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ínguas
e
e E o ato de falar ou de escrever revela muito mais do que simplesmente foi
e dito ou escrito. Por exemplo: pela fala das pessoas podemos saber imediata-
e mente de onde elas são (do Rio de Janeiro ou da Bahia...), se são pobres, ri-
cas ou remediadas, se frequentaram escola ou não, se leem livros e revistas ou
+ se nunca leram nada, até mesmo qual a atividade profissional delas -- mesmo
Capítulo 2
que o que elas estejam dizendo não tenha nenhuma relação com essesda-
e A"GUERRA'DASLINGUAS dos. Em geral, somos muito sensíveis a esses sinais secretos da fala: estamos
e
e Atividade l b) linguagem e marca social
Assim, quando alguém nos diz, por exemplo, Nóís pat assísfí o .logo agora,
a) os sittais da !irtguagetn
6 Uma língua não é apenasum conjunto de sinais neutros trocados
recebemos não apenas a informação de que as pessoas vão assistir a um jogo
nessemomento, mas também o fato de que a pessoa fala uma variedade da
+ entre um emissor e um receptor, como se fôssemos apenas "aparelhos' língua portuguesa não padrão, que provavelmentenão teve oportunidade de
de comunicaçãode mensagens.Na verdade,o conjuntode sinais-- frequentar escola por muito tempo, que muito provavelmentepertence à ca-
e conjunto de sons, no caso da fala, ou de letras, no caso da escrita - é mada mais pobre da população, e aí as informações "secretas" se desdobram:
e escoe'ye.
que nós levamos em consideração lojas essas informações implícitas quando
prosseguimos a conversa.
e Quando alguém nos diz, por exemplo, "a casacaiu" -- um conjunto E o que nos "diz" tudo isso na sentençaacima? Unicamente um sinal: o
+ de sons mais ou menos como "a káza kaíu" essessons só signihcam conjunto tzóisuai. Porque o }zóis, por si só, é de largo uso em todas as faixas
e alguma coisa quando entendemos a ínfenção de quem fala, isto é, a da população, pobres ou ricas; o corte do r de assistir é praticamente uni-
que a pessoa qLter nos dizer quando rios diz que "a casa caiu". Pode set versal no português do Brasil; o uso desse verbo sem preposição (assistir o
um pedido de socorro, pode ser uma simples informação, pode ser um jogo e não assistir ao ,jogo, como exigem as gramáticas normativas) também
e exagero, pode ser uma casa feita de cartas de baralho numa brincadeira
de crianças, pode seí um pedido de empréstimo no banco para bons
já estádisseminado pelo país afora. Mas o lzósPai é uma forma não padrão
esfigmaflzada. Isto é, alguns "erros" podem ser ditos sem problema; outros,
e fruir outra casa, pode ser uma desculpa pelo atraso ao encontro, pode em hipótese algumas
ser uma mentira. Se conhecemosa pessoaque nos diz isso, pode ser Em geral, tendemosa identificar o "corneto" como a forma que mais se
e uma coisa; se nunca vimos a pessoana vida, pode ser outra. aproxima do sistemada escrita: esseé um dos motores do poder da escrita
e Enfim, as palavras só ganham pleno signiHtcadono momento mes- na história dos povos modernos. Como a escrita é mais homogênea, esta-
e mo em que acontecem. SÓ então nós saímos do "sinal de código", do belecida, vigiada e controlada pelos meios de comunicação e pela máquina
e 'valor de dicionário", para a vida real do significado. educacional, é quase irresisth'el a nossa tendência a vigiar também a fala
das pessoas.Mas há um detalhe: quando dizemos que alguém não sabe,por
+
e 49
O$cina de texto Capítttio 2: A "guerra" das Línguas e
exemplo, que o Everest é a montanha mais alta do mundo, trata-se apenas pênalti" que o fez lembrar "a várzea". De fato, normalmenteeu diria "de- e
de um detalhe sem importância, uma questão de "decoreba". Mas quando fender", e não "catar" (o que nem soa tão irreal). Mas, às vezes, é grande a
+
dizemos que alguém "fala errado", estamos também dizendo que esse al-
guém "não sabe falar", como se a nossa fala fosse a única possível, carreta
distância entre o que se diz cotidianamente e o que é dito no ar.
Se um time estiver perdendo o jogo, o torcedor quer saber se ele "vai
e
e verdadeira língua portuguesa. Dizer que a pessoa"fala errado" é também virar", e não "reverter o placas" (sendo que o placar não anda para trás). Ele
+
dizer que a pessoa"é errada' pede para o seu atacante "chutar no gol", e não "finalizar". E grita "quebra
Como rigorosamenteninguém fala como escreve,seremostodos "er- eles" quando espera que o jogador do seu time "detenha as investidas do e
rados"? E óbvio que nãosSignihca apenasque a escrita é uma modalida- ataque adversário com faltas' +
de muito específicada língua, e pode conviverpacificamentecom toda a O reforço que se apresentacom uma contusão "tá bichado"; o volante e
riqueza e a diversidadeda linguagem oral de todos os dias e de todas as com mais vontadeque habilidade é "grosso"; o técnico que fala muito, mas e
regiões do país. produz pouco é "presepeiro" e o time que "sofreu uma derrota por um placar
elástico" (?) foi "ensacolado". Caso a arbitragem tenha sido infeliz e preju-
Essadiversidade perpassapraticamente todas as atividades da vida coti-
diana -- o futebol, por exemplo Confira no texto que se segue: dicado um time, não há dúvida: "Meteram a mãos"
e
As vezes, a mídia assume o vocabulário do povão, como no caso dos
+
"gatos". E alguns jornalistas não são tão formais e falam em pancadase +
Texto l cacetadas,frangos e bicudas, amarelões e mascarados,em entortar e
atropelar. Não são palavras muito poéticas, mas a ação que descrevem é que e
Em bom português
Soninha
lhes dá o verdadeiro valor: uma pancada em um adversário é horrenda; uma
cacetada na bola pode ser linda. Atropelar um time com uma goleada é legal.
e
Entornar um jogador com um drible, como diria o Denílson, "é show
e
O futebol é jogado de muitas maneiraspelo Brasil e pelo mundo - te-
Se outros setores adotassem essejeito "Notícias Populares" de ser, o jor-
e
mos o 3-5-2, o 4-4-2 e ainda o futebol-arte, o futebol-moleque,A-futebol
de resultados. Essas táticas e estilos são analisados e discutidos basicamente nal não diria que houve um "superfaturamento das obras e consequente des e
em dois idiomas: o que é falado nas arquibancadas e mesas de bar e o que é
vio de verbaspúblicas", e sim que "o juiz ladrão meteu a mão na sua grana' e
empregado nos jornais, nas rádios e nas TVs. Não é bonito o vocabulário -- mas a jogada também não. e
Esse futebolês da mídia é contagioso. Há anos ouvimos jogadores, narra (Fo//zade S. Pnulo, 25/ 10/200 1, caderno D, p. 4)
dores, repórteres e comentaristas usando uma linguagem repleta de jargões e
e frases feitas, que reproduzimos automaticamente. Bom, falo por mim...
Roteirode leitura
e
Apanho para encontrar o tom entre a formalidade respeitosae a informali
dade original.
8
As vezes, a língua-mãe (ou filha da mãe) escapa:outro dia, eu disse em
l Com bom humor, o texto contrasta duas lirzgtiagensusadas no +
futebol. Quais são elas?
um programa da Rádio Globo que o Taffarel era reconhecido por "catar
+
pênaltis" ao mesmo tempo em que era chamado de "Frangarel" pela torci-
2 Observe que a autora se refere à linguagem "repleta de jargões e +
da implicante. Gérson, comentarista do programa, deu risada: "Há quanto
frases feitas" o "futebolês" da mídia, que é "contagioso". Você
conhece mais exemplos dessas "frases feitas"?
e
tempo eu não ouço issol" Penseique falava do "Frangarel", mas foi o "catar +
'i 50 51 e
e
g
O$cirta de texto Capíttllo 2: A "guerra" das línguas
e
e Em contraste com o "futebolês da mídia", a autora assinala algumas for- guas que, desde o flm da Idade Média, caminhavam inexoravelmente para
+ mas espontâneasdo torcedor. Vejaque o texto trata basicamenteda felzsão a extinção. Ladino, corso, bretão, galego -- idiomas semimortos praticados
e Falar em público implica sempre cofzsfrtlir ilha imagem verbíz/, aspecto idiomas, falados por 50 milhões de europeus. A carta afirma que a prática
e às vezestão importante quanto o conteúdodo que se diz. Daí porque mui- de "uma língua regional na esfera pública e privada" é um direito inalienável
das minorias.
tas vezes as pessoas se "refugiam" nas frases feitas e lugares comuns como
© autodefesa.
e E claro que muitos outros aspectospodem interferir nessaatitude, inclu-
A resolução é consequência de uma barulhenta campanha feita por comu-
nidades minoritárias em seus próprios países, temerosas de ser engolidas por
e sive a simples timidez do falante. alas veja, no texto lido, como mesmo uma uma Europa federalizada. A pressão funcionou. SÓ neste ano, a Comunidade
e cronista experienteconfessaque às vezes"apanha" para descobrir o tom Europeia, CE, está torrando 4,2 milhões de dólares para, entre outras coisas,
e exato entre a linguagem formal e a informal. produzir programasde computador em gaélico destinadosà Irlanda e sus
e Essa é uma dualidade universal, que diz respeito a qualquer língua, ainda
tentar um centro de informações para as 420.000 almas que falam o frísio,
uma língua do ramo germânico usada em áreasrurais do norte da Holanda.
+ mais se submetida ao universo da escrita. Bem, se no Brasil as pessoas em
"A Europa já é uma torre de batel, e agora estão querendo construir mais
e geral se sentem um tanto insegurascom relação à língua, como vimos aci-
ma, tendendo sempre a considerar-se "erradas", em outros países a situação
alguns andares", protestou, em Bruxelas, um funcionário da CE descontente
com a medida. A ressurreição de línguas exóticas é mais intensa na Fiança,
pode ser diferente.
e Nesses casos, a variedade assume um sentido marcadamente político, e o
o país europeu de maior diversidade lingüística. No sul, o provençal, uma
Como sc diz "bom dia" em bretão? E "muito obrigado" em provençal? idioma de origem misteriosa, sem nenhum parentescocom as demais línguas
+ As vésperas do século XXI, turistas desavisados que visitam determinados européias. O basco corre menos risco de ser engolfado por línguas majoritá-
e Fiações da Europa são surpreendidos pelo inesperado renascimento de lín- rias por causa do poderoso sentimento regionalista da região. Também ani-
e mado por uma renitente tradição autonomista na ilha francesa da Córsega, o
e 52 53
e
CapítLtlo 2: A "guerra" das !ínguas
e
{ O$cina de texto
e
dialeto corso, de origem italiana, tem conseguido sobreviverapesar da pre- a gente perceba essa distinção, muitas vezes sutil, para um maior domínio da e
sença poderosa do idioma francês. Cerca de 80% dos 240.000 corsos conhe- língua, tanto quando escrevemoscomo quando lemos. e
cem bem o dialeto. 4. Vamosanalisara esfrutttrado lexia, observandoos parágrafos. Dê o e
"A defesa da língua sempre foi um fator de resistência política para povos assunto de cada um deles:
ío\
e
empenhados em preservar sua identidade", nota o professor de lingüística
©
rosé Luiz Fiorin, da Universidade de São Paulo. O fenómeno é visível na
febre nacionalistaque tem varrido o leste europeu na fase pós-comunista,
2')
Ro\
e
mas também pode ser detectado no triunfo da língua catalã na Espanha. +
Reprimido na ditadura franquista, quando o uso do idioma era considerado
40\
e
um "ato de insubordinação", o catalão sobreviveu. Falado por metade dos 8
1 1 milhões de catalães, no ano passado dividiu com o espanhol, o francês
e o inglês a condição de língua oficial da Olimpíada de Barcelona.
E:1:3 Atividade 2
e
O Brasil tem pelo menos um dialeto bastante distinto, o chamado diaZefo
(Meia,ed. 1303) ca@iru,que, da mesmaforma como a língua-padrão, tem sido objeto de gra-
máticas e estudos linguísticos, embora não seja ensinado nas escolas. Temos
e
também fortes variedades regionais, nos vários pontos do país. E em muitas
+
[11:11:3
Roteiro de leitura regiões se falam outras línguas, como o italiano, o holandês, o japonês, o ale- ©
mão, o polonês, quase sempre em modalidades não padrões. E, é claro, temos e
1. Antes de mais nada: qual o assuntodo texto? O texto tem unidade
famélica, ou fala de muitas coisasao mesmo tempos
igualmente as diferentes línguas (algo em torno de uma centena e meia) fala- e
2. Façaum resumodo texto lido, empregandoentre25 e 30 palavras.
das pelos vários povos indígenas do Brasil.
Paradiscutir: Por que não têm acontecido, no Brasi], movimentos de defesa
e
3. Observeque o texto é basicamentede ilzáormação isto é,Ateiescrito de minorias linguísticas como os que acontecem na Europa? Isso é bom ou
com a intenção principal de dar ílzjormações ao /eífor sobre o ressurgimento de isso é ruim? Por quê?
e
línguas regionais na Europa. Entretanto, o autor deixa passar alguns sinais do e
gele eíepefzsa sobre o qtíe está informando, isto é, ele informa também a opinião
Como exercício, ponha por escrito as suas conclusões sobre a questão
e
que ele [em a respeitodo que se passana Europa.
discutida. Não esqueça do títulos e
Por exemplo: quando ele diz que estão ressurgindo idiomas semirnorfos +
praficízdos apenas por uns poucos galos-p;ízgados, que opinião ele está pas-
sando ao leitor sobre essesidiomas9
Z:1:113
Linguagem oral X linguagem escrita e
Continuemos especulandosobre as diferenças entre a fala e a escrita.
Localize outros momentos do texto em que a informação está "contami-
nada" de opinião. Mas lembre-se: não há nada de errado nisso. boda infor- Outra distinção importante é a do vocabulário. Quando falamos, nós dispo- +
mação contém, em maior ou menor grau, uma opinião. Nós, leitores, sere-
mos de todo o vocabulário que a nossa memória consegue guardar, em torno e
mos sempre desafiados a concordar com ela ou dela discordar. b/lais adiante
de 3.000 a 5.000 palavras. Mas a língua, é claro, dispõe de muito mais pa- +
vamos ver em detalhes esseaspecto do uso da linguagem. O importante é que lavras -- no caso do português, cerca de 400.0001 Como ninguém tem tanta
e
+
. 54 55 e
e
e g O$cina de texto Capítulo 2: A "guerra" das línguas
8
e memória assim, essearsenal de palavras está armazenado nos dicionários, a) Os carastambém descobriram uns restosde bichos da ilha, numa parte da
e por escrito, para a gente não esquecer! terra que fica embaixo de onde estavam os esqueletos.
+ Esta é uma típica distinção entre as línguas que contam com um sistema b) Os cientistas também descobriram restos de fauna insular. numa camada
e que há um invento novo -- um avião, por exemplo cria-se junto com ele um
e sem-número de palavras novas para designar objetos que não existiam antes.
Algumas distinções são esfruflzrais, como veremos mais adiante. Por en-
quanto, interessa-nosa questão do vocabulário. O domínio da escrita exige
e Imagine, por exemplo, qual o significado de palavrascomo pírabrequim, uma ampliação do nosso vocabtz/brio por duas razões:
caro {rczdocp/afinado, para uma nação indígena que nunca viu um carro na
1. na produção de textos escritos, o vocabulário da oralidade, ótimo
© vida. NenhumaEm compensação,um índio é capazde nos dar 300 nomes
para conversar, revela-se quase sempre insu6lciente ou inadequado
e diferentes para aquilo que para nós não passariade Halo, ou planta.
para resolver as exigências de síntese e de clareza da escrita;
e Isso não quer dizer que uma língua seja me//zorque a outra; significa
apenasque as línguas que têm um sistemade escrita zêmmais palavras que
2. na leitura de textos escritos, com muita frequência encontramos
e as outras. Lembre-sede que o latim, a poderosalíngua do Império Romano
palavras de pouco ou nenhum uso na oralidade; se não as conde
+ que tomou conta de boa parte da Europa, em sua origem nada mais era do
cemos, nosso acesso à informação fica prejudicado.
b) Quebrou o platinada. Observe que, muitas vezes, uma mudança de palavra exige uma mudança de
e mas de comunicaçãol
tropa de que a ilha não estava ligada ao continente antes da chega-
da dos primeiros homens à região.
e Além desse aspecto, há outro igualmente importante: a língua escrita dis-
2. As vésperasdo século.XXr, turistas desavísadosque visitam de
© põe de um vocabulário mais ou menos padronizado quase um "estilo" -- que
terminados ríncões da Europa são stlrpreelzdidos pelo inesperado
+ evita as inevitáveis repetições e redundâncias de nossa fala. A escrita sempre
renascimentode línguas que, desde o /im da Idade Média, cami-
e procura ir "direto ao assunto", de um modo que normalmente não usamos
na fala. Compare:
nhavam inexorapelmelzte para a exfílzção.
© 56 57
e
OPcina de texto Capítulo 2: A "guerra" das !írLgtias
3. No país Basco,teimosamentefincada entre a Espanhae a França, nominal(todas as casas apare/as consfrlt as pelos ePzgelzheíros
rios bairros
já se pode ler jornais e assistir à televisão em basco, um idioma de a/àsíados) - há marcas de plural(concordátzcia de núimro) e de masculino
origem misteriosa, sem nenhum parePztescocom as demais línguas e feminino(corzcordáízciade gêlzero:casasamarelas; bairros aÁasfados)em
europeias. praticamente todas as palavrasda sentença.
4. O basco corre menos risco de ser engolfado por línguas m@oHfárias Entretanto, nas variedades orais do português, nós temos uma tendên-
por causa do poderoso sentimento nacionalista na região. cia muito forte a suprimir algumasmarcasredundantesdo plural. E só
5. Também animado por uma rerziferzfetradição aufoízomisía na ilha prestar um pouco de atenção e ouviremos o tempo todo construções assim:
francesa da Córsega, o dialeto corso, de origem italiana, tem con- Os cara chegaramlá.
seguido sobreviverapesarda presençapoderosado idioma francês; Os engenheiro construíram as casa.
6. A resstÉrreição
de línguasexóflcasé mais ílzfensana trança, o país
atirarem de maior diversidade linguística.
Nessas variedades do falante urbano escolarizado, a supressão de con-
7. Enquanto a escrita cuneiforme e os hieroglifos egípcios desapa- cordância em geral se restringe à concordância nominal (substantivos e adje-
receram do uso corrente com o passar do tempo, darzdo lugar a
tivos) de número. A concordância verbal semantém, embora seja sistemático
linguagens que desembocavam nos anuais alfabetos, o chinês con-
o corte do s Rinaiem alguns casos:
fia a sendo falado e escrito por um quirzfo da população mundial.
Vamp lá agora?
8. Na China Antiga, os ossosde cordeiro eram tlsadospor adivinhos
e profetas para prwer o futuro.
Observeque, apesardo corte do s, a terminação mo marca o plural.
9. As tentativas mais remotas que o homem fez de comunicar-se afra-
uésde símbolosdatam de 20.000 a.C. Naturalmente, se o falante frequenta ou frequentou esco]a(onde há uma
vigilância policial contra erros de concordâncias), ele tem consciência dessa
10. Por ser a língua mais antiga ainda em uso rzop/alzefa, a (ã.mesa é a
diferença: ele cortará o s em situações informais (na cantina, no campo de
que melhor luar(ü as característicasde frarzsíçãoentre o desenho
e a escrita moderna. futebol...) e procurarázelosamenteconserva-lo nas situaçõesmais formais,
de modo a valorizar sua "imagem verbal
Caso bastante diferente é o do falante de variedades socialmente estigma-
Tópicos da escrita M [izadas (variedadesrurais, por exemplo), que frequentou pouca ou nenhuma
escola. Nessecaso, a dificuldade de dominar a concordância padrão será
concordância 1: sujeito depois do verbo maior, e é muito provável que ele sofra bastante pela língua que fala sempre
que quiser entrar no universo social dos "bem-falantes". Sabe-se que, do
Observe esta Sentença:
ponto de vista da linguística, nenhuma variedade é melhor ou pior que outra,
Todas as casas amarelas construídas pelos engenheiros nos
e que foi apertasum acidentehistórico que levou uma variedadea ganhar
bairrosafastadossofreraminfiltrações.
um sistema de escrita em detrimento das outras; mas as pessoas leigas não
pensam assim e, mais do que a variedade que ouvem, julgam a própria pessoa
Como você pode ver, na língua-padrãonós somos muito exigentesno como "melhor" ou "pior
que diz respeito à concordância verbal (as casas se/eram) e à concordância
59
58
L:;
e g' Capítulo 2: A "guerra" das !ínguas
e O$cina de texto
Os resultadossaíram.
Mas vamos nos deter na escrita padrão, que é o que nos interessa aqui. Em
e geral, quem frequentou alguns anos de escola não tem muitos problemas com As usinas foram inauguradas.
+ a concordância, e consegue separar a oralidade da escrita. Cinquenta pessoasapareceram na festa
+ Apareceram cinquenta pessoas na festa. 4. Deve começar, nos próximos dias. uma campanha nacional deescla
reç!!nenb. (as quedas de braço entre os supermercadose os consumi-
e suprimir a concordância:
5. Não aconteceu, na semana passada, nenhuma decisão imoortâotc em
Brasília que pudessepâr em risco a estabilidade. (reações políticas}
Saiu os resultado(s).
6. Se estivesse prestando atenção aos movimentos do consumidor, g pre
+ Foiinauguradoas urina(s).
sldenb poderia comemorar. (os ministros)
e Apareceucinquentapessoa(s) 7. No Brasil, é sempre um espanto a queda dos preços. (as quedas de
e preços)
e E não se trata simplesmente de "erro" de "ignorantes". Preste atenção 8. Qs..tules- que são o grande vilão do momento foram o tema de uma
e nos noticiários da televisão e do rádio, nas entrevistasde políticos e intelec- reunião ministerial. (a taxa de juros)
60 61
O$cina de texto Capítulo 2: A "guerra" dm títtguas
e
©
10. Se for mudado agora, por decreto, adirecionamento económico, o país Aqui a forma do verbo (inflnitivo rzãoJlexíonado) não tem sujeito; é como e
levará um choque. (as regraseconómicas) se o verbo fosse,na verdade,um substantivo:A fala é fácil; o difícil é o en-
tendimento . ..
e
+
concordância 2: infinitivo flexionado Essescasos não apresentam nenhum problema. e
Observe estas sentenças:
Riasagora veja:
e
Para nós falarmos na reun/ão, temos de estar preparados.
1..A resolução é consequência de uma barulhenta campanha feita por
comunidades minaritárías em seus próprios países, temerosas de seí e
ergo\idas por uma Europa federalizada.
Aqui as formas verbais são pessoais,isto é, têm um sujeito (lzós). E agora, a
+
Pergunta: temerosas de ser eizgolidas ou temerosas de serem engolidas?
sentença está certa? Ou deveria ser lemos de esfanlzosprq)arados?
Se você às vezes vive essa dúvida, console-se: os gramáticos e dos bonsl
8
apanham" muito do infinitivo, tentando sistematizar seu uso. O gramática
+
2. Os pa/ses estão torrando m//iões de dó/ares para produzir programas Rocha Lama, em sua Gramática fzormaflva, acaba confessando sobre o infi- e
de computador. nitivo flexionado e o não flexionado: "Até hoje não foi possívelaos dramáti- e
Pergunta: Para produzir ou pízra produzirem? cos formular um conjunto de regras Rixas,pelas quais se regesseo emprego +
de uma e outra forma"'. A verdadeé que, estabelecidauma regra, logo se
encontram inúmeros exemplos na literatura que a contradizem, como se o
3. A língua sempre foi um fator de resistência política para pavas empe
emprego do inHlnitivo fosse quase um zerrí/órío lípre da /írzguagem, em função
+
nhados em preservar sua /dent/date.
do estilo, da ênfase ou da clareza, como assinala o próprio Rocha Lama. Isso
Pergunta: Empen/ladosem preservar ou emperzhadosem preservarem?
com respeito ao uso literário da linguagem, que ainda serve de base à imensa e
â
maioria das gramáticas. e
4. E/es podem ler .forma/sem basco. Valetudo, então?
e
Pergunta: Podem ler ou podem lerem? Não é bem assim. Embora o inGlnitivo flexionado seja em boa parte facul- e
Com certezavocê já sentiu uma certa insegurançaao escreverformas
tativo, há algumas situações em que ele não pode ocorrer e outras em que ele
é bastante recomendável. Podemos formular algumas regrinhas muito úteis,
e
verbais semelhantes: usar o singular ou o plural (ou, mais precisamente, fle se pensarmos que o padrão escrífo colzlemporáneo do português está não só no
xionar ou não flexionaro verbo)? texto literário, mas também na língua dos meios de comunicação de massa. +
As formas assinaladasacima Zec/!eram,produzir/produzirem etc. -- são e
chamadas pela gramática normativa de formas do ínl/in;tiPOpessoal, ou .Pexío- t . Usa-seo infinitivo não flexionado: e
rzado. Isto é, nessescasos, a forma básica do verbo (ler; produzia presemízE..), a) Em locuções com verbos auxiliares com ou sem prepostçao: e
que em geral é imutável (WPeré lutar, como no verso famoso de Gonçalves . devemos dizer e
Dias), /Zexíorzam-sede acordo com o sujeito.
Confira:
' queremsaber e
1. Llb'IA, Rocha. Gramática lzormafípada língua portuguesa. Rio de janeiro: rosé Olympio
Fa\ar é fácil; o difícil é eíç\endet esse tal de infinitivo. Editora, 1976. 18. ed. p. 380.
62 63
e
ü.bi
+ Capítulo 2: A "guerra" das línguas
e O$cina de texto
© poderíamos afirmar ' Apesar de e/es serem, sem nenhuma dúvida, os culpados do crime, nada
e tentaríamos fazer se fez até agora
e vão contradizer 0 fato de os #scais enconf/alem farta documentação não significou nada
no andamentodo processo.
+ acabaram de falar
Para nós desenharmos um círculo, precisamos de compasso. (Observe
tornam a reclamar
como, aqui, a ausência do nós desobriga-nosde flexionar o verbo: Para
' começaram a cair desenhar um círculo, precisamos de compasso.\
e etc
As regrinhas acima, que não têm nenhuma intenção de esgotar essecom-
e Pode-sedizer, hoje, que estaregra é obrígafóría,isto é, excito em usos plexo tópico gramatical da língua portuguesa, cobrem a maior parte das dú-
8 muito específicos da linguagem literária, principalmente em escritores clássi- vidas de quem escrevee podem servir de orientação. A prática da leitura e
cos, a flexão do infinitivo nessas locuções não ocorre. da escrita acabará por dar maior segurança a você. E lembre-se: no caso do
e b) Normalmente, usa-seo inhnitivo não flexionadoem locuçõesregidas Faça um teste, assinalando no exercício que se segue os casos obrlgafóríos e
os facultatiL'os.
e por preposição (de, para, em, a...), como nos exemplos iniciais:
. [as comunidades] temerosas de ser engolidas. 1. 0s descendentes
de escravos,vindosda Bacia ou da área rural do
Estado do Rio, só tinham os atabaques para tocar/tocarem.
e ' [os países] estimu]ados para produzir programas...
2. Para combater/combaterem o preconceito, eles se vestiam o melhor
e ' [povos] empenhados em preservar.
possível.
e . [os deputados]
. etc
dispostos a recusar o prometo...
3. Os sambistas cariocas do final da década de 20 gostavam de se ex/b/r/
e dificuldade de afirmar, com absolutasegurança,que o emprego do in6initivo 5. No ano seguinte, era vez de O G/oóo. o ãouríng C/uó e a prefeitura do
Distrito Federal/nst/fu/r/instituúem um concurso.
e flexionado nesses casos estaria errado, porque o uso da flexão pode ser inter-
6. Foi quando as escolasficaram.obrigadas a manter/mar7ferem a ala das
+ pretado como um recurso estilístico para dar mais ênfase à afirmação. Veja:
baianose a bateria
e Os povos marginalizados, na luta contra os poderosos, estão empenha-
dos, cada vez mais, ano após ano, em preservarem suas tradições.. 7. Até 1930 o próprio samba era um género /nde/7n/do= a classificação
e Mas, na dúvida, fique com a forma não llexionada: é o uso corrente.
valia tanto para o maxixe como para variações da polca e do chorinho,
+ que podiam ser/serem ótimos no salão, mas eram ruins para se dançar/
e
+ '} 64 65
CapítLtio 2: A "gtwrra" dm !ínguas
+
O$cina de texto
e
escritório, botões simples ou de punho. Não é colecionador; gosta das coisas ©
Leitura livre
para pega-las, mira-las e (é seu costume ou sua mania, que se há de fazer) e
No aeroporto
pâ-las na boca. Quem não o conhecer dirá que é péssimo costume, porém e
Cardos Drummond de Andrade
duvido que mantenha este juízo diante de Pedra, de seu sorriso sem malícia
e
e de suas pupilas azuis -- porque me esqueciade dizer que tem olhos azuis,
cor que afasta qualquer suspeita ou acusação apressada, sobre a razão íntima
e
Viajou meu amigo Pedro. Fui leva-lo ao Galeão,onde esperamostrês
de seus ates.
horas o seu quadrimotor. Durante essetempo, não faltou assunto para nos
eRtretermos, embora não falássemos da vã e numerosa matéria atual. Sempre Poderia acusa-lo de incontinência, porque não sabia distinguir entre os +
tivemos muito assunto, e não deixamos de explora-lo a fundo. Embora Pedro cómodos, e o que Ihe ocorria fazer, fazia em qualquer partemZangar-me e
seja extremamente parco de palavras, e. a bem dizer, não se digne de pro com ele porque destruiu a lâmpada do escritório? Não. jamais me voltei 8
nunciar nenhuma. Quando muito, emite sílabas;o mais é conversa de gestos para cedro que ele não me sorrisse; tivesseeu um impulso de irritação, e me
sentiria desarmado com a sua azul maneira de olhar-me. Eu sabia que essas
e
e expressões, pelos quais se faz entender admiravelmente. E o seu sistema.
coisas eram indiferentes à nossa amizade -- e, até, que a nossa amizade lhes
Passou dois meses e meio em nossa casa, e foi hóspede ameno. Sorria
conferia caráter necessáriode prova; ou gratuito, de poesia e jogo. e
para os moradores, com ou sem motivo plausível. Era a sua arma, não direi
secreta, porque ostensiva. A vista da pessoa humana Ihe dá prazer. Seu sor- Viajou meu amigo Pedro.Fico refletindo na falta que faz um amigo de um e
riso foi logo considerado sorriso especial, revelador de suas boas intenções ano de idade a seu companheirojá vivido e puído. De repenteo aeroporto
para com o mundo ocidental e oriental, e em particular o nosso trecho de ficou vazio. e
rua. Fornecedores, vizinhos e desconhecidos,gratificados com essesorriso (Do livro Cadeira de Balanço. Reprod. em: Poesia rompia/a e prosa. e
(encantador, apesar da falta de dentes), abonam a classificação. Rio de janeiro: rosé Agui]ar Editora, ]973, p. 1 107-1 108)
e
Devo dizer que Pedra, como visitante, nos deu trabalho; tinha horários
especiais, comidas especiais, roupas especiais,sabonetes especiais, caiados es-
e
pedais. Mas sua simples presença e seu sorriso compensariam providências e +
privilégios maiores. Recebiatudo com naturalidade, sabendo-se merecedor
das.distinções, e ninguém se lembraria de acha-lo egoísta ou importuno. e
Suas horas de sono -- e Ihe apraz dormir não só à noite como principalmen- e
te de dia -- eram respeitadas como ritos sagrados, a ponto de não ousarmos
e
erguer a voz para não acorda-lo. Acordaria sorrindo, como de costume, e não
se zangada com a gente, porém nós mesmos é que não nos perdoaríamos o
e
corte de seussonhos. Assim, por conta de Pedro, deixamos de ouvir muito con- e
certo para violino e orquestra, de Bach, mas também nossos olhos e ouvidos se +
forjaram à tortura da tevê. Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos e
tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro não tinha importância.
+
Objetos que visse em nossamão, requisitava-os.Gosta de óculos alheios
e
(e não os usa), relógios de pulso, copos, xícaras e vidros em geral, artigos de
e
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b.