Você está na página 1de 7

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/10102/asperger-como-a-escola-
deve-acolher-o-aluno-e-os-pais
Publicado em NOVA ESCOLA 07 de Março | 2018

Inclusão

Asperger: como a escola


deve acolher o aluno e os
pais
Mariana Della Barba

Foto: Getty Images


Confusão. Falta de empatia. Caos. Esses são alguns termos usados por pais e
mães para definir o período em que seus filhos com Síndrome de Asperger
frequentaram escolas que não estavam verdadeiramente preparadas ou
dispostas a recebê-los.
“Quando meu filho começou a estudar, não sabíamos exatamente o que ele
tinha. A primeira escola para a qual ele foi era grande, mais tradicional. Mas ele
não conseguiu ficar de jeito nenhum. Os professores não estavam nem um
pouco preparados. Foi uma tristeza", conta Izabel Grandinetti Barros,
presidente da Associação da Síndrome de Asperger Asa-Tea MG.
O filho de Izabel, Henrique Grandinetti de Barros, só foi diagnosticado com
Síndrome de Asperger aos 9 anos. O menino tinha fascinação por dinossauros,
sabia tudo a respeito deles. Ele também já foi fanático por números. Essa é
justamente uma das características da Síndrome de Asperger: ter um tema de
interesse no qual focam incansavelmente durante um certo período de tempo.
Eles se dedicam tanto ao assunto que costumam se tornar especialistas e
podem acabar desenvolvendo habilidades extraordinárias, seja no
conhecimento de animais pré-históricos até em exercícios matemáticos, por
exemplo.
Leia também: Autismo e inclusão: 4 sugestões para fortalecer a parceria com as
famílias na Educação Infantil
Para os educadores, o desafio é integrar essas habilidades a outras
desenvolvidas em sala de aula. Para os pais, em geral, trata-se de uma
peregrinação até encontrar uma instituição de ensino que oferece o
acolhimento que a criança precisa para ser feliz e aprender de acordo com as
suas necessidades.

Izabel Grandinetti Barros e o filho Henrique, que demorou a ser diagnosticado


com Síndrome de Asperger. Ela se tornou presidente da Associação da
Síndrome de Asperger Asa-Tea MG Foto: Acervo pessoal
O que mudou na classificação
A síndrome foi incluída no chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA) em
2013 – antes disso, era considerada uma condição distinta. Mas diferentemente
de outros tipos de autismo, as crianças com Asperger não
costumam apresentar atrasos cognitivos graves.
A nova classificação, que investiga mais sintomas, agrupou algumas categorias.
Se antes eram quatro principais (Comunicação, Interação Social, Interesses
Restritos e Comportamentos Repetitivos), hoje, as duas primeiras foram
agrupadas em uma só.
Assim, na área de Comunicação & Interação Social, são analisados o grau de
respostas atípicas, déficits para responder a interações com outras pessoas,
dificuldade de manter relacionamentos/amizades, dificuldade de interpretação
em relações não-verbais.
Já nas outras categorias se analisa o grau e a frequência das chamadas
obsessões por interesses restritos (como enfileirar objetos ou números ou
determinadas cores). A terceira área analisa os comportamentos considerados
repetitivos, em que ocorre um apego excessivo à rotina, além de atividades e
movimentos reiterados e constantes.
Escuta e parceria são fundamentais
Mesmo com déficits mais leves que outras síndromes dentro do TEA, o relato
de pais mostra como é complexo achar uma escola. Izabel Grandinetti Barros
precisou mudar o filho de escola. "Ele foi para uma menor, com só oito alunos
por classe. E foi ótimo”, lembra.
Ela conta que o acolhimento foi importantíssimo para a ambientação de
Henrique. “Havia uma parceria muito grande minha com a diretora e a psicóloga
da escola; uma disposição em ouvir o nosso lado. Lá ninguém nunca forçou
nada. Quando o Henrique não queria ir para a quadra, elas deixavam ele ficar
brincando com os dinossauros dele numa boa. E de tempos em tempos a gente
voltava a conversar, para ir ajustando tudo."
Leia também: 8 materiais para saber mais sobre inclusão
Para Joana Elkis, coordenadora educacional da escola Alecrim, em São Paulo,
esse trabalho conjunto entre pais e escola é peça fundamental para promover
uma melhor recepção. "A escuta é fundamental para qualquer inclusão no
ambiente escolar. Da parte da coordenação e dos professores, é preciso que
haja uma disponibilidade em se adaptar para acolher da melhor maneira
possível as dificuldades dessa criança."
A coordenadora afirma que é preciso “olhar de perto” a criança com Asperger
para entender o melhor caminho a adotar em cada caso. Ela cita como exemplo
o currículo escolar: há casos em que é necessário montar um programa
especial e em outros, é mais válido seguir o mesmo currículo para manter o
desafio para a criança, garantindo um acompanhamento especial ou dando-lhe
um tempo diferente para cumprir as atividades.
Joana Elkis, coordenadora educacional da escola Alecrim, em São Paulo Foto:
Acervo pessoal
Compartilhar as habilidades
Izabel se lembra com carinho de uma professora que trabalhava muito para
integrar os interesses de seu filho Henrique ao currículo escolar. "Nunca vou
me esquecer do quanto ele ficou feliz quando a professora propôs que ele
desse uma ‘palestra’ sobre dinossauros para os colegas. Ele se sentiu realizado e
os alunos também gostaram. Eles estavam estudando dinossauros naquela
época, então cada um fez uma pesquisa individualmente e depois o Henrique
foi lá na frente falar para a classe."
Para Joana, é papel da escola encontrar um jeito legítimo de a criança com
Asperger participar das atividades em classe. "Pegar essa super habilidade e
reverter isso para o grupo acaba sendo interessante para todos", diz a
coordenadora.
Cuidado na comunicação
Outra característica vinculada à Síndrome de Asperger é o fato de muitas vezes
não conseguirem entender ironias e metáforas. "O fato de verem o mundo de
um modo mais objetivo e concreto pode atrapalhar a comunicação, seja na
compreensão do que o professor está falando ou na maneira que a criança
(com Asperger) fala com os colegas, que muitas vezes não tem filtro", diz Joana.
Para evitar esse tipo de entrave, ela afirma que é preciso investir em formas de
melhorar a comunicação com esse aluno. Outra conduta positiva por parte do
professor é estar atento para, quando necessário, agir para que a criança com
Asperger não seja mal interpretada pelos colegas por sua maneira franca e
direta de se colocar.
A professora do departamento de Educação Especial da Unesp Anna Augusta
Sampaio de Oliveira afirma que "os docentes têm de estar sempre próximos
para evitar processo de isolamento desses estudantes, atuando até como
mediadores, trabalhando para que essa criança e os colegas se aproximem".
Um exemplo real de como driblar essa dificuldade aconteceu com Henrique
Gradinetti de Barros, quando ele teve problemas para acompanhar a aula de
Filosofia. Ao cursar sua primeira faculdade, História, ele sentiu dificuldade com
as aulas de conteúdo subjetivo.
A alternativa encontrada por seu professor foi dividir a prova em tópicos para
facilitar a compreensão e o raciocínio do aluno. Funcionou: tanto que Henrique
se formou e hoje, aos 24 anos, cursa sua segunda graduação, em Direito.

Evento promovido pela Associação da Síndrome de Asperger Asa-Tea MG Foto:


Reprodução/Facebook
Investir em formação
Para acolher bem um estudante com Asperger, mantê-lo interessado, se
comunicando bem e valorizando suas habilidades, os especialistas afirmam que
é preciso investir na formação da equipe.
"É fundamental que a coordenação trabalhe com os professores para discutir os
melhores caminhos para adaptar o programa e as estratégias”, diz Joana Elkis,
da escola Alecrim. “Trabalhamos muitos com textos teóricos e até filmes que
tratam desse tema, sempre tendo em mente cada caso".
Outro desafio apontado por ela é afinar a conduta da escola com as linhas de
tratamento que essas crianças seguem fora da escola, em terapias
comportamentais ou com acompanhamento psicológico, por exemplo.
A professora Anna Sampaio, da Unesp, lembra que desde 2008 está previsto em
lei a existência de uma rede de suporte ao Atendimento Educacional
Especializado, que pode ser em forma de aulas no contraturno, um centro de
atendimento a esses alunos ou mesmo o apoio de professores especializados a
colegas que lidem com pessoas que têm a síndrome.
Henrique ao lado da mãe Izabel Grandinetti Barros: graças ao acolhimento e
esforço, ele conquistou graduação em História e agora estuda Direito Foto:
Acervo pessoal
O que mudou?
Tanto para Izabel, com a experiência com seu filho e dentro da associação que
coordena, como para as especialistas em educação ouvidas, a inclusão da
Síndrome de Asperger dentro do espectro autista não trouxe grande impacto
no ambiente escolar até o momento.
Anna faz, inclusive, um alerta de que é preciso ter em mente que uma pessoa
com síndrome de Asperger não tem deficiência intelectual e pode aprender
qualquer conteúdo, bastando que seja passado de outra forma. "É importante
não se prender tanto ao diagnóstico em si, levando em conta mais as
especificidades da criança", afirma.
A mudança na classificação, aliás, acabou trazendo outro problema para pais e
educadores. Como fica dentro da classificação de autismo, o número de
crianças diagnosticadas deve subir daqui para frente. O que só aumenta a
necessidade de que pais, professores e escolas estejam atentos para garantir a
melhor educação para as crianças.

Referências
Associação da Síndrome de Asperger Asa-Tea MG
Livro "Humor Azul - o lado engraçado do autismo"
Associação Inspirare
Associação de Amigos do Autista

Você também pode gostar