, 29; Hb 12.23);
 indicando um pequeno grupo de cristãos que, unidos, observam as ordenanças do evangelho
(Rm 16.5; Cl 4.15);
 todos os cristãos de uma cidade em particular, reunidos em um lugar ou em diversos lugares
para culto religioso. Assim, todos os discípulos em Antioquia, formando diversas
congregações, eram uma igreja (At 13.1); também podemos ler sobre "a igreja de Deus em
Corinto" (1 Co 1.2), "a igreja de Jerusalém" (At 8.1), etc;
 a totalidade dos cristãos professos em todo o mundo (1 Co 15.9; Gl 1.13; Mt 16.18).

Podemos fazer a distinção entre igreja visível e igreja “invisível”. A igreja visível consiste
de todos aqueles que, em todo o mundo, professam a verdadeira religião. É chamada “visível”
porque seus membros são conhecidos e suas reuniões são públicas. Nela há uma mistura de “trigo
e joio”, ou “santos e pecadores”.5 A igreja “invisível”, em contraste com a “visível”, consiste
do número total dos eleitos que estão ou estarão seguros em Cristo. É o que Paulo denomina Corpo
de Cristo. É chamada invisível porque a grande parte dos que a constituem já está com Cristo ou
pode ainda nem ter nascido, e também porque seus membros que estão vivos não podem ser
distinguidos com toda a certeza.6 As características fundamentais de seus membros são interiores
e estão, em certo sentido, ocultas. Por essa razão, um membro da igreja invisível somente pode ser
autenticado por Aquele que vê o coração dos homens e seus segredos. "O Senhor conhece os que
são seus".7 A igreja a quem os atributos, prerrogativas e promessas do Reino de Cristo pertencem
é, a priori, a igreja invisível, i.e., o corpo espiritual de Cristo, constituído por todos os verdadeiros
crentes.8 Ela se manifesta historicamente por meio da igreja visível, constituída, por sua vez, pelas
igrejas locais, que devem existir à luz dos princípios que regem a igreja invisível.
A igreja visível precisa, como igreja de Cristo da qual é ele a cabeça, ser dominada pela
visão de seu Mestre. Em outras palavras, ela jamais deveria revelar valores e princípios distintos
dos de Jesus, e nem estabelecer relacionamentos com o mundo à sua volta em categorias que o
próprio Jesus não fizesse. Mais que isso, ela não deve deixar de fazer e valorizar aquilo que ele fez
e valorizou. Sua vida precisa ser ser a expressão da vida de seu fundador.

3 New Dictionary, dicionário bíblico constante do CD-ROM Biblos, produzido pela editora Vida Nova, vocábulo church – tradução
livre feita pelo autor.
4 New Dictionary, dicionário bíblico constante do CD-ROM Biblos, produzido pela editora Vida Nova.
5 Idem.
6 Idem.
7 2 Tm 2.19.
8 Idem.

2
1.1. Missão e Propósitos da Igreja
Ricardo Agreste afirmou que “quem tem a missão é Deus. Quando se perde esta perspectiva surge
o ‘homem de visão’ que é oportunista, estratégico, articulado, visionário e impetuoso”.9 Não se
pode desprezar tal afirmação.
É inquestionável que a missão é de Deus. Não é a Igreja que tem uma missão de salvação
para realizar no mundo, mas é Deus quem a tem, e no cumprimento de Sua missão, Deus fez nascer
a Igreja e a incluiu na execução da missão. “Antes de ser Igreja, éramos alvo da missão”.10 Uma
vez que, pela graça de Deus, fomos alcançados em sua missão por meio de Cristo e pela ação do
Espírito, fomos envolvidos na missão de Deus.
Nas palavras de Paul G. Hiebert, “missão é, antes de tudo, não o que nós fazemos, mas o
que Deus faz”.11 Concordar com essas afirmações, todavia, não significa que se deva desistir da
formulação de uma declaração de missão para a Igreja, como se tal fosse imprópria. Implica,
entretanto, em que, qualquer afirmação quanto à missão da Igreja precisa ser tão somente um
desdobramento da missão de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo.

A missão da Igreja

É comum expressar-se a missão de Deus para com o mundo como sendo única e
exclusivamente a de salvá-lo, ou mudar o seu destino eterno. Salvação, a partir desse reducionismo,
comumente significa “ter o direito de entrar no céu após a morte”. Perde-se de vista que a salvação
oferecida por Deus traz consigo a regeneração e a transformação. Salvação é uma pessoa a quem
conheço e com quem me relaciono, sendo-lhe submisso, como Salvador e Senhor. Esse
relacionamento constrói no ser humano uma nova cosmovisão e muda-lhe completamente a vida.
Assim, salvação é bem mais que um presente reservado para a eternidade. É uma vida nova no
Reino de Deus e traz implicações diretas e concretas para a vida no reino dos homens. Ser igreja é
viver essas implicações.
Assim também, expressar a missão da Igreja em termos exclusivamente soteriológicos não
seria adequado, por não ser completo. Getz afirma que “A igreja existe para cumprir duas funções
fundamentais – a evangelização (fazer discípulos) e a edificação (ensinar-lhes)”.12 Com isso, ela
alcança a dimensão relacional consigo mesma (edificação) e com os não-cristãos (evangelização),
indo além da visão que pressupõe unicamente a salvação dos perdidos. Grudem dá um passo além,
propondo não duas, mas três funções fundamentais para a Igreja, explicando-as em termos de
ministérios:
 ministério com relação a Deus: ADORAR
 ministério com relação aos cristãos: EDIFICAR
 ministério com relação ao mundo: EVANGELIZAÇÃO e MISERICÓRIDA.13

9 Palestra “A vocação pastoral frente ao pragmatismo atual”, proferida na noite de quinta-feira, dia 12, no 2º Congresso Brasileiro de
Teologia Vida Nova, reunido na cidade de Águas de Lindóia (SP), nos dias 10 a 14 de agosto de 2004, sob o tema “Os desafios da
igreja evangélica para o século 21”.
10 SILVA, 2002, p.24.
11 Citado por SILVA, 2002, p.32.
12 GETZ, 1994, p.55.
13 GRUDEM, 1999, p.726 e 727.
3
Rega, ao tratar a missão da Igreja, concorda com Grudem, descrevendo-a como uma missão
tridimensional: missão para com o mundo, missão para consigo mesma e missão para com Deus. Em
seu artigo Anatomia da Igreja14, propõe um gráfico bastante elucidativo:

Movidos por essa compreensão é que missiólogos latino-americanos, para lembrar às igrejas que a
sua missão não deve optar por um dos pólos – a salvação pessoal/espiritual ou a libertação
social/econômica – têm usado o qualificativo integral para a missão,15 ou seja, o movimento da
missão integral da igreja. Esse movimento enfatiza que a evangelização mundial requer que a
igreja inteira leve a todo o mundo o evangelho completo16, pois a cidade contemporânea é símbolo
de uma “desumanização” que afeta a vida humana como um todo. Por isso as ações da Igreja devem
estar voltadas para o revigoramento das vidas humanas em sua integralidade.17

As três dimensões da missão:

a) Missão para com o mundo: como foi dito, o aspecto da missão da Igreja mais comumente
lembrado é o que envolve a evangelização do mundo. E no desafio de cumpri-lo, a Igreja vive e
prega o Evangelho e socorre os necessitados. E assim o expressa Rega.

FIGURA 2.2 Missão para com o mundo – Lourenço Stélio Rega

14 Série de seis artigos publicados na revista JUVENTUDE BATISTA, 4º Trimestre de 1984, e republicados na mesma revista no 1º
Trimestre de 1996.
15 MUZIO, 2004, p.103.
16 FABIO, 1998, p.8.
17 MUZIO, 2004, p.104.
4
Pregar ou anunciar o Evangelho pressupõe a fidelidade de comunicar a mensagem recebida pelos
apóstolos e anunciada pela igreja primitiva, afirmando o senhorio de Cristo e a salvação pela fé em
seu sacrifício expiatório. Não se trata de uma mensagem diluída pelo humanismo – que retira Jesus
Cristo do centro e coloca o homem, fazendo do Mestre um recurso para melhorar a vida pela
satisfação dos desejos humanos – mas de uma mensagem que confronta e exige arrependimento,
antes de anunciar as bênçãos. O testemunho é resultado direto da mensagem anunciada. Uma
mensagem diluída resulta em testemunho fraco. Testemunhar é, por assim dizer, “encenar” a
verdade com a vida no cotidiano existencial, não como uma suposição, mas demonstrando a
verdade anunciada como experiência vivida. É esse testemunho que autentica o anúncio.
O significado de “socorrer o necessitado” pode ser traduzido de várias e diversas maneiras.
Tradicionalmente tem sido compreendido como ação social. Essa, por sua vez, muitas vezes tem
sido resumida à prática do serviço social. Rocha nos ajuda a compreender a diferença entre esses
termos: serviço social é o socorro ao ser humano em suas necessidades, com a promoção de
atividades filantrópicas e a ministração a indivíduos e famílias, o que comumente se denomina
“obra de caridade” em meios religiosos. Mas além de uma ação que socorra o necessitado, faz-se
necessário que a Igreja seja voz profética, que se levante em defesa do oprimido e lute por justiça,
pois a realização da missão “implica em um ‘sim’ de Deus ao mundo, expresso através de Sua
solidariedade para com o sofrimento e a desesperança humanos, bem como um ‘não’ de Deus,
expresso de forma conflitiva com os valores e as ações do mundo contrários ao Seu reinado”.18 Aí
tem lugar a ação social que é o compromisso e a ação de lutar para eliminar o que causa as
necessidades. É o envolvimento em atividades políticas e econômicas, procurando transformar as
estruturas sociais. É a busca por justiça.19 A união entre a proclamação da salvação, o serviço social
e a ação social é que corresponde ao padrão de Cristo em sua ação histórica. Por obediência, deve
a Igreja “exercer seu papel profético e denunciar todas as formas de opressão e injustiça que
ofuscam o brilho da vida, humana e não humana”.20
Cristãos apenas preocupados com a alma pensam que a missão da igreja é resgatar
indivíduos isolados, garantindo-lhes a vida abençoada após a morte. O mundo, na visão desses
cristãos, não tem futuro, e nada nos resta fazer por ele. Acreditam que não devemos nos intrometer
em questões políticas, sociais e econômicas. 21 A igreja local precisa entender que não existe
evangelização genuína sem uma dimensão social, nem responsabilidade social realmente cristã sem
uma dimensão evangelística.22

b) Missão para consigo mesma: em sua


missão para consigo mesma, o propósito da
Igreja é a sua edificação, para que cada
membro seja maduro e tenha como alvo o
padrão da perfeição de Cristo. Como
mostra a figura, isso envolve assistência,
comunhão, cuidado, disciplina, discipulado
e variadas ministrações mútuas visando o
bem comum. No cumprimento dessa
dimensão da missão é que a Igreja autentica
sua mensagem, pois capacita seus membros Missão para consigo mesma – Lourenço Stélio Rega
18 Bosch, citado por MUZIO, 2004, p.103.
19 ROCHA, 2003, p.46.
20 Idem.
21 Idem, p.35.
22 Citado por ROCHA, 2003, p.125.

5
a viverem os valores do Reino e a
proclamarem as
grandezas daquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz.23 Nela a Igreja distingue-se
como comunidade cristã, em lugar de instituição religiosa destinada a cumprir ritos ou guardar
tradições.

C) Missão para com Deus: Em sua missão para com Deus a Igreja
manifesta santidade ao mundo, tudo fazendo para honrar e
glorificar ao Senhor. A Igreja não depende unicamente de si para
viver sua missão para com Deus. Ela precisa ser fortalecida e
equipada pelo Espírito Santo como selo de Deus a todos que lhe
pertencem.
Essa dimensão de sua missão é também autenticadora da
mensagem que a Igreja proclama pois, por sua fidelidade a Deus,
ela demonstra uma vida justa, revelando o Seu caráter. Como
afirmou o Senhor Jesus, a mesma santidade do Pai é o padrão para
aqueles a quem chamou para lhe pertencerem.24
A missão da igreja não é crescer. Crescimento é um
subproduto de uma igreja que vive a missão. Uma vez que a
missão da igreja local é holística ou integral, é mister que o seu
crescimento também o seja.25
Missão para com Deus – Lourenço Stélio Rega

TIPOS DE CRESCIMENTO DA IGREJA

QUANTITATIVO QUALITATIVO ORGÂNICO

Numérico Doutrinal Convivencial


Geográfico Vivencial Influência social
Étnico Operacional -
Tipos de Crescimento da Igreja – Lourenço Stélio Rega

No aspecto quantitativo, a igreja local cresce pelo aumento da quantidade de pessoas que
são alcançadas pelo Evangelho26 e se unem a ela. Em termos gerais, trata-se da expansão geográfica
do Evangelho pelo mundo27, por todas as nações e povos, algo que, a princípio, a igreja primitiva
não entendeu28, tendo sido reorientada por Deus em sua visão29. Sob o aspecto qualitativo, a igreja
local cresce pelo amadurecimento que, entre outras coisas, inclui crescimento no conhecimento

23 1 Pe 2.10.
24 Mt 5.48.
25 Todos os aspectos envolvidos são tratados detalhadamente por Rega em seu artigo já citado, A Anatomia da Igreja.
26 Mt 28.19; At 2.47; 4.4; 5.14; 6.1,7; 8.6.
27 At. 8.14; 9.31; 11.19.
28 At 8.14-25; 10.1-11. 21.
29 At 8.15-17; 10.9ss.

6
doutrinário da Palavra de Deus30, na experiência cristã de obediência pessoal e na comunhão com
Deus31. É, em termos práticos, o crescimento dos crentes para o desempenho de suas funções como
membros do Corpo de Cristo32. Em seu aspecto orgânico, a igreja local cresce como comunidade
dos salvos, na prática dos mandamentos de mutualidade33 e em sua influência no contexto social
em que está inserida34.
Pode-se interrogar quanto ao aspecto mais importante da missão da Igreja: seria mais
importante o cumprimento da missão para com Deus, para consigo mesma ou para com o mundo?
Tanto Grudem quanto Rega concordam quanto à necessidade de equilíbrio. A negligência em
qualquer dos três aspectos faz mal à Igreja, e por isso ela jamais deve assumir a postura de
privilegiar ou negligenciar qualquer deles. A tabela a seguir propõe uma possível conseqüência da
negligência de cada uma das dimensões da missão da Igreja:

ÁREA
CONSEQUÊNCIA
NEGLIGENCIADA

Cristãos áridos, inflexíveis e sem conhecimento da alegria de adorar a


ADORAÇÃO
Deus, embora conhecedores das doutrinas bíblicas.

Cristãos imaturos, espiritualmente infantis, com conhecimento bíblico-


EDIFICAÇÃO
doutrinário superficial ou inexistente.

Comunidade estagnada, sob o risco de se tornar fraca e deixar de existir.


EVANGELIZAÇÃO Podem surgir questionamentos quanto à própria fé, visto não parecer
atrativa a outros.
Crescimento Disfuncional da Igreja

O crescimento da Igreja, conforme afirma Paulo aos Coríntios em sua primeira epístola, é
função da ação divina35, ou na linguagem de Rega, tem Deus como sua força motriz36. Mas cada
cristão tem seu papel a desempenhar na operacionalidade dos dons concedidos pelo Espírito Santo
e na obediência aos mandamentos de Cristo.

1.2. Ações fundamentais para a Igreja

A missão define o propósito existencial da Igreja. Todavia, esse propósito deve ser expresso
em ações cujo fim seja o cumprimento da missão. Assim, é possível estabelecer uma distinção
conceitual entre missão e propósito. Nesse sentido, qual o propósito da Igreja, ou como ela deve
operacionalizar sua missão?
Morris defende que o propósito da Igreja pode ser definido por quatro funções ou ações
fundamentais: adoração, comunhão, edificação e evangelização. Afirma ainda que a relevância
30 At 2.42ss; Ef 4.11-16.
31 Ef 4.15; Cl 3.1-11; Fp 2.12; 1 Pe 2.2; 2 Pe 3.17,18.
32 At 6.1-7; Rm 12.4-8; Ef 4.11-16.
33 Gl 6.2; Jo 13.34; 17.19-23; Tg 5.16; At 2.44-45; 4.32-35; Hb 12.14,15.
34 At 2.47; Mt 5.14-16.
35 1 Co 3.5-9.
36 REGA, A Anatomia da Igreja, p.15.

7
histórica da Igreja depende da constituição de um núcleo de líderes espiritualmente dinâmico,
membros mobilizados, eventos atraentes, organização eficaz e liderança visionária.37
A Igreja Internacional Crossroads, em Amsterdã, descreve suas ações fundamentais 38 a
partir de quatro verbos:
a) Exaltar a Deus Pai, Filho e Espírito Santo;
b) Estabelecer uma comunidade amorosa de cristãos;
c) Equipar os cristãos para um ministério eficaz;
d) Estender as boas novas de Cristo ao mundo.
Para Millard J. Erickson, são também quatro as ações fundamentais para a igreja:
evangelização (voltada para o não cristão); edificação (voltada para a pessoa do cristão); adoração
(voltada para Deus); e preocupação social (voltada para todas as pessoas que necessitarem).39
Quatro ações fundamentais parecem constituir consenso, pois também Morris considera
esse número como quantidade de ações biblicamente necessárias à Igreja, e que expressam,
segundo afirma, o propósito de Cristo para ela: adoração, comunhão, educação e evangelização.40
Em sua obra, Morris cita ainda o teólogo inglês Stott e as quatro características primárias de uma
igreja viva que ele listou, após exegese de Atos 2:42-47: adoração, pregação, relacionamentos e
um alcance da comunidade.41
Rick Warren, líder muito influente na prática eclesial nos últimos anos, inclusive entre os
evangélicos brasileiros, propõe cinco ações, destoando do que se viu até agora, mas mantém plena
harmonia com as ações já apresentadas. Para ele, as cinco ações indispensáveis ao cumprimento da
missão da Igreja são evangelização, comunhão, discipulado, serviço e ministério.42
EVANGELIZAÇÃO Alcançar

COMUNHÃO Envolver

DISCIPULADO Desenvolver

SERVIÇO Abençoar/Ajudar

MINISTÉRIO Honrar/Agradar

As ações propostas por Warren podem ser relacionadas por verbos que as esclarecem,
seguindo o que ele próprio explica em sua obra. Tomando como base a sua proposta, pode-se
formular uma figura que represente a relação entre a Missão Tridimensional da Igreja, de Rega e
as ações propostas por Warren.
É dever de cada igreja local, tendo em vista a missão da Igreja, planejar, desenvolver
métodos e estratégias, e agir, sendo fiel em sua existência histórica.

1.3. Marcas características da Igreja

O livro de Atos trata da história das primeiras igrejas, escrita por Lucas. Do capítulo 1 ao
12, ele se dedica a registrar o movimento de expansão do Cristianismo com o nascimento da Igreja.
A partir do capítulo 13, Lucas dedica-se ao ministério de Paulo, acompanhando-o em suas viagens
37 MORRIS, 2003, p.359.
38 Idem, p.148.
39 ERICKSON, Introdução à Teologia Sistemática, citado por MUZIO, 2004, p.126.
40 MORRIS, 2003, p.144.
41 Idem, p.145.
42 WARREN, 1999, p.105-108.

8
missionárias. Um exame dos registros de Atos oferece importantes características dos membros
das igrejas primitivas e de seu desenvolvimento.
Shenk & Stutzman listam nove características43:
 Eles se reuniam diariamente
 Eles eram instruídos na doutrina dos apóstolos
 Eles desfrutavam de uma profunda experiência de fraternidade
 Eles se amavam e dividiam entre si bens materiais
 Eles partiam juntos o pão
 Eles oravam unidos
 A igreja expressava amor e alegria
 Os pequenos grupos eram centros de testemunho e evangelismo
 As igrejas observavam a disciplina

Essas são características que descrevem claramente uma comunidade de pessoas


comprometidas umas com as outras e com os ensinos dos apóstolos e sem muitas complexidades
organizacionais. Em seu nascimento, a Igreja era simplesmente uma “comunhão de pessoas e nada
mais”.44
Segundo Getz, há três experiências vitais para a igreja local presentes na igreja primitiva,
conforme pode ser visto no Novo Testamento: experiência de aprendizado da Palavra de Deus,
experiências relacionais entre os cristãos e com Deus e experiências de testemunho aos não-
cristãos.45
As contribuições de Shenk & Stutzman e Getz, consideradas sob a ótica de Lucas em Atos
2.42 a 47, possibilitaram o levantamento das seguintes marcas distintivas da igreja primitiva. Não
são as únicas. Certamente cada estudante desse assunto poderia destacar outras.

Mensagem : (At 2.41; 4.4; 5.18-20; 10.34-36; 11.13-14, 19; 14.3; 17.11) Os discípulos
anunciavam um conteúdo significativo de verdades – que a Nova Versão Internacional da Bíblia
traduz por mensagem – que expressavam no que criam a respeito de Jesus e sua obra entre os
homens. A igreja local deve verificar se a mensagem que proclama corresponde à mensagem
anunciada pela igreja primitiva. Os escritos do Novo Testamente possibilitam isso. Os cristãos
primitivos traziam em sua mensagem uma afirmação tão radical sobre Jesus que se constituía em
escândalo para os judeus e loucura para os gregos.46 Eles afirmavam que Deus havia feito a si
mesmo homem e havia morrido pelos homens para que, por meio da fé em Jesus, todo e qualquer
homem pudesse alcançar a salvação. Embora vivessem num tempo cheio de crises, a mensagem
que pregavam não era uma tentativa de conforto ou consolo para os homens. Era, antes, de
confrontação e desafio. Esses cristãos eram contextualizados 47 , assim como Jesus, usando
referenciais conhecidos para ajudar seus ouvintes a compreenderem a mensagem, mas eram
radicais em manter Jesus no centro e não o homem.

Conhecimento e Comunhão : “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao


partir do pão e às orações. [...] Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum.[...]”
(2.42, 44). Lucas informa que os cristãos primitivos se dedicavam ao ensino dos apóstolos ou
43 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.76-77.
44 BRUNNER, 2000, p.81.
45 GETZ, 1994, p.129.
46 1 Co 1.22-23.
47 Pedro, em seu primeiro sermão, usa a referência do reino davídico e os profetas no VT, ambos muito conhecidos pelos seus ouvintes

(At 2.14ss). Paulo, em Atenas, apóia-se na cultura religiosa local para levar o povo ao conhecimento de Cristo (At 17.16ss).
9
perseveravam nesse ensino. Mais do que buscar conhecimento de forma intelectual, o texto indica
obediência. Eles sabiam que o cristianismo não era um conjunto de doutrinas para serem
consideradas verdadeiras ou sagradas, simplesmente. Jesus, durante todo o seu ministério, havia
questionado os fariseus exatamente por essa atitude teórica e fria para com os princípios espirituais.
Crer e obedecer estavam ligados. Acreditar e agir mostram-se inseparáveis na visão transmitida
por Jesus a seus apóstolos, e por eles às igrejas nascentes. Eles valorizavam a vida comunitária. Da
mesma forma que eram dedicados ou perseverantes na doutrina dos apóstolos, também o eram na
comunhão. Conforme expresso no texto destacado, eles procuravam, intencionalmente,
compartilhar a vida, relacionar-se. Não era algo casual ou esporádico. Fazia parte de sua conduta.
Era a essência de seu funcionamento.

Socorro aos necessitados : “Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme
a sua necessidade.” (2.45). A proximidade os fazia perceber as necessidades uns dos outros. E
como se dedicavam ao ensino dos apóstolos, recebido de Cristo, não poderiam viver de outra forma,
senão em comunhão uns com os outros. O companheirismo íntimo e o amor fraternal tornaram-se
marcas fundamentais daqueles cristãos.48

Compromisso e Experiência com Deus : “Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas
e sinais eram feitos pelos apóstolos.” (2.43). Sua vida de temor a Deus fazia com que todas as
áreas de suas vidas e dias da semana fossem vividos de forma compatível com sua fé. Champlin
destaca que a palavra “temor” possivelmente foi usada para indicar a reverência com que viviam
diante das manifestações de Deus em seu meio.49 Não há como saber exatamente se sua vida de
temor possibilitava manifestações miraculosas (maravilhas e sinais) ou se seu temor era decorrente
dessas manifestações. Mas ambos estavam unidos. Havia temor e milagres, milagres e temor.

Respeito da Sociedade : “[...] louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo.”(2.47a).


Quando cristãos vivem sob o temor do Senhor e Deus manifesta entre eles Sua presença, embora
os não-cristãos possam fazer-lhes oposição, precisam respeitar-lhes a fé, devido ao poder da
verdade revelada por meio de suas vidas. Era assim a experiência dos cristãos primitivos. Havia
algo neles que levava as pessoas à simpatia. Não há nada que indique estarem aqueles cristãos
negociando com a sociedade para que ela lhes fosse simpática. A simpatia nascia como fruto de
seu bom procedimento como servos de Cristo.

Reuniões em Grandes e Pequenos Grupos : “Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio


do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e
sinceridade de coração” (2.46). Naturalmente, ou talvez por contingência da situação, eles
acabaram desenvolvendo essa estratégia de encontros – no templo e de casa em casa. Reunidos em
grandes grupos, poderiam receber ministração dos apóstolos ou líderes mais maduros. De casa em
casa, poderiam desenvolver uma maior comunhão e exercitar o cuidado mútuo.

Crescimento : “E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (2.47b).
Enquanto eles perseveravam na doutrina e na comunhão, Deus manifestava sua presença com sinais
e maravilhas e eles viviam no temor do Senhor. Mantendo-se juntos, no templo e de casa em casa,
oportunizavam o ingresso de novos seguidores de Cristo. Eles não buscavam esse crescimento

48 CHAMPLIN, 1995, v.3, p. 70-71.


49 Idem, p.72.
10
como alvo. Era o Senhor quem lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos. Isso é o
que se pode chamar de crescimento natural.

Identidade Além do Templo : “Todos os dias, continuavam a reunir-se... Partiam o pão em suas
casas...” (2.46). Brunner afirma não ser correto dizer que a comunidade dos seguidores de
Cristo torna-se verdadeira somente no ato da assembléia. Como uma de suas mais vitais
características, os primeiros cristãos estavam conscientes de sua união e comunhão mesmo quando
não estavam reunidos para o culto. Eles entendiam que suas vidas eram um ato contínuo de
adoração à parte do culto conjunto. Quando cada indivíduo, em sua esfera particular de atividade
na vida, no mundo, no círculo da família ou em seu passatempo diário, oferecia sua vida a Cristo50,
ali estava a igreja manifestando sua presença.

Sacerdócio Universal dos Crentes : Pelo modo como exercitavam sua fé, seu culto não era
marcado pela distinção de um dia ou lugar, nem pela separação entre sacerdotes e leigos, como
acontecia com a religião judaica. Eram todos sacerdócio real e nação santa ao Senhor.51 Sobre isso,
Brunner afirma que seus membros estavam cientes de formarem um sacerdócio, e tal sacerdócio
santo é a edificação de cada um e de todos.52 Assim, o “preeminentemente cúltico é, portanto, ao
mesmo tempo, o preeminentemente comum, não cúltico”.53 Green concorda com esse ponto de
vista, defendendo que o cristianismo era acima de tudo um movimento de leigos, espalhado por
missionários informais.54

Fé Praticada na Vida : Nas palavras de Green, o cristianismo primitivo era um movimento


marcado por entusiasmo contagiante de pessoas diferentes quanto a idade, origem, sexo e cultura.55
Por ser assim tão diverso e ao mesmo tempo unido, era atraente e causava impacto, alvoroçando o
mundo por onde passava. Para Green, isso se dava porque todo o seu entusiasmo era reforçado pela
qualidade das suas vidas. “Seu amor, sua alegria, seus hábitos modificados e seu caráter
progressivamente transformado deram um grande peso a tudo que tinham a dizer. Sua vida
comunitária, mesmo não sendo perfeita, como os escritores cristãos lamentavam com freqüência,
assim mesmo era suficientemente diferente e impressionante para chamar a atenção, despertar
curiosidade e inspirar o discipulado em uma época onde as pessoas buscavam acima de tudo o
prazer, eram materialistas e sem propósito sério, como hoje em dia.”56

Foram marcas como essas que fizeram do cristianismo vivido pela igreja primitiva algo
irresistível, transformador e vencedor. “Com grande poder os apóstolos continuavam a testemunhar
da ressurreição do Senhor Jesus, e grandiosa graça estava sobre todos eles”.57 O cristianismo no
século 21 não pode ser o mesmo, se não manifestar as mesmas marcas. Embora a cultura seja
diversa, com suas complexidades e oportunidades, a mensagem dos cristãos e seu modo de viver
não podem mudar. Cada igreja local precisa buscar fidelidade para com o legado dos cristãos
primitivos. É essa – e nenhuma outra – a tradição que não pode ser abandonada.

50 BRUNNER, 2000, p.67.


51 1 Pe 2.9.
52 BRUNNER, 2000, p.69.
53 Idem.
54 GREEN, 2000, p.335.
55 Idem, p.336.
56 Idem.
57 At 4.33.

11
1.4. Implicações Práticas Existenciais para a Igreja

Cristo não fundou sua Igreja para ser uma entidade etérea, sem contexto ou envolvimento
histórico. Ao contrário, é na história que ela se manifesta e atua. Como agente de Deus na história,
sua existência se determina pelo modo como desenvolve sua relação consigo mesma, com Deus e
com o mundo – o que pode ser entendido como implicações práticas existenciais da Igreja.
O Novo Testamento não foi escrito de forma a orientar diretamente o estudante de
eclesiologia, sistematizando o ensino sobre a Igreja e esclarecendo os diversos aspectos de sua
existência na terra. Como bem salienta Rega, não era essa a “estrutura de pensamento do povo de
que Deus se utilizou para inspirar Sua Palavra”.58 Ao falar sobre a Igreja, em lugar de definições,
os escritores sagrados fizeram comparações, utilizando figuras e parábolas. Essas comparações nos
levam a conceitos, como mostra a tabela a seguir:

CONCEITO IGREJA TEXTOS IMPLICAÇÕES


CORPO DE 1 Co 12; Rm Indica a união e interdependência que deve existir na
GENÉTICO CRISTO 12.4ss Igreja. Mostra a Igreja como um organismo(*).
At. 14.23, Indica uma associação de pessoas lutando pelos mesmos
POLÍTICO IGREJA
27 fins, unidas por uma convicção.
EDIFÍCIO DE 1 Co 3.9; Indica algo em processo de crescimento, segundo os
ARQUITETÔNICO DEUS Ef. 2.20-22 padrões do Supremo Arquiteto.
LAVOURA 1 Co 3.6-9; Indica algo de que se esperam frutos bons, que está sob
AGRONÔMICO DE DEUS 2 Tm 2.6 os cuidados do Agricultor Eterno.
FAMÍLIA DE Gl 6.10; Indica o espírito de família que deve existir em nós -
FAMILIAR DEUS Ef 2.19 união, fraternidade, submissão ao Pai (*).
COMUNIDA At 2.44-47; Indica um ajuntamento interdependente de pessoas, que
SOCIOLÓGICO DE 4.32-37 se apóiam e compartilham a vida em união.
EXÉRCITO Indica a luta ofensiva da Igreja, não contra a carne e o
MILITAR DE DEUS
1 Tm 2.3,4
sangue (Ef 6.12), mas contra o exército de Satanás(*).
EMBAIXADA
Indica uma entidade representativa do Reino de Deus,
DIPLOMÁTICO DO REINO 1 Co 5.20
responsável por divulgar e defender os valores do Rei.
DE DEUS
Igreja: Conceitos e Implicações – Lourenço Stélio Rega
(*) Implicações formuladas por Rega

Os diversos conceitos apontam claramente para um ajuntamento de pessoas que devem


existir sob os princípios do Reino de Deus. Essa é uma definição simples, mas que se constitui em
um grande desafio e exige recursos que somente o próprio Deus pode oferecer, além de adequações
históricas que exigem bom senso e perícia, sempre sob a direção do Senhor.
A seguir, apresentam-se algumas implicações práticas dessa existência histórica. Algumas
são apenas constatações de realidades impostas pela natureza humana, temporal e geográfica que
envolve a Igreja, como por exemplo, sua fragmentação em igrejas locais. Outras surgiram como
resposta a necessidades particulares de tempo ou lugar. Todas, porém, devem ser julgadas e
avaliadas pela missão da Igreja. São elas:

58 REGA, A Anatomia da Igreja, p.4.


12
a) Constituir-se em Igrejas Locais: a Igreja de Cristo se materializa na história a partir da
existência das diversas igrejas locais, divididas por denominações. Muitas delas são ou pretendem
ser independentes. Como o próprio adjetivo “local” indica, constitui-se de pessoas que se reúnem
sistematicamente para cultuar e servir no ministério cristão.59 Enquanto na Igreja de Cristo todas
as pessoas são salvas, quanto à igreja local somente se pode afirmar que as pessoas se declaram
crentes e salvas por Cristo, sendo sua profissão pública de fé um requisito para ingresso, como é o
caso das igrejas batistas e presbiterianas. Diferente dos tempos do Novo Testamento, atualmente
uma igreja local requer reconhecimento civil, devendo ser constituída juridicamente e organizar-
se, mesmo que minimamente, seja de maneira formal ou informal, quanto à hierarquia, estrutura e
política de funcionamento (processos decisórios e controles financeiros, por exemplo). Assim, uma
igreja local incorpora, além do conceito de organismo, o conceito de organização, que se refere
ao seu aspecto administrativo, estrutural e operacional. Perceber as implicações de ser uma igreja
local, formada não somente por cristãos verdadeiros e tendo incorporado adaptações em seu curso
histórico é de fundamental importância a todo líder que procure caminhos para o crescimento
multidisciplinar da sua congregação.

b) Dons Espirituais como Fator Crítico de Sucesso: para que não exista somente como
organização ou associação civil de pessoas, uma igreja local precisa reconhecer o papel essencial
que os dons espirituais exercem em sua vida e ministério.60 A presença e a operacionalização dos
dons é que a tornam uma igreja espiritualmente cheia de vida. Por entender a importância dos dons,
ela deve se organizar de forma que esses dons possam ser exercidos. Fugindo das diversas
discussões possíveis acerca do que sejam os dons ou quantos sejam, pode-se assumir a definição
dada por Grudem de que um dom espiritual é “qualquer talento potencializado pelo Espírito Santo
e usado no ministério da igreja”. 61 A amplitude dessa definição permite incluir tanto os dons
relacionados a talentos naturais quanto os chamados “espetaculares”. Esse tipo de manifestação do
Espírito é indispensável à igreja local, pois é a maneira de Deus equipá-la para desenvolver seu
ministério até a volta de Cristo. Os líderes da igreja local devem estar prontos a reconhecer e
valorizar os dons na vida dos membros e freqüentadores, especialmente dons distintos dos que eles
mesmos têm. A diversidade de dons é marca distintiva de uma igreja saudável e não deve ser
motivo de fragmentação, mas de união, pois seus membros são aperfeiçoados quando servem uns
aos outros por meio dos dons que o Espírito lhes concede.

c) Credibilidade como Credencial na Sociedade: dada sua missão de alcançar os homens


perdidos, levando-os ao conhecimento de Cristo, a igreja local precisa antes conquistar
confiabilidade diante deles. A multiplicidade de igrejas locais, muitas delas apresentando um
cristianismo que se distancia do cristianismo bíblico, tem diluído o significado e conteúdo da
mensagem cristã. Esse grande contingente de “cristãos” tem sido olhado com desconfiança, devido
ao modo questionável como vivem sua fé. Cada igreja local vê-se então diante do desafio de ser
confiável. Segundo Morris62, isso se dá por meio de três qualidades inolvidáveis:
a) Credibilidade Ética – integridade dos líderes e membros. Um líder não pode ser imaturo
na ética pessoal. A igreja precisa de líderes com caráter comprovado.

59 No início deste capítulo, ao se analisar o vocábulo grego Ecclesia, examinou-se o conceito de comunidade local, conforme presente
no Novo Testamento.
60 MORRIS, 2003, p.85.
61 GRUDEM, 1999, p.859.
62 Idem, p.260-262.

13
b) Credibilidade Intelectual – O cristianismo é singular porque é logicamente consistente,
historicamente verificável e experimentalmente relevante.
c) Credibilidade Social – A generosidade, misericórdia e compaixão pelos necessitados são
algumas maneiras de os cristãos demonstrarem credibilidade social.

d) Uma Constituição Espiritual Sólida: visto que os membros de uma igreja local somente podem
ser considerados como aqueles que se declararam crentes e salvos por Cristo, uma simples
associação dessas pessoas não implica necessariamente em que essa igreja local guarde qualquer
relação com a Igreja de Cristo. Devido ao peso do fator humano na igreja local, ela precisa, formal
e conscientemente, acolher princípios que a mantenham no rumo certo. Existindo num mundo que
cada vez mais opta pelo pragmatismo, a igreja local, em atenção ao alerta feito por Getz, precisa
ter o cuidado de não começar com “o que funciona” simplesmente, para em seguida “tentar integrar
a base bíblica ao seu sistema pragmático”, pois isso implicaria numa perspectiva nebulosa a
respeito do que a Bíblia de fato ensina sobre a Igreja.63
O apóstolo Paulo apresenta repetidamente, em suas cartas às igrejas dos efésios, colossenses
e tessalonissences64, três marcas que precisam caracterizar a igreja local: fé, esperança e amor.
Anders define essas marcas como sendo: fé – crer no que Deus disse e agir de acordo com o que
ele afirmou; esperança – depositar a confiança no futuro; e amor – o exercício da vontade, para
fazer o bem aos outros. 65 Getz concorda, afirmando que a maturidade é identificada por essas
marcas, que qualifica como permanentes, baseado no texto de 1 Cor. 13.13: “Assim, permanecem
agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”.66
Sem consistência espiritual, uma igreja local pode crescer e até mesmo alcançar
notoriedade. É possível até que sua falta de consistência facilite seu crescimento quantitativo – o
que tão facilmente é percebido e confundido com saúde espiritual. Mas, nesse caso, ela é apenas
representante histórica da religião institucionalizada. Nada tem a ver com a Igreja de Cristo na
história. E isso seria lamentável.

e) Empenho Estratégico Intencional: como organização, também a igreja local deve buscar, em
submissão ao Espírito de Cristo, uma forma estratégica para agir na história que seja atual e
relevante, que potencialize sua influência na história. A ação estratégica é fruto da inteligência dada
por Deus aos homens, que deve ser usada, não somente na construção de organizações comerciais
ou industriais, mas também nas organizações com fins espirituais – uma igreja local por exemplo.
Portanto, a ação estratégica é uma das contingências existenciais da igreja local, que não deve e
nem precisa fugir dela, como algo não espiritual e sem função no Reino de Deus, pois há um lugar
nele para o pensamento estruturado, o pensamento estratégico e a visão administrativa. O Espírito
de Deus conspira com o espírito dos homens no estabelecimento do Reino de Deus entre eles.

f) Proclamação do Reino pelo Exemplo: a igreja local deve ser, dentro do meio social, referencial
de uma “nova sociedade na qual o mundo possa ver exibido o que poderia ser a família, a vida, os
negócios, a relação entre as raças e toda a vida se estivessem sob o reinado de Jesus Cristo”.67 Pois
o que a igreja local anuncia não é um conteúdo teológico para a vida após a morte. Seu ministério
é trabalhar para a cura das pessoas, famílias e relacionamentos. Ela deve praticar a misericórdia e
buscar a justiça. Como expressão física da Igreja de Cristo, uma igreja local deve, na pessoa de
63 GETZ, 1994, p. 24.
64 Ef 1.16,16,18; Cl 1.3-5; 1 Ts 1.2-3.
65 ANDERS, 2003, pp. 61, 63 e 67.
66 GETZ, 1994, p.96.
67 KELLER&THOMPSON, 2002. p.270.
14
cada um de seus membros, demonstrar o que Deus pode fazer com cada ser humano,
exemplificando como ordenar a própria vida, relacionamentos e instituições de acordo com “a
autoridade de Deus para trazer as bênçãos do reino”. 68 Keller & Thompson, considerando o
relativismo atual, afirmam que “somente quando os relativistas virem os cristãos lidando com a
fortuna e o status de uma forma que eles não podem, é que o mundo começará a olhar para si
mesmo com arrependimento”.69

g) Envolvimento e Luta por Justiça Social: a justiça social é um tema constante dos escritos
proféticos do Velho Testamento. Jesus também tratou essa questão em seus discursos e anunciou
o cuidado de Deus com os injustiçados, ao anunciar as bem-aventuranças. A igreja local precisa
desvencilhar-se da tensão paralisante criada pelo que Muzio chama “Cristianismo de direita –
comprometido com a Salvação de almas da morte e perdição espiritual – e Cristianismo de esquerda
– comprometido com a reforma da sociedade e libertação da pobreza e injustiça”. 70 A posição de
uma igreja deve ser a síntese dessa expressão dialética, ou seja, a compreensão de que o “social e
o espiritual manifestam-se como os dois lados da moeda e não podem ser dissociados”.71 A Revista
Ultimato, em sua matéria de capa do bimestre Julho-Agosto de 2004, declara que “quem leva a
Bíblia a sério obriga-se a levar também a sério a justiça social”. 72 É inegável a relevância dessa
implicação história existencial para a igreja local, especialmente se ela se situa em países do
terceiro mundo, com tantos problemas sociais, como o Brasil.

h) Valorização de Pessoas: uma igreja local não deve perder de vista as pessoas, do contrário
deixará de ser igreja. Suas doutrinas, sua estrutura, seus bens, sua notoriedade, nada é mais
importante quando está em jogo a integridade ou a restauração de uma pessoa. Nenhum progresso
ou crescimento da igreja local poderá compensar um rastro de gente ferida, magoada e destruída,
gerado como subproduto desse avanço.73 Em qualquer momento em que um líder, seja o pastor ou
outro qualquer, ignorar esse princípio, estará caminhando em direção oposta ao Senhor da Igreja,
que como bom pastor, deu a vida por suas ovelhas.74 Amar a igreja é amar as pessoas.

i) Ser Socialmente Contextualizada e Relevante: uma igreja local precisa existir historicamente
de forma contextualizada e, ao mesmo tempo, agir em seu contexto de forma comprometida.
Dusilek, ao tratar essa questão, refere-se ao texto de Paulo aos Romanos, em 8.18-30, afirmando
que ele apresenta “um modelo de análise histórica que é ao mesmo tempo singelo e profundo. É o
modelo da correlação que deve existir entre os gemidos da criação, os gemidos da igreja enquanto
povo de Deus e os gemidos do próprio Espírito de Deus. O simples fato de Paulo apresentar esses
gemidos em seqüência implica, ipso facto, na existência de uma correlação entre eles. Ainda que
admitindo a possibilidade de outros tipos de interpretação para a passagem aludida, gostaria de
sugerir que a Igreja deve ser sensível aos gemidos da criação que a circunda (pessoas, sociedade
organizada e natureza). Deve ser sensível também aos gemidos do Espírito Santo, que intercede
junto ao trono de Deus. Por ser sensível aos gemidos da criação e do Espírito quero dizer que a
igreja deve ser uma intérprete fiel da Palavra e da vontade de Deus, procurando aplicá-la de modo
coerente, responsável e único às situações concretas da vida que os seres humanos enfrentam no

68 Idem.
69 Idem, p.271.
70 MUZIO, 2004, p.28.
71 Idem.
72 Manchete que estampa a capa da edição citada e que dá título à matéria de capa.
73 GONDIM, 2000, p.136.
74 Jo 10.15.

15
seu dia-a-dia. Isto implica dizer que a Igreja deve engajar-se nos processos históricos e na
sociedade, a fim de poder contribuir para a solução dos problemas. A Igreja é chamada, como serva
do Reino de Deus, a ministrar ao mundo em suas necessidades.[...] Somente uma igreja que está
ao lado do povo nos seus sofrimentos e realizações será respeitada, recebida, procurada e ouvida
em sua ministração da Palavra de Deus.”75 A igreja local precisa comunicar-se com o povo de
modo contextualizado, a fim de ser compreendida ao anunciar a mensagem do cristianismo. Precisa
também pronunciar-se sobre as condições da justiça no meio social em que se insere. É quando age
assim que ela transforma a realidade à sua volta e adquire o direito de ser ouvida pelos homens de
seu tempo. Isso nos leva ao ponto seguinte.

j) Dedicar-se a Transformações Históricas: uma igreja local deve entender seu papel
histórico e, como parte de um movimento universal, pelo qual Deus intervém na história dos
homens, assumir a responsabilidade de “ministrar considerando, não somente os pecados
individuais, morais e éticos das pessoas de seu tempo, mas também os pecados sociais, estruturais
e familiares de sua cultura”.76 Em 1974, em Lausanne, Suíça, durante o Congresso Internacional
de Evangelização Mundial, foi afirmada a necessidade de uma igreja engajada em lutas por
transformações históricas. O documento produzido por esse Congresso, denominado Pacto de
Lausanne, ressaltou cinco aspectos que não devem ser esquecidos pelas igrejas em todo o mundo:
 necessidade de dedicação ao serviço de Cristo e dos homens enquanto aguarda a volta de
Jesus;
 cobrança aos governos de condições de dignidade humana, conforme consta na
Declaração Universal dos Direitos Humanos;
 libertação daqueles que sofreram perseguição religiosa e a certeza de que de forma
alguma nos intimidaremos diante de uma situação como essa;
 oposição a toda injustiça, permanecendo fiéis ao Evangelho;
 afirmação da igreja como comunidade do povo de Deus, e não como instituição.77
A igreja local peca quando existe somente para si, quando existe centrada em sua agenda, deixando
de lutar no mundo, pelo mundo e para Deus. “O que Deus tem para dizer ao mundo, Ele só pode
fazê-lo através da Igreja”.78 Cumpre à igreja anunciar e denunciar, pois é por meio dessa ação
dialética, entre denúncia e anúncio, que ela poderá alcançar todas as classes de pessoas com a
mensagem da Cruz.79 Essa mensagem, que é de salvação, é também mensagem de juízo sobre toda
alienação, opressão e discriminação, 80 uma vez que o cristianismo anuncia-se também pela
denúncia do mal e da injustiça onde quer que se façam presentes. Esse engajamento na denúncia
do mal é a ação profética da igreja. Cavalcanti afirma que essa ação profética se dá “quando
representamos a consciência moral da nação; a voz da ira de Deus contra a iniqüidade.” E
acrescenta que “para sermos adversários dessa iniqüidade, inimigos do mal, não temos necessidade
de pertencer a nenhum partido político, nem sermos candidatos a coisa nenhuma.”81 A luta por
justiça não deve ser a luta pelo poder. O que deve inspirar toda igreja local no protesto e na
afirmação da luta pela justiça e pela paz, pela liberdade e pela honestidade, pela dignidade dos
seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, e por Ele amados, são as sociedades ideais
do Éden e da Nova Jerusalém prometidas à Igreja de Cristo. Como comunidade destinada ao Reino

75 DUSILEK, 1997, p.12.


76 FABIO, 1998, p.53.
77 Idem, p.10.
78 MUZIO, 2004, p.126.
79 Idem, p.128.
80 ROCHA, 2003, p.30.
81 Robinson Cavalcanti citado por ROCHA, 2003, p.119.

16
de Deus, é dever dos salvos assumir um claro posicionamento contra toda tirania e opressão,
violência e exclusão, fome e miséria – resultados dos regimes políticos, ideologias e sistemas
econômicos criados pelos homens pecadores.82

Todas essas são implicações das quais nenhuma igreja local deve fugir. Especialmente se a
igreja local está inserida na cultura ocidental, que “conseguiu ser mais desumana que a romana,
mais cruel que a assíria e muito mais requintada em imoralidade que a de Sodoma e Gomorra”83.
Existir nessa sociedade compromete a igreja local e a torna, ou cúmplice ou agente transformador
dessa realidade.

2. A Igreja Local – Um ícone do


cristianismo do século 21
“Portanto, você, meu filho, fortifique-se na graça que há em Cristo Jesus. E as palavras
que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que
sejam também capazes de ensinar outros.” (1 Tm 2.1-2)

A igreja local, como parte das implicações existenciais da Igreja de Cristo, tornou-se um
dos ícones, ou o ícone do cristianismo moderno. Conseqüentemente, o seu
funcionamento tem se transformado, para muitos, na expressão do que significa ser
cristão. Os escritos do Novo Testamento orientam e fazem compreender que o cristianismo define-
se não como um conjunto de rituais, mas sobretudo como um estilo de vida84. Os “membros” das
igrejas primitivas eram seguidores ousados do Caminho, e confessavam-se adoradores de Deus,
afirmando confiança na ressurreição de Jesus e buscando viver de forma justa, como confirmação
de sua fé.85
Atualmente a igreja local firmou-se de tal forma como uma organização, e de tal maneira
passou a ser identificada por um templo, que esses aspectos passaram a ser mais importantes que
o agrupamento de pessoas. Passando a ícone do cristianismo, a igreja local redefiniu o próprio
cristianismo para aqueles que nela congregam.
Esse papel da igreja local parece sedimentar-se cada vez mais, devido ao grande sucesso
numérico alcançado nos últimos anos, especialmente pela igreja evangélica. Manfred Grellert
admite a bênção do crescimento evangélico brasileiro, enquanto faz questionamentos que afetam
diretamente a igreja local. Diz ele: “[...] minha premissa nesta série de artigos é a aceitação de que
estamos vivendo um avivamento espiritual no Brasil, atestado pela explosão do crescimento das
nossas igrejas evangélicas. Somos uma legião. É verdade que este fenômeno pode ser estudado por

82 CAVALCANTI, Começar de Novo – Superando o pecado estrutural. Ultimato, Julho-Agosto de 2004, p.38
83 GONDIM, 2000, p.108.
84 1 Co 10.31.
85 At 24.14-16.

17
diferentes ângulos. O que me proponho fazer é avaliá-lo pelo ângulo do impacto social. O Brasil
mudou com esse crescimento evangélico? Ou crescem juntas a igreja e a miséria? Temos alguma
incidência sobre políticas públicas que visam o bem comum de todos os brasileiros, especialmente
dos marginalizados e oprimidos? Nosso encontro com o Deus da graça produziu uma agenda de
trabalho sobre a realidade brasileira? Ou estamos encurralados por preocupações meramente
intimistas, individualistas e transcendentais — levar almas para o céu —, incapazes de articular o
significado do senhorio de Jesus Cristo à realidade brasileira?”86

Não bastasse o que levanta Grellert, temos Gondin a denunciar o caráter comercial que domina
muitos cultos evangélicos, afirmando não ser possível mais saber se a igreja existe para levantar
dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja. E ainda: “Canta-se para louvar a
Deus ou para entretenimento do povo? Publicam-se livros como negócio ou para divulgar uma
idéia? Os programas de televisão visam popularizar determinado ministério ou a proclamação da
mensagem? As respostas a essas perguntas não são facilmente encontradas. Cristo não virou as
mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam prestar um serviço aos
peregrinos que vinham adorar no templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam confusos e
que já não se discernia com clareza se o templo existia para mercadejar ou se se mercadejava para
ajudar no culto.”87
Como todo ícone, uma igreja local passa a estabelecer na mente também dos “de fora” uma
definição de cristianismo evangélico. As questões levantadas devem incomodar os líderes da igreja
local, pois denunciam que há um quadro que aponta para desvios. Por quê? Porque a igreja local
não é a Igreja de Cristo, podendo estar mesmo completamente distante dela em identidade, ações
e propósitos. Embora muito facilmente, pregadores aplicam a uma igreja local as declarações
bíblicas referentes à Igreja de Cristo, como se ambas fossem, por definição, a mesma entidade, é
preciso cautela. Essa coincidência é apenas uma possibilidade, não uma certeza. Como advertem
as cartas às sete igrejas no livro do Apocalipse, igrejas locais podem morrer enquanto pensam que
estão vivas88, o que jamais acontecerá com a Igreja de Cristo. Havendo confusão entre as duas,
certamente haverá dificuldades em se trabalhar nem projeto que torne a igreja local mais eficiente.
É, portanto, necessária uma compreensão mais clara da relação entre igreja local e Igreja
de Cristo.

2.1. A Igreja Local e a Igreja de Cristo

A Igreja de Cristo é, em sentido absoluto, a igreja invisível, a que as portas do inferno não
podem resistir, e que jamais será destruída ou morrerá89. Ela também jamais será maculada, sendo
guardada pura por seu Amado, cujo sangue pagou o preço de seu resgate. 90 Em sentido relativo,
uma igreja local pode ser identificada com a Igreja de Cristo. Mas isso precisa ser buscado, não lhe
acontecendo ao acaso.
Brunner entende que a igreja primitiva foi de fato uma comunidade de Jesus Cristo e uma
representação visível da Sua Igreja. Ela era uma comunhão pura de pessoas, que nada tinha do

86 Ultimato. Coluna Avivamento Tupiniquim. Artigo Memória Histórica (Parte II). Manfred Grellert. Julho-
Agosto de 2004. p.61.
87 GONDIM, 2000, p.24.
88 Ap cap. 2 e 3, especialmente a carta à igreja de Laodicéia em 3.14ss.
89 Mt 16.18.
90 Ef 5.25-27.

18
caráter de uma instituição. Quanto às igrejas modernas, segundo Brunner, é “enganoso identificar
qualquer uma das igrejas desenvolvidas historicamente – todas marcadas por um caráter
institucional – com a verdadeira comunidade cristã”.91 Para ele, à medida que se estuda o que foi a
igreja no cristianismo primitivo, é possível, com um mínimo de senso crítico, perceber que “o que
tão facilmente chamamos ‘igreja’, tanto no campo Romano como no Protestante, é muito diferente
do que o Novo Testamento nos apresenta como Ecclesia”.92 E chega a afirmar que, em alguns
aspectos, é desconcertante pensar em nossas igrejas locais como um exemplo da Igreja de Cristo.93
Anders olha de maneira mais positiva para a igreja local e a define como “um grupo de
crentes que concordam em buscar juntos os ideais da Igreja de Cristo”.94 Ferreira define igreja local
de forma mais elaborada, afirmando que ela é “uma congregação de pessoas regeneradas, batizadas,
que, associadas umas às outras, se reúnem, voluntariamente, sob as leis de Cristo e sob um pacto
de fé e comunhão com o objetivo de estender o reino de Deus em suas vidas e nas de outros,
observando as ordenanças de Cristo, exercendo os dons que lhes foram concedidos e praticando a
koinonia, que é a expressão do amor em ação, razão de ser de sua existência como corpo de
Cristo.”95
Sempre que um grupo declaradamente seguidor de Cristo se reúne e, como comunidade,
desenvolve sua vida e dons para a glória de Deus e o crescimento do Reino entre os homens, tem-
se aí uma igreja local. Embora mista, podendo ter em sua composição formal pessoas que não
seguem verdadeiramente a Cristo, essa igreja procura submissão ao domínio do Mestre e produz
frutos característicos da presença do Espírito Santo.
Mas, sempre que um grupo de pessoas que se declara seguidor de Cristo se reúne e, como
comunidade, desenvolve sua vida voltado para si mesmo, promovendo mais a honra de seus
líderes que a glória de Cristo, vivendo mais preocupado com seu próprio crescimento do que com
o do Reino, sendo um guardador mais fiel de seus próprios dogmas e compromissos litúrgicos do
que produtores de frutos característicos da dinâmica do Espírito, mesmo que existam ali
verdadeiros seguidores de Cristo, ele não está existindo como igreja. Trata-se apenas de uma
instituição religiosa que, apesar de seu desvio, pelo poder de Deus, pode levar pessoas a serem
alcançadas pela revelação da graça de Cristo. Mas nessa comunidade dificilmente essas pessoas
amadurecerão como filhos de Deus.
Não se deve pecar pela ingenuidade, considerando toda igreja local como uma expressão
da Igreja de Cristo. Mas também não se deve pecar pelo ceticismo, afastando totalmente a igreja
local de uma identificação com a Igreja de Cristo. A questão que se levanta e que justifica uma
ponderação crítica é a efetividade com que um grupo de pessoas que se declara igreja, vive e
persevera nos valores implicados nessa declaração. Porque muitos líderes eclesiásticos jamais
duvidaram da identidade de suas congregações, percebe-se um empobrecimento do testemunho
cristão, ao mesmo tempo em que igrejas se multiplicam e crescem.
A eclesiologia tem contribuído grandemente para essa falta de crítica, pecando por falta de
definição de termos. Tratam-se as igrejas locais, muitas vezes em condições aplicáveis somente à
Igreja de Cristo, enquanto deixa-se de discutir seus desvios. O “mercado” se ressente da falta de
uma abordagem mais realista, menos idealista, da igreja local. Afirmações como “A igreja sempre
foi, é e será relevante”96 alimentam a alienação e fortalecem posições equivocadas. Se as igrejas
fundadas pelos apóstolos perderam-se no tempo e morreram, porque se pretende que as demais

91 BRUNNER, 2000, p.22.


92 Idem, p.8.
93 Idem, p.22.
94 ANDERS, 2001, p.25.
95 FERREIRA, 2001, p.19.
96 FERREIRA, 2001, p.31.
19
existam fora desse risco real? Somente a Igreja de Cristo é indestrutível e relevante, sempre. É
preciso perceber que uma igreja local pode, já há muito, ter perdido sua relevância, tanto para a
sociedade quanto para o Reino. Já a Igreja de Cristo é outra coisa. Considere-se o caráter
institucional da igreja local – aspecto importante na construção de um modelo de contextualização.
Brunner afirma que o caráter institucional tem dominado as igrejas locais, nas diversas
denominações. Sua leitura histórica é a de que os aspectos formais incorporados pelas igrejas locais
causaram uma transformação, roubando-lhe o caráter de comunidade de pessoas.97 E isso alterou
profundamente sua essência, comprometendo sua identidade.98
Embora igrejas locais sejam uma condição da Igreja de Cristo em sua existência visível e
histórica, nenhuma igreja local pode considerar-se, por definição, uma verdadeira expressão da
Igreja de Cristo. Uma igreja local pode conter parte da Igreja de Cristo, como um vaso99 e, na
medida em que é dominada pelo Espírito de Cristo e existe para a proclamação e propagação do
Reino de Deus entre os homens, identificar-se como Igreja de Cristo e colocar-se debaixo de
promessas dirigidas primariamente a ela. Nas palavras de Brunner, “a tarefa diante das igrejas
não pode ser a de tornar-se a Ecclesia – isto é uma completa impossibilidade – mas somente a de
promover o crescimento da Ecclesia ou, ao menos, não impedi-lo – algo que não se pode considerar
óbvio”.100

2.2. A Necessidade de Uma Avaliação Para a Igreja Local

Cada igreja local precisa estar preocupada e ocupada com sua identidade como comunidade
do Reino. Estratégias, modelos e formas organizacionais, que num dado momento podem servir ao
propósito para auxiliar uma igreja local no cumprimento de sua missão, podem também, mudadas
as circunstâncias, constituir obstáculos a esse mesmo fim.
Keller & Thompson propõem cinco ênfases que, predominando exageradamente numa
igreja local, caracterizam distorções101 e comprometem sua identidade:
 ênfase no ensino (teologia): igrejas tipo “salas de aula”, caracterizadas por apresentarem
excelentes pregadores, mas carentes de comunhão e formalistas em sua adoração;
 ênfase na adoração (contato com o sobrenatural): estruturadas sobre o predomínio de
louvor e adoração nos cultos. Por serem tolerantes com expressões emocionais, são também
mais tolerantes com os que estão em luta e com os tipos marginais da sociedade, mas podem
pecar pela falta de profundidade bíblica;
 ênfase na comunhão (cuidado mútuo): presença de muitos ministérios que “percebem as
necessidades” das pessoas, mas sem estudo sério das escrituras e pouco voltadas para
aspectos espirituais da luta da igreja;
 ênfase em missões: orientadas para a evangelização e testemunho; mas fracas na edificação
e, muitas vezes, na própria manutenção dos frutos da evangelização;
 ênfase na ação social: desafiam todos os seus membros a se identificarem com as pessoas
da sociedade que sofrem, mas podem estar deixando de confrontar seus pecados e promover
cuidado com a vida dos membros.

97 BRUNNER, 2000, p.90.


98 Idem, p.60.
99 BRUNNER, 2000, p.124.
100 Idem, p.114.
101 KELLER & THOMPSON, 2002, p.113-115.

20
Pesa sobre a igreja local o desafio de ser equilibrada e crescer quantitativamente,
qualitativamente e organicamente. Liderar uma igreja local impõe a necessidade de uma avaliação
que revele o seu estado quanto ao crescimento e condições operacionais.
Keller & Thompson propõem ainda dois eixos capazes de demonstrar o estado de equilíbrio
ou desequilíbrio, maturidade ou imaturidade de uma igreja local102. São eles:
 Eixo da Lei-Amor: significa que a igreja tem que entender o evangelho através de uma
ênfase equilibrada tanto na santidade de Deus como no Seu amor, cuja síntese para a
humanidade está na graça oferecida pela morte de Cristo na cruz;
 Eixo da Teologia-Espiritualidade: significa que a igreja precisa dar ênfase equilibrada e
complementar à doutrina e à experiência da presença de Deus.

Igrejas que se Igrejas que se


ESPIRITUALIDADE AMOR
concentram neste concentram neste
quadrante quadrante tendem a
tendem a ser ser misericordiosas,
vibrantes, porém mas não exercitam
vazias, sem seus membros na
consistência. disciplina.

Igrejas que se Igrejas que se


concentram neste concentram neste
quadrante quadrante tendem a
tendem a ser ser profundas em
disciplinadoras, conhecimento, mas
mas não frias em adoração e
demonstram serviço.
misericórdia.
LEI TEOLOGIA

FIGURA 3.1 Eixos para o equilíbrio da igreja local

Tendo em vista referenciais como esses, é possível uma avaliação da condição de uma
igreja local, para se perceber seu nível de equilíbrio ou desequilíbrio. Em caso de desequilíbrio, ela
corre o risco de estabelecer-se como uma instituição religiosa enquanto pensa ser Igreja. Pode
orgulhar-se de seus programas e freqüência, enquanto caminha na história em deplorável
mediocridade.
O que cada igreja local é depende de sua própria diligência em orientar-se pelos critérios e
princípios de vida, dinâmica de serviço e devoção propostos nas Escrituras. Grudem propõe um
interessante gráfico em que representa essas possibilidades: igrejas falsas e igrejas verdadeiras.
Entre as verdadeiras, há as que são mais puras e as que são menos puras. A pureza de uma igreja
“é seu grau de isenção de doutrina e de conduta errôneas e o seu grau de conformidade com a
vontade de Deus revelada”.103Cada igreja local deverá trabalhar para ser verdadeira e mais pura. E
para isso, precisará avaliar-se e abandonar a ingenuidade de pensar que tudo está bem “por
definição”, uma vez que carrega o nome de “igreja”. Ou faz isso, ou poderá caminhar para o lado
esquerdo do gráfico de Grudem104.

102 Idem, p.245-247.


103 GRUDEM, 1999, p.733.
104 GRUDEM, 1999, p.733.

21
ENTRE AS IGREJAS
VERDADEIRAS, HÁ IGREJAS
MAIS PURAS E MENOS PURAS

Falsas Igrejas Igrejas Verdadeiras


Menos Mais
puras puras

FIGURA 3.2 – Categoria de Igrejas – Wayne Gruden

2.3. Adaptações, Desvios e Relevância da Igreja Local

Como advertem Watson & Brown, “é um processo comum em qualquer organização, à


medida que cresce e os anos se passam, voltar-se mais e mais para as demandas internas, acabando
por perder contato com o mundo externo”. 105 Assim, ela perde relevância e tende a lutar pela
perpetuação do passado, em detrimento do cumprimento de sua missão.
O cristianismo evangélico há muito saiu da crise de lutar pela própria sobrevivência,
vivendo, na verdade, um período de popularidade sem paralelo106. Que o digam as estatísticas do
último censo brasileiro, que motivou reportagens de capa em revistas cristãs e seculares. 107 Viver
os momentos de bonança, em alguns sentidos, está sendo uma prova mais difícil para o cristianismo
evangélico do que foi viver os momentos de luta. O efeito nas igrejas locais parece ser o de
provocar-lhes o esquecimento da razão para a qual existem.
São diversos os sintomas de uma igreja local nessa condição. Alguns são característicos
dos tempos atuais:

a) Confundir Não-absolutos Com Absolutos: na visão de Getz, um dos problemas-chave da


igreja evangélica, especialmente a partir do século XX, foi ter deixado que os não-absolutos se
tornassem absolutos, permitindo que o ‘jeito de fazer as coisas’ fosse visto como a norma para se
fazê-las.108 De modo às vezes imperceptível, mas constante, foi sedimentada a sacralização das
adaptações e a perenização do que é temporal e circunstancial, ao mesmo tempo em que os meios
e métodos tornaram-se fins em si mesmos, perpetuando-se na mente dos membros, gerando uma
estrutura rígida e inflexível.109 O que precisa ser visto como absoluto e, portanto,
supracultural? E o que precisa ser visto como não-absoluto e, portanto, cultural? A tabela a seguir,
inspirada na abordagem desenvolvida por Getz110 oferece uma resposta:

105 WATSON & BROWN, 2003, p.95.


106 GETZ, 1994, p.293.
107 Censo 2000 e revistas como a cristã Comunhão e a secular Veja.
108 GETZ, 1994, p.88.
109 Idem, p.294.
110 Idem, p.47. Getz não apresenta esta tabela, apenas trata o assunto. A apresentação feita aqui é iniciativa do autor deste trabalho,

retratando, todavia, exatamente o que expressa Getz.


22
A IGREJA LOCAL E SEUS
ABSOLUTOS NÃO-ABSOLUTOS
Forma: o modo como se fazem as coisas ou
Função: posições a ocupar e
como se efetiva o cumprimento das
responsabilidades envolvidas.
responsabilidades de cada função.
Princípio: expressão de valores Padrão: as melhores formas e maneiras de
fundamentais do cristianismo e que devem atuação, considerando-se o contexto, a
determinar o procedimento de todo cristão. situação e os recursos disponíveis.
Organização: a formalização dos aspectos
Organismo: a visão da igreja como Corpo administrativos envolvidos na existência da
de Cristo e as implicações decorrentes disso. igreja e que decorrem dos recursos
disponíveis, legislação e contexto.
Verdade: em sua essência, a pessoa de Jesus Tradição:111 o modo como costumeiramente
e tudo que ensinou, bem com as revelações se faz algo, desde tempos anteriores ao
que Deus faz em sua Palavra, como forma momento atual, e que se perpetuou por
de dar-se a conhecer aos homens. diversas razões.
Mensagem: a comunicação do Evangelho de Método: processo elaborado para realização
Cristo, que pelo amor de Deus aos homens, de atividades, cumprimento de tarefas ou
morreu e ressurgiu ao terceiro dia, e as conquista de objetivos, que expressa a
implicações temporais e eternas desses fatos compreensão do problema e a forma
para a vida de cada homem. considerada ideal na aplicação dos recursos.
TABELA 3.1 A igreja local e seus absolutos e não-absolutos

b) Religiosidade Sem Impacto: uma pesquisa feita entre vinte e cinco líderes evangélicos de
renome nos Estados Unidos112, quanto à percepção do estado geral dos evangélicos daquele país,
revelou preocupações aplicáveis, sem qualquer dificuldade, ao caso brasileiro. As principais diziam
respeito a:
Identidade incerta: confusão quanto ao que significa ser evangélico;
Desilusão institucional: questionamento da relevância ministerial;
Falta de liderança: esvaziamento/empobrecimento da liderança
Crescimento positivo, impacto negativo: falta de testemunho, diluição da verdade.

c) Perda do Senso de Missão e Propósito: uma igreja local estará desarticulada de sua missão
sempre que qualquer aspecto de sua organização, pessoa de sua liderança ou anseio de sua
membresia constitui poder maior para conduzi-la do que seu compromisso de servir a Cristo e
cumprir sua missão para com Deus, consigo mesma e com o mundo.

d) Divisão Entre Clero e Leigos: Stedman argumenta que o problema caracteriza-se pelo
abandono do princípio bíblico que estabelece o sacerdócio universal dos crentes, firmando que “O
conceito bíblico de que todo crente é um sacerdote diante de Deus foi se perdendo aos poucos,
111 É importante ressaltar que Getz não distingue aqui tradição – herança do passado – de tradicional – o que vem sendo feito desde o passado.
Essa distinção é feita mais à frente, neste capítulo. Aqui apenas acompanha-se a proposição como foi feita.
112 Pesquisa realizada por John Seel em 1995, citada por SOUZA, 2002, p.20.

23
surgindo um corpo especial de supercristãos que eram procurados praticamente para todos os fins
e assim acabou sendo chamado de ministério (ou o pastorado). Agora, Efésios 4 deixa bem claro
que todos os cristãos estão nos ministérios. A tarefa própria dos quatro ministérios de apoio que
examinamos é treinar, motivar e servir de suporte às pessoas no trabalho do seu próprio ministério.
Quando o ministério foi, portanto, relegado aos profissionais, não sobrou nada para as pessoas
fazerem a não ser vir à igreja e ficar escutando. Dizia-se-lhes que era sua responsabilidade trazer o
mundo para dentro do edifício da igreja, a fim de ouvir o pastor pregar o evangelho. Em breve o
cristianismo se tornou nada mais, nada menos do que um esporte de espectadores, muito parecido
com o futebol: 22 homens em campo, desesperadamente precisando de descanso, e 20 mil nas
arquibancadas, desesperadamente precisando de exercício!”113

e) Ênfase Doutrinária, Mas Superficialidade na Vida: estamos enfatizando a doutrina correta e,


muitas vezes, negligenciando a qualidade de vida das pessoas. Um importante critério de avaliação
da maturidade espiritual é, com freqüência, ‘em que a pessoa crê’ e não ‘a maneira como ela
vive’.[...] É possível entrar em algumas igrejas evangélicas e descobrir pouca diferença de estilo
de vida entre seus membros e os não-cristãos114
Num interessante artigo intitulado Living a Distinctly Christian Life115 (Vivendo uma vida
cristã autêntica), o autor faz referência a dois estudos realizados nos Estados Unidos. O primeiro,
levado a efeito em 2000, ouviu seis mil adultos, entre pessoas que se identificavam como “cristãos
que experimentaram o novo nascimento” e pessoas que se afirmaram não-cristãs. Aos dois grupos
foram apresentadas 66 descrições de práticas religiosas e crenças nucleares da fé cristã. O resultado
mostrou que os declaradamente cristãos tinham atitudes diferentes dos não-cristãos apenas em 9
dos 66 fatores. Ou seja, diante de uma lista de requisitos para uma vida cristã, os cristãos reagiam
quase exatamente como os não-cristãos.
O outro estudo ouviu não-cristãos sobre o que fazia dos cristãos pessoas diferentes do que
eles mesmos eram. Conclusão das respostas dadas: cristãos vão à igreja com mais freqüência e
julgam mais os outros que os não-cristãos. O artigo afirma que “os cristãos não vivem de forma
diferente dos não-cristãos simplesmente pelo fato de que não pensam de forma diferente! E a razão
de não pensarem de forma diferente é porque podem não entender a própria fé. Os cristãos podem
saber algumas histórias da Bíblia, personagens e até mesmo princípios, mas não constroem uma
visão de mundo coerente com o que sabem. E tal visão de mundo é o que atua como um filtro
intelectual e moral para seus pensamentos e ações, permitindo uma avaliação das conseqüências
de suas escolhas.”116 De fato, a qualidade dos discípulos que as igrejas, de um modo geral, têm
produzido, está “abaixo dos níveis mínimos de saúde bíblica”.117

f) Humanização da Igreja: Souza define “humanização da igreja” como a “situação na qual o ser
humano se tem alçado ao posto de razão da existência da igreja, isto é, a igreja está voltada quase
que exclusivamente para o homem e seus interesses”.118 Uma igreja local cai nesse desvio quando
seus membros passam a considerar Deus um recurso a mais para fazer suas vidas darem certo. A
igreja é transformada então “num centro de gratificação pessoal”.119 A revista Ultimato, no artigo
“A aliança da globalização com a religião”, afirma que “A religiosidade pós-moderna é uma

113 STEDMAN, 1994, p.80.


114 GETZ, 1994, p.304.
115 Artigo assinado por George Barna, recebido via Internet pelo autor deste trabalho em 23/06/04.
116 Artigo assinado por George Barna, recebido via Internet pelo autor deste trabalho em 23/06/04.
117 FABIO, 1998, p.92.
118 SOUZA, 2002, p.15.
119 GONDIM, 2000, p.117.

24
espécie de religiosidade de resultados, que invoca as forças celestes para garantir as ambições
terrenas dos fiéis. Jesus, que deu sua vida para trazer uma nova palavra aos homens, hoje é invocado
como uma espécie de fiador de projetos de ascensão social de suas ovelhas e, sobretudo, de muitos
pastores e pastoras oportunistas.”120
Há uma segunda forma de essa humanização se estabelecer: quando os líderes assumem a
igreja local como seu empreendimento pessoal e, pelo que realizam por meio dela, esperam entrar
para a história e serem reconhecidos como “notáveis empreendedores que construíram grandes
impérios religiosos”. 121 A igreja precisa de um ministério biblicamente autêntico para ser
biblicamente autêntica. E o que define a autenticidade do ministério de um pastor ou qualquer outro
líder, além dos princípios bíblicos corretos, são as suas intenções. “Se por trás de sua pregação
existe um projeto empresarial, ainda que pregue as mais belas mensagens do mundo, pode ser
descartado como mercadejador da Palavra”.122

g) A Institucionalização da Igreja: esse sintoma está sendo citado aqui em último lugar, mas
poderia ser considerado a raiz ou fonte dos anteriormente citados. Todo movimento que cresce
corre o risco de tornar-se institucionalizado, perdendo as características que marcaram seu
nascimento. Portanto, o crescimento, algo tão desejado, é também uma ameaça, pelo que
proporciona com a transformação do ambiente e pelas exigências administrativas que impõe.
Getz123 propõe nove sintomas característicos do institucionalismo na igreja local:
1. A forma e a estrutura tornam-se mais importantes do que as pessoas;
2. Preocupação excessiva em cumprir o papel atribuído pela organização – perda de
pessoalidade;
3. Perda de individualidade e criatividade – criação informal de padrões repetidos como
norma;
4. Perda de espontaneidade – o ambiente torna-se repressor;
5. As pessoas servem mais à organização do que aos objetivos que fizeram a organização
nascer, ou seja, os meios tornam-se os fins;
6. Perda de comunicação – comunicação ineficiente ou ausente;
7. Falta de cooperação e presença de competição;
8. Perda de entusiasmo e presença de muitas críticas à organização e aos que a representam,
especialmente seus líderes;
9. Muitas pessoas passam a nutrir um pensamento de que não são importantes, devido aos
sintomas anteriores.
Ed René Kivitz, pastor da Igreja Batista de Água Branca, propõe três paradigmas
eclesiásticos124 que ilustram o desvio sofrido pela igreja e sua versão tradicional e pós-moderna, e
que ilustram o que se acaba de afirmar:

TRÊS PARADIGMAS ECLESIÁSTICOS


CONCEITO NOVO TESTAMENTO TRADICIONAL PÓS-MODERNO
Ekklesia Corpo Vivo Instituição Mailing list

120 Ultimato, coluna Mais do que Notícias, artigo A aliança da globalização com a religião. Julho-Agosto de 2004. p.19.
121 SOUZA, 2002, p.23.
122 GONDIM, 2000, p.134.
123 GETZ, 1994, p.286.
124 REGA, Apostila A Anatomia da Igreja: Seis estudos sobre a igreja, p.28.

25
Mundo Perdido Imundo Mercado
Crescimento Multiplicação Adição Massificação
Conversão Transformação Adesão Satisfação
Ministros Santos Clero Gurus
Pastores Pessoas-dons Bacharéis Empreendedores
Espiritualidade Experiencial Sensorial Esotérica
Bênção Dádiva Conquista Produto
Sucesso Fidelidade Diplomacia Performance
Celebração Atitude Liturgia Show
Paradigms Eclesiásticos – Ed René Kivitz

Brunner entende essa institucionalização como uma decorrência da falta de vida espiritual:
“A organização da igreja e, em particular, sua administração legal, é uma medida compensatória
que se torna necessário adotar em tempos e lugares onde está faltando a plenitude do Espírito”. 125
E essa é, de fato, uma possibilidade que poderia levar alguns à considerar qualquer aspecto
institucional como um mal em si mesmo, o que não corresponderia à verdade, pois
institucionalismo não é o mesmo que organização como instituição. No primeiro caso, os meios
tornam-se fins. No segundo, os meios são usados para os fins.

2.4. A Igreja Local e Sua Relação com a Cultura

Cultura é “todo o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costumes e
quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.
126
Pode ainda ser explicada como “os sistemas mais ou menos integrados de idéias, sentimentos,
valores e seus padrões associados de comportamento e produtos, compartilhados por um grupo de
pessoas que organiza e regulamenta o que pensa, sente e faz”. 127
Examinando-se o Evangelho a partir da cultura e considerando-se a necessidade de
contextualização, perceber-se-á que sua linguagem, para cada cultura, precisará ser sempre
diferente, “porque a boa nova precisa envolver-se num diálogo contínuo com a cultura e as
percepções locais”.128
No mundo ocidental, uma criança normal terá gastado, dos seis aos 18 anos de idade, mais
ou menos 16 mil horas assistindo a programas de televisão e outras quatro mil horas ouvindo rádio
ou vendo filmes. 129 Mesmo entre os evangélicos, possivelmente os números não sejam muitos
diferentes. Isso significa que uma igreja local estará lidando sempre com pessoas impregnadas pelo
pensamento da época e precisará interagir a partir desse paradigma.

125 BRUNNER, 2000, p.57.


126 Edward Burnett Tylor citado por SILVA, 2002, p.67.
127 Paul G. Hiebert citado por SILVA, 2002, p.67.
128 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.112.
129 GONDIM, 2000, p.156

26
Uma simples crítica ou rejeição à cultura não representa, efetivamente, nenhum trabalho
realizado. A igreja local precisa anunciar o Cristo que transforma a cultura.130 Pessoas cuja cultura
tem sido transformada por Cristo serão agentes transformadores de seu contexto. E isso se faz por
meio da vida e não somente da mensagem. A igreja deve demonstrar uma diferença que o mundo
desconheça, que gere uma influência positiva. Esse parece ser o modelo antecipado por Jesus aos
seus discípulos, quando disse que eles eram o sal para a terra e a luz para o mundo.131
A respeito da tensão existente entre Cristo e a cultura, uma obra clássica escrita por H.
Richard Neiburgh apresenta cinco categorias de relacionamento possíveis:132
1. Cristo contra a cultura – o que impõe uma completa rejeição à cultura, como
manifestação de fidelidade a Cristo.
2. O Cristo da cultura – o que impõe a Cristo uma adaptação, tendo em vista a cultura.
3. Cristo acima da cultura – o que impõe uma categoria existencial a um e a outro que
inviabiliza qualquer relação, seja de oposição ou adaptação.
4. Cristo e a cultura em paradoxo – o que impõe um paradoxo entre os dois e exige do
cristão a capacidade de administrar essa tensão, visto que ambos são autoridade sobre
sua vida.
5. Cristo, transformador da cultura – o que impõe à cultura a necessidade de ser
transformada pelo poder de Cristo, não no sentido de aniquilá-la, mas de conduzi-la a
uma condição em que possa glorificar a Deus.

A cultura de um povo é um ambiente legítimo para que a mensagem e os seguidores de


Cristo com ela se envolvam e, a partir dela, se manifestem, uma vez que não há somente o que
rejeitar na cultura de cada sociedade. A igreja local deve, por exemplo, reconhecer e compreender
os efeitos culturais da revolução na comunicação, e pode adaptar-se a eles, 133 sem que isso
represente desvio da verdade que precisa anunciar. Alem disso, referenciais históricos, estilos
relacionais e muitas manifestações culturais são conciliáveis com o Evangelho.
A igreja local deve compreender os efeitos da cultura no estilo de vida, especialmente de
nossa juventude, e “aprender a distinguir entre o que é uma violação dos princípios bíblicos e o que
é uma violação das normas culturais que viemos a aceitar como absolutas”, 134 pois é comum o
conflito das gerações na compreensão de muitos limites e estilos que determinam as relações
sociais. Há necessidade de clareza dos valores que a igreja local deve defender e anunciar, sem
confundi-los com a forma utilizada em outros tempos ou outra cultura para anunciá-los ou fazê-los
presentes na vida. É preciso distinguir a verdade presente na história da história presente na
verdade.
Se a igreja pretende ganhar a sua sociedade secular circundante, ela precisa encarnar-se
nela. Isto significa assumir Jesus de Nazaré em nossa vida, dentro de nossa cultura concreta, a fim
de que Ele se torne cidadão de cada uma das culturas deste mundo. A igreja precisa ver as situações
históricas e concretas de modo pertinente e participativo. Ela não pode ser, de modo algum, uma
comunidade paralela. Não somos sal do sal, nem luz da luz; somos sal da terra e luz do mundo.135
As igrejas locais em nosso país podem não estar levando mais pessoas a Cristo por
manifestarem-se mais como uma subcultura dentro de nossa cultura. Ao agir assim, seus membros

130 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.99


131 Mt 5.13-16.
132 NIEBURH, H. Richard, Cristo e a Cultura, citado por REGA em Novos Horizontes da Ética Cristã, como um dos escritores de

Chamado Para Servir: Ensaios em Homenagem a Russel P. Shedd, 1994, p.212.


133 GETZ, 1994, p.318.
134 GETZ, 1994, p.320.

135 FABIO, 1998, p.50-51.


27
não encarnam Cristo na realidade brasileira, tornando-se comunidades divorciadas do contexto em
que estão presentes.136 O poder do Evangelho se manifesta, especialmente, quando ele está “na
cultura”, o que se torna possível com a contextualização. Nele, temos elementos “acima” da cultura
e outros “contra” a cultura. E isso se estabelece pela transformação da cultura que Cristo promove
em cada pessoa convertida.

2.5. A Igreja Local e a Tradição

Há várias compreensões possíveis para o que se pode denominar tradição cristã. Entretanto, quatro
noções de tradição tornam-se altamente relevantes aqui:
 Noção cristã primitiva: a tradição necessariamente está envolvida com a revelação única
de Deus nos fatos históricos concernentes a Jesus. Portanto, essa é uma noção que nos
remete à verdade de que “pregar o Evangelho significa, necessariamente e sempre,
transmitir (ou retransmitir) um relato do que aconteceu para a salvação do homem”.137
Desse ponto de vista pode-se afirmar que “sem tradição não há Evangelho”, 138 e não
somente isso, mas todas as tradições posteriores precisam ser “julgadas pela medida de sua
conformidade com este testemunho fundamental”.139 Portanto, trata-se de uma noção ligada
ao significado da palavra no latim - traditìo, ónis – ação de dar; entrega.140
 Noção católica primitiva: o princípio da tradição baseado na continuidade da mensagem,
que deveria ser preservada e repassada às gerações seguintes, foi substituído por um outro.
Dentro da noção católica primitiva, a ênfase sai da mensagem e recai sobre o ofício (a
pessoa que deve transmitir a mensagem). Assim, “a tradição consistia na continuidade da
sucessão no ofício, ou na legitimidade”. 141 Era a criação de um segundo e totalmente
diferente “meio de garantir a autenticidade da tradição”.142 O catolicismo primitivo “não
apenas estabeleceu e definiu o Canon do Novo Testamento como o testemunho normativo
fundamental, mas também criou, para garantir essa autenticidade, o ofício contínuo do
bispo como o dos apóstolos”.143 A história tem demonstrado que essa inovação colocou em
risco o próprio fim para o qual fora criada.
 Noção neo-católica romana:144 essa nova fase se estabelece a partir do século XII. A Igreja
Católica começa a viver uma nova e mais elaborada forma de organização pela introdução
de princípios presentes na forma de governo do estado. O papa torna-se um legislador, não
mais somente o sucessor autêntico dos primeiros transmissores da mensagem. A igreja
torna-se uma corporação governada pelo papa. “No neo-catolicismo uma nova (legal)
pessoa se interpôs entre Cristo e o cristianismo – a Igreja como uma corporação [...] Cristo
mantém influência em Sua cristandade apenas através dos meios da Igreja, isto é, a

136 Idem, p.56.


137 BRUNNER, 2000, p.41.
138 Idem, p.41
139 Idem, p.42
140 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, p.2.745.
141 BRUNNER, 2000, p.43.
142 Idem, p.42.
143 Idem, p.42.
144 É relevante esclarecer que essa clara distinção entre o primitivo e o neo-catolicismo é mérito exclusivo de um jurista evangélico

chamado Rudolph Sohm. Isso é afirmado por Emil Brunner, que acrescenta ser essa uma matéria pouco conhecida dos teólogos,
encontrada no segundo volume póstumo e não acabado de sua Lei Canônica – Canon Law, Vol. 2, Catholic Law, citado por
BRUNNER, 2000, p.49.
28
organização eclesiástica.”145 Devido a isso, pode-se afirmar que “os reformadores são os
verdadeiros tradicionalistas; eles tinham mais seriamente a idéia da tradição como
preservação do Evangelho original”.146
 Noção popular-secular: o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dá, dentre outras, as
seguintes interpretações ao vocábulo “tradição”: ato ou efeito de transmitir ou entregar;
transferência, ato de conferir; herança cultural, legado de crenças, técnicas etc. de uma
geração para outra; e tudo o que se pratica por hábito ou costume adquirido, uso, costume.147

Dentro do cristianismo protestante, muitas vezes o vocábulo “tradição” tem assumido o


significado aludido pela noção popular-secular. No caso brasileiro, com o recebimento dos norte-
americanos de uma certa forma de existir como igreja e um certo estilo de cultuar, muitas igrejas
locais incorporaram esses aspectos puramente culturais e os elevaram ao status de uma santa
tradição. Mas, não bastasse a herança norte-americana, atualmente muitas igrejas locais fazem
reviver tradições judaicas e outras, importadas de alguma cultura ou época, como se fossem
relevantes e enriquecedoras para a espiritualidade de seus membros. Com isso a igreja local se
distancia de seu contexto e se transforma numa aberração cultural à vista das pessoas que deveria
alcançar. Como afirma Bráulia Ribeiro, “Infelizmente nosso ‘Jesus’ evangélico não é brasileiro.
Ele é internacional, e por internacional leia-se americano-europeu do norte. Este “Jesus” fala inglês,
louva medievalmente para algumas denominações e hosana-music-vineyardmente para outras.
Mas, como um religioso fariseu, coloca-se sempre à parte da cultura, acima dela, desprezando-a
completamente em vez de restaurá-la, redimi-la, legitimá-la, comunicando-se com ela. Este “Jesus”
fariseu-evangélico ora pelas praças usando shofares (o que é isto?), proclamando-se santo e
desprezando tudo e todos ao seu redor. Fala num jargão de gueto cultural, comunica-se apenas com
seus “iniciados” e sua mensagem é obsoleta e irrelevante para a população em geral.”148
Optar por qualquer outra noção de tradição que não a cristã primitiva condicionará a igreja
local a um estilo de vida que pouco fará por sua geração. Uma igreja local precisará escolher não
estar voltada à preservação de si mesma, se deseja servir ao Reino. Ela terá de aceitar o desafio de
se contextualizar e desmistificar sua forma e seus métodos, submetendo-os à missão
neotestamentária para a Igreja. 149 Isso exige trabalho, dedicação e submissão ao Espírito, que
conhece a verdade além da história e pode conduzir cada comunidade de salvos à relevância
histórica pelo anúncio contextualizado da verdade.

2.6. A Igreja Local e os Desafios de um Contexto Urbano

O trabalho de contextualização de uma igreja local precisa ser feito, esteja ela onde estiver
– num contexto rural ou urbano – mas os desafios serão diversos. O líder que mantiver e usar os
mesmos modelos do passado provavelmente fracassará, em especial se atuar no contexto urbano.
No Brasil, 75% da população vive nas cidades.150 Como deveria ser uma igreja local capaz de atuar
com efetividade como um agente de transformação nas cidades brasileiras? As cidades apresentam

145 BRUNNER, 2000, p.49.


146 Idem, p.51.
147 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, p.2.745.
148 Ultimato. Seção “Da Linha de Frente”, Artigo “Sobre Música do mundo e música do (sub, sobre, extra, fora, ex, para outro?)

mundo”. Assinado por Bráulia Ribeiro. Julho-Agosto de 2004. p.44.


149 MORRIS, 2003, p.71.
150 Idem, p.79.

29
à igreja local múltiplos desafios que precisarão ser compreendidos e vencidos. Pelo menos dez
características devem estar presentes:

a) Capacidade de Transpor as Barreiras Impostas pela Privatização da Vida: a violência e o


ritmo acelerado com que a vida se desenvolve nas cidades promovem, juntamente com outras
forças, o individualismo e, conseqüentemente, uma vida cada vez mais privatizada. As pessoas se
fecham em seu mundo particular e dispõem-se a relacionamentos cada vez mais restritos. Num
ambiente assim, alcançar pessoas exige a capacidade de penetrar seus mundos e ganhar sua
confiança e amizade. Embora fechadas, são carentes de relacionamentos consistentes e amizades
verdadeiras. Keller & Thompson afirmam que no início deste século, os principais meios de
evangelização das igrejas eram as cruzadas evangelísticas (entre as décadas de 30 e 60) e a visitação
evangelística (entre as décadas de 60 e 90). Na última década do século XX, as igrejas procuram
evangelizar por meio de redes de relacionamentos ou por amizade. 151 A igreja local precisa
capacitar seus membros e desenvolver sua capacidade de evangelização por amizade. É preciso
que seus líderes compreendam que a evangelização por amizade pressupõe o cultivo de uma
mentalidade apropriada e não a elaboração de programas.152 Programas poderão ser usados, mas
somente de forma secundária. É necessário que a igreja local desenvolva uma atitude coletiva
voltada para relacionamentos e testemunho pessoal.

b) Resistência à Epidemia do Pragmatismo: uma das marcas urbanas é a facilitação da vida,


desde que se possa pagar. Há um forte espírito pragmático, em que todos desejam que todas as
coisas tragam consigo a instantaneidade. Por isso, igrejas locais em centros urbanos são facilmente
dominadas pela idéia do que funciona, ocupando-se mais do que “dá certo” e menos do que “é
certo”. Uma igreja local urbana deverá ser capaz de vencer a tentação de obter sucesso rápido ou
a qualquer preço. O risco que ela corre é a de se moldar e, em lugar de se contextualizar, se
transformar em algo atrativo para a cultura ou contexto. Como salienta Gondim, “qualquer credo
ou confissão religiosa que souber promover um culto com as mesmas características da chamada
cultura pop153 [...] experimentará um crescimento vertiginoso”.154

c) Capacidade de Sintetizar Fé e Obras: igrejas em contexto urbano precisam perceber o clamor


social ao seu redor e não cair na postura fundamentalista que tem olhos apenas para a situação
espiritual das pessoas e despreza suas necessidades físicas e emocionais. Mas também devem evitar
a postura liberal baseada apenas no atendimento social. Como uma síntese de fé e obras, as igrejas
locais urbanas devem ser habilidosas e enfáticas no sentido de converter pessoas a Cristo, mas
também diligentes em renovar os aspectos sociais, econômicos e culturais da cidade. 155 Nesse
sentido, um exemplo de sucesso em ministério urbano é o Exército de Salvação. Na palavra de um
de seus líderes, ele é uma organização “transcontinental de dois bilhões de dólares que atende a
trinta milhões de clientes com uma mão-de-obra que, pelos padrões materiais, é muito mal paga
pelo volume de serviço que realiza. As recompensas que oferecemos são espirituais. Nosso
‘pagamento’ é medido pelas oportunidades de desenvolvimento significativo em áreas desafiadoras
e pela satisfação que sentimos na alma em servir aos necessitados. [...] O modelo de serviço é o

151 KELLER&THOMPSON, 2002. p.150-151.


152 Idem.
153 Cultura pop, conforme definida por Richard Hamilton, artista inglês, citado por GONDIM (2000, p.17), é “dirigida às massas,

compreensível sem exigir reflexão, facilmente substituível por outra emoção, produzida às pressas, sensual, glamourosa, aética e
sempre visando o máximo lucro”.
154 GONDIM 2000, p.18.
155 KELLER&THOMPSON, 2002. p.45.

30
exemplo de compaixão e de amor sem preconceito deixado por Cristo.”156 Ao ser fundado, em
1865, o Exército de Salvação surgiu como uma das “várias ramificações saídas das denominações
tradicionais cuja inspiração consistia em ir aonde nenhuma das igrejas estabelecidas ousava ir”.157
Os primeiros cultos do Exército foram descritos como simples e amigáveis: todos eram bem-
vindos, não havia bancos reservados e ninguém olhava com ar de censura para os que porventura
não estivessem trajando a roupa de domingo.158

d) Conquistar Distinção Como Resposta ao Intelecto e às Paixões Modernas: sua situação no


contexto urbano coloca a igreja local diante de uma infinidade de expressões místicas, filosóficas
e espiritualistas. Há psicanálise, psicodrama, gestalt, bioenergética, biodança, grito primal, runas,
tarô e meditação transcendental, entre outras. Há a mídia que, seguindo essas correntes de
pensamento, ajuda a construir um estilo de vida escravo dos desejos e paixões, que supervaloriza
os impulsos como sendo todos naturais e saudáveis. A igreja disputa esse espaço com uma
desvantagem: sua mensagem parece intolerante e antiecumênica.159
Não bastassem esses desafios, surgem igrejas evangélicas que contrariam valores afirmados pelo
cristianismo desde seu surgimento. Um exemplo disso é a Igreja da Comunidade Metropolitana,
uma igreja para homossexuais que no Brasil, tem sede no Rio de Janeiro e é liderada pelo pastor
Carlos Gladstone. 160 Em meio a tudo isso, uma igreja local precisa estar ciente de que, para
conquistar relevância e o direito de ser ouvida e, uma vez ouvida, possa conquistar na mente das
pessoas a distinção como algo acima das demais correntes, a comunidade dos crentes deverá ser
comprometida e dar testemunho autêntico. Precisará manifestar uma fé bem fundamentada e
comprometida integralmente com o ser humano. Sua mensagem deverá ser inteligível e
significativa para o contexto e vida prática dos ouvintes. Precisará saber dar resposta e ter postura
diante de situações como a dos homossexuais, prostitutas, drogados e tantos outros. Não uma
postura de intolerância legalista, mas a postura de amor, denúncia e oferta do poder transformador
da Cruz.

e) Manifestar Sabedoria em Relações Políticas: uma igreja local não deve alijar-se da política
de sua cidade, mas também não deve comprometer-se a ponto de perder sua capacidade crítica ou
limitar sua atuação como voz profética. Há algum tempo os evangélicos têm sido considerados
pelos políticos um nicho a ser conquistado. Isso abre campo para que líderes despreparados
estabeleçam relacionamentos indevidos. Por outro lado, há igrejas e líderes que alimentam
pretensões teocráticas para suas cidades. Mas a declaração do Mestre foi “o meu reino não é deste
mundo”.161 Ipso facto,162 uma igreja local deve existir sob a mesma verdade fundamental.163 Em
lugar de estabelecer um reino na terra, a igreja local deve proclamar um novo Reino, uma nova
ordem, que deve influenciar esta ordem temporal, mas que não tomará lugar por meio da política.
Por isso, a fusão do governo de Cristo com a lei do Estado não é uma pretensão legítima da
cristandade.164 Declarar que uma cidade pertence a Jesus é desconhecer a razão e os princípios da
comunidade cristã.

156 WATSON & BROWN, 2003, p.60.


157 Idem, p.65.
Stephen Brook, God´s Army: the story of The Salvation Army, Great Britain: Channel 4 Books, 1998, p.16, citado por
158

WATSON & BROWN, 2003, p.31.


159 GONDIM, 2000, p.30.
160 Informações obtidas diretamente no site da igreja www.icmbrasil.com.br.
161 Jo 18.36a.
162 Latim, “mesmo modo”.
163 BRUNNER, 2000, p.26.
164 Idem p.26.

31
f) Capacitar Seus Membros a Cumprir, Como Cristãos, Vocações Seculares: “Precisamos ir
além do arrependimento e do perdão quando confrontamos os pecados urbanos, simplesmente
porque muitos desses pecados não são pessoais. Eles foram escritos em leis más e injustas”.165 Uma
igreja local somente poderá combater o pecado estrutural em sua cidade à medida que seus
membros, transformados e formados pelo Evangelho, forem capacitados como cristãos a
trabalharem suas vocações com distinção e excelência cristã. Quando os cristãos são competentes
em suas atividades profissionais e, ao mesmo tempo, motivados espiritualmente, o resultado é que
“a cultura da cidade é transformada de dentro para fora”.166

g) Ser Referencial Para uma Sociedade Perdida: na evangelização a credibilidade da igreja e


dos crentes vale mais do que qualquer outra coisa. Quem não vive o que diz crer e o que anuncia
deve calar-se. Pois a sua pregação seria, na verdade, uma evangelização ao contrário. É por esta
razão que São Francisco de Assis dizia com certo sarcasmo: Evangelize sempre; se necessário, use
palavras. [...] nós, cristãos brasileiros, estamos precisando mais de um avivamento ético, de caráter,
de conduta, de compromisso sério com Cristo, do que de uma maior consciência evangelística e
missionária.167

h) Ser Agente de Reconstrução Social: a Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, por ocasião da
Convenção Batista Brasileira, reunida em Vitória-ES, formulou o seguinte manifesto sobre a
questão social: “reconhecemos ser privilégio dos batistas brasileiros a iniludível responsabilidade
de contribuir não somente para a solução dos problemas que no momento assoberbam o nosso
povo, como também para a determinação de seu destino histórico”.168 Certamente a voz dos batistas
não atua em solo nessa questão e, sem dificuldades, muitas outras denominações assinariam essa
declaração. Cavalcanti, escrevendo na revista Ultimato, citou esse manifesto e fez a seguinte
afirmação: “Creio firmemente que a igreja não tem uma missão técnica, de detalhar como deve ser
a organização social, política ou econômica do mundo, mas, sim, uma missão profética, de
denunciar os seus males, e uma missão ética de, em contraste com os pecados estruturais, apontar
para os valores do reino de Deus.” 169 Como agente do cristianismo, cada igreja local deve
constituir-se num posto de denúncia contra esses pecados estruturais, que roubam a oportunidade
e as possibilidades individuais, fazendo perpetuarem-se os dramas urbanos. Enquanto atende ao
necessitado, a igreja local deve fazer oposição e propor soluções para que, de fato, possam
participar positivamente na determinação do destino histórico da cidade.

i) Estar Acima da Ilusão dos Números: crescer numericamente não deve ser o alvo primordial
de uma igreja urbana, que também não deve se iludir com seu sucesso em termos numéricos.
Mônica Hill, editora britânica do Church Grouth Digest, afirma que “quando as pessoas deixam de
acreditar em Deus, em vez de crerem em nada, passam a crer em qualquer coisa!”170 Por essa razão,
cada vez mais facilmente as pessoas tornam-se cristãs nominais, sem qualquer compromisso sério
com Cristo e com os valores e crenças do cristianismo bíblico. Isso promove uma diluição do poder
influenciador que deveria marcar uma igreja local. Em lugar de contribuir com o testemunho
cristão, esse crescimento patológico prejudica sua imagem e alimenta críticas e rejeições. O

165 KELLER&THOMPSON, 2002, p.312.


166 Idem, p.311.
167 Evangelização pelo Testemunho, Revista Ultimato, Janeiro-Fevereiro 2004, n° 286, p.42-43.
168 Citado por CAVALCANTI, Artigo Começar de Novo – superando o pecado estrutural. Revista Ultimato. Julho-Agosto de 2004, p.38.
169 Citado por CAVALCANTI, Artigo Começar de Novo – superando o pecado estrutural. Revista Ultimato. Julho-Agosto de 2004, p.38.
170 Citada por MORRIS, 2003, p.36.

32
resultado final é que a igreja evangélica, embora se multiplique nos centros urbanos brasileiros,
exerce tão pouca influência. É evidente a carência de “um forte processo discipulador, treinamento
de líderes saudáveis e preocupação com a transformação das cidades e da nação”. 171 Cada igreja
local precisa estar atenta a isso.

j) Priorizar Pessoas e Relacionamentos: num contexto marcado pelo relativismo, evangelizar


exige, na maioria dos casos, que o não cristão seja exposto ao evangelho várias vezes antes de
poder responder com consciência e assumir algum compromisso. Mais do que conceitos cristãos,
ele precisa ter contato com cristãos verdadeiros. Relacionamentos são primordiais, e ser uma igreja
que priorize redes de relacionamentos significa, acima de tudo, o desenvolvimento de uma cultura
voltada primordialmente para as pessoas. Diversas metodologias podem ser usadas como forma
prática para o alcance desse foco. A Igreja Presbiteriana do Redentor, em Nova Iorque, adota seis
diferentes estratégias172:
 Eventos relacionados a negócios: pontos de pregação no horário de almoço em dois
distritos empresariais e no Clube “Harvard”, que é um café matinal evangelístico que ocorre
duas vezes por mês. Nele homens cristãos convidam e pagam o café para um amigo não
cristão.
 Cultos de adoração e louvor: culto apresentado em vários estilos uma vez por dia,
oferecendo inclusive períodos para perguntas e respostas. A forma do culto é voltada para
a mentalidade secularizada dos não cristãos. Em seguida, usando os restaurantes da
vizinhança, os membros são incentivados a almoçar com seus convidados e aprofundar os
relacionamentos.
 Grupos de células: as células são ambientes apropriados para receber o não cristão e ajudá-
lo a conhecer a Cristo. O não cristão pode ir à célula, e depois, à igreja ou vice-versa. Os
grupos de células e as igrejas nos lares são hoje “aspectos críticos em virtualmente todos os
tipos de ministérios urbanos”, 173 pois possibilitam o evangelismo de grupos difíceis de
serem alcançados e facilitam o cuidado pastoral num contexto em que mobilidade e tempo
são aspectos determinantes.
 Ministérios às necessidades percebidas: qualquer iniciativa que procure atender a
demandas da comunidade, como orientação para administração financeira pessoal, apoio
para restauração após divórcio, ajuda para pessoas que buscam emprego e outros, além de
um pequeno ministério de aconselhamento.
 Eventos especiais para grandes grupos: são seminários sobre questões atuais (sexo,
gravidez na adolescência, drogas, etc.) ou atividades em datas especiais (Páscoa, Natal). A
igreja pode oferecer seminários especiais para ajudar pessoas a fortalecer casamentos e
relacionamentos, administrar finanças, aperfeiçoar seu desempenho como pais e explorar
as razões para a fé em Deus.174
 Aliança com outros ministérios especiais: cruzada estudantil, ministério para alcançar
empresários, etc.
O tipo de iniciativa planejada deverá relacionar-se com as necessidades, possibilidades e
potencialidades do contexto em que a igreja local está inserida. O fator crítico para o sucesso é que
haja mentalidade de evangelização por amizade. Do contrário, nenhum esforço trará os resultados
desejados.

171 MUZIO, 2004, p.22.


172 KELLER&THOMPSON, 2002, p. 155 157.
173 Idem, p.42.
174 MORRIS, 2003, p.178.

33
2.7. Pontos de Avaliação para a Igreja Local

Keller & Thompson listam quinze marcas que indicam que há patologia esclesiológica, e
que algo precisa ser feito:175 Espero que sejam úteis à avaliação eclesiológica da igreja a que serve:
1. Mais ênfase na defesa da verdade que em sua propagação.
2. Oposição forte e agressiva para impedir qualquer mudança em programas e cultos.
3. Preferência por mensagens gerais e inspiradoras, mas que não sejam perturbadoras.
4. Tendência a bisbilhotice e censura.
5. Desgosto com qualquer “quebra” na “ordem”.
6. Recusa a acreditar em gloriosas possibilidades que exigem passos de fé.
7. Pouca discussão acerca da experiência espiritual de alguém.
8. Enfoque totalmente voltado para as necessidades e preocupações dos membros da igreja e
para a sobrevivência da instituição.
9. Falta de envolvimento de leigos.
10. Forte apego aos costumes e formas cultuais – tipos de música, estilos de roupa, etc..
11. Excesso de intelectualismo.
12. Falta de equilíbrio doutrinário.
13. Preocupação exagerada com aspectos administrativos.
14. Ênfase em métodos que visam diretamente a provocar emoções.
15. Foco em fenômenos extraordinários (línguas estranhas, cura, profecia e milagres) como
verdadeiras e essenciais marcas de avivamento.

Jamais na história houve tanta informação, dados e recursos que possibilitassem uma crítica
apurada da atuação de igrejas locais sua atuação, como atualmente. Uma igreja local deve usar os
recursos disponíveis, envolver-se com ONG´s sérias e ganhar credibilidade social para influenciar
as pessoas de seu contexto.
Passados alguns anos, é muito fácil descobrir os erros da igreja – as Cruzadas, a Inquisição,
o casamento da evangelização com a colonização, o silêncio em certas situações clamorosas, como
escravidão e Holocausto, etc. Precisamos criar um esquema que nos obrigue a enxergar esses
escândalos enquanto eles estão acontecendo para abandoná-los agora, e não depois. Para tanto é
preciso ouvir a voz dos profetas tanto de dentro como de fora da igreja. Se o Senhor abriu a boca
da jumenta para falar a Balaão (Nm 22.28), não poderia falar-nos hoje pela boca de um historiador,
sociólogo, antropólogo, cientista político, psicanalista?176

175 KELLER & THOMPSON, 2002, p.250-252.

176 Revista Ultimato, coluna Mais do que Notícias, artigo A aliança da globalização com a religião, julho-agosto de 2004. p. 19.
34
3. Estruturas, Modelos e
Paradigmas
“Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Dele todo
o corpo, ajustado e unido pelo auxilio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor,
na medida em que cada parte realiza a sua função.” (Ef 4.15-16)

A obsolescência de métodos, formas e estrutura é uma condição perene. Uma igreja pode
estar pronta para determinado momento histórico, mas isto não significa que estará pronta
para qualquer momento histórico. Seu crescimento promove a inadequação do que foi,
noutro momento, um apoio ao crescimento. O gráfico a seguir ilustra essa dinâmica de
adequada-inadequada-adequação-inadequação.
GRANDE

Criação de novos RENOVAÇÃO E


ministérios e CRESCIMENTO
projetos
ESTAGNAÇÃO
COM PERDAS
Renovação da
liderança ou novos
obreiros (ministros) DECLÍNIO E
MORTE

Fornecimento de
informações claras CRISE:
Necessidade de
CRISE: reestruturação
Necessidade
Dinâmica de avaliações e
do líder CRISE: adaptações
Necessidade
de capacitação
e delegação
CRISE:
Necessidade
de liderança

PEQUENA
Estágio Estágio de Estágio de Estágio de Falência
Embrionário Emancipação Maturidade Estrutural

4.1. Ciclo de Vida Eclesiástica


Fonte: Adaptado de Rihcard L. Daft, do gráfico em
que ilustra o ciclo de vida organizacional (1999:116)

À medida que cresce e/ou avança no tempo, toda igreja enfrenta as crises decorrentes da
inconformidade de sua organização anterior ao crescimento ou ao novo tempo, devido a novas
demandas. Em seu início, estruturas ou quaisquer outros aspectos tornam-se irrelevantes e a
dinâmica do líder sobressai. Sua maneira de atuar atrai ou afasta as pessoas. Crescendo, começa a
haver necessidade de mais lideranças e ao mesmo tempo, uma necessidade de adaptação ao estilo
dos líderes novos. Uma solução é levar a congregação a compreender o novo momento e apoiar os

35
novos líderes. Mas ainda há muita dependência do líder principal. Vencida a crise e continuado o
crescimento, a impossibilidade de atender a tudo e todos exigirá que se o poder seja partilhado. É
necessária ainda uma melhor organização para o serviço. A solução vem, por exemplo, pela
formação de novos líderes e o surgimento de novos ministérios. Mas a estrutura que apoiou todo
este crescimento não é adequada para aquela nova forma de servir. Então é necessária uma
reestruturação. Ou a igreja se reestrutura para o crescimento ou enfrentará estagnação, podendo
inclusive morrer. Pois organizações morrem.

3.1. Importância e Legitimidade da contextualização e


reorganização da igreja local

Pretender a contextualização e a reorganização da igreja local pode, de imediato, acionar


as defesas dos que estão entrincheirados na posição de que “o evangelho anda em sentido oposto à
cultura humana”. A partir desta visão, a relevância da igreja local estaria justamente no fato de que
ela se mantém diferente, devendo esta diferença ser cada vez mais nítida e acentuada, como
expressão de sua pureza. Uma posição que pode ser exemplificada por J. M. Souza que, ao tratar
da secularização da igreja, argumenta que um dos sinais de sua presença na igreja local é a
“utilização de recursos que são eficazes nos outros campos da vida humana.”177 e no decorrer de
sua obra, questiona a inserção cultural da igreja e as adequações de suas estratégias de abordagem
ou funcionamento, como uma ação biblicamente reprovável.
Outros, embora possam até mesmo considerar necessárias algumas mudanças, temem que
elas impliquem no comprometimento da identidade da igreja, ou melhor, da identidade da Igreja
de Cristo que acreditam residir, entre outras coisas, também na atual forma e funcionamento da
igreja local. Não se pode negar o risco sempre presente de que mudanças, conforme sejam feitas,
possam comprometer aspectos preciosos de uma igreja. Mas, se é há risco na mudança, há certeza
de prejuízo na imobilidade produzida pela resistência à mudança. Todo modelo envelhece e se
torna inapropriado. “Mas quando a igreja se mostra disposta a mudar e submete essa disposição de
mudança à orientação do Espírito Santo, o processo será sempre enriquecedor em termos de sua
vida e ministério.”178

3.2. A Corruptibilidade da Igreja Local e de sua Estrutura

O cristianismo reconhece que sistemas adoecem e que estruturas se satanizam.179 Logo, a


igreja local deve nutrir uma visão realista de si mesma. Deve ter clareza de que não está acima do
bem e do mal, ou imune a todo e qualquer efeito degenerativo, resultante do pecado que a tudo
afeta nesta vida. E ela declara exatamente a falta desta consciência quanto mostra-se resistente,
diante da necessidade de avaliação e revisão de sua estrutura e funcionamento.
O anseio de uma igreja local deve ser a manutenção de seu alinhamento com o propósito
bíblico para a Igreja de Cristo. Isto deve levá-la a uma ação corajosa e imparcial na busca de uma
auto-avaliação e melhor organização para existir. Ao mesmo tempo, deve estar atenta para não
177 SOUZA, 2002, p.39
178 DISILEK, 1997, p.45
179 GONDIM, 2000, p.61

36
fazer desse movimento uma resposta ao desejo orgulhoso de seus líderes por crescimento numérico.
Pois “fidelidade e não popularidade deve ser o critério de nossa fé e comportamento como
discípulos de Jesus.”180 A condição imposta pela presença constante do pecado exige cuidado por
parte da igreja. Cuidado para não se estagnar e para não avançar pelas razões erradas.

3.3. A Razão para a Contextualização e a Reestruturação

Contextualização e reestruturação devem ser buscadas como forma de viabilizar a


manifestação da presença de Cristo em meio à sociedade, por intermédio da igreja local. Devem
ajudar a igreja, como comunidade cristã, a espalhar a misericórdia que tem encontrado em Cristo,
por meio de ações concretas que toquem e transformem pessoas. Devem ser um instrumento a
serviço da vocação cristã de “buscar e salvar o que se havia perdido”181, em todas as implicações
possíveis do termo. Jamais o foco deve ser simplesmente os resultados numéricos ou financeiros.
O ideal a ser buscado é o fiel cumprimento da vocação cristã, confirmada por resultados concretos
para o Reino.
O que se deve pretender é que a igreja local, de forma consistente e consciente, trabalhe
pela operacionalização da fé de seus membros com fidelidade às Escrituras e causando um alto
impacto na sociedade em que está inserida. Isto exige contextualização sem secularização e
tradição sem apego histórico-cultural.
Morris apresenta 20 princípios, que chama de “princípios transculturais”, como
características de uma igreja relevante para seu contexto (que chama de “igreja de alto impacto”):
1. Ela ensina uma teologia evangélica fundamentada na Bíblia;
2. Promove vitalidade espiritual e o trabalho dinâmico do Espírito Santo;
3. Esclarece, reafirma seu propósito, suas prioridades e sua visão;
4. Direciona e projeta o ministério para alcançar os “sem igreja”;
5. Mobiliza e capacita todo cristão para ministrar;
6. Passa a visão da Grande Comissão a seus membros;
7. Treina os cristãos para alcançarem suas redes de relacionamentos;
8. Apresenta um caminho de crescimento espiritual para os membros;
9. Penetra na comunidade através da proliferação de grupos-célula;
10. Faz dos grupo-célula o principal fornecedor de cuidado pastoral;
11. Fornece estrutura para a expansão de uma rede de grupo-célula;
12. Multiplica líderes leigos;
13. Realiza cultos e eventos sensíveis aos interessados;
14. Prega de forma positiva, prática e inspiradora;
15. Enfatiza a graça e misericórdia de Deus;
16. Cria um ambiente de amor, aceitação e perdão;
17. Adota um estilo criativo, contemporâneo e culturalmente relevante na adoração;
18. Tem liderança visionária que equipa os outros para ministrar;
19. Organiza-se para ultrapassar barreiras de crescimento;
20. Reproduz outras igrejas relevantes.182

180 DUSILEK, 1997, p.17


181 Lc 19.10
182 MORRIS, 2003, p. 353-354

37
Todos estes aspectos apontam para um esforço consciente e uma busca comprometida pelo
cumprimento da missão da Igreja de Cristo.

3.4. Pressupostos para Lideres de Igrejas Locais Urbanas

Apresentam-se aqui oito pressupostos. Líderes eclesiásticos devem avaliar a si mesmos a


partir destes referenciais. Eles constituem-se características desejáveis naqueles que lideram
processos de avaliação, contextualização e reorganização eclesiásticas.

a) Postura voltada ao planejamento: planejamento não é uma decisão prévia de todos os passos
que tomaremos, seguida pela realização obstinada de cada passo. Ao invés disto, é uma flecha que
aponta para uma direção no futuro. Planejam-se os passos, implementa-se o primeiro deles, e então
planeja-se novamente. “Dessa forma o planejamento é uma espécie de mapa da estrada em direção
ao futuro. Porém, ao contrário da maioria dos mapas, este mapa vai sendo melhorado conforme
nos movemos mais e mais para o futuro.”183 Pode-se dizer que planejamento é a postura de quem
tem a mente voltada para o amanhã. Quando se planeja, sementes são lançadas no hoje para que,
no amanhã, se possa colher o que se deseja colher, e não o que o acaso trará. Para o líder cristão,
planejamento é tentar compreender a vontade de Deus e reagir a tal compreensão com ações.184
Somente líderes que estejam dispostos a exercitar a disciplina do planejamento se sentirão atraídos
pela busca de um modelo para a igreja local a que servem. De modo geral, há uma grande atração
por modelos prontos, que pouco exigem, exceto a disposição de seguir os passos já indicados por
outrem. É obvio que não se deve abrir mão de experiências já comprovadas e que podem servir ao
propósito de melhor equipar a igreja. Todavia, é indispensável a ponderação do que se recebe de
fora, tendo em vista a realidade que envolve a igreja e ainda a vocação específica que se pode
perceber na congregação. É preciso planejar. O planejamento nos ajuda a mudar as coisas de “como
são” para “como deveriam ser”.185

b) Visão além programas, propriedades e expectativas pessoais: Morris descreve expectativas


pessoais, programas e propriedades, como sendo os pontos centrais na mente da maioria daqueles
que lideram igrejas, e por isto, constituem-se raiz de muitos desvios.186 Uma igreja local não deve
viver em função do que as pessoas pensam ou esperam dela. Aqueles que a lideram devem,
inclusive, ter o cuidado para não fazer dela uma presa de suas próprias ambições. Uma igreja local
somente está orientada pela missão e valores da Igreja de Cristo quando caminha em submissão ao
Senhor da Igreja, aprendendo a seguir suas ordens, que em sua maioria já estão reveladas nas
Escrituras. É preciso que se perceba que, na prática, muitas igrejas caem nos pecados que, na teoria,
abominam. Isto acontece quando, especialmente seus líderes, vivem tão bem acomodados em sua
posição de “senhores” na igreja que não acham prático ou necessário ouvir a Jesus. Afinal, já se
sabe o que deve ser feito. Uma convicção que vem do “espírito visionário” ou do “costume
arraigado”.
Uma igreja local não deve existir como protagonista de programas culturais-religiosos ou
místicos-espirituais. Não deve funcionar como uma casa de entretenimento, buscando o aplauso
entusiasmado dos que freqüentam seu templo para “assistirem” seu programa dominical. Sempre
183 DAYTON, Ferramentas para o Gerenciamento, Zordervan, 1974, p.125
184 DAYTON, Ferramentas para o Gerenciamento, Zordervan, 1974, p.125
185 KELLER & THOMPSON, 2002. p.131
186 MORRIS, 2003, p. 141-144

38
que se reúne, deve ser para celebrar a vida com Deus e Sua presença. Para adorar, pelo que Cristo
fez e pela graça que torna possível uma vida santa e vitoriosa. Para experimentar a presença e
manifestação do Espírito Santo, levando os crentes a adoração verdadeira e os descrentes ao
encontro pessoal com Cristo. Seus programas devem ser meros instrumentos por meio dos quais o
poder transformador de Cristo refaz e edifica vidas humanas.
Uma igreja local também deve ter cuidado com seu templo. Ele não deve ser apenas o
resultado da busca por uma arquitetura que se encaixe no ideal imaginário de quem quer que seja:
contexto, comunidade, congregação ou líderes. Mas, no topo das preocupações, deve estar sua
adequação ao serviço no Reino, considerando o contexto, a comunidade e a congregação. O templo
deve ser uma ferramenta. Deve ser funcional, prático, adequar-se ao padrão social e necessidades
do povo. O templo não é a casa de Deus, como muitas vezes se diz. Ele é a casa da igreja, onde
adora a Deus, edificar-se a si mesma e serve a todos os homens.
Se a visão da igreja, a começar de seus líderes, não for além das expectativas pessoais,
programas e templo, o modelo de funcionamento que produzirá estará maculado pelo desvio e
limitado pelos paradigmas. A igreja estará operando fora de foco.

c) Saúde eclesiástica como prioridade: a missão da Igreja de Cristo é tridimensional, como visto
anteriormente. Uma vida orientada por esta missão resultará sempre em saúde para a igreja. Ela
pode até não crescer numericamente, pode até não estar na “crista da onda” no estilo musical, pode
até não ser o paradigma de sua região quanto ao ensino, mas será saudável.
Nenhuma conquista da igreja local, seja em termos numéricos, na produção musical ou
literária, compensará a falta de saúde espiritual. Esta saúde pode ser compreendida a partir do que
James Nikkel, um experiente fundador de igrejas e evangelista canadense, propõe. Ele elege quatro
aspectos internos (vida em comunidade) e quatro aspectos externos (vida na comunidade) que
devem estar presentes para que a igreja local seja saudável e viva:
 INTERNOS (Vida em comunidade): educação, mordomia , serviço e adoração.
 EXTERNOS (Vida na comunidade): relacionamentos (amizade), testemunho, compromisso
(evangelização) e incorporação.187
A liderança da igreja local precisa priorizar e lutar para que, internamente, ela promova:
 educação cristã relevante: oferecendo aos membros e freqüentadores ensino bíblico
consistente, informação cultural e social sob a ótica do cristianismo e apoio e
aconselhamento para as lutas pessoais e familiares;
 capacitação e orientação para mordomia: incentivando seus membros e freqüentadores a
viverem comprometidos com o Reino, como servos que hão de prestar contas do que têm
recebido do Senhor e Dono de suas vidas. Esta é uma visão extremamente necessária
atualmente, quando Deus tem sido feito servo dos homens e transformado em recurso para
que suas vidas sejam mais fáceis e seus sonhos se realizem;
 vida de serviço: promovendo em seus membros e freqüentadores a visão do que significa
seguir a Cristo, conforme escreve Paulo na carta aos Filipenses, capítulo 2, versos 5 a 11.
Para que tenham mente de servos e estejam prontos a servir, sendo obedientes. Serviço aos
irmãos e ao mundo, tanto a pobres como a ricos, motivados pelo fato de que, sem Cristo,
as pobrezas e necessidades são diversas, mas tanto pobres como ricos são carentes;
 adoração como estilo de vida: mantendo claro aos membros e freqüentadores que adorar é
viver de forma coerente com a vontade de Deus, e tudo fazer para promover a glorificação

187 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.136


39
de Seu Nome. Como disse Paulo, viver de modo que, “quer comam, bebam ou façam
qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.”188

E para que, vivendo na comunidade, possa:


 evangelizar pela amizade: os cristãos precisam ser consistentes em sua vida e
compromisso, enquanto relacionam-se com os não-cristãos, para que possam,
especialmente pela amizade, mostrar-lhes o amor de Cristo derramado em seus corações;
 pregar pelo testemunho: Cada membro e freqüentador da igreja deve ser ajudado a
testemunhar vivendo a fé sobre a qual deve estar pronto a falar, se necessário;
 viver com senso de missão: sabendo que sua presença na comunidade deve cumprir a
missão de levar a comunidade à presença de Cristo. Embora nem sempre se deva anunciar
o Evangelho de imediato, deve-se, de imediato, relacionar-se com o mundo tendo em vista
o anúncio do Evangelho. Uma igreja local deve assumir este compromisso diante de Deus
em relação à comunidade onde foi plantada;
 incorporar os convertidos: uma igreja local deve desenvolver paixão por pessoas,
especialmente por novas pessoas que Cristo salva, recebendo-as, encorajando-as,
equipando-as e levando-as a servir àquele que por elas morreu.

Atualmente, um dos inimigos da saúde eclesiástica é a busca por crescimento numérico e


por visibilidade. A igreja não deve ter medo de não ser vista e não deve equipar-se para ser vista.
Este não é seu propósito. Dentro da visão pós-moderna e da mentalidade capitalista, que insistem
em se estabelecerem como referencial para a igreja, os “mais citados, os mais reconhecidos, os
mais comentados são [...] os mais usados por Deus. Mas isso não é verdade.” 189 É provável que,
diante do tribunal de Deus, os grandes heróis da fé a se revelarem sejam homens e mulheres dos
quais muito pouco se ouviu falar. Quanto aos números, eles são importantes, mas não podem ser o
objetivo principal da igreja local. Jesus Cristo não ordenou aos seus seguidores ser uma igreja que
cresce, mas, uma igreja que influencia: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens para que
vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus."190 A igreja não deve
trocar o amadurecimento pelo crescimento.

d) Priorizar o sacerdócio universal dos crentes: a igreja local deve ser um organismo articulador
do discurso da salvação com todas as suas implicações. Isto exige que ela se apresente a Deus e
aos homens como comunidade de serviço.191 Tanto ovelhas como pastores precisam desenvolver e
viver esta visão neotestamentária. Morris está convicto de que “pastores precisam recrutar, equipar
e mobilizar as pessoas na igreja para ministrar, em vez de se desgastarem tentando fazer tudo
sozinhos.”192 Ele propõe um modelo de ministério que considera de alto impacto, em contraposição
ao modelo de ministério que chama de tradicional, por ser o que mais está presente nas igrejas
locais.

MODELO TRADICIONAL DE MINISTÉRIO

A liderança ministra

188 1 Co 10.31
189 GONDIM, 2000, p.37 O povo recebe o ministério
190 Mt 5.16
191 FABIO, 1998, p.98
192 MORRIS, 2003, p.222

40
MODELO DE MINISTÉRIO DE ALTO IMPACTO

O povo ministra e
recebe ministério

A liderança equipa
e apóia os ministros

Modelos de Ministério – Linus Morris193

“O sacerdócio universal de todos os cristãos, que constitui-se em um dos princípios postulados pela
Reforma Protestante, parece não ter se consolidado plenamente nas práticas das igrejas evangélicas
brasileiras, que continuam a dar demasiada ênfase na figura do clérigo ou a centralizar a
responsabilidade ministerial da comunidade quase que exclusivamente na pessoa do pastor.”194
O papel da equipe pastoral precisa mudar: em lugar de provedores de cuidado pastoral,
devem ser capacitadores dos cristãos para que supram a igreja do cuidado pastoral de que necessita.
Portanto, é necessária uma descentralização do discipulado, do cuidado pastoral e da
evangelização. Os “espectadores” precisam tornar-se participantes ativos do ministério.195
Embora o orgulho tenha lugar primeiramente no coração, precisa e se vale de uma
estrutura ou sistema para respirar e se fortalecer. A igreja local precisa de um modelo que restrinja
espaço a este pecado que tão facilmente acomete líderes e pastores. Precisamos manter claro que
os que ocupam posição de liderança na igreja local, seja que posição for esta, são apenas pecadores
cuidando de pecadores e que “a pecadores, fica bem a discrição e a modéstia”.196

e) Amor e boa vontade para receber todo tipo de gente: uma igreja local, em nenhum ponto do
Novo Testamento, recebe a orientação de se dedicar a certo nicho de mercado ou voltar-se
exclusivamente e nem mesmo, preferencialmente, a qualquer classe social. Ao buscar um modelo
de funcionamento a igreja local deve imitar a postura ministerial de Cristo, que se dispunha a
prostitutas, leprosos, aleijados, cegos, mas também a publicanos, mestres da Lei e ricos da
sociedade.
Mesmo que tenha em sua membresia a predominância de alguma classe, seu
funcionamento deve permitir a todos um lugar apropriado e adequado para o serviço e cuidado
cristãos. Por isso não deve adotar posturas que possa inibir a aproximação dos diferentes. A
mensagem da igreja, tanto pregada como demonstrada em seu estilo de vida e relacionamento, deve
193 MORRIS, 2003, p.221
194 MUZIO, 2004, p.57
195 MORRIS, 2003, p.220-221
196 Eugene Peterson, citado por RAMOS, 2002, p.59

41
ser de inclusão e de compaixão. Uma das igreja mais dinâmicas do Novo Testamento era marcada
por esta diversidade. Foi justamente dela que saiu a comissão de missionários que espalhou o
cristianismo pelo mundo conhecido de então. Shenk & Stutzman consideram que a equipe
missionária surgiu naquela igreja e a partir dela “precisamente porque a liderança naquela igreja
era exercida por um grupo muito interessante. Dois dos líderes eram da África, sendo um deles
aparentemente um negro chamado Níger. Outro era provavelmente grego, e talvez um ou dois eram
judeus – um grupo bem heterogêneo. O mundo daqueles tempos era dividido por lutas raciais e
étnicas. A igreja de Antioquia representava um novo desenvolvimento. Sua congregação, composta
de pessoas de muitas e variadas origens raciais e étnicas, e dirigidas por líderes de três continentes,
era inédita. A igreja de Antioquia era única e tão especial que os pagãos deram a seus participantes
um apelido: cristãos.”197

f) Mente Crítica quanto a Forma e Estrutura: Getz observa que, com freqüência, a Bíblia ensina
sobre a função (o que fazer) sem descrever a forma (como fazer). Quando chega a descrever a
forma, o faz de maneira incompleta e parcial e, para a mesma função, a forma varia de uma situação
para outra. Diante disso, conclui que “Não é possível tornar absoluto algo que não esteja descrito,
que esteja sempre incompleto e que esteja sempre mudando de um contexto para o outro. É por
isso que a forma e as estruturas não são absolutas na Bíblia.”198
A Bíblia não dita a freqüência com que os cristãos devem reunir-se, nem quando; a Bíblia
não fala dos tipos de reuniões que devem ter (pelo menos, não de forma taxativa); a Bíblia não
determina as formas ou padrões que devem caracterizar essas reuniões, nem o dia e nem o local
onde devem acontecer. Mas muitos líderes devotam a estes aspectos ou parte deles, valor de
mandamentos bíblicos. Formas e estruturas precisam ter como alvo a funcionalidade, tornando a
igreja local leve, ágil e com um custo de funcionamento reduzido.199

g) Ter como alvo o ser humano inteiro: Bernardo Salcedo afirma que, uma igreja local pode
escolher entre “a Teologia que só se interessa pela alma e que só aponta para o Céu, a escola
Grega”, ou pode fazer opção pela “Teologia que está interessada no ser humano total, a escola
Hebraica, na qual o ser humano é, indivisivelmente, corpo, alma e espírito.”200 A segunda opção
retrata o caminhar do movimento pela missão integral da igreja. Uma visão que opta pelo ser
humano de maneira integral levará o líder a valorizar a ação social e demais caminhos que
permitam à igreja local um impacto social e histórico maior. Foi esta a opção de Jesus. A atenção
que dispensou ao sofrimento humano e suas constantes críticas aos poderosos atestam isto.
“Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social
evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o
envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão.”201

h) Dirigir-se por uma consciência supradenominacional: por fim, como último aspecto e talvez
o mais controverso, está a necessidade de uma consciência supradenominacional. Não como uma
forma de rejeitar ou enfraquecer a denominação mas, ao contrário, sendo um fator de equilíbrio ao

197 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.30-31


198 GETZ, 1994, p.42
199 Um bom exemplo nos vez do Exército de Salvação que, de cada dólar arrecadado, 83 centavos são utilizados em suas atividades

fins, beneficiando imediatamente as pessoas. O restante (17%) serve à infra-estrutura e pessoal, cobrindo custos administrativos e
inclusive custos de levantamento de fundos. E esta é apenas a média. Nas cidades do Texas o Exército de Salvação gera 23 milhões de
dólares por ano e gasta apenas 1,6 milhão (7%) com despesas de administração, gerenciamento e levantamento de fundos. WATSON
& BROWN, 2003, p.49-51
200 Bernardo Salcedo em prefácil da obra de MUZIO, 2004, p.10
201 Pacto de Lausanne, § 15.

42
sistema político e aos critérios de investimentos que determinam os rumos da denominação. A
despeito das previsões quanto ao cristianismo evangélico brasileiro estar a caminho de um pós-
denominacionalismo, o que não implica numa extinção da máquina denominacional, mas
certamente em perda de relevância e influência,202 a igreja local precisa desenvolver sua existência
como serva, exclusivamente, de Cristo, e plenamente comprometida com a missão da Igreja de
Cristo. A luta de uma igreja local deve ser pelo estabelecimento do Reino e não pelo
estabelecimento da denominação. Nossos concorrentes são as trevas e não outras organizações
religiosas. 203 Um líder com consciência supradenominacional será uma bênção para sua
denominação, podendo apontar desvios e indicar caminhos.

3.5. Paradigmas oferecidos à igreja brasileira

Por onde começar o trabalho de contextualização e reorganização da igreja local? Já há


no mercado eclesiástico uma grande diversidade de propostas disputando a atenção das igrejas e
seus líderes. E diante de tantas opções, a igreja vive um grande dilema. Ela precisará ser capaz de
fazer as perguntas certas e encontrar para elas a resposta que tenha da parte de Deus a aprovação.
Este é o passo inicial a ser dado. E cada igreja local deve fazer suas perguntas e buscar as respostas.
Que perguntas são relevantes? Morris, ao tratar das prioridades para uma igreja local, nos ajuda a
concluir sobre perguntas certas e perguntas erradas para uma igreja local fazer:

PERGUNTAS ERRADAS
 O que as pessoas querem?
 Que programas atenderiam ao que as pessoas querem?
 Que propriedade ou construção agradaria as pessoas?

PERGUNTAS CERTAS
 O que Cristo quer que aconteça na vida das pessoas?
 Que tipos de programas nos ajudarão a atingir mais eficazmente o
propósito de Cristo na vida das pessoas?
 Que tipo de propriedade e construção são necessários para
promover os programas projetados para alcançar os propósitos de
Cristo na vida das pessoas que Ele deseja alcançar?

Atualmente três paradigmas 204 têm dominado o cotidiano eclesiástico brasileiro, que
serão considerados aqui de forma sucinta, destacando alguns aspectos positivos do paradigma:

a) Rede Ministerial – uma estratégia voltada para a identificação e uso dos dons espirituais,
fundamentada sobre a premissa “pessoas certas, nos lugares certos, pelas razões certas”;
significando cada cristão no exercício comprometido do dom espiritual que Deus lhe concedeu.
Tem sua origem em Bill Hybels da igreja Willow Creek Community Church (South Barrington
– IL – USA), e que no Brasil tem sido representada especialmente pela Igreja Batista Central (IBC)

202 DUSILEK, 1997, p.42


203 FABIO, 1998, p.63
Estes paradigmas não estão sendo detalhados pois muita informação já se tem a respeito e facilmente pode ser obtida.
204

O autor se limitará a oferecer alguns sites em nota de rodapé.


43
de Fortaleza205, liderada pelo pastor Armando Bispo, que reproduz, inclusive, a declaração de visão
da matriz Willow Creek.

b) Igreja com Propósitos – uma estratégia desenvolvida por Rick Warren que divulgou-se pelo
Brasil especialmente com a tradução de seu livro The Purpose-Driven Church para o português,
que recebeu o título Uma Igreja com Propósitos. Atualmente a Primeira Igreja Batista em São José
dos Campos206 tem sido a grande promotora e divulgadora desta visão. Em Vitória, a Igreja Batista
em Morada de Camburi207 cumpre o mesmo papel.

c) Igrejas em Células – uma estratégia de pequenos grupos desenvolvida por Ralph Neiburh e
em divulgação no Brasil por meio do Ministério Igrejas em Células208, com sede em Curitiba-PR,
sob a liderança de Robert Lay, da Igreja Menonita. Há uma versão de linha pentecostal do modelo,
com pressupostos parecidos, porém com contornos mais místicos e centrado fortemente na
autoridade dos líderes.

Todos esses paradigmas apresentam como aspectos positivos:


 a descentralização de estruturas rígidas na organização das comunidades locais;
 a valorização do trabalho do leigo, e não só do pastor ou clérigo;
 o envolvimento de vários membros com ministérios específicos, respeitando-se o dom
de trabalho de cada um;
 o fato de as comunidades deixarem de ser “templocêntricas” e espalharem-se pelos
bairros e cidades, em grupos menores e familiares;
 a democratização de estruturas de poder, antes centralizadas na mão de um pastor ou
líder.

Estas abordagens ajudam pastores e líderes de igrejas locais a perceberem caminhos mais
saudáveis e efetivos para a evangelização nas cidades, como por exemplo, a proposta do uso de
grupos-célula, que ajuda a igreja local a redescobrir um “modelo neotestamentário de
evangelização urbana”. 209 Ao mesmo tempo em que ajuda a corrigir a compreensão sobre o
significado da “igreja congregada”, conforme está descrito no Novo Testamento, uma vez que a
razão deste ajustamento não é dar ao pastor oportunidade de pregar mensagens evangelísticas às
pessoas não-salvas trazidas por seus membros. Pois “no Novo Testamento não há uma única
referência à estruturação do culto em função dos não-salvos.”210

Células

O uso da estratégia de células também contribui para o aumento do índice de permanência


dos novos crentes, uma vez que, ao serem integradas em um pequeno grupo de referência (célula)
“as pessoas têm maiores possibilidades de permanecer em uma comunidade porque podem vir a
construir relacionamentos pessoais duradouros e relevantes.”211 Enquanto pessoas sem resistência
ou com pouca resistência a Cristo estão abertas à mensagem do evangelho, as resistentes a Cristo,

205 http://www.ibc.org.br
206 http;//www.pibsjcampos.org.br
207 http://www.ibmorada.org.br
208 http://www.celulas.com.br
209 SHENK & STUTZMAN, 1995, p.121
210 GETZ, 1994, p.301
211 MUZIO, 2004, p.115

44
embora não estejam abertas à mensagem, podem estar abertos ao mensageiro. Daí a grande
vantagem de uma estratégia que privilegie relacionamentos.212
Considerando aspectos como esses, Walker aponta as seguintes características positivas
das igrejas que se utilizam da estratégia de grupos celulares:213
a) alto índice de crescimento;
b) eficiência na edificação;
c) eficiência na comunhão;
d) eficiência em alcançar a comunidade;
e) desenvolvimento de capacidade para evangelismo;
f) flexibilidade;
g) formação constante de novos líderes.

Keller, pastor da Igreja Presbiteriana do Redentor na complexa cidade de Nova Iorque,


apresenta a seguinte conclusão quanto ao valor e importância de células para o ministério urbano:
“[...] tanto os líderes da igreja como os membros, esperam que o cuidado e a edificação aconteçam
através de relacionamentos informais, comunicação direta e não planejada entre pastores e párocos.
Levamos cerca de dois anos para percebermos que a abordagem tradicional não funciona na cidade.
É através da rede de células – comunidade de pequenos grupos – que podemos edificar e cuidar
uns dos outros. Logo comecei a alertar as pessoas: ‘Se você é membro ou freqüentador regular da
Igreja do Redentor, e se você tiver um problema espiritual, ou você ficar doente, ou se tiver alguma
necessidade grave em sua vida – certamente iremos ajudar. Mas se você não estiver em um grupo
e formos lentos em ajudar você, você não terá o direito de reclamar. É através de pequenos grupos
que podemos prover auxílio e oportunidades através de aprendizado, é através dos grupos que
sabemos rapidamente se você tem uma necessidade que o Corpo pode ajudar. Então, falando de
forma prática – se você não está em um pequeno grupo, você não está totalmente na igreja.’”214
A questão relativa aos custos de aquisição e construção de templos também encontra
saída. Walker comenta que a igreja chinesa tem demonstrado, na prática, que possuir prédios para
se reunir não é essencial para que uma igreja possa desenvolver-se. Ele afirma que “Igrejas caseiras
não são um desenvolvimento recente. Tornaram-se uma característica distinta do Cristianismo
chinês durante os primeiros anos do governo comunista. Não surgiram de um movimento de
reforma que rejeitou os edifícios tradicionais em favor de um retorno à simplicidade
neotestamentária. Nenhum propagandista de igrejas caseiras viajou pelo país para espalhar a visão.
Antes, as igrejas caseiras surgiram por causa da pressão e perseguição. Nasceram por necessidade.
Eram a melhor, e na maioria dos casos, a única maneira de se reunir.”215
Mas é preciso a percepção de um aspecto importante – a busca de resposta para
necessidades concretas, como no caso chinês – e não apenas a adoção de determinado modelo pela
ambição de se alcançar um crescimento rápido, fazendo da igreja local um caso de sucesso
numérico.

Rede de Ministérios

212 MORRIS, 2003, p.175


213 WALKER, 2002, p. 230
214 KELLER&THOMPSON, 2002. p.316
215 WALKER, 2002, p.156-157

45
A experiência oriunda de Willow Creek e reproduzida especialmente na cidade de
Fortaleza, pela IBC, têm recebido criticas bastante ácidas.216 Mas é preciso que sejam percebidos
também seus aspectos positivos. Em 1995 tive a oportunidade de visitar a IBC e conhecer de perto
as estratégias usadas pela igreja. Pude observar uma abordagem extremamente clara e
contextualizada na apresentação do Evangelho, com os chamados “encontros facilitadores”, em
que a pregação se dá pelo uso de encenações e todo o ambiente é preparado para que os visitantes
sintam-se bem recebidos. O anúncio da mensagem foi fiel à Bíblia.
A multiplicidade de ministérios desenvolvidos pela igreja também chamou a atenção.
Todos os membros são incentivados a descobrirem sua “paixão” e seus dons, e em seguida,
desafiados a engajarem-se em ministérios existentes ou desenvolver algum novo ministério. Isto
exige uma postura aberta por parte da liderança, que precisará caminhar com os novos ministérios,
avaliá-los à luz das Escrituras e de sua importância para o contexto da igreja, e não somente
baseados em sua visão histórica.
O risco presente nesta abordagem refere-se à motivação com que se usa a estratégia. E é
exatamente neste ponto que recaem as maiores críticas. Existe a possibilidade de a igreja
transformar-se num alternativa para um clube social, de entretenimento ou de convívio, o que não
foi percebido na IBC, é preciso que se diga.
Orientação por Propósitos

Igrejas com Propósitos tem sido objeto de minha observação nos últimos anos, não
somente por meio do exame de literaturas, mas também pela participação de seminários. Em
fevereiro de 2003 estive em Tampa, na Flórida, atendendo a um seminário promovido pela Calvary
Baptist Church, e no Brasil, participei, no segundo semestre do mesmo ano, de seminário
promovido pela Primeira Igreja Batista de São José dos Campos.
Em minha percepção, esta é, dos paradigmas aqui apresentados, o mais "americanizado",
retratando intensamente aquele contexto. Isto não significa que não possa ser adaptado ou que não
tenha com que contribuir para a igreja brasileira. Pode-se destacar a sensibilidade com que se busca
aplicar as Escrituras na pregação, promovendo uma apresentação essencialmente prática, em lugar
de uma exposição meramente intelectual ou conceitual – o que muitas vezes acontece,
especialmente em igrejas de histórico mais tradicional. Promove também uma relação mais
próxima entre o pastor ou pastores e os membros, quebrando a formalidade de tratamento e da
forma de vestir. A proposta inclui a idéia de templos mais funcionais e práticos, servindo a mais
propósitos que somente a realização de cultos – um aspecto de grande relevância para igrejas
urbanas, onde o espaço físico apresenta elevado custo. Incorpora também aspectos de
funcionamento relativos a Rede Ministerial e Células. É preciso que se diga que os modelos não
são excludentes. Aspectos de uns estão presentes nos outros.

Outras Opções

Há ainda duas fontes de apoio a igrejas locais e pastores e que, em maior ou menor grau,
tem influenciado o funcionamento das igrejas brasileiras. O MAPI e o Movimento de Crescimento
de Igrejas.
O Ministério de Apoio a Pastores e Igrejas, MAPI217, como o próprio nome diz, busca
apoiar pastores, igrejas e seus líderes para que sejam eficazes em desenvolverem-se como Corpo
216 Algumas dessas críticas o leitor poderá encontrar no artigo UMA ANÁLISE SÉRIA SOBRE O MODERNO CRESCIMENTO
DA IGREJA: Conversão Sem Compromisso - Usando a Igreja Willow Creek de Bill Hybels como objeto de análise, disponível no site
www.solascriptura-tt.org
217 http://www.mapi-sepal.org.br

46
de Cristo. Oferecem assessoria, uma rede de pastoreio de pastores e diversos seminários e
treinamentos. Não é preciso que se diga muito a esse respeito pois nosso encontro é iniciativa
desse ministério.
O Movimento de Crescimento de Igrejas nasceu a partir da visão de Donald McGavran,
e tem atualmente como seu principal porta-voz C. Peter Wagner. O Seminário Teológico Fuller,
em Passadena (Califórnia) tem sido a instituição teológica que difunde de maneira formal seus
pressupostos. O principal enfoque deste movimento é a atuação da igreja e especialmente do pastor
em evangelização, defendendo uma postura agressiva, no sentido de persuadir à conversão. Na
visão de Souza, suas principais características são:
 ênfase nos resultados;
 critério pragmático de julgamento das estratégias de evangelização;
 utilização de estratégias inovadoras;
 utilização de estratégias e ferramentas seculares;
 conceito de igreja como se fosse uma grande empresa; e
 utilização de pesquisa científica determinando o investimento da igreja.218

Considerações Finais

Qualquer dos paradigmas apresentados, se aplicados de forma pura à uma igreja local,
pode conduzir a resultados indesejáveis a médio ou longo prazo, pois, passado o primeiro momento
de euforia, os aspectos culturais do modelo podem provocar efeitos não desejados. Luiz Longuini
Neto, professor do Seminário Teológico Batista do Sul e do Instituto Metodista Bennett, no Rio de
Janeiro, afirma que "O pano de fundo ou o lastro cultural que dá sustentação a esses movimentos
é o “american way of life” (estilo de vida americano), travestido, em alguns casos, do “korean way
of life” (estilo de vida coreano). Todos esses movimentos orientam-se pela idéia de quantidade, e
não de qualidade – o estilo capitalista de acúmulo e crescimento passa a ser entendido como valor
teológico. O que importa é construir megaigrejas. Igreja grande é sinônimo de bênção e sucesso.
Há também a incorporação inescrupulosa de métodos utilizados na administração de empresas".219
Embora não se possa discordar totalmente do que Bennett afirma, todavia é preciso ser
capaz de perceber que todas essas propostas têm algo com que contribuir para a caminhada de uma
igreja local. O segredo está no que move seus líderes e em sua disposição de trabalhar com visão
de longo prazo. Abdicar da facilidade de um modelo pronto se justifica diante da perspectiva futura
de não tornar a igreja dependente de um líder ou adoecida por um crescimento que não aconteceu
como subproduto de um processo espiritual de amadurecimento.
Por experiência, recomendo um estudo e avaliação das possibilidades apresentadas e
outras, que por ventura lhe chegue às mãos. Antes porém é preciso conhecer a própria realidade da
igreja local, sua história e contexto. Essas são as responsabilidades mínimas dos líderes da igreja.
Porém, nada deve ser feito fora da dependência do Espírito de Deus e da submissão ao senhorio de
Cristo. Como líder, que o Senhor conceda-lhe a graça de ser bem sucedido no desafio de liderar
aqueles que desejam viver com Igreja de Cristo.

218SOUZA, 2002, p.58


219NETO, L. L., artigo Teorias sobre crescimento da igreja: uma análise crítica na perspectiva missiológico-pastoral, site
ttp://www.ultimato.com.br/revistas_artigo, em 27/09/2004, 12:25
47
Bibliografia Indicada para Aprofundamento do Tema
ABELL, Derek F. Duplo planejamento. Revista HSM Management, Savana, setembro-
outubro 1999.

ADIZES, Ichak. Entrevista: É preciso mudar antes. Revista HSM Management, Savana,
novembro-dezembro 1998.

ALLEN, Richard. O processo de criação da visão. Revista HSM Management, Savana,


julho-agosto 1998.

ANDERS, Max. A Igreja em 12 Lições. São Paulo: Editora Vida, 2001.

BARNA, George. Transformando a Visão em Ação. Campinas: Editora Cristã Unida, 1997.

Biblos – Cd Rom. New Dictionary. Vida Nova.

BOCK, F., HELLWEG, M., LUBE, M. M. & MUHLHAUSER, H. A ambição move o mundo.
Revista HSM Management, Savana, setembro-outubro 1999.

BORNHOLDT, Werner. Orquestrando empresas vencedoras: guia prático da administração


de estratégias e mudanças. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

BRUNNER, Emil. O Equívoco Sobre a Igreja. São Paulo: Novo Século, 2000.

CAVALCANTI, Robinson. A Igreja, O Pais e o Mundo – Desafios de uma fé engajada.


Viçosa: Ultimato, 2000.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. São Paulo: Campus, 1999.

COLSON, Charles & PEARCEY, Nancy. E Agora Como Viveremos? Rio de Janeiro:
CPAD, 2000.

COMINSKEY, Joel. Crescimento Explosivo da Igreja em Células – Como o seu pequeno


grupo pode crescer e se multiplicar. Curitiba: Ministério Igreja em Células, 1993.

48
CRUZ, Tadeu. Sistemas, organização & métodos: estudo integrado das novas tecnologias de
informação. São Paulo: Atlas, 1998.

CURY, Antônio. Organização e métodos: uma visão holística. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2000.

DAFT, L. Richard. Teoria e projeto das organizações. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

DESIMONE, Livio. A visão por trás da inovação. Revista HSM Management, Savana,
novembro-dezembro 1998.

DUSILEK, Darci. O Futuro da Igreja no Terceiro Milênio – Desafios internos e externos que
a igreja deve enfrentar para ministrar a Palavra com fidelidade no terceiro milênio. Rio
de Janeiro: Horizontal Editora, 1997.

Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Rio de Janeiro: Delta, 1995.

FABIO, Caio. A Igreja Evangélica e o Brasil – Profecia, utopia e realidade. Niterói:


Proclama Editora e Distribuidora, 1997a.

__________. A Igreja que Transforma. São Paulo: Editora Sepal, 1998.

__________. Igreja – Crescimento Integral. Rio de Janeiro: Vinde, 1997b.

FERREIRA, Ebenézer S. A Teologia da Igreja: sua contextualização 2000 anos depois. Rio
de Janeiro: Juerp, 2001.

FISCHMANN, A. Américo. Planejamento estratégico na prática. São Paulo: Atlas, 1991.

GETZ, Gene A. Igreja: Forma e Essência – O Corpo de Cristo pelos ângulos das Escrituras,
da história e da cultura. São Paulo: Vida Nova 1994.

GONDIM, Ricardo. O Orgulho de ser Evangélico: Porque continuar na igreja. Viçosa:


Ultimato, 2000.

GONZÁLEZ, Justo L. Visão Panorâmica da História da Igreja: um roteiro para a série


História Ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1998.

GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 2000.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

HORRELL, J. Scott, Ed. Ultrapassando Barreiras: Novas opções para a igreja brasileira na
virada do século XXI. São Paulo: Vida Nova, 1984, 2 volumes.

JOHNSTONE, Patrick. A Igreja é Maior do que Você Pensa – A tarefa inacabada da

49
evangelização mundial. Camanducaia: Missão Horizontes, 2002.

KAY, John. Em busca da melhor missão. Revista HSM Management, Savana, julho-agosto
1998.

KELLER, J. Timothy & THOMPSON, Allen. Manual do Plantador de Igrejas. Londrina:


Centro Brasileiro de Plantação de Igrejas, 2002.

KRAYBILL, Donald B. O Reino de Ponta-Cabeça. Campinas: Cristã Unida, 1993.

MAHAFFIE, John. O novo hábito de pensar no futuro. Revista HSM Management, Savana,
março-abril 1999.

MATTOS, R. de Alencar. Gestão e democracia na empresa. Brasília: Ed. Livre, 1991.

MAXIMIANO, A. C. Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à


competitividade na economia globalizada. São Paulo: Atlas, 2000.

McDERMOTT, Gerald R. O Deus Visível: doze sinais da verdadeira espiritualidade. São


Paulo: Vida Nova, 1997.

MICKLETHWAIT, J. & WOOLDRIDGE, A. Os bruxos da administração: como se localizar


na babel dos grupos empresariais. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

MORRIS, Linus. Uma Igreja de Alto Impacto. São Paulo: Mundo Cristão, 2003.

MOTTA, P. Roberto. Transformação organizacional: a teoria e a prática de inovar. Rio de


Janeiro: Qualitymark, 1998.

MUZIO, Rubens Ramiro (Org.). A Revolução Silenciosa – Transformando Cidades pela


Implantação de Igrejas Saudáveis. São Paulo: Editora Sepal, 2004.

NASCIMENTO, Washington R. Igreja e Secularização. Rio de Janeiro: Intercomm


Publicações, 1995.

O ambiente da mudança. Estudo realizado pela equipe de integração da firma de consultoria


Price Waterhouse. Revista HSM Management, Savana, novembro-dezembro 1998.

OLIVEIRA, D. P. Rebouças de. Sistemas, organização e métodos: uma abordagem gerencial.


São Paulo: Atlas, 1998.

PIRAGINE JR, Paschoal. (Comp) Contextualizando a Igreja de Cristo. Rio de Janeiro:


Juerp, 2003.

POPCORN, Faith. O relatório Popcorn: centenas de idéias de novos produtos,


empreendimentos e novos mercados. Rio de Janeiro: Campus, 1994.

50
PORTER, Michael. Entrevista: a hora da estratégia. Revista HSM Management, Savana,
novembro-dezembro 1997.

PURIM, Reynaldo. A Igreja de Jesus Cristo. Rio de Janeiro: Juerp, 1980.

RAMOS, Ariovaldo. Nossa Igreja Brasileira – Uma opinião sobre a história recente. São
Paulo: Hagnos, 2002.

REGA, Lourenço S. artigo Como avaliar a equipe? publicado pela revista Liderança, Ano
i, nº 1. São Paulo: maio de 2003.

_____________. apostila A Anatomia da Igreja: seis estudos sobre a igreja. São Paulo:
1984.
_____________. apostila Administrando os conflitos de uma instituição teológica , São
Paulo: 2000.

_____________. apostila Planejamento Estratégico para Entidades Teológicas , produzida


para a XVI Conferência Teológica: A Educação Teológica e as Necessidades das Igrejas.
Aracruz: 2004.

_____________. artigo Novos Horizontes da Ética Cristã , em Chamado para Servir:


Ensaios em Homenagem a Russel P. Shedd, São Paulo: Vida Nova, 1994.

Revista Ultimato. N° 286, Janeiro-Fevereiro de 2004

Revista Ultimato. N° 289, Julho-Agosto de 2004.

ROCHA, Calvino. Responsabilidade Social da Igreja. Londrina: Descoberta, 2003.

ROHMANN, Chris. O Livro das Idéias – Um dicionário de teorias, conceitos, crenças e


pensadores, que formam nossa visão de mundo Rio de Janeiro: Campus, 2000.

SCHAEF, Anne W. Entrevista: empresas viciadas. Revista HSM Management, Savana,


setembro-outubro 1999.

SCHWARZ, Christian & SCHALK, Christoph. A Prática do Desenvolvimento Natural da


Igreja. Curitiba: Esperança, 1998.

SCHWARZ, Christian A. Mudança de Paradigma na Igreja – Como o Desenvolvimento


Natural da Igreja pode transformar o pensamento teológico. Curitiba: Esperança, 2001.

______________. O Desenvolvimento Natural da Igreja: guia prático para cristãos e igrejas


que se decepcionaram com receitas mirabolantes de crescimento. Curitiba: Esperança,
1996.

SHELLEY, Bruce L. A Igreja: O Povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 1984.

51
SHENK, David W. & STUTZMAN, Ervin R. Criando Comunidades do Reino – Modelos
neotestamentários da implantação de igrejas. Campinas: Editora Cristã Unida, 1995.

SILVA, Eder J. de M. O Espírito Santo & a Missão da Igreja Londrina: Descoberta, 2002.

SIMSON, Wolfgang. Casas que Transformam o Mundo: igreja nos lares. Curitiba:
Esperança, 2001

SNNYDER, Howard. Vinho Novo Odres Novos: vida nova para a igreja. São Paulo, ABU,
1997.

SOUZA, Jadiel Martins. Charles Finney e a Secularização da Igreja. São Paulo: Edições
Parakletos, 2002.

STEDMAN, Ray C. Igreja Corpo Vivo de Cristo: a igreja no século 20 pode recuperar toda
a força do cristianismo primitivo! São Paulo: Mundo Cristão, 1994.

STONER, J. A. & FREEMAN, R. E. Administração. Rio de Janeiro: PHD, 1985.

STOTT, John. A Cruz de Cristo. Deerfield: Vida, 1992.

__________. Ouça o Espírito Ouça o Mundo – Como ser um cristão contemporâneo. São
Paulo: ABU, 1998.

SWINDOW, Charles R. A Noiva de Cristo: renovando nossa paixão pela igreja. São Paulo,
Vida, 1996.

TINNEY, PACKER & WHITE. Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos. São Paulo: Vida,
2001.

TOZER, A. W. A Tragédia da Igreja – Ausência de Dons. Rio de Janeiro: Danprewan, 1999.

WAGNER, Glenn. Igreja S/A – Dando adeus à igreja-empresa e recuperando o sentido da


igreja-rebanho. São Paulo: Vida, 2003.

WALKER, John & Outros. A Igreja do Século XX – A história que não foi contada. Belo
Horizonte: Editora Atos, 2002.

WARREN, Rick. Uma Igreja Com Propósitos. São Paulo: Vida, 1999.

WATSON, Robert A. & BROWN, Multiplicando a Liderança – Preparando líderes para


fazer a colheita. Curitiba: Ministério Igreja em Células, 2002.

_________________. A Mais Eficaz das Organizações – princípios de administração para o


sucesso nos negócios. São Paulo: Vida Nova, 2003.

52
WHITE, James E. Rethinking the Church – A chellenge to creative redesign in an age of
transition. Michigan: Baker Books, 1999.

WILLARD, Dallas. A Conspiração Divina – um roteiro para trilhar o caminho de Deus.


São Paulo: Mundo Cristão, 2001.

WIRED, Especial. Enciclopédia da nova economia - parte II. Revista HSM Management,
Savana, março-abril 1999.

53

Você também pode gostar