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Saada
INTRODUÇÃO
REPRESENTACIONALISMO E NÃO-REPRESENTACIONALISMO
Desde pelo menos Sócrates e Platão, o conhecimento era concebido com uma
relação especial do sujeito cognoscente com um objeto da realidade. Como aborda
de forma convincente o filósofo Richard Rorty, em Philosophy and the Mirror of
Nature (1979), esta é a ideia filosófica do conhecimento como representação,
como um espelhamento mental de um mundo externo à mente, que dominou toda
a epistemologia tradicional e moderna. Nesse relato, a epistemologia é vista como
o estudo da estrutura da mente (sujeito) trabalhando com conteúdo empírico
(objeto) para produzir em si itens – representações — que, quando as coisas vão
bem, espelham corretamente a realidade. Para deixar de maneira mais clara,
pense na maneira como o senso comum entende a relação palavra-objeto.
Normalmente se pensa nisso como um tipo especial de relação na qual uma
palavra corresponde a um objeto na realidade, e na qual combinações de palavras
denotam combinações de objetos. Este é o cerne do “representacionalismo”: o
significado de nossas expressões linguísticas advém da propriedade de nossas
palavras de representar objetos; ou como diz Huw Price, é “a suposição de que os
itens linguísticos em questão ‘significam’ ou ‘representam’ algo não-linguístico”
(2013, p. 9).
dos estilos etnográficos mais usuais. O “ser afetado” envolve nem o objetivismo do
método de observação-participante nem o subjetivismo do método empático.
Ambas as abordagens estão preocupadas apenas com o que os sujeitos estão
dizendo ou pensando, estudando os conteúdos de seus enunciados e outros
episódios. Seja como for, Favret-Saada acredita que essas abordagens
desqualificam a palavra nativa e promove a do etnógrafo. Por outro lado, a
abordagem de Favret-Saada está principalmente preocupada com o que os
sujeitos estão fazendo ao dizer ou pensar, participando dos atos desempenhados
ao fazê-lo.
CONCLUSÃO
Embora Favret-Saada não tenha escrito ou discutido sobre isso, não é um exercício
improdutivo interpretar sua teoria antropológica como uma variação filosófica do
movimento anti-representacionalista. Sua reinvindicação do processo de “ser
afetado” como um tipo de saber não-representacional capaz de criar um vínculo e
abertura comunicacional involuntária, não-intencional e tácita com os nativos é
anti-representacionalista em sua essência. Ela não está principalmente
preocupada com o que os sujeitos estão pensando ou dizendo sobre algo – ou seja,
com o conteúdo semântico de seus episódios –, mas sim com o que os sujeitos
estão fazendo – e as condições específicas que os fazem agir – ao dizer ou pensar
sobre algo. Ficar imerso nessas mesmas práticas e condições específicas é ser
afetado por intensidades específicas que nos permitem entrar no vocabulário (e
no mundo) dos nativos.
REFERÊNCIAS
Clifford, James (2017). “Introdução: Verdades parciais”. In: Clifford, J.; Marcus,
G. (Org.). A escrita da cultura: poética e política da Etnografia. Rio De Janeiro:
EdUERJ, pp. 31–60.
Favret-Saada, Jeanne (2005). “Ser Afetado”. Cadernos de Campo, ano 14, n. 13.
Trad. Paula Siqueira. São Paulo: USP. Disponível
em: https://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/article/view/50263.
Goldman, Marcio (2003). “Os tambores dos mortos e os tambores dos vivos:
etnografia, antropologia e política em Ilhéus, Bahia”. Revista de Antropologia V.
46 Nº 2, São Paulo, USP, pp. 445–476.