Você está na página 1de 28

SÍN TESE DO MÓ DU LO 1

IN T RODUÇ ÃO À S
E ME RG Ê N C IAS BIOLÓG I C A S
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................................... 3

AULA 1 | Doenças infecciosas emergentes e reemergentes ............................................................................. 4

AULA 2 | Emergências biológicas: marcos e legislações .................................................................................... 9

AULA 3 | Agentes biológicos: vírus .............................................................................................................................. 17

AULA 4 | Agentes biológicos: bactérias .................................................................................................................... 21

AULA 5 | Saúde única no contexto de emergências biológicas ...................................................................... 24

2
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

APRESENTAÇÃO

O Módulo 1 – Introdução às Emergências Biológicas, abre o Curso Emergências Biológicas, vinculado


ao Programa de Formação em Emergências em Saúde Pública, Profesp. Este módulo possui cinco
aulas, sendo os principais objetivos: apresentar as emergências biológicas, também conhecidas
como crises ou eventos de saúde pública relacionados a agentes biológicos; e mostrar as situações
que envolvem a disseminação rápida de doenças infecciosas, epidemias ou pandemias que podem
ter impactos significativos na saúde humana, animal e ambiental, bem como na economia e na so-
ciedade como um todo.

Na primeira aula, doenças infecciosas emergentes e reemergentes, são abordadas as doenças infec-
ciosas emergentes e reemergentes, visando sua compreensão e os fatores envolvendo os impactos
sociais, econômicos e em termos de saúde pública decorrentes dessas doenças.

Na aula, emergências biológicas: marcos e legislações, são exploradas as definições e legislações


relacionadas às emergências biológicas, bem como o histórico das principais emergências ocorridas
no mundo e no Brasil, os decretos de emergência nacionais e internacionais e o Regulamento Sani-
tário Internacional.

Na aula, agentes biológicos: vírus, são abordados aspectos gerais desses agentes que são respon-
sáveis por diversas emergências em saúde pública, abordando como estes organismos funcionam,
ciclo de replicação e transmissão e suas relações com as emergências biológicas.

Na aula, agentes biológicos: bactérias, são abordados aspectos gerais desses agentes, destacando-
-se as doenças mais relevantes causadas por esses organismos e que estão relacionadas às emer-
gências biológicas, bem como, a crescente resistência aos antibióticos, exemplificando-se também
casos significativos de surtos bacterianos.

Em nossa última aula, saúde única no contexto de emergências biológicas, são abordados o conceito
de Saúde Única e como ele se relaciona com as emergências biológicas, a importância da temática
para o Brasil, os modelos que são utilizados e sua aplicação no contexto das emergências biológicas.

Essas emergências podem surgir de diversas fontes, incluindo vírus, bactérias, fungos, parasitas e
outros microrganismos, e são caracterizadas por sua natureza imprevisível e potencialmente de-
vastadora. Assim, torna-se fundamental lembrar que a preparação e o conhecimento são nossas
melhores ferramentas contra esses eventos. Esperamos que essas aulas tenham fornecido uma
base sólida para entender os aspectos-chave sobre as emergências biológicas.

3
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

AULA 1: Doenças infecciosas emergentes e reemergentes

Objetivos de aprendizagem:

→ relacionar definição de doenças emergentes e reemergentes, modelo conceitual e perspectiva


histórica de sua ocorrência, com a apresentação de exemplos na história da humanidade;
→ compreender os determinantes biológicos, ambientais e sociais relacionados à ocorrência de
doenças emergentes e reemergentes;
→ exemplificar as doenças emergentes e reemergentes mais atuais no Brasil e no mundo; e
→ conhecer as estratégias de vigilância no monitoramento da circulação de agentes biológicos de
doenças emergentes e reemergentes.

Síntese da aula

Morse (1995) traz a definição das doenças emergentes e reemergentes como sendo infecções que
surgiram recentemente em uma população, ou que já circulavam, porém, apresentaram um rápido
aumento em termos de incidência e alcance geográfico. Com base nesta definição abrangente, pode-
mos destacar dois pontos principais: o primeiro está relacionado ao surgimento de novos agentes in-
fecciosos, e o segundo, a uma mudança no comportamento epidemiológico de doenças já conhecidas.

Leavell e Clark (1976) apresentam uma proposta de modelo conceitual para as doenças emergentes
e reemergentes que consiste numa adaptação da tríade causal das doenças infecciosas, na qual o
processo de adoecimento é resultado da interação entre uma população de hospedeiros, agentes
infecciosos e o meio ambiente. Para cada um destes três componentes são destacados fatores que
podem aumentar o risco de ocorrência de uma doença ou de sua emergência e reemergência.

{
Pressões decorrentes dos modelos de desenvolvimento
Estoque de suscetíveis
econômico, social e ambiental População imune
Hospedeiro
Adaptado do modelo de tríade ecológica das doenças transmissíveis Idade
(Leavell e Clark, 1976) Perfil genético

Vetores

{
Infectividade
{ Agente etiológico Ambiente / contexto
Urbano
Rural
Patogenicidade
Florestal

4
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

Ao longo da história, vários eventos pandêmicos ou mesmo epidêmicos foram registrados em dife-
rentes países e continentes. Independente do momento, esses eventos se caracterizam pela partici-
pação direta do homem ao propiciar condições sociais e ambientais favoráveis para emergência ou
reemergência de doenças. Segue alguns exemplos ocorridos:

→ No século XIV, em 1348, ocorreu na Europa a grande epidemia de Peste Bubônica, também co-
nhecida como Peste Negra.
→ Durante o século XX, a humanidade passou por outro grande evento pandêmico, desta vez cau-
sado pelo vírus influenza A (H1N1), a chamada gripe espanhola.
→ No século XXI, ocorreram a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave, causada pelo co-
ronavírus SARS-CoV em 2002, no Sudeste Asiático; a epidemia de cólera em 2010, no Haiti; a
epidemia de Ebola em 2014, no Oeste da África; as pandemias de Zika, em 2015, de gripe, causada
novamente pelo vírus influenza H1N1, em 2009, e, recentemente, a pandemia de covid-19, causa-
da pelo vírus SARS-Cov-2 e iniciada em dezembro de 2019.

Fonte: Morens, D., Folkers, G. & Fauci, A. The challenge of emerging and re-emerging infectious diseases. Nature 430, 242–249

(2004). https://doi.org/10.1038/nature02759

Exemplo de emergência e reemergência de doenças infecciosas em âmbito global:

→ Pontos vermelhos – Doenças emergentes. → Ponto preto – Doença de emergência delibe-


→ Pontos Azuis – Doenças reemergentes. rada pelo homem.

5
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

De forma didática, os determinantes relacionados à emergência e reemergência das doenças infec-


ciosas podem ser agrupados segundo os seguintes fatores:

1. Fatores relacionados aos agentes etiológicos e seus vetores:

Neste fator, destaca-se a modificação de virulência dos agentes etiológicos, definida pela capacidade
de causar doença grave por mecanismos de mutação relacionada à replicação genética ou incorpo-
ração de material genético após passagem em diferentes hospedeiros. Outra possibilidade são as
modificações desses microrganismos por pressão seletiva de antibióticos ou, no caso de vetores,
pelo uso indiscriminado de inseticidas.

2. Fatores relacionados à condições socioambientais:

Este fator refere-se às condições socioambientais, nas quais podemos destacar a precarização das
condições de vida, as modificações ambientais e climáticas, a degradação de habitat naturais, o
adensamento populacional, a existência de condições sanitárias deficientes em contextos urbanos,
intensos fluxos populacionais intra e entre países, os modelos de produção de alimentos de origem
animal, além de políticas de “desenvolvimento econômico” que ampliam as desigualdades sociais.

3. Fatores relacionados à capacidade técnico-científica:

Este fator está relacionado à capacidade técnico-científica de identificação de novos patógenos e de-
senvolvimento de medicamentos, bem como de capacitação de recursos humanos que irão influenciar
na efetividade das respostas frente a essas situações, fortalecendo as ações de vigilância e de controle.

São exemplos de doenças infecciosas emergentes e reemergentes com relevância na transmissão


em diversos países, e em especial no Brasil:

→ O sarampo é uma doença clássica da infância e sua letalidade pode variar entre 5% e 10% em
áreas de baixa cobertura vacinal. No Brasil, o sarampo ressurge de forma mais marcante entre os
anos de 2018 e 2019, ocasionando importantes epidemias em diferentes regiões do país.
→ A covid-19 é uma doença viral emergente cuja velocidade de disseminação é menor que outras
doenças virais, a exemplo do sarampo. Estudos realizados em diferentes países estimam que em
média, um caso primário pode gerar entre 1,6 e 4,0 novos casos secundários da doença.
→ A febre amarela é uma doença febril aguda causada por um arbovírus transmitido pela picada
de um mosquito vetor, tratando-se de uma doença com elevada letalidade (entre 30% e 40%)
entre indivíduos não vacinados.

6
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

O monitoramento da circulação de agentes biológicos de doenças emergentes e reemergentes


consiste numa mensuração rotineira no tempo e no espaço de aspectos relacionados aos agentes
etiológicos (vírus, bactérias, fungos e protozoários) e situações epidemiológicas decorrentes da sua
introdução e circulação em populações humanas.

Outras estratégias clássicas desenvolvidas na rotina dos serviços de vigilância epidemiológica, como
a investigação de surtos, também podem gerar informações importantes sobre novos agentes in-
fecciosos, populações afetadas, história natural e modos de transmissão.

O Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde - CIEVS pode ser considerado uma
importante estratégia para o monitoramento de doenças emergentes e reemergentes em âmbito
nacional. Seu principal objetivo é detectar, notificar, monitorar e apoiar respostas a eventos com po-
tencial de constituir emergências em saúde pública de forma conjunta com as secretarias estaduais
e municipais.

Nota-se a ocorrência cada vez mais frequente de novos eventos resultantes da emergência e ree-
mergência de agentes infecciosos, especialmente a partir do século XXI, associada a contextos de
intensificação das desigualdades sociais, degradação dos ecossistemas e mudanças climáticas, situ-
ação que impõe grandes desafios para seu enfrentamento, dentre os quais, destacamos:

1) Necessidade de ampliação e fortalecimento dos sistemas de vigilância e da capacidade de res-


posta em escala local, regional e global;

2) Necessidade de investimento em desenvolvimento tecnológico e científico para a produção e


descentralização da oferta de vacinas, fármacos, testes diagnósticos e outros insumos relevan-
tes para o controle das doenças emergentes e reemergentes;

3) Políticas que priorizem a redução das iniquidades sociais e de saúde;

4) Ações intersetoriais voltadas para a redução dos impactos nos ecossistemas naturais decorren-
tes da ação humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Afelt, A; Frutos R; Devaux, C. Bats, coronaviruses, and deforestation: toward the emergence of
novel infectious diseases? Front. Microbiol. Vol 9:702, 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.
nih.gov/pmc/articles/PMC5904276/pdf/fmicb-09-00702.pdf

7
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

2. Carmo, E.H; Penna, G. Oliveira W.K. Emergências em Saúde Pública: conceitos, caracterização,
preparação e resposta. Estudos Avançados 22 (6), 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
ea/a/TdDMvxtcgRt8PGL5WNSjZ8d/?format=pdf&lang=pt

3. IR Mapper. Reports of insecticide resistance in Anopheles species, Aedes aegypti and Aedes
albopictus. Disponível em: https://www.irmapper.com/

4. LEAVELL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. São Paulo: McGrawHill do Brasil, 1976.

5. Luna, E.J.A. A emergência das doenças emergentes e as doenças infecciosas emergentes e


reemergentes no Brasil. Rev. bras. epidemiol. 5 (3), 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
rbepid/a/m9MYsBMfVB4zTkdJ3tBx9SG/abstract/?lang=pt

6. Morse, S. S. Factors in the emergence of infectious diseases. Emerg. Infect. Dis. 1, 7–15 (1995).
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2626828/

7. Morens, D; Folkers, G. & Fauci, A. The challenge of emerging and re-emerging infectious diseases.
Nature 430, 242–249 (2004). Disponível em: https://www.nature.com/articles/nature02759

8. Organização Mundial da Saúde (2018). Managing epidemics: key facts about major deadly
diseases. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/272442

9. Program for Monitoring Emerging Diseases (ProMED). Disponível em: https://promedmail.org/

10. Werneck, G.L; Carvalho, M.S. A pandemia de COVID-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária
anunciada. Cad. Saude Publica 36 (5) 2020. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/
csp/2020.v36n5/e00068820/en/

LEITURA COMPLEMENTAR

11. Organização Mundial de Saúde. Estratégia Global de Vigilância Genômica para Patógenos com
Potencial Pandêmico e Epidêmico, 2022-2023. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2022.
Disponível em: https://www.who.int/pt/publications/i/item/9789240046979

12. Piggnati, M.G. Saúde e Ambiente: As doenças emergentes no Brasil. Ambiente & Sociedade, 7(1),
133–147. Disponível em: https://www.scielo.br/j/asoc/a/tfHF5BGpfWcbwvxS3h66r7d/

13. Waldman, E.A. Doenças infecciosas emergentes e reemergentes. Revista USP, São Paulo, n.51,
p. 128-137, setembro/novembro 2001. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revusp/article/
view/35106

8
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

AULA 2: Emergências biológicas: marcos e legislações

Objetivos de Aprendizagem:

→ conhecer o histórico das principais emergências biológicas ocorridas no mundo e no Brasil;


→ compreender as principais normativas internacionais sobre as emergências biológicas; e
→ compreender as políticas públicas brasileiras específicas para emergências biológicas.

Síntese da aula

Historicamente, há registros de ocorrência de emergências epidemiológicas ocasionadas por agen-


tes infecciosos em diversas localidades do mundo, como a varíola, peste, dengue, cólera, gripe, e
também as causadas pelos coronavírus (TEIXEIRA et al, 2021).

No Brasil, algumas doenças também ocasionam importantes emergências de saúde pública a partir
do século XVI (CARMO, 2020), como descrito a seguir:

→ Varíola: responsável pela morte de milhares de indígenas após o contato com europeus e
africanos contaminados em 1563. Apesar da vacina contra varíola ter se tornado obrigatória no
Brasil em 1832, a cobertura vacinal ainda era insuficiente, o que era justificada pela escassez de
insumos e resistência da população. Somente em 1920 houve uma redução na incidência da do-
ença a partir da criação do Instituto Oswaldo Cruz e da maior adesão e conscientização sobre a
importância da vacinação.

→ Febre amarela urbana (FAU): detectada em 1685 em Olinda e Recife (PE), expandiu-se para Sal-
vador (BA) em 1686, manifestando-se de forma grave ao atingir mais de 25 mil pessoas, ocasio-
nando 900 óbitos. Posteriormente, cidades das regiões Norte e Sul do Brasil foram atingidas. Novas
epidemias foram registradas de 1849 a 1851, no Rio de Janeiro, Salvador, e outras cidades do litoral
e interior do país. No início do século XX, com a descoberta do vetor da doença, medidas sanitárias
foram implementadas controlando a transmissão da FAU, sendo registrada a última epidemia no Rio
de Janeiro, entre 1928 e 1929, e o último caso, em 1942.

→ No final dos anos 1990, surgiram casos de febre amarela silvestre (FAS) em humanos, fora da
Amazônia, gerando epidemias, assim como epizootias em primatas não humanos (PNH) na Bahia,
Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. As epidemias mais re-
centes foram registradas em 2017 e 2018, no Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de Minas Gerais e
São Paulo, já afetados em epidemias anteriores.

9
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

→ Cólera: introduzida no país em 1855, pelos portugueses, ocasionou mais 200 mil óbitos, princi-
palmente na região Nordeste. Em 1991, a doença se disseminou novamente no território brasileiro
após introdução no Amazonas, sendo controlada a partir de 1995.

→ Peste bubônica: introduzida na América do Sul pelo Paraguai e Argentina, foi diagnosticada no Brasil
pela primeira vez em 1899, em Santos. Entre 1900 e 1904, a doença apresentou elevadas incidências no
Rio de Janeiro, levando Oswaldo Cruz a estudar os principais aspectos epidemiológicos da nova doença.

→ Meningite meningocócica: epidemias de meningite ocorreram em 1923, 1945 e de 1972 a 1975. A


última, que começou em São Paulo, foi considerada a maior epidemia dessa doença no Brasil, esti-
mando-se mais de 2.500 óbitos devido ao atraso na adoção de medidas de controle.

→ Dengue: há referências de epidemias de dengue desde o século XIX, porém os registros mais con-
sistentes datam de 1916, em São Paulo, e em 1923, em Niterói. De 1986 a 1987, a arbovirose tornou-se
um importante problema de saúde pública quando o sorotipo DENV1 reemergiu no Rio de Janeiro. Com
a introdução do sorotipo DENV2, em 1990, foram observados os primeiros casos de febre hemorrágica
da dengue (FHD) e, desde então, a dengue vem produzindo epidemias sucessivas de grande magnitude.

A partir destas epidemias vivenciadas, é possível notar que somente algumas delas foram declara-
das emergências de saúde pública nacionais ou internacionais.

Uma série de critérios foram definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a fim de nortear os
países quanto a necessidade de declarar um evento como emergência de saúde pública (ESP). Esses
critérios estão consolidados no Regulamento Sanitário Internacional (RSI), adotado em 2005. Sendo
assim, sempre que houver a possibilidade de um evento ser considerado uma Emergência de Saúde
Pública de Importância Internacional (ESPII), o país afetado deve notificar à OMS. Essa avaliação deve
ser subsidiada pelo instrumento de decisão descrito no RSI. De uma forma simplificada, algumas
perguntas devem ser ponderadas nesse processo (BRASIL, 2009).

→ O evento é incomum ou inesperado?


→ O impacto do evento sobre a saúde pública é grave?
→ Há um risco significativo de restrição ao comércio ou viagens internacionais?
→ Há um risco significativo de propagação internacional?

Com a aceleração dos processos de globalização econômica, política e cultural ao longo dos anos,
houve uma intensificação da mobilização de indivíduos e produtos, o que alertou as comunidades
científicas e sanitárias para possíveis riscos à saúde global. A partir desse contexto, a circulação de

10
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

agentes infecciosos com potencial epidêmico entre humanos e animais evidenciou a necessidade
de monitoramento, antecipação e ação coordenada entre países, visando a preparação, mitigação e
resposta internacional. As ameaças de ataques químicos e biológicos, bem como o impacto da mu-
dança climática na saúde das populações, também reforçaram a motivação da OMS em elaborar um
Regulamento mais abrangente e efetivo no cenário vivenciado. Dessa forma, no ano de 2005, uma
nova versão do RSI foi adotada pela OMS na 58ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), embora sua
elaboração tenha sido iniciada no ano de 1995 e tenha entrado em vigor somente em 2007 (GONZA-
GA e CASTRO, 2012; MENUCCI, 2006).

O propósito do Regulamento de 2005 é: “ prevenir, proteger, controlar e prover uma resposta de


saúde pública à disseminação internacional de doenças proporcional e restrita a riscos à saúde pú-
blica, e que evite interferência à circulação e comércio internacionais” (OMS,2005).

Dentre as inovações do RSI (2005), pode-se listar (OMS, 2005):

→ Escopo não limitado a uma lista de doenças e → Procedimentos para determinação e emis-
inclusão de eventos por agentes não biológicos; são de recomendações pelo Diretor-Geral de
→ Obrigações dos Estados Parte de desenvol- uma emergência de saúde pública de inte-
ver capacidades básicas de saúde pública; resse internacional após diálogo com o Co-

→ Obrigações dos Estados Parte de notificar à mitê de Emergência;

OMS os eventos que possam se tornar uma → Proteção dos direitos humanos de pessoas
emergência de saúde pública de interesse in- e viajantes; e
ternacional, de acordo com critérios definidos; → Estabelecimento de Pontos Focais Nacionais
→ Autorização para a OMS considerar relatórios do RSI e Pontos de Contato do RSI da OMS
não oficiais de eventos de saúde e verificar para comunicações urgentes entre os Esta-
com os Estados Partes sobre tais eventos; dos Partes e a OMS.

A Parte II do RSI 2005, no artigo 6, define que cada Estado Parte deverá avaliar os eventos que
ocorrerem em seu território, utilizando o instrumento de decisão sugerido para essa finalidade no
Anexo 2 - Instrumento de Decisão para a Avaliação e Notificação dos Eventos que possam constituir
Emergências de Saúde Pública de Importância Internacional. Caso seja identificado que o evento em
avaliação pode constituir uma ESPII, essa informação deve ser notificada à OMS, pelo Ponto Focal
Nacional para o RSI (PFN-RSI), no prazo de 24 horas (BRASIL, 2009).

Os Estados Partes usam uma ferramenta de autoavaliação proposta pela OMS a fim de subsidiar
seus relatórios anuais. Esse instrumento é chamado de States Parties Self-Assessment Annual Re-

11
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

port Tool (SPAR). Esta ferramenta de relatório anual de autoavaliação dos Estados Partes destina-se
a apoiar os Estados Partes no cumprimento das obrigações. A apresentação de relatórios anuais do
RSI utilizando a ferramenta SPAR permite ao Secretariado da OMS compilar um relatório final para
a Assembleia Mundial da Saúde (OMS, 2022).

Desde 2010, todos os 196 Estados Partes reportaram pelo menos uma vez ao Secretariado usando o
Questionário de Relatório Anual dos Estados Parte. Até abril de 2019, 186 (95%) Estados Partes ha-
viam relatado, sendo que 47 (100%) dos respondentes eram da Região Africana, 33 (94%) da Região
das Américas, 11 (100%) da Região do Sudeste Asiático, 49 (89%) da Região da Europa, 21 (100%) da
Região do Leste do Mediterrâneo e 25 (93%) da Região do Pacífico Ocidental (OMS, 2019).

O Brasil sancionou o Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a declaração de
Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional — ESPIN e institui a Força Nacional do Siste-
ma Único de Saúde (FN-SUS) (BRASIL, 2011).

A declaração de ESPIN deve ocorrer em “situações que demandem o emprego urgente de medidas
de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública”, ocasionada por uma
dessas situações: epidemiológicas; de desastres; ou de desassistência à população. As situações epi-
demiológicas (BRASIL, 2011) são caracterizadas pelos surtos ou epidemias que :

→ apresentem risco de disseminação nacional;


→ sejam produzidos por agentes infecciosos inesperados;
→ representem a reintrodução de doença erradicada;
→ apresentem gravidade elevada; ou
→ extrapolem a capacidade de resposta da direção estadual do Sistema Único de Saúde.

O decreto ainda cria a FN-SUS, como programa de cooperação voltado à execução de medidas de
prevenção, assistência e repressão a situações de emergência. Com a instituição da FN-SUS, o Minis-
tério da Saúde pode mobilizar emergencialmente profissionais de saúde e recursos materiais, com
o intuito de auxiliar estados e municípios durante uma situação de ESPIN (BRASIL, 2011).

Atendendo ao escopo do RSI de 2005, o Brasil implantou, no mesmo ano, o CIEVS, na Secretaria
de Vigilância em Saúde (atualmente Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente — SVSA), no
Ministério da Saúde, para atuar como (PFN-RSI). O CIEVS Nacional é a unidade operacional que visa
organizar e responder às demandas relacionadas à comunicação, relatórios, e avaliação de eventos
que possam se tornar uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O CIEVS ope-

12
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

ra continuamente com um aparato tecnológico que amplia o uso de informações estratégicas nas
esferas de gestão do SUS (BRASIL, 2019; CARMO e PENNA, 2008).

Em 2022, houve uma nova ampliação, de acordo com a Portaria Ministerial Nº 3.303, de 29 de
novembro de 2021, totalizando 164 unidades CIEVS, incluindo um CIEVS nacional, 27 estaduais e do
Distrito Federal, 26 de capitais, 14 de municípios fronteiriços, 46 de municípios estratégicos, 16 re-
gionais e 34 dos DSEI. Além disso, foram estabelecidas 26 unidades de iniciativa própria, totalizando
190 unidades CIEVS. Isso representa um aumento de 245% em relação às 55 unidades existentes
em 2020. A expansão da Rede CIEVS é um passo fundamental para fortalecer a vigilância em saúde
do país e proteger a população de potenciais ameaças à saúde pública.

Os eventos de interesse à saúde pública são monitorados rotineiramente pela SVSA, no âmbito
do Comitê de Monitoramento de Eventos (CME), com a participação da Rede CIEVS, e demais áreas
técnicas da SVSA. No nível nacional, o primeiro momento é o Pré CME, que possui um caráter téc-
nico e preparatório para o CME. Seu objetivo é atualizar as informações sobre eventos e rumores,
e os participantes incluem todos os coordenadores e unidades técnicas envolvidas. O CME tem um
caráter gestor e informativo. Sua finalidade é informar os demais parceiros sobre os eventos em
monitoramento e os rumores capturados. Além disso, é um ambiente para tomada de decisões e
implementação de políticas públicas ou mobilização de equipe frente a potenciais emergências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brasil. Decreto Legislativo nº 395, de 9 de julho de 2009. Aprova o texto revisado do regulamento
sanitário internacional, acordado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde, em
23 de maio de 2005. Diário Oficial da União 2009; 10 jul.

2. Brasil. Decreto nº 7.616, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a declaração de Emergência em


Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN e institui a Força Nacional do Sistema Único de
Saúde - FN-SUS. Diário Oficial da União 2011; 18 nov.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação-Geral de


Desenvolvimento da Epidemiologia em Serviços. Guia de Vigilância em Saúde: volume único
[recurso eletrônico]. 3ª. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2019.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância


Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

13
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Saúde Ambiental,


do Trabalhador e Vigilância das Emergências em Saúde Pública. EpiSUS fundamental: caderno de
conteúdos. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação


Estratégica de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico]. 5. ed. rev. e
atual. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 356, de 11 de março de 2020. Dispõe sobre a regulamentação
e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece
as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional
decorrente do coronavírus (COVID-19). DOU, Brasília, DF, 12 mar. 2020.

8. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigilância em saúde no Brasil


2003|2019: da criação da Secretaria de Vigilância em Saúde aos dias atuais. Bol Epidemiol. 2019;
50 (n.esp.): 1-154. Disponível em: http://www.saude.gov.br/ boletins-epidemiologicos

9. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em


Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

10. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Imunização e


Doenças Transmissíveis. Plano de contingência para resposta às emergências em Saúde Pública:
febre amarela. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Imunização e


Doenças Transmissíveis. Plano de contingência para resposta às emergências em Saúde Pública
por dengue, chikungunya e Zika. Brasília: Ministério da Saúde, 2022.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo
Coronavírus COVID-19 Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública | COE COVID-19.
Brasília: Ministério da Saúde, 2021.

13. CARMO, Eduardo Hage. Emergências de saúde pública: breve histórico, conceitos e aplicações.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. esp. 2, p. 9-19, 2020.

14. CARMO, Eduardo Hage; PENNA, Gerson; OLIVEIRA, Wanderson Kleber de. Emergências de saúde
pública: conceito, caracterização, preparação e resposta. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, n.
64, p. 19-32, dez. 2008.

14
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

15. CASTRO, L. de P. G. e. Saúde pública global e o novo Regulamento Sanitário Internacional. Cadernos
Ibero-Americanos de Direito Sanitário, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 67–78, 2012.

16. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Dicionário
Jornalístico. Emergência Sanitária. 2022. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/
dicionario-jornalistico/emergencia-sanitaria. Acesso em: 15 Ago 2023.

17. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Campus Virtual Fiocruz. Curso Instrumentos para o
enfrentamento de emergências de saúde pública no contexto da sociedade civil. Módulo 1. Aula 1.
2021. Disponível em: https://mooc.campusvirtual.fiocruz.br/rea/enfrentamento-de-emergencias/
modulo1/modulo1-aula1.html. Acesso em: 10 Ago 2023.

18. Medronho RA, Werneck GL, Vermelho LL. Distribuição das doenças no tempo e espaço. In:
Medronho RA, Carvalho DM, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL (editores). Epidemiologia. 2a ed. São
Paulo: Atheneu, 2009 (pp 83-102).

19. Menucci DL. O Regulamento Sanitário Internacional (2005) e a vigilância em saúde. Rev Direito
Sanitário 2006; 7(1-3):54-87.

20. Organização Mundial da Saúde. Assembleia Mundial da Saúde. International Health Regulations
(2005). 3 ed. 2005. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241580496.
Acesso em: 12 Ago 2023.

21. Organização Mundial da Saúde. Assembleia Mundial da Saúde. International Sanitary Regulations
(1951). 1951. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/101391. Acesso em: 12 Ago 2023.

22. Organização Mundial da Saúde. Assembleia Mundial da Saúde. International Health Regulations
(1969). 1969 Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/96616. Acesso em: 12 Ago 2023.

23. Organização Mundial da Saúde. International Health Regulations. Preparedness. Disponível em: https://
www.who.int/health-topics/international-health-regulations#tab=tab_3. Acesso em: 12 Ago 2023

24. Organização Mundial da Saúde. International Health Regulations. Implementation. Disponível em: https://
www.who.int/health-topics/international-health-regulations#tab=tab_2. Acesso em: 12 Ago 2023

25. Organização Mundial da Saúde. Escritório Regional para a África. (2022). Regulamento Sanitário
Internacional (2005): ferramenta de auto-avaliação e relatório anual dos Estados Partes. 2
ed. Disponivel em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/352727. Acesso em: 14 Ago 2023.

26. Organização Mundial da Saúde. Ferramenta eletrônica de relatório anual dos Estados Partes do
RSI. Disponivel em: https://extranet.who.int/e-spar. Acesso em: 14 Ago 2023.

15
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

27. Organização Mundial da Saúde. 72 Assembleia Mundial da Saúde. Public Health Emergencies:
preparedness and response. International Health Regulations (2005). Annual report on the
implementation of the International Health Regulations (2005). report by the Director-General. 2019.
Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/328559/A72_8-en.pdf?sequen
ce=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 Ago 2023.

28. TEIXEIRA, Maria Glória et al. Saúde Amanhã: textos para discussão: vigilância epidemiológica e
emergências em saúde pública produzidas por agentes infecciosos. Rio de Janeiro: Fundação
Oswaldo Cruz, 2021. 34 p. (Textos para Discussão, n.57). Bibliografia: p. 25-31.

LEITURA COMPLEMENTAR

1. Brasil. Decreto Legislativo nº 395, de 9 de julho de 2009. Aprova o texto revisado do regulamento
sanitário internacional, acordado na 58ª Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde, em
23 de maio de 2005. Diário Oficial da União 2009; 10 jul.

2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância em


Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Plano de Resposta às Emergências em Saúde Pública.
Brasília: Ministério da Saúde, 2014.

3. CARMO, Eduardo Hage. Emergências de saúde pública: breve histórico, conceitos e aplicações.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. esp. 2, p. 9-19, 2020.

4. Medronho RA, Werneck GL, Vermelho LL. Distribuição das doenças no tempo e espaço. In:
Medronho RA, Carvalho DM, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL (editores). Epidemiologia. 2a ed. São
Paulo: Atheneu, 2009 (pp 83-102).

5. TEIXEIRA, Maria Glória et al. Saúde Amanhã: textos para discussão: vigilância epidemiológica e
emergências em saúde pública produzidas por agentes infecciosos. Rio de Janeiro: Fundação
Oswaldo Cruz, 2021. 34 p. (Textos para Discussão, n.57). Bibliografia: p. 25-31.

16
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

AULA 3: Agentes biológicos: vírus

Objetivos de Aprendizagem

→ Compreender conceito, estrutura e funcionalidades dos vírus;


→ Compreender o ciclo de replicação e transmissão dos vírus e sua relação com as emergências
biológicas;
→ Demonstrar os principais aspectos de transmissão e tratamentos/imunização para os vírus da
influenza, Coronavírus, febres hemorrágicas e Nipah.

Síntese da aula

A história começa em 1884, quando o microbiologista Charles Chamberland cria o filtro Chamber-
land, que retinha as bactérias. Nessa ocasião observou-se que microrganismos menores que as
bactérias poderiam infectar o ser humano. Apenas em 1898, o microbiologista holandês Martinus
Beijerinck utilizou o termo vírus, quando estudava uma enfermidade da planta do tabaco (mosaico
do tabaco). O termo vírus é uma palavra de origem latina, cujo significado é veneno ou toxina.

Os vírus são seres muito simples e pequenos (medem menos de 0,2 µm). Eles são os menores mi-
crorganismos existentes já identificados, visíveis apenas ao microscópio eletrônico. Não crescem,
não fazem metabolismo, são inertes fora das células vivas, ou seja, dependem de uma célula viva
para se perpetuar na natureza.

A estrutura dos vírus é simples, envolvendo essencialmente um material genético (formado de RNA ou
DNA) envolvido por uma cápsula de proteína. Alguns vírus ainda possuem uma camada lipoproteica ex-
terna chamada envelope. Os vírus podem apresentar diferentes formatos em sua estrutura morfológica.

Segue exemplos de alguns vírus de fundamental importância quando falamos sobre emergências
biológicas:

→ O vírus influenza, causador da gripe, que circula em nossa sociedade há muito tempo e é consi-
derado um dos patógenos que mais provocou mortes na história da humanidade. A gripe é uma
doença respiratória contagiosa que infecta o nariz, a garganta e, às vezes, os pulmões. Pode cau-
sar desde doença leve até evoluir com gravidade, podendo levar à morte. Os vírus da influenza
são classificados como tipo A, B e C, de acordo com as proteínas que o constituem.
→ Os coronavírus são vírus de RNA com envelope que causam doença respiratória de gravidade
variável, desde o resfriado comum à pneumonia grave. Esses vírus foram descobertos inicial-

17
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

mente em aves domésticas na década de 1930. Os coronavírus podem causar doença respira-
tória, gastrointestinal, hepática e neurológica nos animais. Apenas 7 deles causam doença nos
humanos. Desses, 4 se manifestam de forma leve, como um resfriado comum, e 3 podem se
manifestar de forma grave.
→ Os vírus causadores das febres hemorrágicas, os arenavírus são vírus envelopados com um ge-
noma de RNA. O nome arenavírus deve-se à presença de conteúdo arenoso nas partículas virais
em fotos de microscopia eletrônica. Esses vírus causam doenças humanas severas, transmitidos
por excretas de roedores e podem, inclusive, ser uma ameaça como agentes do bioterrorismo.
→ Os vírus da família Filovírus são vírus com genoma RNA, dividido em três gêneros: Marburgvirus,
Ebolavirus e Cuevavirus. Os dois primeiros representam um grupo de vírus particularmente letal
para o organismo humano. São patógenos zoonóticos distintos entre si, mas que causam doen-
ças clinicamente semelhantes caracterizadas por febres hemorrágicas com alta taxa de morta-
lidade. Tem sido observado que a infecção pelo vírus Ebola é um pouco mais virulenta do que a
infecção pelo vírus Marburg.
→ A família Bunyaviridae representa a maior família de vírus conhecida, incluindo patógenos que
afetam humanos, animais e plantas, manifestando-se em diversas síndromes clínicas. A distribui-
ção desses vírus é determinada pela distribuição do vetor e das espécies hospedeiras. Nessa fa-
mília estão representadas: Febre do Vale do Rift causada por vírus do gênero Phlebovirus; Febre
Hemorrágica da Criméia-Congo, causada por vírus do gênero Nairovirus; Hantavirose, causada
pelo Hantavírus;
→ O vírus Nipah, membro da família Paramyxoviridae e gênero Henipavirus, é um vírus zoonótico,
o que significa que pode se espalhar entre animais (especialmente suínos) e pessoas. Ele foi
descoberto em 1999 após uma epidemia na Malásia e Singapura envolvendo suínos e humanos.
Nessa ocasião, as perdas econômicas foram relevantes, tendo sido necessário sacrificar mais de
1 milhão de porcos para conter a epidemia. Atualmente, surtos ocorrem quase anualmente em
algumas partes da Ásia, principalmente Bangladesh e Índia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bausch, D.G., Mills, J.N. (2014). Arenaviruses: Lassa Fever, Lujo Hemorrhagic Fever, Lymphocytic
Choriomeningitis, and the South American Hemorrhagic Fevers. In: Kaslow, R., Stanberry, L., Le Duc, J.
(eds) Viral Infections of Humans. Springer, Boston, MA. https://doi.org/10.1007/978-1-4899-7448-8_8

18
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

2. Bente DA, Forrester NL, Watts DM, McAuley AJ, Whitehouse CA, Bray M. Crimean-Congo hemorrhagic
fever: history, epidemiology, pathogenesis, clinical syndrome and genetic diversity. Antiviral Res.
2013 Oct;100(1):159-89. doi: 10.1016/j.antiviral.2013.07.006. Epub 2013 Jul 29. PMID: 23906741.

3. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Nipah Virus (NiV). 2022. Disponível em:
https://www.cdc.gov/vhf/nipah/index.html. Acesso em: 20 out.2023.

4. Hjelle B. Hantavirus cardiopulmonary syndrome. 2023. Disponível em: https://www.uptodate.com/


contents/hantavirus-cardiopulmonary-syndrome?search=hantavirus&source=search_result&selected
Title=2~34&usage_type=default&display_rank=2. Acesso em: 20 out. 2023.

5. Hartman A. Rift Valley Fever. Clin Lab Med. 2017 Jun;37(2):285-301. doi: 10.1016/j.cll.2017.01.004.
Epub 2017 Mar 22. PMID: 28457351; PMCID: PMC5458783.

6. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Brasília: Ministério da Saúde: Secretaria de


Vigilância Epidemiológica, 2021.

7. Monto AS, Fukuda K. Lessons From Influenza Pandemics of the Last 100 Years. Clin Infect Dis.
2020 Feb 14;70(5):951-957. doi: 10.1093/cid/ciz803. PMID: 31420670; PMCID: PMC7314237.

8. Peteranderl C, Herold S, Schmoldt C. Human Influenza Virus Infections. Semin Respir Crit Care
Med. 2016 Aug;37(4):487-500. doi: 10.1055/s-0036-1584801. Epub 2016 Aug 3. PMID: 27486731;
PMCID: PMC7174870.

9. Radoshitzky SR, Buchmeier MJ, Charrel RN, Clegg JCS, Gonzalez JJ, Günther S, Hepojoki J, Kuhn
JH, Lukashevich IS, Romanowski V, Salvato MS, Sironi M, Stenglein MD, de la Salahshoori, Iman,
Noushin Mobaraki-Asl, Ahmad Seyfaee, Nasrin Mirzaei Nasirabad, Zahra Dehghan, Mehrdad Faraji,
Mina Ganjkhani, Aziz Babapoor, Seyede Zahra Shadmehr, and Ali Hamrang. 2021. “Overview of
COVID-19 Disease: Virology, Epidemiology, Prevention Diagnosis, Treatment, and Vaccines”
Biologics 1, no. 1: 2-40. https://doi.org/10.3390/biologics1010002

10. Torre JC, Ictv Report Consortium. ICTV Virus Taxonomy Profile: Arenaviridae. J Gen Virol. 2019
Aug;100(8):1200-1201. doi: 10.1099/jgv.0.001280. Epub 2019 Jun 13. PMID: 31192784.

11. Yuill TM. Infecção por hantavírus. Manual MSD. 2021. Disponível em: https://www.msdmanuals.
com/pt-br/profissional/doen%C3%A7as-infecciosas/arbov%C3%ADrus-arenav%C3%ADrus-e-
filov%C3%ADrus/infec%C3%A7%C3%A3o-por-hantav%C3%ADrus. Acesso em: 20 out. 2023.

19
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

LEITURA COMPLEMENTAR

1. Brasil. Ministério da Saúde. Gripe (Influenza) — Ministério da Saúde (https://www.gov.br/saude/pt-


br/assuntos/saude-de-a-a-z/g/gripe-influenza)

2. Britannica. Ebola | Cause, Symptoms, Treatment, & Transmission | Britannica Disponível em:
https://www.britannica.com/science/Ebola#ref280819.

3. Enquist L. W., Levine A. J. Fields Virology 5ª edição. História de Virologia.

4. Flint et al., Principles of Virology (3rd & 4th Edition)

5. FIGUEIREDO, L.T.M. (2006). Febres hemorrágicas por vírus no Brasil. Revista da Sociedade
Brasileira de Medicina Tropical. 39 (2): 203-210.

6. ICTV. Filoviridae | ICTV : https://ictv.global/report/chapter/filoviridae

7. STEPHENS, P.R.S. et al. Conceitos e Métodos para a Formação de Profissionais em Laboratórios


de Saúde, volume 4, cap. 2 - Virologia. Fiocruz, 2010

8. Tesini, B.L. Coronavírus e síndromes respiratórias agudas (MERS and SARS) - Doenças infecciosas.
2022. - Manuais MSD edição para profissionais (https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/
doen%C3%A7as-infecciosas/v%C3%ADrus-respirat%C3%B3rios/coronav%C3%ADrus-e-
s%C3%ADndromes-respirat%C3%B3rias-agudas-covid-19-mers-e-sars#v8948929_pt)

9. Virus | Etymology, origin and meaning of virus by etymonline https://www.etymonline.com/


word/virus

10. Yuill, T.M. Considerações gerais sobre febres hemorrágicas - Infecções - Manual MSD Versão
Saúde para a Família. 2021. (https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/infec%C3%A7%C3%B5es/
arbov%C3%ADrus-arenav%C3%ADrus-e-filov%C3%ADrus/considera%C3%A7%C3%B5es-
gerais-sobre-febres-hemorr%C3%A1gicas). Acesso em: 20 out 2023.

20
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

AULA 4: Agentes biológicos: bactérias

Objetivos de Aprendizagem

→ Compreender conceito, estrutura e funcionalidades das bactérias;


→ Conhecer as doenças mais relevantes causadas por elas e que estão relacionadas às emergên-
cias biológicas;
→ Demonstrar os principais aspectos de transmissão e tratamentos/imunização para as bactérias.

Síntese da aula

As bactérias são organismos unicelulares que podem ser encontrados de forma isolada ou em colô-
nias, sendo pertencentes ao reino Monera. Elas possuem diversas morfologias, podendo resistir aos
ambientes mais hostis, inclusive resistindo à alta temperatura e pressão.

As bactérias estão diretamente envolvidas em diversos processos de sustentação da vida na terra, bem
como podem ser responsáveis por causar diversas doenças, tanto em humanos quanto em animais.

Algumas doenças causadas por bactérias que podem se enquadrar como emergência biológica, tan-
to pela gravidade da doença quanto pela forma de transmissão e risco para a saúde pública:

→ Antraz, causada pelo Bacillus anthacis. nella pneumophila.


→ Peste, causada pela Yersinia pestis. → Botulismo, causada pelo Clostridium botulinum.
→ Leptospirose, causada pela Leptospira spp. → Febre Maculosa Brasileira, causada pela Ri-
→ Doença dos Legionários, causada pela Legio- ckettsia rickettsii.

O Antraz é uma doença infecciosa grave causada por uma bactéria em forma de bacilo: Bacillus anthracis.
Essa bactéria pode ser encontrada naturalmente no solo, acometendo animais domésticos e selvagens. A
infecção pode acontecer ao respirar ar contaminado com esporos de Antraz, bem como após a ingestão
de alimentos ou água contaminados com esporos ou após contato com esporos em ferimentos na pele.

A peste é uma doença infecciosa altamente contagiosa conhecida popularmente como peste negra,
“febre do rato” ou “doença do rato”. Apesar de não tão prevalente nos dias de hoje, essa doença, por
séculos, foi protagonista de inúmeras emergências de saúde pública. O agente etiológico é a bacté-
ria Yersinia pestis que se apresenta sob a forma de bacilo. A peste é uma zoonose de roedores que
pode infectar outros mamíferos (cães, gatos, coelhos, ovelhas, camelos), inclusive o homem. A peste
pode se manifestar sob três formas clínicas principais: bubônica, septicêmica e pneumônica.

21
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

A leptospirose é uma zoonose causada pela bactéria do gênero Leptospira spp. que ocorre em mui-
tos animais domésticos e selvagens (especialmente cães e ratos). É transmitida através do contato
com urina infectada de animais, seja diretamente ou em água. É considerada uma doença endêmica
no Brasil, tornando-se epidêmica em períodos chuvosos, especialmente em capitais e regiões me-
tropolitanas, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional de baixa renda, condições
inadequadas de saneamento e alta infestação de roedores infectados.

A Doença dos Legionários tem uma história interessante. Primeiramente, vale contextualizar que
essa doença infecciosa é causada pela bactéria em forma de bacilo: Legionella pneumophila. Essa
bactéria costuma ser encontrada no solo e na água doce. As amebas presentes na água doce são
um reservatório natural.

O botulismo é uma doença causada pela toxina da bactéria em forma de bacilo, Clostridium botu-
linum, e que atinge os nervos periféricos, causando uma doença neuroparalítica grave. É uma doen-
ça não contagiosa. O C. botulinum produz sua toxina em diversos lugares naturalmente na natureza.
Essa bactéria se tornou de importância para a saúde pública por produzir sua toxina nos alimentos,
ferimentos e nos intestinos de crianças.

O botulismo pode ocorrer sem infecção direta pela bactéria. Caso a toxina seja ingerida, injetada ou
inalada o paciente apresentará os sintomas. O C. botulinum tem potencial de ser utilizado como
arma biológica. Alguns países com programas de armas biológicas desenvolveram a tecnologia de
produzir a toxina que causa o botulismo para ser utilizada como arma de bioterrorismo.

A febre maculosa brasileira é uma doença infecciosa causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, é a
riquetsiose mais prevalente no Brasil, transmitida pelo carrapato-estrela. A doença tem sido registra-
da em áreas rurais e urbanas, com maior concentração de casos nas Regiões Sudeste e Sul. A doença
acomete a população economicamente ativa, principalmente homens, que relataram a exposição a
carrapatos, animais domésticos ou silvestres ou frequentaram ambientes de mata, rio e cachoeira.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação


Estratégica de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde [recurso eletrônico] / Ministério
da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Articulação Estratégica de
Vigilância em Saúde. – 5. ed. rev. – Brasília : Ministério da Saúde, 2022. 1.126 p. : il.

22
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

2. Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Emerging and Zoonotic Infectious
Diseases (NCEZID), Division of High-Consequence Pathogens and Pathology (DHCPP); https://www.
cdc.gov/brucellosis/index.html

3. Diederen BM. Legionella spp. and Legionnaires’ disease. J Infect. 2008 Jan;56(1):1-12. doi: 10.1016/j.
jinf.2007.09.010. Epub 2007 Nov 5. PMID: 17980914.

4. Glatter, K. A., & Finkelman, P. (2021). History of the Plague: An Ancient Pandemic for the
Age of COVID-19. The American Journal of Medicine, 134(2), 176-181. https://doi.org/10.1016/j.
amjmed.2020.08.019

5. Hendricks KA, Wright ME, Shadomy SV, et al: Centers for Disease Control and Prevention Expert
Panel meetings on prevention and treatment of anthrax in adults. Emerg Infect Dis 20(2), 2014.
doi: 10.3201/eid2002.130687

LEITURA COMPLEMENTAR

1. Rodrigues Teixeira Rosa Pais, M. M. (2015). Legionella pneumophila e Doença dos Legionários.
Universidade de Coimbra.

2. SHENENI, V.; AKOMOLAFE, A. Anthrax: A Global Health Concern. INTERNATIONAL JOURNAL OF


CURRENT RESEARCH INCHEMISTRY AND PHARMACEUTICAL SCIENCES. Volume 10, Issue 7 - 2023.
Disponível: https://www.researchgate.net/profile/Ayomide-Akomolafe/publication/372941545_
INTERNATIONAL_JOURNAL_OF_CURRENT_RESEARCH_IN_CHEMISTRY_AND_PHARMACEUTICAL_
SCIENCES_Anthrax_A_Global_Health_Concern/links/64cf75b640a524707b9a1208/
INTERNATIONAL-JOURNAL-OF-CURRENT-RESEARCH-IN-CHEMISTRY-AND-PHARMACEUTICAL-
SCIENCES-Anthrax-A-Global-Health-Concern.pdf

3. ZANCHETTA E GAVA, M.; BRAGA, F. R.; LANGONI, H. Aspectos Etioepidemiológicos da Febre Maculosa
Brasileira: Revisão Sistemática. Veterinária e Zootecnia. 2002; V. 29: 001-020. Disponível: https://
rvz.emnuvens.com.br/rvz/article/view/652/643

4. INSTITUTO BUTANTAN. Site https://butantan.gov.br/. Início do Século XX: o Butantan e o combate à


epidemia de peste bubônica. 05 de fevereiro de 2021. Disponível: https://butantan.gov.br/noticias/
inicio-do-seculo-xx-o-butantan-e-o-combate-a-epidemia-de-peste-bubonica

23
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

AULA 5: Saúde Única no contexto de emergências biológicas

Objetivos de Aprendizagem

→ Conceituar Saúde Única e seu processo de construção;


→ Exemplificar os modelos de Saúde Única utilizados;
→ Destacar a importância da temática para o Brasil; e
→ Aplicar a Saúde Única no contexto das emergências biológicas.

Síntese da aula

James Steele, em 1947, definiu o conceito da saúde pública veterinária no CDC (Centros de Controle e
Prevenção de Doenças), e estabeleceu a partir desta data uma nova especialidade na área da veterinária.

Quase duas décadas depois, Schwabe estabeleceu o primeiro programa de medicina veterinária pre-
ventiva na Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia e publicou o primeiro livro
sobre Medicina Veterinária e a Saúde Humana.

Mas, somente em 2003, o termo Saúde Única foi citado pela primeira vez em um surto de Ebola,
que ocorreu no mesmo ano, quando Rick Weiss declarou: “A saúde humana, de animais de produção
ou de vida selvagem não pode mais ser discutida isoladamente. Há apenas uma saúde. E as soluções
exigem que todos trabalhem juntos em todos os diferentes níveis. ”

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a Saúde Única é definida como uma abordagem
integrada e unificada para equilibrar e otimizar a saúde das pessoas, dos animais e do meio ambien-
te. É particularmente importante prevenir, prever, detectar e responder a ameaças à saúde globais,
como pandemias, e dessa forma, proteger a saúde e o bem-estar da população, bem como preser-
var a saúde dos animais e a integridade dos ecossistemas.

A harmonia do ambiente é influenciada por várias características e fatores que podem impactar
diretamente o bem-estar e a saúde de todos os seres vivos. Ao focar nesses fatores que afetam o
sistema, podemos traçar estratégias sustentáveis e coerentes que garantam um ambiente saudável
para todos. Dentro do contexto brasileiro, apresentamos alguns tipos desses fatores:

→ Sobre os fatores ambientais, o Brasil é um país caracterizado por uma grande variedade de
biomas e topografias, com cada região possuindo particularidades climáticas distintas. Também
possui uma alta biodiversidade, tanto de fauna como de flora, e ao norte temos a rica região
amazônica, de relevância internacional.

24
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

→ Em relação à saúde humana, o Brasil apresenta uma carga alta de doenças zoonóticas e veto-
riais, elas são negligenciadas e representam uma parcela importante de morbidade e mortalida-
de no país. Entre elas podemos citar as leishmanioses, a doença de Chagas, a dengue, a raiva e a
febre amarela. Além dessas, também existem as doenças de transmissão hídrica e alimentar, a
malária, a leptospirose, entre outras. Também vale ressaltar as doenças recentes que surgiram
com provável reservatório de origem animal, tais como a covid-19 o mpox (monkeypox). Ainda,
destaca-se a importância de agentes zoonóticos que podem ser utilizados como arma biológica.
→ Quanto à diversidade étnica e cultural, o Brasil é uma verdadeira riqueza. O país recebeu e recebe
migrantes de diversas partes do mundo, cada um trazendo consigo seus próprios hábitos, cos-
tumes, tradições e línguas. Essa diversidade é uma fonte de enriquecimento cultural e contribui
para a formação de uma sociedade mais plural e inclusiva.
→ Em relação aos fatores econômicos e produtivos, o Brasil tem a agropecuária como uma das
principais atividades econômicas no país. Apresenta um dos maiores rebanhos de produção de
carne e é o maior produtor de soja.
→ Em relação aos fatores sócio demográficos, o Brasil é um dos países mais populosos, com 212,6
milhões de habitantes, com grande extensão territorial. O país é marcado por significativas desi-
gualdades sociais regionais e as disparidades econômicas, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB),
são notáveis entre diferentes regiões. Enquanto algumas áreas apresentam grandes aglomerados
urbanos e desenvolvimento econômico, outras enfrentam carências estruturais e limitações no
crescimento. Essa realidade é refletida no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada região,
demonstrando que as condições de vida e oportunidades variam consideravelmente em todo o país.
Dentre os fatores que influenciam na emergência das zoonoses, destacamos:

→ As alterações climáticas, que trazem consequências como o aquecimento global (que acarreta
em mudanças de umidade e temperatura), a alteração do nível médio das águas do mar e os
fenômenos climáticos extremos. De forma geral, o impacto dessas ações no meio ambiente in-
terferem diretamente na dinâmica das doenças.
→ Os desmatamentos também têm influência direta no surgimento de patógenos. Ele pode levar a
alterações nos padrões climáticos locais e globais, afetando as condições ideais para a sobrevi-
vência e propagação de vetores de doenças. Por exemplo, podemos observar que no período de
chuvas há um aumento na população de mosquitos, o que pode gerar um aumento também de
casos de dengue, malária entre outras. Caso haja uma alteração climática que afete o regime de
chuvas, também irá afetar a ocorrência das citadas doenças.

25
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

→ O desmatamento e as queimadas também deixam animais desabrigados e com pouco espaço


para sobreviver,os quais buscam outros territórios e podem levar doenças de uma região para
outra. Um exemplo é a raiva: os morcegos, ao terem o ambiente alterado por uma queimada,
migram para outras áreas, o que pode ocasionar a elevação dos índices da doença no território.
→ Em relação à agricultura, a produção de novas culturas, a intensificação de novos sistemas de
produção e a modernização de equipamentos geram uma mudança direta no ambiente, princi-
palmente em espécies silvestres. Dessa forma, os novos ambientes criados são propícios a novos
agentes patogênicos. Acredita-se que o vírus SARS-COV seja um exemplo disso, uma vez que ati-
vidades agropecuárias possam ter contribuído para um desequilíbrio na população de morcegos.
→ As mudanças de hábitos e costumes podem também influenciar na emergência de zoonoses,
por exemplo, o hábito de comer alimentos crus que podem causar doenças como a toxoplas-
mose, teníase-cisticercose entre outras. Ainda, a proximidade das pessoas com animais, tanto
domésticos como silvestres, pode ocasionar doenças, a exemplo da esporotricose, na qual os
felinos podem transmitir esse fungo para as pessoas.
→ A globalização facilita o deslocamento das pessoas de um lugar para outro, assim como o trân-
sito de animais. Isso facilita também a migração de doenças de um território para outro.

As quatro instituições a seguir se juntaram com intuito de impulsionar a mudança para mitigar o
impacto dos desafios de saúde atuais e futuros entre homem-animal-interface planta-ambiente em
nível global, regional e nacional:

→ FAO – Organização das Nações Unidas para → WOAH – Organização Mundial para Saúde
Alimentação e Agricultura. Animal.
→ UNEP – Programa das Nações Unidas para o → WHO – Organização Mundial de Saúde.
Meio Ambiente.

Dessa forma, respondendo a solicitações internacionais para prevenir futuras pandemias e pro-
mover a saúde de forma sustentável através da abordagem de Saúde Única, a Quadripartite de-
senvolveu o Plano de Ação Conjunto de Saúde Única, baseado em seis linhas de ação inter-
dependentes que contribuem coletivamente para se alcançar sistemas sustentáveis de
​​ saúde e
alimentação, reduzir as ameaças à saúde global e promover a gestão melhorada do ecossistema,
como descrito a seguir:

→ Linha de ação 1: refere-se ao reforço das capacidades de Saúde Única para fortalecer os sistemas
de saúde;

26
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

→ Linha de ação 2: trata da redução de riscos de epidemias e pandemias zoonóticas emergentes e


reemergentes;
→ Linha de ação 3: refere-se a controlar e eliminar zoonoses endêmicas, doenças tropicais negli-
genciadas e transmitidas por vetores;
→ Linha de ação 4: refere-se ao fortalecimento da avaliação e gestão dos riscos para a segurança
alimentar;
→ Linha de ação 5: refere-se à resistência antimicrobiana; e
→ Linha de ação 6: refere-se à integração do meio ambiente à Saúde Única.

Como exemplo da abordagem da Saúde Única, temos a raiva.

A raiva é uma doença infecciosa viral aguda grave, de mamíferos incluindo o homem, e caracteriza-se
como uma encefalite progressiva e aguda com letalidade de aproximadamente 100%. É causada
pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rabhdoviridae, e é transmitida ao homem pela saliva de
animais infectados, principalmente por meio da mordedura, podendo ser transmitida também pela
arranhadura e/ou lambedura.

No eixo humano, devem ser elaborados protocolos e diretrizes voltados para o diagnóstico. Também
são feitas diretrizes quanto ao protocolo de conduta clínica do paciente, além das orientações em
relação à profilaxia da doença, com uso de vacina e soro quando indicado. Ainda devem ser orienta-
das as medidas de cuidado para evitar mordeduras por animais. Devem ser realizadas análises para
definição das áreas de maior risco e analisar os fatores de risco para o adoecimento.

No eixo animal, deve-se estimular a posse responsável e a vacinação de cães e gatos, assim como o
envio de amostras para diagnóstico laboratorial para verificar se há circulação do vírus na região. É
necessário também a realização de análises para determinar possíveis áreas de maior risco. Quando
indicado, deve-se realizar a captura e promover o controle de morcegos hematófagos.

No eixo ambiental, deve-se dar destino adequado aos animais, realizar estudos ambientais que ava-
liem o desmatamento, as queimadas e a ocupação territorial na região.

A Saúde Única deve ser realizada de maneira integrada entre os diferentes setores, com o intuito de:

→ Fortalecer a análise de dados entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental.
→ Formar uma rede, a qual facilitará a disseminação de dados e troca de informações, fortalecendo
a comunicação.
→ Contribuir na agilidade da informação.

27
SÍNTESE DO MÓDULO 1
INTRODUÇÃO ÀS EMERGÊNCIAS B IOLÓGICAS

→ Otimizar recursos tanto financeiros como humanos, visando a redução de custo e tempo das
pessoas, dessa forma fortalecendo a integração das instituições.
→ Facilitar a tomada de decisões de maneira conjunta entre as instituições e órgãos.
→ Detectar a ocorrência de emergências epidemiológicas de maneira oportuna.
→ Melhorar a qualidade de vida das pessoas, animais e meio ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Evans, B. R., and F. A. Leighton. “A history of One Health.” Rev Sci Tech 33.2 (2014): 413-420. https://
www.researchgate.net/profile/Frederick-Leighton/publication/272844819_A_history_of_One_
Health/links/61a3f2427323543e21117521/A-history-of-One-Health.pdf

2. World Health Organization. “One health joint plan of action (2022‒2026): working together for
the health of humans, animals, plants and the environment.” (2022). https://apps.who.int/iris/
bitstream/handle/10665/363518/9789240059139-eng.pdf?sequence=1

28

Você também pode gostar