Você está na página 1de 18

2

História das Principais


Doenças na Aids: Um Pouco
da Vida dos Homens que
delas Participaram
Carlos Alberto Basílio de Oliveira
Francisco Fialho
Antar Padilha-Gonçalves
Heliomar de Azevedo Valle

Este capítulo tem o objetivo de despertar no e parasitárias, bem como das lesões neoplásicas,
jovem médico — residente e pós-graduando entre as quais os linfomas.
— o interesse histórico da medicina relacio- A descrição clínica desses quadros patológi-
nado com as doenças que constituem o corte- cos, quase um século antes do início da Aids,
jo da Aids. Focaliza-se a figura principal do deve-se a vários pesquisadores, inclusive com a
médico, que deixou pelo caminho da curiosi- participação de ilustres médicos brasileiros.
dade científica, guiada pela crítica de sua inte-
ligência, interessantes observações clínicas ou
enfoques morfológicos colhidos das lentes de PNEUMOCISTOSE
seus microscópios.
Ao rever a história da pneumocistose, o pri-
No início dos anos 80 do século XX, passa- meiro pesquisador que logo surge no cenário
ram-se a caracterizar as mais freqüentes condi- médico brasileiro é Antônio Carinii (1872-
ções patológicas observadas na Aids, que de 1950) (Prancha 2.1-A). Foi professor de micro-
início apontaram para pertinente forma de in- biologia e imunologia da Faculdade de Medici-
fecção pulmonar; singular lesão cutânea neo- na de São Paulo, tendo nascido em Sondrio na
plásica, muita vezes de caráter multicêntrico; Itália, em 17 de setembro de 1872. Durante
freqüente acometimento infeccioso do sistema muitos anos, residiu no Brasil, onde dirigiu o
nervoso central e característica infecção viral. Instituto Pasteur de São Paulo. No Laboratório
Correspondem à pneumocistose, ao sarcoma de Paulista de Biologia, realizou investigações so-
Kaposi, à toxoplasmose e à citomegalovirose. bre a Isospora, Pneu-mocystis, Eimeria e Toxo-
Outras doenças de menor importância no con- plasma. Estudou em Santa Catarina um surto de
junto da Aids, inclusive relacionadas com o gru- raiva eqüina, mostrando o papel dos morcegos
po das sexualmente transmissíveis, também hematófagos na disseminação da virose. Estu-
passaram a ter maior destaque diagnóstico, par- dou a “tristeza dos bovinos”, a raiva, a esporo-
ticularmente a sífilis e a donovanose. tricose, a leishmaniose tegumentar, a cariospora
Talvez a única vantagem que de concreto da jararaca, os nictóteros dos batráquios, a sín-
esse grupo de pacientes, com Aids, teve diante drome de Löefler, a amebíase, a doença de Cha-
das doenças oportunistas e neoplásicas decor- gas, o alastrim e outros temas34.
reu de o fato de já serem conhecidos os qua- Carinii era diplomado pela Faculdade de
dros clínicos daquelas condições patológicas Medicina de Pavia. Quando chegou ao Brasil, já
anteriormente descritas, que passaram a fazer era praticamente um nome feito nos meios ci-
parte do grupo de lesões mais comuns nos pa- entíficos. Dirigira o Instituto Vacinogênico na
cientes infectados pelo HIV, o que muito facili- Suíça, e trabalhou em Berna, no Instituto
tou o diagnóstico e permitiu a instituição de Soroterapêutico. Sua docência-livre em micro-
protocolos terapêuticos anteriormente em uso biologia foi defendendo a tese sobre os vírus
no dia-a-dia da clínica das doenças infecciosas filtráveis. Carinii tem seu nome no Brasil liga-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 15
do à história da “úlcera de Bauru”, do alastrim, da doença primidos (Aids, transplantes de órgãos, enfermidades ma-
de Chagas, da amebíase, da brucelose e, sobretudo, da in- lignas ou em tratamento quimioterápico), seriam real-
fecção pelo Pneumocystis carinii, este último descoberto no mente casos de pneumonia pelo Pneumocystis jiroveci,
laboratório do Instituto Pasteur de São Paulo. Já idoso, em reservando a denominação Pneumocystis carinii àqueles
Milão, dedicou-se a defender suas opiniões, como um observados em ratas ou outros animais.
moço, nas sociedades de Milão, mas, em verdade, sua pá-
tria adotiva foi o Brasil. Aqui transmitiu seus conhecimen-
tos como professor, com aparente simplicidade e de forma SARCOMA DE KAPOSI
muito objetiva. Ensinava bem, sem se preocupar com a Outra homenagem histórica presta-se a Kaposi, derma-
oratória. Quando completou 30 anos de incansável ativi- tologista húngaro que fez engrandecer a dermatologia
dade científica, entre nós, o governo brasileiro lhe confe- vienense no final do século XIX4.
riu, muito justamente, a ordem do Cruzeiro do Sul em
1937. Carinii faleceu no dia 9 de abril de 1950, na cidade O sarcoma de Kaposi (SK) foi descrito pela primeira
de Milão. Descansa, agora, no cemitério de Sondrio vez em 1872, por Moritz Kohn Kaposi, com a clássica de-
(Lombardia), sua cidade natal. No Brasil, seu nome será nominação de “sarcomas cutâneos idiopáticos múltiplos e
relembrado com saudade e profunda admiração pela ver- pigmentados” (Prancha 2.1-B).
dadeira e prodigiosa atividade científica desenvolvida nas O nome Kaposi é de origem húngara e, muitas vezes,
terras da sua pátria adotiva34. é pronunciado de maneira errada. Rothman afirma que a
Carinii desempenhou papel central nos primeiros es- acentuação é sobre a primeira sílaba, tal como ocorre em
tudos sobre o agente da pneumocistose. Interessou-se pe- todas as palavras húngaras. A vogal “a” é curta e deve ser
las investigações pioneiras de Carlos Chagas sobre a falada como na palavra inglesa “wardrobe”. A vogal “o”,
tripanossomíase americana. Chagas havia identificado, no como no vocábulo inglês “off”. A consoante “s” deve ser
tecido pulmonar de cobaias e camundongos infectados pronunciada como o “sh” de English1.
com o novo agente etiológico, formas que apresentavam O sarcoma de Kaposi foi descrito com o nome de
semelhanças com cistos, algumas das quais continham em idiopathisches multiples pigmentsarkom der haut, como le-
seu interior oito células-filha claviformes, dispostas de são cutânea que aparecia, raramente, no homem adulto.
modo irregular. Chagas também as havia identificado no Destacavam-se nódulos violáceos na pele das extremidades
tecido pulmonar de uma criança falecida de tripanos- inferiores. Kaposi observou, em 1868, o primeiro caso, na
somíase americana e acreditou ser uma forma intermedi- clínica de Hebra, sob o diagnóstico de elefantíase, que foi
ária do novo agente. Reproduzindo os experimentos em mudado para o de sarcoma melanodes após ter sido reali-
seu próprio laboratório, Carinii notou que algumas cobaias zado estudo histopatológico. Em 1869, Kaposi diagnosti-
intensamente infectadas com o agente da tripanossomíase cou um segundo caso de sarcoma melanodes. Foram esses
americana não apresentavam as formas intermediárias dois casos, acrescidos de mais três, que serviram de base
pulmonares. Optou por encaminhar seu material para o à publicação do primeiro trabalho de Kaposi sobre esta
Instituto Pasteur de Paris, onde o casal Delanoë concluiu lesão cutânea que recebe seu nome29,33.
tratar-se de um novo parasito pulmonar de cobaias sem
qualquer relação com o agente da doença de Chagas. Ape- Em 1877, Israel apresentou um caso de lymphan-
nas em 1942, os holandeses Van der Meer e Brug descre- quiectasia diffusa pedis dextri, identificado como sarcoma
veram claramente o potencial patogênico humano do de Kaposi. Nesse mesmo ano, a escola dermatológica ita-
Pneumocystis carinii e reconheceram os trabalhos pionei- liana, com Tanturri, destacou alguns casos da doença, com
ros de Carlos Chagas e Antônio Carinii. a denominação de “sarcoma idiophatico parvicellulare
telangiectasico pigmentado della pelle”. Em 1878, Butlin,
apontou esta doença em um menino de dez anos. Gardner
CONTROVÉRSIAS QUANTO À NOVA DENOMINAÇÃO e Coats, em 1879, relataram um caso com tumores múlti-
DO PNEUMOCYSTIS CARINII EM HUMANOS plos, alguns dos quais tiveram desaparecimento espontâ-
neo. Em 1882, grande contribuição sobre a doença foi feita
A partir de 1999 (Frenkel JK), surgiu particular deno- por Tommaso de Amicis (1838-1894) na forma de mono-
minação na literatura para o Pneumocystis que produz grafia sobre o dermopolimelanossarcoma idiopático, na qual
pneumonia em humanos. Tratar-se-ia do Pneumocystis estuda 12 casos, todos do sexo masculino. Descreveu a in-
jiroveci em honra ao parasitólogo checo, Otto Jirovec. volução espontânea de lesões únicas, falou de metástases
O Pneumocystis foi descrito inicialmente por Chagas internas, desenvolveu particular descrição histopatológica
em 1909, como uma forma de Trypanossoma cruzi. Logo da doença e descreveu o quadro dermatológico em crian-
estabeleceu-se que não era tripanossoma, criando-se uma ça de cinco anos, a qual morreu em seu povoado natal, após
nova espécie chamada Pneumocystis carinii. De início, tam- ter sido liberada uns poucos meses antes do hospital de
bém pensou-se que fosse protozoário, porém a análise do Naples. De Amicis foi até lá e realizou a necropsia, encon-
ADN, em 1988, demonstrou ser fungo, apesar de carecer trando nódulos no fígado. Ele colocou o material que de-
de ergosterol e evidenciar crescimento muito difícil em veria ser examinado ao microscópio, em solução de fenol
cultivos próprios. Há, entretanto, na literatura, divergências e água, mas infortunadamente parece que esta solução não
quanto à nomenclatura mais adequada no que diz respei- foi suficientemente forte e, quando chegou em seu labora-
to à espécie patogênica do homem. Deste modo, continua tório, o material tinha apodrecido e o exame histopatoló-
e discussão se os casos de pneumonia intersticial com clás- gico não pôde ser feito.
sica lesão alveolar, ocupada por diminutos parasitos, em Ainda em 1882, Köbner33 referiu-se a um caso de cura
seres humanos, na sua maioria em indivíduos imunode- pela medicação arsenical. Em 1883, Dauchez e Legendre
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
16 Capítulo 2
apresentaram um caso na França. Em 1884, Hardaway rea- nados a aceitar o diagnóstico de lepra, o que foi recusado
lizou o primeiro trabalho, nos Estados Unidos, sobre o por Terra, pelo fato de que a pesquisa de bacilos álcool-
sarcoma de Kaposi, atribuindo à doença o nome de ácido-resistentes tinha sido negativa, como também pela
sarcoma cutis. Perrin, em 1886, fez tese intitulada De la falta de amiotrofias, sem alterações da sensibilidade su-
sarcomatose cutanée, na qual ordena o estudo dos sarcomas perficial apesar da multiplicidade de lesões. Azulay, jul-
cutâneos e tenta classificá-los. Inclui o SK entre os sarco- gando a fotografia do caso, é de opinião que de fato se
mas primitivos não-melânicos. Traça um paralelismo en- tratava da doença de Kaposi. Em 1914, Hallenberqer des-
tre a sarcomatose cutânea pigmentada (tipo Kaposi) e a creve um caso envolvendo paciente africano. Frederico
não-pigmentada, a qual se chamou depois tipo Perrin. Tavares Lobato, em 1916, apresentou tese de dou-
Em 1887, Kaposi descreveu a forma disseminada da toramento com o título Sarcoma idiopathico múltiplo
doença. Em 1891, publicou um tratado de enfermidades hemorrhagico de Kaposi.
da pele, cuja versão francesa era intitulada Pathologie et Pautrier e Diss, em 1928, propuseram o processo pato-
traitment des Maladies de la peau, de onde Garcia Perez re- lógico como disgenesia dos vasos e seus anexos neuromus-
tirou alguns pontos relativos ao SK: “Não tenho visto, até culares, dos nervos e elementos de Schwann, comparável
agora, mais do que doze casos, todos em homens... Apare- ao glomus. Esta teoria gerou várias controvérsias.
ce simultaneamente nos dois pés e/ou nas duas mãos, tan- Em 1932, Durfell, estudando a histogênese do SK, pas-
to na palma ou planta, como no dorso. Estende-se depois sou a considerá-lo como reticuloendoteliose. Ainda neste
sobre as pernas, coxas e braços, e ao cabo de dois ou três ano, Eduardo Rabello publica estudo completo a respeito
anos afeta a face e o tronco. Começa sob a forma de nódu- de um caso que tivera início como mancha avermelhada
los do tamanho de uma ervilha, de cor castanho-averme- na região tenar esquerda.
lhada ou vermelho-azulada..., dispostos irregularmente ou
confluentes. Os pés e as mãos ficam tumefeitos, deforma- Em 1934, Dupont passa a empregar a denominação
dos, dolorosos espontaneamente ou à pressão. Depois de doença de Kaposi. Neste mesmo ano, Smith e Elmes fize-
vários meses, os nódulos mais antigos se aplanam ou che- ram extensa revisão de 500 tumores em nativos africanos,
gam a desaparecer, deixando, em seu lugar, depressões ci- verificando que 2% dos casos correspondiam ao sarcoma
catriciais fortemente pigmentadas. Alguns podem amolecer, de Kaposi.
contudo nunca se ulceram. Depois de um intervalo de dois Em 1944, Mário Rutowitsch escreveu tese de docência
a cinco anos, podem aparecer nódulos nas pálpebras, no com o título Ensaio de revisão clínica e histológica dos sar-
nariz, na região zigomática, nos lábios ou em diversos comas primitivos da pele. Ao estudar o sarcoma de Kaposi,
pontos do tronco. Ao final sobrevêm febre, diarréia sangui- classifica-o entre os sarcomas de posição incerta.
nolenta, hemoptise, marasmo e morte. Na autópsia se en- Em 1945, Azulay3 apresenta, na Sociedade Brasileira de
contram nódulos ou mesmo tumores hemorrágicos, de Dermatologia e Sifilografia, um caso desta doença em pa-
aspecto carnoso, no pulmão, fígado, baço, miocárdio, intes- ciente da raça negra.
tino delgado e cólon descendente, de onde confluem uns
Durante a década de 50 do século XX, a atenção dos
com outros, sofrendo necrose. Nem a extirpação dos pri-
meiros nódulos, nem tampouco outro tratamento impedi- pesquisadores começou a se voltar para a África, onde se
ram sua progressão, de evolução fatal. Entretanto, o evolver verificou que esta condição tinha alta incidência entre os
habitual do quadro clínico é muito mais lento que em ou- negros bantos e que a sintomatologia era muito mais va-
tras formas de sarcoma e pode durar de três a cinco anos.” riada do que as observações feitas na Europa e América.
Em 1957, Samuel Blueforb escreveu, em sua clássica
Em 1894, Kaposi resolveu separar esta doença do gru- monografia Kaposi’s sarcoma, que, embora parecesse ser
po dos verdadeiros sarcomas, incluindo-a, juntamente com comparativamente rara no negro americano, mostra alta
a micose fungóide, leucemias e outras condições patológi- incidência nos negros africanos.
cas, num grupo à parte chamado sarcóide. Deve-se frisar
que a idéia de incluir tais doenças em um só grupo era an- Os estudos da doença de Kaposi, na África, culmina-
terior à criação do nome sarcóide, até então proposto por ram com a realização de simpósio em maio de 1961,
Kaposi. A sugestão para tal agrupamento foi devida a Funk em Kampala, Uganda, organizado pela União Internacio-
em 1889. Ainda em 1894, Köbner verificou que o pigmen- nal contra o Câncer, com a coordenação de Lauren
to implicado na doença era de origem hemática e não Ackerman1,16,46,30.
melânica. Resolveu, então, mudar o epíteto pigmentosum Em 1969, foi relatado o primeiro caso de SK asso-
para haemorrhagicum, a fim de evitar confusão com o en- ciado a transplante renal. Nos anos seguintes, verifi-
tão chamado melanossarcoma. Esta denominação foi bem cou-se crescente incidência do SK nos receptores de
aceita por Kaposi. transplante renal, como também em doentes com alte-
Até 1904, pensava-se na enfermidade como de nature- rações imunológicas sob terapêutica imunossupres-
za sarcomatosa, salvo a escola italiana, que com Radaelli sora2,1215,21,22,31,32,37,39,51,54.
a declarava de origem angioendoteliomatosa. Em 1979, verificou-se o aumento da incidência do
Em 1912, surge a primeira referência brasileira sobre sarcoma de Kaposi em pacientes que sofreram transplan-
a doença. Azulay3, em tese de 1949, relata que este fato se te renal, passando a sugerir que a imunossupressão possa
deveu a Eduardo Rabello pela apresentação na sétima ses- representar fator facilitador no desenvolvimento desta
são ordinária da Sociedade Brasileira de Dermatologia, no condição patológica, o que foi bem aceito, visto que, quan-
dia 9 de agosto de 1912, como um caso pró-diagnose. Nes- do o uso de drogas imunossupressoras utilizadas por esses
ta ocasião, Rabello sugere o diagnóstico de sarcoma de pacientes era interrompido, a neoplasia, em muitas opor-
Kaposi, enquanto Lutz e Vieira Filho estavam mais incli- tunidades, diminuía de tamanho ou até desaparecia. No
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 17
mesmo ano, a classe médica norte-americana começou a te à observada no SKC. Tanto a forma nodular quanto as
fixar sua atenção no aparecimento desta lesão neoplásica formas florida e infiltrativa ocorrem mais comumente em
particularmente em homossexuais masculinos. Nestes in- adultos jovens entre 25 e 40 anos. A variedade
divíduos, as lesões do SK mostravam sinais de agressi- linfadenopática generalizada é vista principalmente em
vidade muito maior do que habitualmente se verificavam crianças antes da puberdade, e a proporção homem:mulher
em outros pacientes. é de 3:1. A manifestação cutânea da forma florida caracte-
Em 1980, crescia o número de casos de homossexuais riza-se por lesões que crescem exofiticamente, enquanto na
masculinos que apresentavam o sarcoma de Kaposi, de infiltrativa observa-se a invasão do subcutâneo e do teci-
evolução rápida, grave e extensa. Neste mesmo ano, reali- do circundante, inclusive atingindo o osso subjacente. A
zou-se, em Kampala, o segundo simpósio sobre o sarcoma forma linfadenopática difusa geralmente não apresenta
de Kaposi, sob os auspícios do Ministério da Saúde de manifestações cutâneas, porém, freqüentemente, associa-
Uganda e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Foram se a envolvimento visceral. No que diz respeito ao trata-
intensamente discutidos temas referentes à epidemiologia, mento, as formas infiltrativa e florida respondem bem à
etiologia, patologia, clínica e tratamento, conforme refe- quimioterapia combinada; entretanto, muitos pacientes
rem Olweny e Hutt44. morrem devido à doença num período de três anos. A for-
Em 1981, o CDC, reconhecia a Aids, passando o estu- ma linfadenopática tem prognóstico reservado e curso ra-
do do sarcoma de Kaposi a se confundir com o da própria pidamente fatal a despeito do tratamento quimioterápico.
síndrome. As lesões elementares podem ser muito semelhantes
Vale, nesta oportunidade histórica, acrescentar algumas àquelas observadas no curso da forma clássica. Entretan-
questões de aplicação diagnóstica. to, os aspectos clínicos e evolutivos permitem distinguir
três subgrupos ao lado de particular lesão da infância:
De maneira esquemática, são apresentadas quatro for-
mas do SK descritas em razão dos aspectos clínicos e evo- a. forma nodular: completamente superposta à forma
lutivos, conforme referido por Guillot e Mejnadier: européia clássica. Apresenta-se como lesões papulonodu-
lares, angiomatosas, que se iniciam, habitualmente, nos
a. SK europeu ou clássico; membros. Apresentam evolução longa, sendo raro o com-
b. SK africano ou endêmico; prometimento visceral;
c. SK iatrogênico, originado após imunossupressão b. forma agressiva: o começo das lesões, embora seme-
induzida por droga; lhante ao da forma anterior, revela, evolução muito rápida
d. SK epidêmico ou disseminado, associado ao HIV. e fatal. Nesta forma, observam-se freqüentemente tumora-
O sarcoma de Kaposi clássico (SKC) apresenta maior ções volumosas e ulcerovegetantes tipo couve-flor. O
incidência entre norte-americanos e europeus, principal- envolvimento ganglionar é freqüente. Podem existir
mente em indivíduos de origem mediterrânea e judaica. comumente lesões viscerais, sobretudo do tubo digestivo;
Predomina no sexo masculino, na proporção de 10 a 15 c. forma generalizada: pode aparecer em todas as ida-
homens para cada mulher, com idade variando entre 50 e des. Manifesta-se por várias lesões cutâneas, simultâneas,
70 anos. Clinicamente, aparecem manchas, placas e/ou nó- difusas e associadas a lesões viscerais. Todos os órgãos po-
dulos vermelho-purpúreos na pele, principalmente nos dem ser atingidos, sobretudo o tubo digestório e, mais
membros inferiores. Raramente, há o envolvimento de lin- acessoriamente, a árvore brônquica, o fígado, o rim, o baço,
fonodos e órgãos internos. A doença exibe curso clínico as supra-renais, o coração e o cérebro. A morte sobrevém,
benigno, longa sobrevida e responde bem ao tratamento no geral, pouco tempo depois do diagnóstico;
local com irradiação ou excisão da lesão. d. forma da infância: muito particular por sua sintoma-
O comprometimento cutâneo é, habitualmente, inicial. tologia e evolução. Verifica-se, habitualmente, alteração do
As lesões começam geralmente nos membros, em particu- estado geral. Localizações cutâneas são possíveis, mas cos-
lar os inferiores, e, freqüentemente, de forma bilateral. O tumam ser tardias. Muito características desta forma são as
início em outras regiões é possível, como, por exemplo, lesões ganglionares. São geralmente acometidas crianças
nas orelhas, no couro cabeludo, no pênis, no palato e, às abaixo dos dez anos de idade.
vezes, nos olhos. As lesões mostram-se, na maioria das ve- A forma de SK associada à imunossupressão por dro-
zes, de forma múltipla e agrupadas em focos. A evolução ga — o sarcoma de Kaposi iatrogênico (SKI) — foi obser-
das lesões é longa e raramente ocorre disseminação para vada primeiramente em 1969, em pacientes após
todo o tegumento. Verificam-se lesões angiomatosas, papu- transplante renal. Estes pacientes utilizaram prednisona e
lonodulares e edematosas. azatioprina, e desenvolveram SK logo após o início da te-
A variedade conhecida como sarcoma de Kaposi afri- rapia imunossupressora. O aparecimento desse tipo de le-
cano (SKA) começou a ser observada como doença são, associada a imunossupressores, tem sido relatado
endêmica no Sul da África a partir de 1950. Diferentes ti- também em pacientes com doenças auto-imunes, tais
pos clínicos têm sido observados. São eles: nodular, flori- como o lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide,
do, infiltrativo e linfadenopático generalizado. O tipo pênfigo vulgar, anemia hemolítica, penfigóide e arterite
nodular evolui de forma benigna, cursando de maneira se- temporal. Esta forma de SK aparece mais em homens que
melhante ao SKC. Os outros três tipos — florido, mulheres na proporção de 2-3:1. A idade média acometi-
infiltrativo e linfadenopático generalizado — progridem da é de 60 anos, porém observam-se também casos abai-
rapidamente, podendo evoluir para o óbito dentro de um xo de 30 anos. As lesões do SKI localizam-se com maior
ano, se não tratados de maneira apropriada. Com relação freqüência na pele, através de nódulos, mas a dissemina-
ao sexo, há predominância no sexo masculino, semelhan- ção com envolvimento visceral e cutaneomucoso é co-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
18 Capítulo 2
mum. O grau de imunidade celular tem sido correlacionado B. sinais sistêmicos: 10% de perda de peso ou febre su-
à extensão das lesões. Em alguns casos, os tumores perior a 38ºC não relacionada à infecção nas últimas duas
regridem após a diminuição ou alteração da terapia semanas.
imunossupressora. O tratamento radioterápico, quando Observação: Generalizado — mais do que em uma ex-
usado, geralmente é efetivo para as lesões cutâneas e as da tremidade superior ou inferior. Inclui, ainda, doença gastrin-
cavidade oral. testinal mínima, definida como mais do que cinco lesões,
Foi demonstrado o aparecimento de SK em indivíduos tendo em conjunto até dois centímetros de diâmetro.
que apresentam afecção levando à redução da imunidade, O SK tem sido descrito em vários grupos étnicos, inclu-
ou naqueles que utilizam terapêuticas capazes de produ- sive em esquimós41. Também, muitas são as referências a
zir imunossupressão a exemplo dos corticosteróides. As- esta condição patológica, com outras entidades clínicas,
sinala-se que a evolução dessa forma da doença é, tais como pênfigo vulgar e foliáceo, penfigóide bolhoso,
habitualmente, mais acentuada que a forma clássica, sen- psoríase, colagenoses, síndrome nefrótica, miastenia
do possível o envolvimento visceral, mais particularmen- gravis, doença de Castleman, parapsoríase, anemias hemo-
te do tubo digestório. Nota-se, também, que, nos pacientes líticas auto-imunes, púrpura trombocitopênica idiopática,
em uso de drogas imunossupressoras, a interrupção do tra- mieloma múltiplo, leucemias, linfomas e carcinomas. Na
tamento pode favorecer o retrocesso ou mesmo o desapa- Aids, a associação do SK com diversos processos infec-
recimento das lesões do sarcoma de Kaposi. ciosos é comum, havendo casos, por exemplo, da ocorrên-
cia de sarcoma de Kaposi e histoplasmose em um mesmo
O SK associado à infecção pelo HIV, o SK epidêmico linfonodo6,17,25,36,38,40,45,50,52,53.
(SKE), começou a ser observado em jovens homossexu-
Embora a primeira descrição do SK tenha ocorrido no
ais entre 1979 e 1981. Nesta época, a Aids ainda não era
século passado, sua patogênese permanece obscura. O SK
reconhecida, e o que mais chamava a atenção dos pesqui-
tem sido considerado, em geral, como neoplasia maligna.
sadores era a maior incidência de SK e doenças infecci-
Entretanto, essa natureza neoplásica é questionada por vá-
osas em homossexuais masculinos sexualmente ativos,
rios investigadores que atribuem às lesões caráter reacio-
com idade variando entre 26 e 51 anos. As lesões
nal, interpretando a proliferação celular do SK como
cutâneas observadas nesses pacientes eram disseminadas
hiperplasia reversível ou proliferação reativa. Entre os as-
com apresentação em todos os estágios clínicos, isto é,
pectos que reforçam esta última hipótese, destacam-se al-
máculas, placas e nódulos. O envolvimento dos linfo-
gumas características clínicas: distribuição multicêntrica,
nodos e visceral foi visto em alguns casos. Uma causa in-
ou seja, aparecimento simultâneo de várias lesões em di-
fecciosa, possivelmente viral, foi considerada, já que
ferentes localizações, ao lado da possibilidade de regres-
havia também alta incidência de doenças infecciosas nes-
são espontânea. Esses aspectos não são observados nas
ses pacientes.
neoplasias malignas, em particular nos sarcomas, nos quais
Freqüentemente, o SKE está representado por lesões a lesão primitiva dá origem a metástases e cujo desapare-
difusas e multifocais logo no início da doença. Podem cimento espontâneo é extremamente raro.
envolver a pele, a mucosa oral, os linfonodos e os órgãos
Aspectos anatomopatológicos também fazem o diag-
viscerais, tais como o trato gastrintestinal, os pulmões, o
nóstico diferencial. O exame histopatológico das lesões
fígado e o baço. Notam-se aspectos característicos quan-
do há comprometimento dos membros inferiores. For- iniciais do SK demonstra aspectos mais próximos aos de
mam-se placas eritematoangiomatosas ou tumores resposta inflamatória do que propriamente de neoplasia.
típicos, freqüentemente volumosos. Algumas vezes, a lo- Além disso, estudos de DNA, através de microespectofo-
calização das lesões compromete a metade superior do tometria, revelam diploidia nas células do SK em vez de
tronco, a conjuntiva, a cavidade oral e o tubo digestório. aneuploidia, freqüentemente encontrada nas neoplasias
Em outros casos, o aspecto clínico é pouco evocador, re- malignas.
presentado por máculas rosadas ou periféricas, ao lado de Alguns vírus são apontados como tendo estreita relação
nódulos profundos, discretamente angiomatosos. O diag- com o sarcoma de Kaposi. O mais comentado é o vírus do
nóstico clínico pode ser, ainda, mais difícil pela coexis- grupo herpes, o citomegalovírus (CMV). A associação en-
tência de rash cutâneo, pouco característico, freqüente- tre SK e CMV tem sido observada por muitos investigado-
mente verificado no curso da Aids. O prognóstico é som- res. Já foram vistas partículas do vírus do grupo herpes em
brio. Verifica-se, habitualmente, disseminação rápida da cultura de células de SK. A presença do CMV foi verificada
doença, podendo associar-se ao desaparecimento de in- utilizando técnica de hibridização in situ em biópsias de
fecções oportunistas de repetição. diferentes tipos de SK (epidêmico, clássico e iatrogênico).
Laubenstein35 aponta o seguinte sistema de estagiamen- Outros autores contestam, afirmando que a presença do
to do sarcoma de Kaposi: CMV em células do SKE deve-se à infecção disseminada,
• estágio I: cutâneo e localmente indolente; freqüente nos pacientes com Aids.
• estágio II: cutâneo, localmente agressivo com ou sem Destaca-se, o papel do vírus da varicela-zoster na
linfonodos regionais; indução de lesões do SK. Refere-se à regressão do SK em
linfonodo de paciente com Aids, o qual apareceu após al-
• estágio III: mucocutâneo generalizado e/ou com gum tempo em área cutânea previamente afetada pelo her-
envolvimento dos linfonodos; pes-zoster.
• estágio IV: visceral. Um retrovírus análogo ao vírus aviário que provoca
Subtipos: hemangiomatose em aves foi sugerido como possível agen-
A. nenhum sinal de sintoma sistêmico; te etiológico do SK. A hemangiomatose ocorre como lesões
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 19
vasculares que apresentam semelhança clínica e sensação de maior satisfação, com o objetivo de relaxa-
histopatológica com o SK que ocorre em humanos. A mento do tônus do esfíncter anal. Esses nitritos são
hemangiomatose aviária é induzida por retrovírus do grupo comercializados como odorizadores de ambiente, vendi-
leucose linfóide, que levanta um paralelo etiopatológico dos em várias lojas e até pelo correio. Seu uso pode pro-
com a doença no homem. vocar irritação cutânea, vasodilatação periférica,
Existem considerações sobre os papilomavírus humanos taquicardia, anemia hemolítica e esplenomegalia por ina-
(HPV) como possíveis agentes do SK. Como células lação deliberada. Sua ingestão pode produzir morte por
epiteliais parecem ser fonte dominante de replicação do metemoglobulinemia e anóxia hipocinética.
HPV com resposta proliferativa na pele, os autores subme- A análise de diferentes fatores patogênicos permite fa-
teram biópsias de pacientes com SK cutâneo ao estudo zer as seguintes considerações: o sarcoma de Kaposi apa-
imunoistoquímico, a fim de observar se os ceratinócitos rece como doença maligna, de evolução variável, sob a
expressavam antígeno relacionado com o HPV. Os casos dependência de múltiplos fatores, entre os quais destaca-
revistos foram tanto de SKE quanto de SKC e SKI. Verifi- mos: a. características genéticas (raça e grupo HLA) asso-
caram que os ceratinócitos eram negativos, havendo ciadas a modificações da resposta imune que favorecem
positividade para os dendrócitos dérmicos. Na discussão a transformação neoplásica de certas células endoteliais;
destes achados, os autores ponderaram sobre a possibili- b. a interação com infecção viral seria importante fator
dade de tratar-se de nova classe de HPV não-epidermotrópica para o desenvolvimento da doença, o que poderia ocor-
ou que agente viral de natureza ainda desconhecida possa rer com o HIV e outros vírus, os quais agiriam, variavel-
ser responsável pelo aparecimento de reação cruzada en- mente, em sinergia; c. a imunodeficiência, de diversas
tre as células da derme (dendrócitos dérmicos) e proteína origens, parece aumentar, de maneira significativa, a fre-
do capsídeo. A possibilidade de reação cruzada a outras qüência da doença.
proteínas de origem endógena, não associadas ao vírus, Warner e O’Loughlin, em 1985, propuseram conside-
não pode ser descartada. rar o SK como resultado de rejeição tumoral: os linfócitos
Mais recentemente, analisando seqüências de DNA dos doentes reagiriam contra os linfócitos alterados por
através da reação em cadeia da polimerase em casos de um vírus e produziriam secundariamente fatores favorece-
pacientes com SKE, SKC e SKI em homossexuais HIV-ne- dores do sarcoma de Kaposi. A presença de TAF (fator tu-
gativos, Moore et al. (1995)79 observaram, em todos os ti- moral angiogênico) ou de TGF (fator de crescimento
pos de SK, seqüência de DNA KS330, pertencente a vírus tumoral) explicaria a auto-amplificação do fenômeno as-
semelhante ao herpesvírus. Os autores propõem, então, que sim induzido. Para outros autores, a doença de Kaposi re-
esse vírus, também denominado KSHV (kaposi sarcoma presenta verdadeiro câncer oportunista que se desenvolve
associated herpesvirus), tenha papel etiológico no desenvol- por ocasião de modificações imunes induzidas por múlti-
vimento do SK. plos parâmetros, conforme apontados anteriormente.
Com relação ao papel do HIV, alguns autores sugerem Quanto à histogênese do SK, vários estudos foram rea-
que o desenvolvimento e progressão do SKE possam resul- lizados visando esclarecer a origem da célula do SK: duas
tar da interação do efeito do HIV na resposta imune do células são sugeridas com maior freqüência: a célula endo-
hospedeiro e da presença da proteína viral Tat do HIV-1. O telial e a mesenquimal pluripotente. Esses resultados são
gene Tat é capaz de transformar células endoteliais vascu- baseados principalmente naqueles obtidos através de imu-
lares e promover seu crescimento. Essas células transfor- noistoquímica, baseados exclusivamente na localização do
madas produzem uma variedade de citocinas angiogênicas antígeno relacionado com o fator VIII (ARFVIII), uma pro-
e fatores de crescimento, sugerindo seu papel na prolife- teína usada como marcador de célula endotelial. Os resul-
ração dérmica do SKE. tados são contraditórios.
Os fatores que regulam o crescimento do SK têm sido O diagnóstico morfológico do SK traduz-se na identi-
demonstrados utilizando diferentes técnicas: hibridização ficação dos seguintes elementos: células fusiformes, estru-
in situ e cultura de células. Através da primeira, foram turas vasculares, contingente inflamatório e depósito de
identificados, em biópsias cutâneas de SKE, fatores de cres- pigmento férrico.
cimento fibroblástico e com a segunda, interleucina-6, As células fusiformes são tipicamente alongadas, com
interleucina-1, fator de necrose tumoral, fator básico de o núcleo estreito e a cromatina densa; algumas vezes, ob-
crescimento fibroblástico, além de oncostatina M, conhe- servam-se células mais arredondadas, com os nucléolos
cida como potente mitógeno. evidentes. Essas células agrupam-se em feixes, constituin-
O SK tem sido observado mais comumente em pacien- do aspecto turbilhonado, determinando nódulos ou placas.
tes com Aids, que adquiriram o HIV por contato sexual A impregnação pela prata permite revelar uma rede de fi-
mais do que por via parenteral. A partir daí, vários auto- bras reticulares que contorna cada célula. Nesses nódulos,
res levantaram a hipótese de que haveria um agente infec- o colágeno pode estar presente em quantidade variável.
cioso ainda não identificado que seria transmitido Glóbulos hialinos eosinofílicos podem ser identificados
sexualmente. Pesquisadores têm sugerido que a transmis- dentro ou fora das células. Essas estruturas são fracamen-
são do SKE ocorra de maneira análoga ao modelo canino te PAS (ácido periódico de Schiff) — positivas ou mesmo
de tumor venéreo, transmitido por via sexual. negativas. Parecem representar restos lisossomais. As célu-
Por sua vez, os nitritos inalantes parecem agir como las fusiformes delimitam fendas estreitas, geralmente re-
co-fator, juntamente com o HIV ou CMV, na indução do SK pletas de hemácias.
associado à Aids em homossexuais. Os vapores de nitrito As estruturas vasculares são caracterizadas por massas
são utilizados pelos homossexuais para promover uma vasculares, compostas de capilares do tipo embrionário ou
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
20 Capítulo 2
de elementos mais diferenciados, constituindo aspecto tico pode ser confundido com o dos sarcomas vasculares,
angiomatoso e, algumas vezes, até do tipo cavernoso. tais como o angiossarcoma.
Quando os elementos vasculares são representados por A correlação entre a histopatologia e a clínica nem
capilares embrionários, habitualmente se mostram sempre é formalmente estabelecida. Os tipos monomorfo
intrincados com as células fusiformes. Ao contrário, as le- e anaplásico são, em sua maioria, associados à forma
sões formadas por vasos mais típicos tendem a apresen- agressiva da doença, mas o inverso nem sempre é verda-
tar-se isoladas, em nódulos. A presença de vasos maturos deiro. A nodular corresponde mais comumente ao tipo
é variável, podendo, com freqüência, revelar hialinização misto. A agressiva pode revelar os tipos misto e anaplá-
periférica, levando a aspecto muito característico. Esses sico, entretanto mais comumente se relaciona com o tipo
elementos parecem tratar-se de estruturas preexistentes à monomorfo. As formas generalizadas tendem a se carac-
proliferação tumoral. Algumas vezes, podem-se notar si- terizar pelo tipo misto.
nais de endoarterite obliterante. Alguns vasos mostram-
se contornados por células pericitárias muito atípicas. Não é fácil o diagnóstico de sarcoma de Kaposi, quan-
Nestas ocasiões, a coloração de reticulina faz com que a do o patologista se depara com lesões precoces. Nessas
lesão lembre um hemangiopericitoma. As fibras elásticas ocasiões, as modificações microscópicas estão representa-
não são encontradas nos nódulos dérmicos. Na periferia das apenas por vasos dérmicos pouco dilatados, com as
das proliferações tumorais dérmicas, podem ocorrer di- células endoteliais túrgidas, algum infiltrado inflamatório
latações linfáticas repletas de linfa ou, até mesmo, com al- difuso, representado por elementos linfoplasmocitários e
gumas hemácias. histiócitos. A presença de pigmento férrico nessas lesões
pode ser de valor ao diagnóstico do SK. Não se deve esque-
O contingente inflamatório pode ser, habitualmente, cer, entretanto, de que essas alterações também são capazes
verificado na periferia ou no interior dos nódulos tumo- de simular condições histopatológicas banais, tais como te-
rais. Os plasmócitos são capazes de originar corpos de cido de granulação, devendo-se, em tais casos não-típicos
Russell, fonte de confusão com os glóbulos hialinos do SK, proceder à correlação anatomoclínica. Fenômenos
eosinofílicos. Os elementos histiocitários são mais raros, regressivos podem ser notados em certas lesões, tais como
porém capazes de formar elementos gigantocitários. transformação fibrosa, necrose e hemorragia7,10,13,19,23,27,43,48.
Polimorfonucleares neutrófilos e eosinófilos, assim como
mastócitos, são encontrados fortuitamente nas lesões. É As características histopatológicas do SK epidêmico
freqüente ocorrerem agrupamentos linfoplasmocitários ao variam de estágio para estágio da doença durante seu de-
redor de estruturas vasculares. senvolvimento cronológico.
O pigmento férrico é observado, sobretudo, em torno Na pele, são observados três estágios clínicos que têm
da lesão neoplásica, nas zonas de tecido fibroso, seja li- correspondência com a histopatologia. No primeiro está-
vre, seja no interior dos macrófagos. Pode ser revelado gio, em mácula, podemos observar, ao microscópio ótico,
espaços vasculares dilatados na derme superior, de paredes
pelas colorações de Perls. Mais raramente, é descrito no
finas e contornos irregulares, ao redor de vasos normais e
interior das células tumorais. Em muitos casos, a pesqui-
anexos. Esse achado tem sido denominado por alguns au-
sa de hemossiderina pode ser negativa, entretanto a evi- tores como sinal premonitório. Outro aspecto importan-
dência deste pigmento é sempre útil na determinação das te é o sinal do promontório que se observa como profusão
lesões precoces, pouco características, tornando-se, por- de porções de vasos normais preexistentes ou folículos
tanto, excelente marcador morfológico para o diagnósti- para dentro dos espaços vasculares, neoplásicos e irregu-
co de sarcoma de Kaposi. lares. A presença de dissecção do colágeno dérmico e es-
A proliferação tumoral, constituída pelas células fusi- paços semelhantes a linfáticos também é valorizada.
formes e elementos vasculares, tende a formar lesões em Infiltrado inflamatório esparso, constituído por mononu-
placas, em nódulos ou tumorais típicas. cleares, principalmente linfócitos e plasmócitos, pode en-
As formas histopatológicas são reunidas em três grupos: volver pequenos vasos. Células endoteliais observadas são
poucas, delicadas e distantes entre si, não exibindo atipia
1. Tipo misto ou polimorfo: é o aspecto típico achado nem mitose. Siderófagos estão quase sempre presentes,
na forma nodular das lesões. Há proliferação equilibrada muitas vezes livres na derme. Quando vista em menor au-
de elementos fusiformes e vasculares no mesmo nódulo mento ao microscópio ótico, a lesão em mácula pode ser
tumoral, ou, então, verificam-se áreas tipicamente angio- interpretada meramente como dermatite perivascular su-
matosas ao lado de outras constituídas apenas por células perficial e profunda.
fusiformes. No segundo estágio, em placa, encontra-se o aumento
2. Tipo monomorfo: é freqüentemente formado por cé- do número de espaços vasculares irregulares, revestidos
lulas fusiformes, configurando aspecto semelhante a por células endoteliais, ao lado de infiltrado inflamatório
fibromas ou fibrossarcomas, o que torna o diagnóstico, mononuclear denso composto de linfócitos e plasmócitos
muitas vezes, difícil. Mais raramente, o aspecto angioma- na derme. Há maior número de células fusiformes agrupa-
toso é dominante. Verifica-se proliferação monomórfica de das entre as faixas colágenas. Eritrócitos podem ser vistos
células redondas, com núcleos volumosos, arredondados dispersos nas áreas intercelulares, entre as células fusifor-
com numerosas figuras cariocinéticas. Nestes casos, o diag- mes. Nessa fase, existe tendência ao envolvimento de toda
nóstico diferencial deve ser feito com linfomas malignos a derme e até parte superior do tecido subcutâneo.
ou com carcinomas pouco diferenciados. No terceiro estágio, de nódulo, o aspecto histológico é
3. Tipo anaplásico: é caracterizado pelo pleomorfismo clássico: células fusiformes, proliferadas na derme, coa-
celular e numerosas mitoses. Nessas ocasiões, o diagnós- lescem formando nódulos, por vezes com padrão em col-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 21
méia criado por essas células. Atipia nuclear, pleomor- o miocárdio. Os cistos, por seu turno, podem igualmente
fismo e figuras mitóticas estão presentes, porém não são romper-se, havendo reativações; em face da carência de fa-
proeminentes. Infiltrado inflamatório linfoplasmocitário, ses imunitárias, surgem reagudizações clinicamente níti-
depósitos de hemossiderina e vasos dilatados são vistos na das. Acredita-se que não necessariamente tenha de ocorrer
periferia da lesão. Particular característica nesta fase é a a ruptura dos cistos; o toxoplasma pode atravessar a pare-
presença de glóbulos hialinos eosinofílicos. Esses glóbulos de, libertando-se da formação cística. Na fase subaguda de
são esférulas eosinofílicas, que medem entre um e sete mi- Frenkel, as provas laboratoriais já são positivas, sendo es-
crômetros, sendo geralmente positivos para o PAS, diástase casso o número de formas proliferativas. No estágio crô-
resistente, de localização tanto intracelular como extra- nico, existe fundamentalmente localização dos cistos em
celular. Representam possível produto de eritrócitos fago- diferentes órgãos, com certas preferências, conforme men-
citados, parcialmente digeridos, como observado à cionado anteriormente (Frenkel, 1974).
microscopia eletrônica em alguns casos. Admitem-se hipó- Uma revisão a respeito da toxoplasmose comporta
teses diferentes, ou seja, esse aspecto globular seria resul- quatro etapas na evolução dos conhecimentos atuais:
tado de fibrina e plaquetas fagoci-tadas, ou ainda de restos 1. descoberta do agente etiológico;
de membrana basal.
2. descrição no homem;
3. introdução de reações sorológicas para o diagnós-
TOXOPLASMOSE tico;
Da mesma maneira que em outras ocasiões, verifica-se 4. identificação do hospedeiro definitivo.
importante participação de médicos brasileiros no enredo A descoberta do agente etiológico em 1908, por
científico sobre o toxoplasma e a toxoplasmose. Splendore, em São Paulo, foi o passo inicial, ao estudar a
Antes da Aids, tanto a toxoplasmose quanto seu agen- causa da morte de coelhos que ocorria em seu laboratório.
te etiológico, o Toxoplasma gondii, não eram tão suficien- Segue-se, ao mesmo tempo, o encontro do protozoário no
temente conhecidos pelos clínicos e especialistas, apesar gondi, roedor africano, também utilizado em laboratório
da grande difusão, já naquela época, da doença com rela- por Nicolle e Manceaux em Túnis, na Tunísia. A descoberta
ção ao homem e da identificação do parasito em muitos quase concomitante do parasito, em dois continentes e em
animais de diversas espécies. duas espécies animais diferentes, fazia antever, de certa for-
No Brasil, foram concretizadas muitas contribuições ma, a ampla distribuição geográfica no reino animal do novo
sobre o Toxoplasma gondii e a toxoplasmose. Já em 1908, protozoário. Fato que se concretizou pela avalanche de re-
esse parasito mereceu descrição original por parte de latos sobre o encontro do toxoplasma em vários mamíferos
Splendore, que o descreveu no coelho. No mesmo ano, e aves: em 1911, no cão, por Mello e Carinii, e, no pombo,
Nicolle e Manceaux identificaram-no no gondi, roedor por Carinii; em 1913, no camundongo, por Sangiorge; em
africano. Deve-se esclarecer que, enquanto Splendore, já 1916, na cobaia, por Carinii e Migliano. Também foi iden-
em sua primeira publicação, qualificava o seu achado tificado em ratos, hamsters, gatos, bois, porcos, galinhas, pa-
como “um novo protozoário parasito do coelho”, os auto- tos, perus, pombos, canários e outros tipos de animais
res franceses relacionaram o agente parasitário, primeiro, domésticos e silvestres. Na década de 70 do século XX, foi
com os “corpúsculos de Leishman ou organismos vizi- descrito um caso de toxoplasmose em mamífero aquático
nhos” e, somente no ano seguinte, 1909, caracterizavam- (Cetacea delphinidae), representado por achado na baía de
no como “novo protozoário do gondi”, chamando-o, Guanabara de jovem botinho com a protozoonose dissemi-
então, de Toxoplasma gondii. nada, com lesões tegumentares, linfonodais, pulmonares,
hepáticas e extensa necrose das supra-renais devido ao
Pouco tempo depois, a presença do protozoário foi
acentuado parasitismo, ao lado de infecção fúngica pulmo-
constatada em outros animais, passando-se a admitir, na
nar representada pela aspergilose brônquica (Bandoli e
época, a existência de espécies diferentes, qualificadas de
Basílio-de-Oliveira, 1977). O botinho foi ao óbito por fa-
acordo com essas origens e referidas conforme a descober-
lência múltipla dos órgãos em conseqüência dos agentes
ta fosse sendo feita em aves ou mamíferos diversos. Entre-
oportunistas e quadro de insuficiência adrenal aguda.
tanto, essa noção, não resistiu às pesquisas desenvolvidas
por Sabin (1948) e por Nóbrega e Reis (1952), que resul- Muitos animais, vivendo no mesmo nicho ecológico
taram na correta concepção de que toda essa diversifica- que o homem, são fontes de contaminação da coletivida-
ção devia ser resumida na existência de uma única de e encerram, por conseguinte, expressivas considerações
espécie, ou seja, a gondi, com base em deduções obtidas re- epidemiológicas para o ecossistema. Os estudos acerca da
ferentes à transmissão da doença. toxoplasmose, até então relacionados unicamente com os
animais, passaram a despertar grande interesse através da
Em seu ciclo biológico, o Toxoplasma gondii, ao atingir
descrição do comprometimento humano.
o organismo que vai parasitar, invade células e multiplica-
se por divisão binária; com a ruptura celular, são liberta- Em 1923, Janku relatou o caso de uma criança faleci-
das formas proliferativas, as quais, por seu turno, penetram da em Praga, com 11 anos de idade, tendo sido apontada
em outros elementos celulares. Esse ciclo básico tem a a infecção como de origem congênita. Apresentava hi-
duração de 24 a 48 horas e corresponde à fase aguda da drocefalia e cegueira, e, na necropsia, no globo ocular di-
infecção de Frenkel, durante a qual adequada resposta reito, ficaram evidenciados parasitos semelhantes ao
imunitária está ausente. Depois, como decorrência da re- toxoplasma.
sistência celular, surgem os cistos, localizados, sobretudo, Magarinos Tôrres, em 1927, no Rio de Janeiro, des-
em embriões, atingindo os pulmões, o cérebro, o fígado e creveu o caso de recém-nascido falecido no vigésimo
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
22 Capítulo 2
nono dia de vida, no qual identificou microrganismos, Em conseqüência da falta de apoio e interesse pela uni-
como o Toxoplasma ou Encephalitozoon, no cérebro, no versidade brasileira no início do século passado, a pesqui-
miocárdio e nos músculos esqueléticos. Houve, tam- sa biomédica e experimental seguiu fora da escola médica.
bém, menção à possibilidade de a enfermidade corres- Esse espaço foi ocupado pela chamada escola tropicalista
ponder à afecção congênita. baiana, pelo Instituto Bacteriológico (1883) e pelo Instituto
Em 1937, Wolfe e Cowen descreveram a ocorrência de Butantã (1899) de São Paulo, e, pouco depois, pelo Insti-
toxoplasmose em recém-nascido com encefalite, meningi- tuto de Patologia Experimental de Manguinhos, hoje Ins-
te e mielite. Depois, Wolfe et al., em 1939, comunicaram tituto Oswaldo Cruz, criado em 1900.
a existência de toxoplasma em lesão do sistema nervoso Foi justamente no Instituto Oswaldo Cruz, devido às
central de criança falecida com um mês de vida. Logo após, aplicações morfológicas sobre a doença de Chagas, que
Pinkerton e Weiman, em 1940, e Pinkerton e Henderson, surgiu o primeiro patologista — Gaspar Vianna — forjado
em 1942, nos Estados Unidos da América, registraram a apenas em nossos laboratórios de pesquisa (nascido em 11
ocorrência da toxoplasmose em adultos, com o isolamento de maio de 1885/falecido em 14 de junho de 1914)11.
do parasito. Houve perspicaz interesse científico, por parte de
Com intensa justiça, é conveniente lembrar que diver- Gaspar Vianna, sobre várias doenças em especial, atual-
sos pesquisadores, nacionais ou radicados no Brasil, de- mente discutidas no contexto da Aids: a doença de Chagas,
sempenharam significativo papel nas diferentes fases de a leishmaniose e a donovanose, inclusive com particular
investigação pelas quais passaram, até agora, os conheci- interesse terapêutico. Pelo fácil acesso aos clássicos com-
mentos relacionados com a toxoplasmose. Esses profissionais pêndios nacionais sobre as doenças tropicais, focalizare-
não apenas contribuíram com noções essenciais ligadas à mos, em virtude do interesse histórico, os fatores ligados
natureza do Toxoplasma gondii como também desenvolve- apenas à época e à vida do jovem patologista patrício26.
ram estudos básicos de natureza clínica, diagnóstica e te- De início, é importante dizer que o ensino da histolo-
rapêutica. Merecem destaque Carinii, Delascio, Abreu gia no Rio de Janeiro só começou a se tornar objetivo e prá-
Fialho, Nery Guimarães, Nóbrega, Reis e Splendore. tico, quando, à cátedra respectiva, chegou, em 1890,
Eduardo Chapot Prevost. Até então, fora regida por cirur-
DOENÇA DE CHAGAS/LEISHMANIOSE/DONOVANOSE/ giões de valor: Francisco Praxedes de Andrade Pertence,
conselheiro e médico honorário da Imperial Câmara; An-
BLASTOMICOSE tônio Teixeira da Rocha, Barão de Maceió, médico, esse efe-
Presta-se, neste momento, tributo ao valor do primei- tivo da Imperial Câmara; e Antônio Caetano de Almeida,
ro patologista genuinamente brasileiro: Gaspar Vianna14 cirurgião do Corpo de Saúde do Exército. O próprio títu-
(Prancha 2.1-C). lo da cadeira no ensino médico, anatomia geral e patolo-
Nos últimos 100 anos, a Escola de Manguinhos foi ber- gia, que prevaleceu até 1864, quando assumiu o Barão de
ço de riquíssimas manifestações científicas, ligadas à pa- Maceió, logo se percebeu, era um resquício da influência
tologia tropical e/ou à medicina experimental, sempre da escola francesa, através do genial autor da anatomia ge-
voltadas ao interesse da saúde pública no Brasil. Foi capaz ral, Bichat, cuja aversão ao microscópio é bem conhecida.
de criar um universo de condições para o desenvolvimen- De sua concepção da anatomia geral sem a utilização do
to e a aplicação de novas ciências que se fizeram importan- microscópio, ainda sessenta anos depois restavam vestígi-
tes na concretização da investigação médica. Durante os em nosso ensino.
todos esses anos de atividade, a casa de Oswaldo Cruz Não é, pois, de estranhar que, deficiente por muito
prestigiou as ciências biológicas, atualmente convivendo tempo o ensino da histologia normal, fosse-o também o da
com acelerados avanços tecnológicos através de extraordi- histologia patológica (depois anatomia patológica). No Rio
nária cadeia de descobertas científicas em todos os cam- de Janeiro, esta só começou a desenvolver-se no princípio
pos da biologia humana. do século XX, em dois núcleos.
Quando o Instituto Oswaldo Cruz nasceu cientifica- Num deles, o Hospital Nacional de Alienados, então
mente para o mundo, pela obra de Carlos Chagas, ao des- localizado na Praia Vermelha, atual sede da Reitoria da
cobrir a tripanossomíase humana, seguindo-se a mais Universidade Federal do Rio de Janeiro, ex-Universidade
completa descrição clínica e epidemiológica da doença, o do Brasil, a pesquisa anatomopatológica não teve longa
estudo morfológico das lesões cardíacas e dos megas des- duração. Lá, sob a influência de Juliano Moreira (um dos
pertou a necessidade da criação da patologia tropical, re- últimos representantes da velha escola de tropicalistas e
lacionada com os fundamentos da própria anatomia parasitólogos da Bahia), vieram especializar-se em anato-
patológica. Passou a ser imprescindível a figura do patolo- mia patológica Bruno Lobo e Gaspar Vianna. Dessa fase, fi-
gista. Tal fato fez desenvolver, nesse grande centro de pes- cou como testemunho a monografia por eles publicada
quisa, fundamentais incentivos ao desenvolvimento sobre a célula nervosa. Mas, cedo, Bruno Lobo abandonou
técnico-científico da nova especialidade com o sentido a histopatologia para entregar-se a outras atividades. Quan-
maior da aplicação morfológica voltada à pesquisa14. to a Gaspar Vianna, foi logo atraído pela obra de organiza-
É ilusório, como afirmou Coura (1984)11, pensar na ção da pesquisa científica que Oswaldo Cruz então
transferência de tecnologia de países mais desenvolvidos realizava em Manguinhos26.
sem uma base científica para absorvê-la, transformá-la e A primeira escola brasileira de anatomia patológica foi
adequá-la às necessidades nacionais. Assim, foi necessário criada por Henrique da Rocha Lima, que se especializou na
criar e desenvolver, no alvorecer da pesquisa no Brasil, Alemanha, tendo sido, em Munique, assistente do célebre
nova especialidade médica — a anatomia patológica. patologista Hermann Duerck, que descreveu as lesões ce-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 23
rebrais da malária maligna-granuloma de Duerck. Voltan- Paulo, com Cunha Motta; e, pouco a pouco, por todos os
do depois para a Alemanha, realizou trabalhos sobre as le- outros centros médicos importantes do país.
sões hepáticas na febre amarela, o tifo exantemático, a Gaspar de Oliveira Vianna nasceu em Belém do Pará,
verruga peruana, as blastomicoses, o granuloma venéreo e em 11 de maio de 1885. Uma criança normal, era “alegre,
a doença de Chagas. Quando, em 1928, retornou ao Bra- brincalhão, exímio empinador de papagaios e invencível
sil, assumiu em São Paulo a direção do Instituto Biológi- jogador de pião”. Órfão de pai em tenra idade, teve Gaspar
co, fundado por Arthur Neiva. a ampará-lo em sua infância a mãe e as duas irmãs mais
No Instituto Oswaldo Cruz, Gaspar Vianna assumiu os velhas, que o idolatravam. Precocemente inteligente, mos-
encargos da anatomia e histologia patológicas, tendo sob trou-se desde cedo muito estudioso e observador. Apren-
a sua orientação César Guerreiro e Oscar d’Utra e Silva, deu as primeiras letras em casa com os irmãos maiores. Fez
este último vindo também do gabinete de anatomia pato- o curso primário no Colégio São José, preparando-se, em se-
lógica do Hospital de Alienados. Mais tarde, a eles junta- guida, para admissão ao Liceu Paraense. Teve, nessa ocasião,
ram-se Cássio Miranda, que pouco depois iria fundar e como mestra, sua cunhada Mariana, professora normalista,
dirigir o Instituto Oswaldo Cruz de São Luís do Maranhão, casada com seu irmão Arthur. Freqüentou o Liceu durante
e José Bernardino Arantes, que se fixou em São Paulo11,26. quatro anos, nele tendo concluído o curso secundário aos
Em 1912, Oswaldo Cruz convidou, para uma estada de seis quinze. Sua vocação natural era ser engenheiro, possuindo
pendor especial para a matemática, no que ninguém o exce-
meses em Manguinhos, o mestre de Rocha Lima, Hermann
dia, classificando-se como primus inter pares e sobrepujando
Duerck, de cuja influência Gaspar Vianna soube absorver ensi-
a sua irmã Lucila, até então sempre a primeira da turma. En-
namentos ao lado da equipe de jovens patologistas.
tretanto, aconselhado pelo seu irmão Arthur, que ajudou a
Por esse tempo, ingressava no Instituto o então estu- criá-lo e a quem ele muito acatava, resolveu estudar medici-
dante de medicina Carlos Bastos de Margarinos Tôrres, na. Muito jovem para deslocar-se sozinho para o Rio de Janei-
que, depois do curso de aplicação para a iniciação cientí- ro, conseguiu a família retê-lo mais dois anos em Belém.
fica, passou a trabalhar em Lassance com Carlos Chagas e Aproveitou-os utilmente, fazendo o curso de agronomia no
a se ocupar do estudo da esquizotripanose, com especial próprio Liceu Paraense26.
interesse sobre as lesões anatomopatológicas do coração Transferindo residência para o Rio de Janeiro, matricu-
na doença de Chagas26. lou-se na tradicional Faculdade de Medicina em 1903,
Encaminhava-se, desta forma, a estruturação para os com 18 anos incompletos. Aplicado sobremaneira aos es-
trabalhos da anatomia patológica do Instituto Oswaldo tudos, logo se fizeram sentir seus pendores naturais pela
Cruz. Organizara-se o serviço de necropsias em um pavi- cadeira de histologia, regida na época por Chapot Prévost,
lhão preparado ao lado do Hospital Geral da Santa Casa de o grande e afamado professor do começo do século XX.
Misericórdia do Rio de Janeiro. Também recebia dos cirur- Mestre e discípulo vieram a entender-se de forma maravi-
giões, para o diagnóstico histopatológico, peças cirúrgicas lhosa, aquele profundamente impressionado com o apro-
e biópsias, muitas vezes trazidas até de outros pequenos veitamento incomum dest’outro, que se distinguira,
hospitais11. sobretudo, na parte prática, organizando magnífica coleção
Foi quando ocorreu, de forma prematura, aos 29 anos de preparações microscópicas. Ao conferir-lhe a nota má-
de idade, a morte de Gaspar Vianna em conseqüência de xima nas provas finais da matéria, coisa que havia muito
infecção tuberculosa adquirida enquanto procedia a uma tempo não fazia, solicitou-lhe Chapot Prévost a cessão de
necropsia. Pela primeira vez, o Instituto Oswaldo Cruz tão rico acervo. Antes mesmo de concluir o curso médico,
perdia um dos seus colaboradores científicos. Estava, ain- Gaspar tornara-se mestre, lecionando histologia aos alunos
da, o Instituto abalado pela perda de Gaspar Vianna, quan- do segundo ano em aulas particulares. Margarino Tôrres e
do, em fevereiro de 1917, desaparece também Oswaldo Lauro Travassos foram, nessa oportunidade, seus discípu-
Cruz, assumindo a direção um dos seus mais notáveis dis- los. O curso funcionava em um laboratório de análises ins-
cípulos, Carlos Chagas26. talado no terceiro pavimento de um velho casarão que já
não existe, localizado no centro da cidade, em pleno Lar-
Uma das primeiras preocupações de Chagas foi de aten- go da Carioca, entre as ruas Gonçalves Dias e Uruguaiana.
der à situação do Serviço de Anatomia Patológica, para o A mensalidade era de vinte mil réis; as aulas cingiam-se
que contou desde logo com o auxílio da Fundação sobretudo às demonstrações práticas. Cortes de tecidos,
Rockefeller. Foi assim que Chagas pôde fazer vir ao Brasil lindamente corados, apresentavam-se, assim, no microscó-
competente patologista e um grande organizador, o Dr. pio às vistas dos alunos que retinham o suficiente para se-
Bowman C. Crowell, do Hospital Bellevue, de Nova Iorque, rem aprovados pelo exigente catedrático. Outro mestre de
o qual tinha grande experiência de nosologia tropical, ad- quem se aproximou Gaspar, quando ainda estudante, foi
quirida em longa experiência nas Filipinas. Chegou Bruno Lobo. Trabalhando junto com ele no gabinete de
Crowell ao Rio de Janeiro em 1918 e logo em torno de si, patologia do Hospital Central de Alienados na Praia Ver-
durante cinco anos, congregou os patologistas já iniciados melha, sob a orientação superior de Juliano Moreira, de-
do Instituto Oswaldo Cruz: Margarinos Tôrres, César Guer- dicou-se Vianna, de maneira especial, às investigações
reiro, Osvino Penna e Carlos Burle de Figueiredo11. histopatológicas. Freqüentando com assiduidade as enfer-
Data daí, no Rio de Janeiro, o início da colaboração marias da Santa Casa, especialmente as dirigidas pelos
anatomoclínica, o patologista e o clínico, em sintonia con- professores Sylvio Moniz, Eduardo Rabello e Fernando
correndo para o estabelecimento do diagnóstico. Ao mes- Terra, de lá trazia material para estudo que aproveitava, de
mo tempo, novos núcleos de estudos anatomopatológicos forma inteligente, naquele outro centro de pesquisas. Gran-
surgem no Rio de Janeiro, com Amadeu Fialho; em São de histologista, transformou-se autodidaticamente em
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
24 Capítulo 2
competentíssimo anatomopatologista. A célula nervosa, lhe as características microscópicas de forma magistral,
ainda obscura em seus múltiplos aspectos estruturais, me- insuperadas até o momento. Fez mais: investigando o pa-
receu-lhe particular estudo, feito de parceria com Bruno rasito causador no âmago dos tecidos, assinalou-lhe fase
Lobo e dado a lume antes de sua formatura. Obra alenta- evolutiva de suma importância, realizando outra sensa-
da e didática por excelência, com certa dose de contribui- cional descoberta: a sua multiplicação intracelular “por di-
ção original, deve ter prestado na época magníficos visões binárias sucessivas sob a forma de leishmânias, a
esclarecimentos aos que buscavam conhecer melhor seme- transformação destas em tripanossoma ainda no interior
lhante assunto26. das células e seu egresso destas”. Esclareceu, outrossim,
A 5 de junho de 1909, a fim de obter o grau de doutor que a sede de tais “formas intracelulares de multiplicação
em medicina, apresentou tese à Faculdade de Medicina do se encontra no miocárdio, nos músculos estriados, no sis-
Rio de Janeiro, subordinada ao título de Estrutura da célu- tema nervoso central, além de outros tecidos”, o que consti-
la de Schwann dos vertebrados, trabalho de histologia com- tui uma das maiores conquistas da protozoologia aplicada11.
parada dentro da sua primeira especialização26. Ao estudar, de início, os tripanossomos, achou-se
Obtido o diploma de médico, foi insistentemente soli- Gaspar Vianna a dois passos da questão das leishmânias. E
citado por Juliano Moreira a continuar trabalhando no ser- não teve mãos a medir. Tratou de enfrentar com decisão
viço sob sua direção, no qual alcançara o cargo de assistente este outro problema e resolvê-lo. Constituía a leshmaniose
por concurso, quando estudante. Entretanto, sedutor con- cutânea outra praga terrível que vivia a dizimar e inutili-
vite de Oswaldo Cruz, que dele obtivera seguras e ótimas zar milhares de indivíduos em nosso meio. A temível úl-
informações, arrastou-o para a corte de Manguinhos, onde cera de Bauru, pouco tempo antes identificada, à luz do
veio a produzir, no curto espaço de apenas um lustro, as mais microscópio, ao célebre botão do Oriente simultaneamen-
notáveis descobertas no campo da nosologia tropical. te por Lindenberg, Carinii e Paranhos na cidade de São
O ano de 1909 assinalou-se no Brasil por um fato cien- Paulo, em 1909, representava gravíssimo problema sanitá-
tífico da maior transcendência. Carlos Chagas, jovem co- rio, a impedir o desbravamento do oeste paulista, ceifan-
laborador de Oswaldo Cruz na fecunda obra sanitária por do impiedosamente os operários que trabalhavam na
este empreendida, fora indicado e designado, a pedido do abertura da via férrea ligando a cidade de Bauru, nos con-
Governo Federal, para orientar e superintender os traba- fins do Estado de São Paulo, com o vizinho Estado de Mato
lhos de profilaxia antipalustre no vale do rio das Velhas, no Grosso. Ao mesmo tempo em que praticava investigações
qual se construía o ramal da Central do Brasil que deveria em torno do T. cruzi, veio a caracterizar Vianna o tipo de
atingir o São Francisco, zona essa duramente castigada pela leishmânia causador da doença no Brasil. Classificou-a, em
malária. Na localidade de Lassance, onde se fixara Carlos 1911, como nova espécie, distinta da Leishmânia tropica,
Chagas, instalando modesto laboratório de pesquisas num produtora do botão do Oriente, denominando-a de
vagão de estrada de ferro que lhe servia, ao mesmo tempo, Leishmânia braziliensis, nome científico que perdura váli-
de residência, teve oportunidade de verificar abundante do na nomenclatura até o presente26.
quantidade de um inseto hematófago domiciliar, conheci- Não se limitou, porém, Gaspar Vianna ao estudo do
do pela denominação vulgar de barbeiro, dadas as verdadei- germe. Tratou de encontrar a solução terapêutica adequa-
ras sangrias que praticava nos indivíduos por ele picados. da para os que padeciam dolorosamente do mal. Por de-
Analisando o conteúdo do tubo digestório desses inverte- dução racional, levando em conta a aplicação vantajosa
brados, descobriu Chagas, na porção posterior dele, nume- do antimônio em certas tripanossomoses, imaginou
rosas critídias, que desde logo imaginou pudessem ser aplicá-lo na leishmaniose. Recorreu, então, ao velhíssimo
estágios evolutivos de algum tripanossomo. Remetendo se- tártaro emético, abandonado por completo na época
melhante material para Manguinhos, ali se fizeram inocu- como agente terapêutico em razão dos múltiplos aciden-
lações em sagüis, em cujo sangue se desenvolveram as tes por ele acarretados. E passou a utilizá-lo com muita
formas adultas de um novo protozoário daquele gênero, prudência, dissolvendo-o em soro fisiológico e injetando-
que, convenientemente por ele estudado, recebeu o batis- o por via intravenosa. Das grandes diluições usadas a
mo de Trypanossoma cruzi. Partindo dessa descoberta ini- princípio, passou paulatinamente às menores concentra-
cial, procurou, então, Carlos Chagas, verificar se havia ções, valendo-se de dissoluções a 1% perfeitamente tole-
correlação entre esse germe e determinada doença estra- radas pelos pacientes26.
nha que acometia grande parte da população local de Obteve, desse modo, surpreendente êxito na chamada
Lassance, tornando-a inapta para o trabalho, dada a cansei- leishmaniose tegumentar, com a cicatrização rápida e de-
ra manifestada pelos infectados. E veio, por fim, a apurar finitiva das lesões. Esse fato foi comunicado ao VII Con-
relação de causa e efeito entre o T. cruzi e o mal em apre- gresso Brasileiro de Medicina, reunido em Belo Horizonte,
ço, encontrando no sangue periférico de uma criança, aco- em abril de 1912. Certa ocorrência imprevista teria, por
metida de forma aguda, febril, o aludido parasito. Foi pouco, impedido Gaspar Vianna de realizar essa maravi-
estudada clinicamente e descrita a nova tripanossomose lhosa descoberta. O grande helmintologista Lauro Tra-
com suas lesões macroscópicas, a qual, com inteira justi- vassos narrou, certa vez, o que ouvira: havia escolhido
ça, acabou por ser batizada de doença de Chagas. O pesqui- Vianna certo paciente acometido de leishmaniose típica,
sador encarregou Gaspar Vianna de proceder à aparentemente em boas condições para suportar o empre-
caracterização histopatológica na doença recém-descober- go do medicamento em apreço. Ao chegar à enfermaria da
ta. Vianna, com a insaciável sede de saber que o empolga- Santa Casa, na manhã do dia em que devia iniciá-lo, depa-
va, foi além do pedido do companheiro de trabalho. rou com o homem morto. Feita a necropsia, embora apre-
Dedicou-se com afinco ao estudo da nova condição pato- sentasse o cadáver diversas lesões em vários órgãos, a
lógica, conseguindo, em prazo relativamente curto, traçar- nenhuma delas se podia, com segurança, imputar a causa
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 25
mortis. Se o óbito houvesse sucedido após a aplicação do pelas peças anatômicas e pelos casos clínicos que diaria-
emético, decerto seria atribuído à ação deste, levando mente nos apresentava.”
Vianna, assim, a interromper as experiências que tão re- Indivíduo exemplar de todos os pontos de vista, sem
tumbante êxito vieram a ter por fim. que se lhe possa apresentar uma falha sequer, Gaspar
Vitorioso o emprego do tártaro na leishmaniose, re- Vianna não “teve tempo”, entretanto, de constituir família.
solveu Gaspar Vianna usá-lo contra outras doenças até Suas obrigações morais para com os parentes próximos
então tidas como incuráveis. O granuloma venéreo, que desamparados (mãe, irmãs e sobrinhos) privavam-no de
zombara até aí de todos os recursos mobilizados para deixar descendência direta. Sem ser um namorador, não
combatê-lo, capitulou frente ao produto farmacêutico. De era infenso nem indiferente aos eflúvios do belo sexo.
parceria com Henrique de Beaurepaire Aragão, estudou Chegaram a determinar-lhe várias “noivas”, conforme dei-
Vianna, na íntegra, outra manifestação mórbida desde a xou consignado seu velho amigo e companheiro de diver-
sua etiologia, confirmando pesquisas já realizadas nesse timentos, George Summer, mas nunca se soube ao certo a
sentido. Conseguiu cultivar e propagar a animais de labo- qual delas pretendia, de fato, entregar seu coração. Nas
ratório o respectivo agente causal, que igualmente clas- palavras que pronunciou por ocasião das homenagens tri-
sificou com a denominação de Calymatobacterium butadas à memória de Gaspar Vianna pelo Instituto Brasi-
granulomatis, também válida até o presente. Outrossim, leiro de História da Medicina em 1948, Summer
alcançou o mais absoluto êxito, ao tratar os acometidos classificou-o na categoria dos “entusiastas”, dizendo ain-
pelo mal em jogo, injetando-lhes nas veias o mesmo ele- da mais: “Era um sentimental, porém foi um enérgico.”
mento salvador dos leishmanióticos. Ulcerações horripi- Entusiasta na mais rigorosa acepção do termo, dedicando-
lantes, rebeldes, durante anos, a toda sorte de medi- se ao extremo a tudo quanto executava de bom. Vianna
camentos, cicatrizavam com relativa rapidez sob o influ- adiou sine die a realização de um dos seus mais belos so-
xo do sal de antimônio26. nhos, que a morte prematura desfez para sempre.
Gaspar Vianna foi um dos fundadores, em 1912, da So- Folgazão em termos e amante da natureza, freqüen-
ciedade Brasileira de Dermatologia (então Sociedade Bra- tava saraus sociais e apreciava os festejos carnavalescos,
sileira de Dermatologia e Syphilografia). Espírito genial, neles tomando parte ativamente. Costumava passar os
inteligência privilegiada, austero em toda a linha em ma- domingos na ilha de Paquetá, que lhe encantava, em
téria de probidade científica, só assim se compreende que companhia de familiares e amigos, realizando alegres
pudesse ter feito tanto em tão pouco tempo. Os que tive- piqueniques. Patriota como os que mais o foram, sem
ram a ventura de conhecê-lo atestam, una voce, o valor ex- ser político militante, também se interessava vivamen-
cepcional desse insigne brasileiro, grande entre os te pela “arte de governar”. Partidário de Rui Barbosa na
maiores. Fruto de observação e raciocínios honestos, todos memorável campanha civilista de 1910, foi com imen-
os seus trabalhos mantêm-se em pé no que apresentam de so pesar que viu seu candidato preterido pelo Marechal
essencial. Hermes da Fonseca na fraudada eleição presidencial
Afora os já enumerados, há que registrar o que praticou daquele ano.
de útil no campo da micologia, particularmente no terre- Mártir da Ciência ele foi sem a menor dúvida. Está dito
no das blastomicoses. É como diz Olympio da Fonseca: e repetido em todos os necrológicos autorizados que dele
“Conheci Gaspar Vianna em Manguinhos, durante os dois se fizeram dentro e fora do Brasil. Todavia, foi dos próprios
últimos anos de sua vida. A princípio, no curso de Aplica- lábios de sua irmã Lucila que se recolheu a mais exata ver-
ção do Instituto Oswaldo Cruz, turma de 1913-1914, em são do ocorrido, a saber: certo dia, em abril de 1914, che-
que o jovem, mas já celebrado mestre, lecionou a parte re- gou à casa Gaspar Vianna muito apreensivo, por lhe haver
lativa a micetomas e blastomicoses, assuntos naquele tem- sucedido grave e imprevisto acidente durante uma
po bem menos conhecidos do que hoje. Mais tarde, de necroscopia. Depois de abrir a caixa torácica dum cadáver
modo a atender a exigências regulamentares, Gaspar tuberculoso, ao incisar a pleura, jorrou-lhe inopinada e vio-
Vianna, como docente-livre da Faculdade de Medicina do lentamente no rosto grande quantidade de líquido existen-
Rio de Janeiro, hoje Faculdade Nacional de Medicina, te sob pressão dentro daquela cavidade, penetrando-lhe
abriu um curso sobre ‘Blastomicoses’. Nele também me pelo nariz e pela boca, e obrigando-o a degluti-lo em par-
inscrevi. Encarregaram-se de organizá-lo Oscar D’Utra e te. Poucos dias em seguida, surgiram os primeiros sinto-
Silva, que à última hora recrutara a meia dúzia, se tanto, mas de infecção tuberculosa aguda (ranúlia), que o
de alunos. Reuníamo-nos em torno de um microscópio, prostrou em menos de dois meses, terminando pelo aco-
em frente a uma daquelas amplas janelas da 19a enferma- metimento às meninges.
ria do velho e acolhedor Hospital da Santa Casa de Mise-
ricórdia do Rio de Janeiro. Ali, eram-nos demonstrados os Rende-se homenagem ao patologista e pesquisador,
aspectos microscópicos do parasito. Ao lado estavam os voltado à interpretação anatomoclínica, que dela se valeu
doentes de enfermaria, em que podíamos observar as ma- em benefícios para os pacientes e suas enfermidades.
nifestações clínicas da doença. Curso completo, em pou-
co mais de uma semana, lecionado por um mestre que, CITOMEGALOVIROSE
antes de tudo, sabia o que estava dizendo. Duas vezes seu
discípulo, guardei do jovem pesquisador uma impressão Destaca-se a figura de Amadeu Fialho (Prancha 2.1-D).
indelével: inteligência, clareza de expressão, segurança nas A nossa proposta é de reconhecimento e, ao mesmo
afirmações, técnica irrepreensível, excelente documenta- tempo, de resgate pela primazia da descrição feita no Bra-
ção representada pelos belos preparados histopatológicos, sil sobre a infecção pelo citomegalovírus (CMV), atual-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
26 Capítulo 2
mente tão comum em pacientes com a Síndrome da Imu- Amadeu da Silva Fialho nasceu em 24 de setembro de
nodeficiência Adquirida. Coube isto a um patologista. 1889, no Engenho de Dentro, subúrbio da cidade do Rio
Foram descritos dois casos observados na mucosa do de Janeiro. Menino pobre, teve, entretanto, infância feliz.
bacinete, através de particulares minúcias morfológicas e A austeridade, a responsabilidade e a alegria que reina-
tintoriais da lesão infecciosa. Este insólito aspecto, apon- vam em sua casa influíram, seguramente, em sua forma-
tado na época pelo professor Amadeu Fialho (1931), per- ção e moldaram o seu caráter. Foi sempre severo,
mite que seja colocada em destaque, mais uma vez, a austero, responsável e bondoso. Era perseverante, tenaz,
capacidade de observação do patologista que registrou as com grande amor pelo trabalho, confiante em sua capa-
alterações histopatológicas, chamando atenção para a lo- cidade de fazer, de realizar. Era um homem de fé. A sua
calização da infecção viral, e pelo fato de serem os dois pa- mocidade foi dura, de lutas. Tudo enfrentou com muita
cientes acometidos, respectivamente, por febre tifóide e fé, com disposição incrível para o trabalho, com muita
tuberculose de evolução aguda, predominantemente alegria e amor pela vida. Possuía o desejo ardente de ser
exsudativa. Assim, duas condições patológicas plenamen- solidário, ser útil. Órfão de pai aos 14 anos de idade, aos
te facilitadoras para a infecção oportunista. 16 já era um homem completo, chefe da família consti-
Pode-se acrescentar, à guisa de ilustração, que esse tuída por sua mãe e sua irmã. Lutou sozinho, enfrentou
agente infeccioso, embora descrito no século XIX, em in- diversas dificuldades. Trabalhou como ajudante de eletri-
divíduos com enfermidades graves, somente em 1926 foi cista, balconista de livraria, na alfândega e foi revisor de
assinalada por vários investigadores sua relação patológi- jornais. Estudou sempre. Durante o início do curso gina-
ca com células infectadas na glândula salivar de crianças, sial, cedo demonstrando suas tendências, construiu tos-
sendo, inclusive, pela freqüência na parótida, denominado camente, com as próprias mãos, seu primeiro
vírus da glândula salivar. Este vírus somente foi isolado, em microscópico, para veras asas de um inseto. O aparelho
1956, numa cultura de células, recebendo, em 1960, a de- foi feito com um tubo de cartolina e duas lentes.
nominação de citomegalovírus. Em nossos dias, mostra Após o curso ginasial, ingressou na faculdade de odon-
estreita relação com doenças graves em neonatos e pacien- tologia, tendo publicado o seu primeiro trabalho em setem-
tes imunodeprimidos5. bro de 1911, na Revista Acadêmica (nessa época, já era
A seguir, apresentamos, em sua forma original, a nota auxiliar no Laboratório do Hospital Central do Exército).
prévia de Amadeu Fialho, publicada no Brasil Médico, re- Ele se denominava Das manchas de sangue em medicina le-
vista das mais credenciadas nos meios científicos da épo- gal. Já possuía amor pela pesquisa e pelos laboratórios, isso
ca, na qual os mais ilustres pesquisadores faziam porque terminou, deste modo, sua publicação: “E o labo-
comunicações à comunidade médica5. ratório, o templo sagrado da ciência, será o ponto eterno,

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.


Capítulo 2 27
de onde surgirão, à voz e à inteligência dos pesquisadores, Durante todo aquele tempo, trabalhou no Hospital São
aqueles métodos e descobertas de que a sociedade e a na- Sebastião, pertencente à Saúde Pública. O Hospital São Se-
tureza necessitam para a satisfação dos seus problemas.” bastião teve importância fundamental no estudo da tuber-
Em 1913, após sua formatura em odontologia, que culose e das outras doenças infecciosas e parasitárias. Ali,
nunca exerceu, ingressou na faculdade de medicina. Estu- eram realizadas, às vezes, oito ou dez autópsias, a maioria
dou medicina freqüentando laboratórios, porém sempre feitas por ele. No seu laboratório, fazia culturas e inocu-
orientado para os doentes. Foi interno do Miguel Couto e lações para a complementação científica dos casos. Adqui-
dedicou-se muito à clínica médica, o que o ajudou no iní- riu, destarte, enorme experiência no campo daquelas
cio de sua vida profissional, tendo tido, inclusive, grande doenças, tendo publicado intensamente. Tornou-se grande
clientela no subúrbio da cidade. Foi interno no antigo hos- conhecedor da tuberculose, participando de numerosos
pício, e teve grande influência de Juliano Moreira, que cursos, dos quais se sobressaíam os realizados por
Clementino Fraga. Participou de duas comissões médicas
amou como mestre, exemplo de homem e grande orienta-
que foram ao Nordeste para o estudo de sua nosologia e da
dor. Naquela instituição, adquiriu enorme experiência em
peste bubônica, inclusive colaborando na fabricação de
autópsias, que sempre executou até com elegância e gran-
vacinas. Como conseqüência, fez publicações que, até
de interesse, buscando aprender e sempre aplicando os
hoje, são consideradas fundamentais e de grande valor. As-
seus achados à clínica. Lá, também, tornou-se primoroso
sim, escreveu sobre a nosologia do Nordeste, a febre ama-
técnico e conhecedor da histologia e da embriologia. Foi, rela, a espiroquetose icteroemorrágica, mostrando as
como é sabido, e por toda a vida, cultor das duas ciências, diferenças macro e microscópicas das duas entidades, as
sendo famosos os seus preparos histológicos, inclusive os riquetsioses, a difteria, a tuberculose, as micoses, especial-
grandes cortes em celoidina, segundo a técnica de mente as blastomicoses, e numerosas outras infecções,
Christeller. Fez o curso de Manguinhos, do Instituto como a sífilis e a lepra. Tinha grande interesse no estudo
Oswaldo Cruz. O seu ingresso no curso foi feito através de da natimortalidade e das neoplasias. Por solicitação do
solicitação pessoal a Oswaldo Cruz, o qual, ao seu térmi- professor Pinheiro Guimarães, instalou o laboratório de
no, convidou-o para ser membro da instituição; honraria anatomia patológica na cátedra de patologia geral, ali tra-
que, naquele momento, teve de ser declinada. balhando durante algum tempo. Também, por solicitação
Em dezembro de 1913, na Revista Medicina Militar pu- do professor Antônio Abreu Fialho, então diretor da facul-
blicou outro trabalho: Mortes súbitas. Ainda era estudante dade de medicina, assumiu o laboratório de diagnóstico
no início do curso, e a publicação apresentava três casos anatomopatológico, que funcionava anexo, com a aceitação
de autópsias com estudo microscópico. do professor Raul Leitão da Cunha. Em seguida, tornou-se
Diplomou-se em medicina em 1918. Durante alguns assistente da cátedra de anatomia e fisiologia patológicas.
anos exerceu a clínica no subúrbio do Rio, continuando a Em 1939, tornou-se o patologista do centro de
trabalhar em anatomia patológica. Em 1921, inscreveu-se cancerologia, pertencente, também, à assistência hospita-
em concurso na Saúde Pública para assistente de fiscaliza- lar da Saúde Pública e é, por isso, considerado um dos fun-
ção da medicina. Nesse concurso, além de provas labora- dadores do instituto. Lá, é seu o nome do centro de estudos
toriais, havia uma para exame e diagnóstico clínico. Foi e, durante muito tempo, o prêmio maior do centro teve
aprovado em segundo lugar e nomeado para o cargo em também o seu nome. Trabalhando com o material do cân-
1922. No prédio, então da Saúde Pública, na Rua do cer, realizou várias palestras e cursos, inclusive os que se
Resende, instalou o seu laboratório, no qual trabalhou até fizeram para a especialização em cancerologia. Interessou-
sua morte. No mesmo ano de 1922, convenceu as auto- se profundamente pela patologia óssea e, nesses casos, foi
ridades sanitárias da necessidade de ser criado o serviço um dos seus primeiros cultores no país. Ensinou-a com
de verificação de óbitos, até então realizado por dois mé- carinho, tornando-a fácil, como gostava de dizer.
dicos legistas. Aquele serviço foi instalado, por convênio, Em 1943, tomou posse, como titular, na Academia Na-
na Escola de Medicina e Cirurgia, o primeiro caso e o de cional de Medicina, apresentando a sua memória sobre o
uma criança com tuberculose primária com dissemina- tumor de células de Leydig. Após o seu discurso, realizou
ção. Em 1925, tornou-se catedrático de anatomia e fi- uma palestra sobre os sarcomas “Retículoistiocitários”, um
siologia patológicas daquela Escola, da qual foi, inclusive, dos assuntos de sua preferência.
vice-diretor. Em 1946, fez o concurso para a cátedra de anatomia
A livre-docência realizou na faculdade de medicina em e fisiologia patológicas da Faculdade de Medicina da en-
1933. Já era, naquela época, um patologista renomado. Rea- tão Universidade do Brasil, na sua querida Praia Verme-
lizara muito no Laboratório da Saúde Pública. Publicara lha. Tomou posse em 1947. O seu discurso de posse foi
numerosos trabalhos e difundira a necessidade da anato- transformado em pequena publicação — A evolução da
mia patológica no Rio de Janeiro. Procurava diversos hos- patologia. Ali, demonstrou a paixão que teve pela pa-
pitais da cidade, pedia peças e biópsias para o diagnóstico, leopatologia. Estudou-a com carinho, e foi assíduo fre-
e mostrava os resultados, despertando o interesse para os qüentador do Museu Nacional. A sua tese de concurso é,
doentes, além dos de natureza científica. O seu laborató- até hoje, considerada fundamental no estudo da patolo-
rio passou a ser freqüentado por numerosos colegas, que gia da paracoccidioidomicose. Denominou-se de Locali-
ali sempre encontraram generosa acolhida e o auxílio para zações pulmonares da micose de Lutz — anatomia patológica
as suas publicações, suas teses e o estudo de seus casos. Con- e patogenia. No Instituto Anatômico, dependência da Santa
seguiu o que mais desejava — difundir, demonstrar a impor- Casa de Misericórdia, sede da cátedra, reencontrou-se
tância da anatomia patológica, o respeito pela especialidade; com o Serviço de Verificação de Óbitos. Criou centro de
enfim, a sua valorização no meio médico da cidade. estudos sobre patologia fetal. Lá, eram, em média, reali-
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
28 Capítulo 2
zadas 1.200 autópsias de natimortos anualmente. Foi fei- 3. Azulay RD. Doença de Kaposi (sarcoma idiopathicum multiplex
to estudo minucioso sobre a sífilis congênita à luz da ana- pigmentosum — Kaposi, 1872). Rio de Janeiro (Tese — Facul-
tomia patológica, com as impregnações necessárias para dade de Medicina da Universidade do Brasil), 1949.
a pesquisa do treponema e da radiologia. As cifras da 4. Basílio-de-Oliveira CA. Aids & câncer — patologia. Vitrô —
prevalência de 20% baixaram sensivelmente, quando foi O que há de novo em cancerologia. V. 1, n. 2, p. 39-49, no-
feito convênio com o serviço do professor Martagão vembro/93.
Gesteira, catedrático de puericultura. A patologia fetal 5. Basílio-de-Oliveira CA. Sobre um novo aspecto patológico da
teve ali um dos seus núcleos de origem, ainda porque mucosa do bacinete humano — Amadeu Fialho. Revista
muitos outros aspectos foram revisitados. HUGG — Periódico interdisciplinar da área de saúde. V. 1, n.
1, p. 73-74, 1995.
Na cátedra, ao lado, além da tarefa enorme que teve em 6. Ben CE Iben-Am´tal D, Levo Y. The association between
restaurar o prédio do Instituto, modificou, de modo extre- Kaposi’s sarcoma and dysgammaglobulinemia. Cancer, 49 (8):
mamente significativo, o ensino da anatomia patológica. 1649-1651, 1982.
Tornou-o mais atraente, mais prático, com a demonstração 7. Bendelac A, Kanitakis J, Chouvet B, Viac J, Thivolet J.
das autópsias e da sua aplicação à clínica. A microscopia Sarcome de Kaposi: Étude immunohistochimique comparative
era ensinada através de coleções de lâminas extremamen- et intérêt histogénetique des marqueurs endothétiaux. Ann
te cuidadas e selecionadas. Foi um grande professor. Teve Pathol, 5 (1):45-52, 1985.
amor pelos seus alunos, sendo severo, bondoso e compre- 8. Braun M. Classics in oncology: Moriz Kaposi, MD CA. J. Clin,
ensivo. Entendia bem a mocidade, os seus anseios, a sua 32(6): 340-347, 1982.
turbulência e sabia de suas necessidades. Com eles, paci- 9. Cahill KM. SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida).
entemente conversava e orientava-os até em seus proble- Publicações Europa-América, p. 208, 1983.
mas pessoais. 10. Camain R. Journée D‘Information sur le sarcome de Kaposi.
Aposentou-se da cátedra em 1959, e foi eleito profes- Bulletin de la Sociéte de Pathologie Exotique et de ses filiales,
sor emérito da Universidade do Brasil. 77(4 bis):257-604, 1984.
Com a transferência dos serviços da Saúde Pública 11. Coura JK. Pesquisa e saúde pública no Brasil — O papel da
para a Prefeitura do Distrito Federal, seu laboratório da Fundação Oswaldo Cruz. JBM, v. 46, n. 5, p. 57-60, maio/
Rua do Resende transportou-se para o Departamento de 1984.
Tuberculose, onde exerceu a chefia até sua morte. Teve, 12. David M, Shoat B, Morozinski G, Feverman. Reduced graft-
desse modo, a felicidade de não ver a sua destruição total, versus-host reaction of T cel1s in Kaposi’s sarcoma: a possible
com o enorme patrimônio que possuía, o que não aconte- prognostic indicator. Dermatologica, 169(2):76-79,1984.
ceu com outros renomados mestres da nossa terra. 13. De Vita VT, Hellman S, Rosemberg SA. Aids: etiology,
diagnosis, treatment, and prevention. J.B. Lippincott
Em julho de 1954, participou, no Paraná, de memorá-
Company, Philadelphia, p. 360, 1985.
vel encontro dos patologistas brasileiros, ocasião em que
foi fundada a Sociedade Brasileira de Patologia. Foi eleito 14. Fonseca OF. Primórdios da microscopia óptica no Brasil —
Alguns pioneiros. JBM, 14(2):131-134, 1968.
presidente honorário. Essa honraria o emocionou bastan-
te e considerou-a uma das maiores homenagens da sua vida, 15. Gigase PL. Quelques aspects du sarcome de Kaposi em
porque partiu de seus colegas de profissão e de especiali- Afrique. Ann Soc Belge Méd Trop, 45(2):195-209, 1965.
dade. Era ele homem simples, sinceramente modesto, ten- 16. Gilbert TT, Evjy JT, Edelstein L. Hodgkin’s disease associated
do pelos seus colegas grande apreço e respeito. E, with Kaposi’s sarcoma and malignant melanoma. Cancer,
recorde-se, ali estavam, além de jovens iniciantes na es- 28(2):293-299, 1971.
pecialidade, que ele considerava como grandes esperan- 17. Giraldo G, Beth E, Huang ES. Kaposi’s sarcoma and its
ças, outros, mais idosos, companheiros da grande jornada relationship to cytomegalovirus (CMV) III. CMV DNA and
da vida. CMV early antigens in Kaposi’s sarcoma. Int J Cancer, 26(1):
23-29, 1980.
Amadeu Fialho pertenceu a várias sociedades médicas 18. Guarda LG, Silva EG, Ordones NG, Smith JL. Factor VIII in
e estrangeiras. Foi membro honorário da Academia Brasi- Kaposi’s sarcoma. Am J Clin Pathol, 76(2):197-200, 1981.
leira de Odontologia e da Academia Brasileira de Medici-
19. Guillot B, Meynadier J. La maladie de Kaposi. Encycl Méd
na Militar. Chir, Paris, France. Dermatologie, 12790 A10,4 — 1986, p. 8.
Faleceu em 20 de outubro de 1961. 20. Hardy MA, Goldfarb, P, Levine S, Dattner A Muggia FM,
Morreu como vitorioso. Vitorioso até sobre a morte, Levitt S, Weinstein E. Cancer, 38(1):144-148, 1976.
porque sempre será lembrado pelo que realizou, pelo que 21. Harwood AR, Osoba D, Hofstader SL, Goldstein MB, Cardella
semeou, pelo que ensinou com devoção e interesse. Por- CJ, Holecer MJ, Kunynetz R, Giamarco RA. The first occurs in
que foi um exemplo de médico e de patologista. Porque, an endemic belt across equatorial Africa where kaposi’s sarcoma
como homenagem, foi um legítimo e autêntico varão. commonly affects children and young adults and accounts for
up to 9% of all cancers. Am J Med, 67(5):759-765, 1979.
22. Hashimoto R, Lever W F. Kaposi’s sarcoma. Histochemical
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS and electron microscopic studies. J Invest Dermatol, 43(6):
1. Ackerman ML. Symposium on Kaposi’s sarcoma. Acta Un int 539-549, 1964.
Cancrurm, 18(3): 322-510, 1962. 23. Haverkos HW, Curran JW. The current outbreak of Kaposi’s
2. Arhtar M, Bunvan H, Ali MA, Godwin JT. Kaposi’s sarco- sarcoma and opportunistic infections. Ca J Clin, 32(6):330-
ma in renal transplant recipients. Ultrastructural and 359, 1982.
immunoperoxidase study of four cases. Cancer, 53(2):258- 24. Hocking W, Lazar G, Goldsmith M, Foreman S. Kaposi’s
266, 1984. sarcoma associated with hairy cell leukemia, immune
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 29
thrombocytopenia, and opportunistic infection. Cancer, 40. Mikkelsen F, Nielsen NH, Hanser JPH. Kaposi’s sarcoma in
54(.1):110-113,1984. polar eskimos. Acta Uermatowener, 57(6):539-541, 1977.
25. Ioachin HL. Lymph nodes — Biropsy, JB Lippincott Com- 41. Myers B, Kessler, E, Levi J, Pick A, Rosenfeid JB, Tikvah P.
pany, Philadelphia, p. 438, 1982. Kaposi sarcoma in kidney transplant recipients. Arch interno
26. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi- Med, 133(2):307-311, 1974.
dade de São Paulo, Médicos, HC, FMUSP. Ano I, no 5, dezem- 42. Navarrete MO, Aznar O, Morales JO Sarcoma de Kaposi.
bro/98. Estudio ultraestructural y epidemológico. Actas Dermo-Sif,
27. Jones RR. The histogenesis of Kaposi’s sarcoma. Am J 70-(3-4):265-278, 1970.
Dermatopathol, 8(5):369-370, 1986. 43. Olweny CLM, Hutt MSR, Owor R. Kaposi’s sarcoma.
28. Kaposi M. Idiopathisches multiplus pegmentsarkom der Antibiotics and chemotherapy, 29:1-102,1981.
haut. Archiv Für Dermatologie und Syphilis, 4(2):265-273, 44. Reidy TJ, Cummings, AJ, Upshaw JD, West WH, Chesney
1872. TM. Kaposi’s sarcoma and immune hemolysis. Cancer, 50(7):
29. Kestens L, Melbye M, Biggar RJ, Stevens WJ, Piot P, Muynck 1297-1298, 1982.
AD et al. Endemic african Kaposi’s sarcoma is not associated 45. Rothaman S. Medical research in Africa. Arch Derm, 85(3):
with immunodeficiency. Int J Cancer, 36:49-54, 1985. 51-64, 1962.
30. Klein MB, Pereira FA, Kantor I. Kaposi sarcoma com- 46. Ruzica T. Atypical Kaposi’s sarcoma in a patient with vitiligo
plicating systemic lupus erythematosous treated with
and permicious anemia. Dermatologica, 163(2):199-204, 1981.
immunosuppression. Arch Dermatol, 110(4):602-604,
1974. 47. Rwomushana RJW, Path MSc, Bailey IC, Kyalwazi, SK.
Kaposi’s sarcoma of the brain. A case report with necropsy
31. Klepp O, Dahl O, Stennig JT. Association of Kaposi’s sarco-
findings. Cancer, 36(3):1127-1131, 1975.
ma and prior immunosuppressive therapy. Cancer 426:2626-
2630, 1978. 48. Safai B, Good, RA. Kaposi’s sarcoma: A review and recent
32. Kobner H. Zur Kenntniss der allgemeinen sarcomatose under developments. CA. J Clin, 31(1):2-12, 1981.
Hautsarcome in Besonderen. Archiv fur Dermatologie und 49. Safai B, Miké V, Giraldo G, Beth E, Good RA. Association
Syphilis, 1:369-381, 1869. of Kaposi’s sarcoma with second primary malignancies.
33. Lacaz CS, Machado CM. Oportunismo microbiano e de neo- Possible etiopathogenic implications. Cancer, 45(6):1472-
plasias na medicina contemporânia. Fundo Editoria BYK — 1479, 1980.
SP, setembro/2000. 50. Schparro E, Borghi S, Rebora, A. Kaposi’s sarcoma after
34. Laubenstein L. Staging and treatment of Kaposi’s sarcoma immunosuppressive therapy for bullous pemphigoid.
in patients sith Aids. In: Friedman — Kien AE, Laubenstein Dermatologica, 169(3):156-159, 1984.
L. Aids: The epidemic of Kaposi’s and opportunistic in- 51. Schreiber ZA, Haim S, Gellei B, Tatarsky I. Autoimmune
fections Ed Masson Publishing USA, Inc., New York, p. 51- hemolytic anemia in the course of Kaposi’s sarcoma — report
55, 1983. of a case. Cancer, 32(4):922-925,1973.
35. Law MIP. Kaposi sarcoma and plasma cell dyscrasia. JAMA, 52. Shimm DS, Logue GL, Rohlfing MB, Gaede JT. Primary
229(10):1329-1331, 1974. amiloidosis, pure red cell aplasia and Kaposi’s sarcoma in a
36. Leung F, Fam AG, Osoba D. Kaposi’s sarcoma complicating single patient. Cancer, 44(4):1501-1503, 1979.
cortiosteroid therapy for temporal arteritis. Am J Med, 71(2): 53. Stribing J, Wettzner S, Smith GV. Kaposi ‘s sarcoma in renal
320-322, 1981. all ographt recipients. Cancer, 42(2):442-446, 1978.
37. Mandel EM, Lask D, Gafter U, Weiss S, Kende L, Djaldetti M. 59. Walter P, Phillipe E, Chamlian A. Sarcome de Kaposi: un
multiples Myeloma associated with Kaposi sarcoma. Acta néoplasme d’origine virale? Apport morphologique. Arch
haemat, 58(2):120-128, 1977. Anat Cytol Path, 32(1):52, 1984.
38. Marti R, Bou D, Torras H Angiosarcoma de Kaposi en un 60. Wilson PR, Nishiyama RH. Lymph nodal Kaposi’s sarcoma
transplantado renal. Actas Dermo-Sif, 215-218, 1981. and chronic lymphocytic leukemia associated with a hepatic
39. Mazzaferri MEL, Penn GM. Kaposi’s sarcoma associated with nodule simulating Hodgkin’s disease. Cancer, 27(6):1419-
multiple myeloma. Arch Intern Med, 122(6):521-525, 1968. 1425, 1971.

© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.


30 Capítulo 2
PRANCHA 2.1.

A. Antônio Carinii (1872-1950). B. Moritz Kohn Kaposi (1837-1902). C. Gaspar Vianna (1885-1914). D. Amadeu Fialho (1889-1961).
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
Capítulo 2 31
© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.
32 Capítulo 2

Você também pode gostar