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UM GENE Genética na Escola – ISSN: 1980-3540

O gene CFTR e
sua associação com
o desenvolvimento
da Fibrose Cística*

Nayane Soares de Lima1, Kamilla de Faria Santos2,


Caroline Christine Pincela da Costa2,
Jéssica Barletto de Sousa Barros2,
Rayana Pereira Dantas de Oliveira2
1
Programa de Pós-graduação em Assistência e Avaliação em Saúde,
Faculdade de Farmácia, Universidade Federal de Goiás (UFG),
Laboratório de Patologia Molecular, Instituto de Ciências
Biológicas (ICB II), UFG, Goiânia, GO
2
Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular,
Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás (UFG),
Laboratório de Patologia Molecular, Instituto de Ciências
Biológicas (ICB II), UFG, Goiânia, GO

Autor para correspondência - nayanes00@gmail.com

Palavras-chave: mucoviscidose, herança autossômica,


desequilíbrio homeostático, mutação genética

* Atividade proposta pela disciplina de Tópicos Especiais em Genética:


Ensino de Genética, do Programa de Pós-Graduação em Genética e
Biologia Molecular da Universidade Federal de Goiás (PPGBM-UFG).

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A Fibrose Cística (FC), também conhecida


por mucoviscidose, é uma doença genética
de herança autossômica recessiva causada
por mutações no gene CFTR (do inglês
Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance
Regulator). Esse gene codifica uma proteína
transmembranar de mesmo nome, inserida
na membrana apical de células epiteliais,
que transporta cloreto (Cl-) e bicarbonato
(HCO3-). Diversas mutações nesse gene es-
tão relacionadas com o desenvolvimento da
doença, sendo a F508del (c.1522_1524del
ou p.Phe508del, de acordo com as normas
do HGVS) a mais frequente, acarretando
na degradação proteica. A ausência dessa
proteína desencadeia um desequilíbrio hi-
drossalino e alteração do pH do fluido su-
perficial das células epiteliais, afetando ór-
gãos como pulmão, pâncreas e glândulas do
trato gastrointestinal. Essas alterações le-
vam ao acúmulo de muco espesso na super-
fície epitelial, especialmente nos pulmões,
que torna o indivíduo suscetível a infecções
pulmonares recorrentes, uma das principais
características da doença e a maior causa de
morte prematura na FC.

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Entendendo a
Fibrose Cística Doença multissistêmica -
aquela que acomete diversos
A fibrose cística (FC) é uma doença crônica multissistêmica órgãos.

Herança monogênica - aquela de herança monogênica autossômica recessiva. Os afetados


que é determinada por um pela doença precisam herdar duas cópias defeituosas do gene
único gene. CFTR, um alelo mutado de origem materna e um de origem
paterna (Figura 1). Doença autossômica
recessiva - caracterizada
Com um histórico conhecido desde a Idade Média, a FC era pelo acometimento tanto de
conhecida como “Feitiço da criança salgada”, hoje em dia, sabe- homens quanto de mulheres na
mesma proporção (pois o gene
-se que tal fato se deve à presença do suor salgado em afetados alterado não se encontra em
pela FC, característica que tem relevância no diagnóstico da cromossomos sexuais), sendo
doença. O nome FC foi atribuído em meados da década de necessária a presença de um
30, devido à condição histológica cística e fibrótica do pân- alelo recessivo mutado herdado
Condição histológica do pai e um herdado da mãe
cística e fibrótica - situação creas. Posteriormente, um estudioso chamado Farber propôs para que a doença se manifeste.
determinada pela formação de denominá-la de mucoviscidose, devido ao aumento caracterís-
cistos (lesões) e substituição do tico da viscosidade dos mucos corporais nos acometidos pela
epitélio glandular pancreático doença.
por tecido conjuntivo.

Figura 1.
Representação esquemática do
padrão de herança da fibrose
cística.

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Bronquiectasia - condição em
que há a dilatação irreversível Mais de 85.000 pessoas em todo o mundo complicações respiratórias como sinusite,
de brônquios, causada por
lesões na parede das vias aéreas
são afetadas pela FC, doença que acomete bronquite, pneumonia, bronquiectasia, fi-
decorrente, principalmente, em sua maioria a população caucasiana. brose e falência respiratória.
de infecções e inflamações No Brasil, sua incidência é estimada em
crônicas. Esse quadro dificulta a 1:7.576 nascidos vivos. O início dos sin- O diagnóstico precoce da doença é respon-
secreção de muco.
tomas da FC é altamente variável, e de- sável pelo aumento da sobrevida e melhora
pendente do tipo de mutação presente no da qualidade de vida do paciente com FC.
Teste do Tripsinogênio
gene CFTR, podendo surgir indícios des- Os testes para diagnóstico são baseados em
imunorreativo - é um teste mensurar os níveis de tripsinogênio imu-
realizado para identificação de a fase intrauterina, bem como no final
da fibrose cística e funciona da adolescência e também na idade adulta. norreativo, o qual pode ser realizado através
como um indicador indireto Como sintomas principais, apresentam-se: do teste do pezinho na triagem neonatal. Os
da doença, pois avalia tosse persistente com presença de muco es- recém-nascidos com o teste positivo são sub-
a integridade da função metidos a novo teste, caso ocorra um segun-
pancreática. O tripsinogênio pesso, chiado no peito e falta de ar, infeções
frequentes podendo ocasionar pneumonia, do resultado positivo, o diagnóstico de FC
é um precursor da enzima
pancreática tripsina, cuja distúrbios intestinais como obstrução e/ é confirmado mediante o teste do suor para
concentração costuma estar ou fezes oleosas, perda de peso ou a difi- dosagem de cloreto. Para auxiliar e proferir
persistentemente elevada no
culdade em ganho de peso, suor salgado, certeza em relação ao diagnóstico, é solicita-
sangue dos recém-nascidos com do um teste genético para identificar a pre-
a doença. entre outros. A FC é marcada por algumas
características fenotípicas, como: doen- sença de mutações no gene CFTR.
Características fenotípicas
- características visíveis de ça sinopulmonar crônica, anormalidades Em consequência dessas mutações, ocorre
um determinado organismo/ gastrointestinais e/ou nutricionais, sín- a desregulação na atividade enzimática da
indivíduo. É o resultado da drome de perda de sal, alterações na ferti- proteína CFTR, levando a um desequilíbrio
expressão do genótipo e da lidade, infecções pulmonares recorrentes,
interação com o ambiente. hidrossalino nas células epiteliais das vias aé-
insuficiência pancreática, diabetes mellitus, reas e, consequentemente, na consistência do
Doença sinopulmonar entre outras complicações que variam de muco, que se torna mais espesso e seco que o
crônica - doença caracterizada acordo com a idade do afetado.
por complicações pulmonares,
normal (Figura 2), prejudicando a elimina-
geralmente infecções. Dentre as complicações clínicas da FC, os ção de secreções. Em um indivíduo saudável,
distúrbios respiratórios são a principal cau- as células epiteliais de revestimento pulmo-
sa de morte entre os pacientes. O aparelho nar conseguem secretar substâncias capa-
respiratório é comprometido de forma pro- zes de matar bactérias, enquanto, a camada
gressiva e intensa ocasionando declínio na mucociliar dessas células realiza o arraste de
função pulmonar do indivíduo. Assim, os restos celulares decorrentes de tal processo
afetados se tornam predispostos a diversas (depuração mucociliar).
Depuração mucociliar -
mecanismo de autolimpeza
das vias aéreas no sistema
respiratório.

Figura 2.
Mutações no gene CFTR
causam alterações no fluxo
fisiológico de íons Cl- e
água, processo que afeta,
principalmente, o pulmão e o
pâncreas, desencadeando um
processo obstrutivo devido à
produção anormal de muco
espesso.

Devido ao ambiente criado na superfície epi- por bactérias oportunistas, que contribuem
telial em decorrência da doença, os pulmões para o surgimento de inúmeras infecções no
tornam-se frágeis e suscetíveis à colonização trato respiratório. Dessa forma, esse proces-

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so infeccioso agrava o quadro obstrutivo ca- O enredo do filme aborda exatamente a di-
racterístico da fisiopatologia da FC, no qual ficuldade de evitar contato, enfocando no
a infecção crônica do aparelho respiratório aspecto psicossocial dos afetados que sofrem
se mostra como principal mecanismo contri- com limitações sociais e de convivência, prin-
buinte para o declínio da função pulmonar, cipalmente com outros pacientes de FC, que
Antibioticoterapia -
acarretando em eventual óbito dos doentes. poderiam fornecer conforto uns aos outros, tratamento de pacientes com
além de compreender melhor do que nin- sinais e sintomas de infecção
O perfil microbiológico existente na FC é guém a realidade enfrentada por eles. Des- através da administração
considerado intrigante, uma vez que, mesmo taca-se assim, a importância da divulgação de antimicrobianos. A
com a antibioticoterapia constante, esses sobre a doença, e a relevância de pesquisas antibioticoterapia tem a
pacientes são acometidos por infecções pul- finalidade de curar uma doença
que busquem elucidar os mecanismos da FC, infecciosa.
monares recorrentes causadas por um núme- contribuindo com a melhora no diagnóstico
ro restrito de microrganismos, como Pseu- e no desenvolvimento de possíveis terapias
domonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, personalizadas e de precisão.
Stenotrophomonas maltophilia, bactérias do
complexo Burkholderia cepacia, entre outros,
que compartilham entre si a característica de A fibrose cística
colonização de difícil erradicação. Mesmo
com diversos estudos, permanecem obscu- do ponto de
ras as respostas do que estaria por trás dessa
propensão à infecção por microrganismos
vista gênico:
específicos nos pacientes com FC. O gene CFTR
As bactérias do complexo B. cepacia ganha- Em 1983, cientistas notaram que o tecido
ram notoriedade na doença em meados da epitelial de pacientes com FC era imper-
década de 80, quando foi descoberto seu alto meável a íons cloreto, levando-os a crer que
potencial de transmissão entre os pacientes algum canal transportador desse íon seria
com FC, tanto dentro como fora do ambien- defeituoso. As investigações resultaram na
te hospitalar. É importante enfatizar que a identificação do gene da FC, o CFTR, regu-
maioria dos afetados pela FC hospeda cepas lador de condutância transmembranar da fi-
geneticamente distintas umas das outras. brose cística, que codifica a proteína CFTR,
O filme “A cinco passos de você” (Five Feet e que atua como um canal iônico. Esse gene
Apart), lançado em março de 2019, relata tal está localizado no braço longo do cromos-
fato. A história retrata a vida de dois adoles- somo 7 (7q31.2) e contém 26 íntrons e 27
centes afetados por FC que, em meio à rotina éxons (Figura 3).
hospitalar, se apaixonam. Um dos persona- A proteína CFTR é constituída por 1480
gens é portador de uma cepa do complexo B. aminoácidos e, como citado anteriormente,
cepacia, considerada a mais virulenta e resis- atua como um canal de cloreto (Cl-) e bi-
tente, enquanto a outra está à espera de um carbonato (HCO3), que regula o equilíbrio
transplante pulmonar. hidrossalino. No entanto, essa proteína tam-
As características fenotípicas da doença apre- bém é apta a regular outros canais iônicos,
Canais iônicos - são proteínas
sentadas no filme são principalmente, o com- relacionando-se com a composição de fluidos de membrana que atuam como
prometimento pulmonar, evidenciado pelo no tecido epitelial. A CFTR é identificada na um poro na bicamada lipídica e
fornecimento contínuo de oxigênio dos pro- membrana apical de células epiteliais. Em- permitem a passagem seletiva
bora o déficit dessa proteína acometa vários de íons (potássio, sódio e
tagonistas, a tosse persistente e a dificuldade cálcio) entre o meio extracelular
ao respirar. Além disso, como mencionado órgãos, cada órgão dependente da CFTR ex- e intracelular.
anteriormente, os pacientes FC devem evitar pressa essa disfunção de forma diferente.
o contato com outros afetados pela doença, Nos pulmões, a falha no transporte de clore-
devido às possíveis infecções cruzadas, e ao to e sódio diminui o volume de líquidos na
fato de não estarem imunologicamente pre- superfície das vias respiratórias, comprome-
parados para combater cepas diferentes. tendo a depuração mucociliar. Esse processo

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resulta em produção de muco espesso, carac- favorecendo a instalação de infecções. Even-


terístico da doença, que obstrui as vias aéreas tualmente, isso pode causar insuficiência res-
e compromete os mecanismos de defesa, piratória, a principal causa de morte por FC.

Figura 3.
Representação esquemática
da posição do gene CFTR,
localizado no braço longo do
cromossomo 7 humano, região
3, banda 1, sub-banda 2.

Além de problemas respiratórios, o déficit no transporte


transepitelial pode gerar manifestações em outros órgãos.
Transporte transepitelial -
transporte que ocorre quando Dentre essas, têm-se: o acúmulo de cloreto (pela absorção ina-
moléculas se movem através do dequada) ou depleção de sódio (pela perda excessiva de suor),
epitélio. subfertilidade (causada por alterações nos ductos deferentes),
desnutrição, diabetes e insuficiência pancreática (decorrente
da redução hídrica e maior acidez, bloqueando os ductos pan-
Autólise - refere-se à
creáticos e contribuindo para autólise e fibrose do pâncreas). Fibrose - condição
destruição de uma célula, caracterizada pela formação
através da ação das suas
Desde a descoberta do gene CFTR em 1989, aproximadamen- ou desenvolvimento de tecido
próprias enzimas, também te 2.000 variantes comprometedoras da biossíntese da proteí- conjuntivo em determinado
conhecida como autodigestão. na foram descritas. A mutação F508del (também chamada de órgão ou tecido, como parte
∆F508) é a mais frequente em várias populações, incluindo a da cicatrização normal ou
brasileira. Essa mutação é caracterizada pela ausência de uma decorrente de um processo
patológico.
sequência de três nucleotídeos (uma citosina e duas timinas),
acarretando na deleção do aminoácido fenilalanina na posição
508 da proteína. Como consequência da mutação, o proces-
samento da CFTR é prejudicado. A proteína é aprisionada
no retículo endoplasmático e, posteriormente, degradada pelo
proteassomo.
Proteassomo - Complexo
proteico responsável pela A gravidade da doença está relacionada a fatores ambientais,
degradação de proteínas
danificadas, que não foram genes modificadores e a classe das mutações presentes no
Genes modificadores - genes
corretamente enoveladas ou das gene CFTR. Classificam-se as mutações nesse gene em seis que influenciam na ação ou
quais a célula não precisa mais. classes: a) - mutações de classe I resultam em ausência de sín- expressão de outros genes.

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tese de RNAm ou da proteína, acarretando IV acarretam em defeito na condutância ou


em redução drástica ou ausência da proteína; abertura do canal de cloreto; e) - mutações
b) - mutações de classe II resultam em matu- de classe V são caracterizadas pelo número
ração proteica defeituosa e degradação pre- reduzido de transcritos funcionais do gene
matura, o que acarreta na redução da quanti- CFTR e; Mutações de classe VI resultam em
dade de proteína funcional; c) - mutações de turnover acelerado e precoce da proteína na Turnover proteico - processo
classe III geram regulação anormal da fun- superfície celular. As classes I, II e III pro- fisiológico de produção e
ção do canal como a diminuição de ligação vocam um quadro mais grave da doença, se degradação de proteínas
e hidrólise de ATP; d) - mutações de classe comparadas às classes IV, V e VI (Figura 4). sintetizadas por um organismo.

Figura 4.
Diferentes classes de mutações
do gene CFTR. As mutações
de classe I causam a ausência
de síntese proteica; nas
mutações de classe II tem-se a
maturação proteica defeituosa
e degradação prematura; em
mutações de classe III ocorre a
regulação desordenada, como
a diminuição de ligação e
hidrólise de ATP; nas mutações
de classe IV a condutância ou
a abertura do canal de cloro
é defeituosa; mutações de
classe V são caracterizadas
pelo número reduzido de
transcritos CFTR; enquanto,
em mutações de classe VI há
“turnover” acelerado e precoce
na superfície celular.

Convém destacar que um indivíduo afetado cigenação presente no país, que possui eleva-
pode ter uma certa mutação em homozigose da contribuição das ancestralidades africana
ou seu quadro pode resultar da combinação e nativo americana, resultando em uma me-
de duas mutações distintas, que podem ser nor frequência quando comparada a popula-
até de classes diferentes, o que configura a ções de ancestralidade europeia, nas quais a
situação chamada de heterozigose composta. frequência da alteração é elevada.
Em pacientes com FC, o rastreamento das
mutações presentes no gene CFTR pode ser Investigar a variabilidade genética entre pa-
complexo e caro. Porém, nesse cenário, o fato cientes com FC fornece informações sobre
de que a F508del é a mais frequente torna a a doença e possibilita a elaboração de novas
sua triagem inicial por métodos simples e ba- opções terapêuticas. Assim, por ser a mais
ratos mais factível, pois a investigação mole- prevalente dentre as mutações em CFTR, a
cular pode começar primeiramente pelo seu F508del tornou-se a primeira a ser rastreada
rastreamento. no diagnóstico molecular da doença.

Estima-se que, mundialmente, a prevalência A FC não tem cura, porém os avanços nas
desta mutação entre os afetados por FC gira opções terapêuticas têm ajudado a melhorar
em torno de 70%. No Brasil, a frequência de a qualidade de vida dos pacientes, possibi-
pacientes FC com a mutação é de 47-48,4%. litando uma vida mais longa e saudável. A
Essa diferença pode ser devido à grande mis- compreensão sobre as diferentes mutações

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em CFTR e como essas afetam a produção, lações europeias. Apesar de ser uma doença
estrutura e função da proteína direcionaram sem cura, os recentes avanços no diagnósti-
as pesquisas para terapias específicas para os co e em opções terapêuticas têm propiciado
tipos de mutações. uma melhora na qualidade de vida dos pa-
cientes com FC, podendo estes atingir uma
Essas pesquisas levaram ao desenvolvimen- média de 50 anos de idade. Isso impulsiona
to de moduladores da proteína CFTR, esses os pesquisadores a buscarem na genética um
divididos em duas classes: potencializadores caminho para alcançar uma terapêutica per-
e corretores. Os potencializadores são medi- sonalizada e eficiente.
camentos que aumentam/potencializam a
função da proteína já expressa na membrana Causada por mutações no gene CFTR, que
celular. No caso de mutações de classe II e codifica uma proteína de mesmo nome, res-
IV, estes atuam ampliando o tempo de aber- ponsável pelo transporte transepitelial de
tura da CFTR. cloreto e bicarbonato, a doença apresenta
grande heterogeneidade no que tange à sua
Os corretores são medicamentos que atuam gravidade, dependendo de fatores ambien-
na proteína que não é expressa na membrana tais, genes modificadores e da classe de mu-
celular. Em mutações de classe II, por exemplo tações presentes no gene CFTR. Como prin-
(F508del), a proteína produzida é reconhecida cipais manifestações clínicas da FC têm-se a
pela maquinaria celular como anormal e, en- doença sinopulmonar crônica e a insuficiên-
tão é degradada antes de chegar à membrana cia pancreática, ambas resultantes das muta-
celular (defeito de tráfego intracelular). Esse ções no CFTR.
tipo de medicamento busca superar esse de-
feito no tráfego da proteína mutada, podendo Sendo assim, nota-se a importância e rele-
fazer com que ela chegue à membrana celular. vância de estudos genéticos que buscam elu-
Porém, mesmo que os corretores permitam cidar o papel do gene CFTR e compreender
que a proteína F508del alcance a membrana, as consequências de suas diversas mutações,
essa ainda não funcionará adequadamente. podendo assim contribuir para o desenvolvi-
Por isso, os corretores têm sido utilizados em mento de novas opções terapêuticas eficazes,
associação com potencializadores. para o diagnóstico de precisão, e para escla-
recer os mecanismos complexos relacionados
Novos fármacos estão em desenvolvimento a essa doença.
e em investigação, três desses já foram com-
provados como tendo eficácia clínica e mos-
traram resultados muito promissores para Para saber mais
algumas mutações do CFTR. Hoje, no Bra- AMICO, G.; BRANDAS, C.; MORAN, O.; BAR-
sil, já estão aprovados dois desses fármacos ONI, D. Unravelling the Regions of Mutant
para mutações específicas. Ainda há muito F508del-CFTR More Susceptible to the Action
a ser estudado sobre a FC, principalmente of Four Cystic Fibrosis Correctors. International
Journal of Molecular Sciences, n. 21, p. 1-20, 2019.
sobre terapias benéficas para todos os tipos
de mutações patogênicas do CFTR. Hoje, ATHANAZIO, R.A. et al. Brazilian guidelines for
além das terapias dos moduladores da the diagnosis and treatment of cystic fibrosis.
Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 43, n. 3, p.
CFTR, estão em estudos terapias gênicas,
219–245, 2017.
celulares e muitas outras, que visam sempre
trazer melhora na qualidade de vida dos pa- CASTELLANI, C.; ASSAEL, B.M. Cystic fibrosis: a
cientes. clinical view. Cellular and Molecular Life Sciences,
v. 74, n. 1, p. 129-140, 2017.

O que COUTINHO, C.A.A.C.; MARSON, F.A.L.; RI-


BEIRO, A.F.; RIBEIRO, J.D.; BERTUZZO,

aprendemos? C.S. Mutações no gene cystic fibrosis transmem-


brane conductance regulator em um centro de re-
ferência para a fibrose cística. Jornal Brasileiro de
A FC é uma doença genética grave e rara, Pneumologia, v. 39, n. 5, p. 555-561, 2013.
mais frequente em descendentes de popu-

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