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Trauma em populações especiais

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INTRODUÇÃO

Existem populações de doentes que exigem a consideração de aspectos específicos para o


atendimento diante de um politrauma. As populações especiais são crianças, grávidas, idosos,
atletas e obesos, que possuem diferenças anatômicas e fisiológicas, podendo modificar o
atendimento, não em ordem de prioridades, que permanece a mesma, mas sim, condutas
específicas durante o atendimento.

TRAUMA EM CRIANÇAS

As prioridades de avaliação e tratamento de lesões nas crianças são as mesmas dos


adultos. Entretanto, as características anatômicas e fisiológicas singulares da infância são
associadas a diferentes mecanismos de trauma, produzindo padrões distintos de lesão. Por
exemplo, os traumatismos fechados mais graves são os que envolvem o cérebro.
Consequentemente, apneia, hipoventilação e hipóxia são cinco vezes mais frequentes que a
hipovolemia com hipotensão em crianças gravemente traumatizadas. Portanto, os protocolos de
tratamento de trauma pediátrico enfatizam a necessidade de ser agressivo na abordagem da via
aérea e da ventilação.

Falhas na abordagem da via aérea, no suporte ventilatório e no reconhecimento e


tratamento de hemorragias abdominais e intracranianas constituem-se nas principais causas de
insucesso na reanimação da criança traumatizada; por isso, a aplicação dos princípios do ATLS
para atendimento da criança traumatizada tem impacto significativo na sobrevida final.

As diferenças anatômicas mais significativas que precisam ser observadas no atendimento de uma
criança são:

• Tamanho e forma: o impacto da energia de um trauma se concentra em uma menor área


corporal e em uma menor parcela de massa adiposa o que favorece a incidência de lesões
em múltiplos órgãos na população pediátrica;
• Esqueleto: por possuírem formação óssea incompleta, lesões de órgãos internos são
frequentemente observadas mesmo em ausência de fraturas. Quando as fraturas são
identificadas, o trauma provocado sugere uma transferência de alta energia e associação de
outras lesões concomitantes;
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• Superfície corporal: a relação entre superfície e volume corporl é maior no nascimento e


diminui com o crescimento da criança. Como consequência, a perda de calor é um fator de
estresse importante em crianças. A hipotermia pode se instalar rapidamente e complicar o
tratamento do doente pediátrico com hipotensão;
• Estado psicológico: As implicações psicológicas nos cuidados à criança traumatizada podem
representar verdadeiros desafios. A criança, devido à sua instabilidade emocional, apresenta
uma regressão do seu comportamento psicológico quando o estresse, a dor ou outras
ameaças passam a fazer parte de seu ambiente;
• Efeitos a longo prazo: A maior preocupação no atendimento da criança traumatizada é com
os efeitos que a lesão pode provocar em seu crescimento e desenvolvimento. Ao contrário
do adulto, a criança deve não somente recuperar-se do evento traumático, mas deve também
continuar com o processo normal de crescimento e desenvolvimento.
• Equipamentos: A disponibilidade imediata de materiais e equipamentos de tamanho
apropriado é essencial para o sucesso do atendimento inicial da criança traumatizada.

Via aérea

Quais as adequações dos princípios do ATLS no atendimento da população pediátrica?

• A criança possui uma laringe menor, por esse motivo, existe uma propensão para ela se
anteriorizar. Essa variação, provocaria uma flexão passiva da coluna cervical que deve ser
corrigida com a utilização de um coxim, abrangendo o dorso do paciente;
• As manobras de abertura das vias aéreas são realizadas com as mesmas manobras em
adultos. Se for necessário a introdução de um tubo orofaríngeo, o tubo deve ser introduzido
de forma delicada, sem a manobra de rotação em 180º, diretamente na orofaringe. O
emprego de um abaixador de língua pode ser útil;
• O método preferido para a obtenção inicial da via aérea é a intubação orotraqueal sob visão
direta, imobilizando e protegendo de forma adequada a coluna cervical;
• Quando não se pode manter a ventilação por dispositivo de máscara com válvula e balão ou
por intubação orotraqueal, uma via aérea de resgate com máscara laríngea (ML), máscara
laríngea de intubação (MLI) ou cricotireoidostomia por punção podem ser necessárias. A
cricotireoidostomia cirúrgica é raramente indicada em lactentes e crianças mais novas. Pode
ser realizada em crianças cuja membrana cricotireoidea for palpada facilmente (normalmente
aos 12 anos).
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Ventilação

• A hipóxia é a causa mais comum de parada cardíaca em crianças. Entretanto, antes que haja
parada cardíaca, a hipoventilação causa acidose respiratória, que é a alteração mais comum
do equilíbrio ácido-básico durante a reanimação de crianças traumatizadas. Com ventilação
e perfusão adequadas, a criança é capaz de manter um pH relativamente normal.
• Na ausência de ventilação e perfusão adequadas, corrigir a acidose com bicarbonato de sódio
pode piorar a hipercarbia e a acidose.
• Quando necessário realizar uma drenagem torácica, os drenos de tórax e cateteres devem
ter tamanho adequadamente reduzido, pois quanto maiores os materiais, maior a chance de
causar pneumotórax ao invés de trata-lo.
• As lesões em crianças podem causar perda sanguínea significativa. A criança tem maior
reserva fisiológica, que permite a manutenção da pressão arterial sistólica em níveis normais,
mesmo na presença de choque;

Circulação e choque

• O método mais simples e rápido de determinação do peso da criança, para cálculo da


reposição volêmica e de doses de drogas, é perguntar ao responsável pela criança. Se ele
não estiver presente, deve-se utilizar uma fita de reanimação baseada no comprimento, tal
como a Fita Métrica de Reanimação Pediátrica de Broselow. A importância da determinação
do peso acontece para guiar a reposição volêmica e a administração de drogas.
• Os acessos venosos preferenciais devem ser os periféricos. Se não for possível por essa via
após duas tentativas, deve -se considerar a realização de punção intraóssea realizada com
uma agulha de punção de medula óssea (18 G em lactentes, 15 G em crianças mais novas)
ou a punção femoral usando a técnica de Seldinger ou um cateter venoso com agulha de
metal de tamanho apropriado.
• A reanimação com fluidos é baseada no peso da criança e deve ser realizada com solução
isotônica para rápida reposição do volume circulante. Como o objetivo é repor o volume
intravascular perdido, pode ser necessário administrar três bolus de 20 mL/kg, ou um total
de 60 mL/kg, para alcançar a reposição dos 25% perdidos.
• O débito urinário varia com a idade. O débito urinário para recém-nascidos ou lactentes, até
um ano de idade, é de 2 mL/kg/hora. A criança que está começando a andar tem débito
urinário de 1,5 mL/kg/h e a mais velha de 1 mL/kg/h.
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• A hipotermia pode tornar a criança traumatizada refratária ao tratamento, prolongar o tempo


de coagulação e comprometer a função do sistema nervoso central (SNC).

TRAUMA EM GESTANTES

As prioridades na assistência à mulher grávida são semelhantes às da não grávida, mas as


alterações anatômicas e fisiológicas da gravidez podem modificar a resposta ao trauma. O pronto
reconhecimento do estado gravídico, seja pela palpação abdominal do útero gravídico, seja por
testes de laboratório (gonadotrofina coriônica humana, ou hCG) e a avaliação precoce do feto, são
medidas importantes para a sobrevivência tanto da mãe como do feto. Apesar disso, o melhor
tratamento inicial para o feto, além de sua avaliação precoce, é a adoção das melhores medidas
de reanimação para a mãe. Um cirurgião e um obstetra experientes devem ser consultados desde
o início para a avaliação da gestante traumatizada.

As mudanças fisiológicas mais significativas que acontecem na gravidez são:

• A redução abrupta do volume circulante da mãe pode resultar em profundo aumento na


resistência vascular uterina, reduzindo a oxigenação fetal a despeito dos sinais vitais da mãe
se manterem normais. Então, Gestantes saudáveis podem perder 1 .200 a 1 .500 mL de seu
volume sanguíneo, antes que se percebam sinais e sintomas de hipovolemia.
• Depois da 10ª semana de gestação, o débito cardíaco aumenta em 1,0 a 1,5 litro por minuto
como decorrência do aumento do volume plasmático e da redução da resistência vascular do
útero e da placenta, estruturas que recebem cerca de 20o/o do débito cardíaco da gestante
durante o terceiro trimestre de gravidez.
• A frequência cardíaca aumenta gradualmente de 10 a 15 batimentos por minuto durante a
gravidez, alcançando seus valores máximos no terceiro trimestre.
• A gravidez resulta numa queda de 5 a 15 mm Hg nas pressões sistólica e diastólica durante
o segundo trimestre. A hipertensão em gestantes pode sinalizar pré-eclâmpsia se associada
a proteinúria.
• O volume/minuto aumenta primariamente como resultado do aumento do volume corrente.
Portanto, a hipocapnia (PaC02 de 30 mm Hg) é comum no final da gravidez. Na gestação,
níveis de PaC02 de 35 a 40 mm Hg podem refletir a iminência de uma insuficiência
respiratória.
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Como aplicar os princípios do ATLS no tratamento da gestante e do feto?

• Assegure-se da permeabilidade da via aérea, da ventilação e oxigenação adequadas e do


volume circulatório efetivo. Quando se torna necessário o suporte ventilatório, deve-se
realizar a intubação e considerar a manutenção da PC02 ideal para a idade gestacional da
doente (aproximadamente 30 mmHg no final da gestação).
• A compressão da veia cava pelo útero pode reduzir o retorno venoso ao coração, diminuindo
o débito cardíaco e agravando o choque. O útero deve ser deslocado manualmente para a
esquerda a fim de aliviar a pressão sobre a veia cava inferior.
• Em virtude do aumento de seu volume intravascular, a gestante pode perder uma quantidade
significativa de seu volume circulante antes que ocorram taquicardia, hipotensão e outros
sinais de hipovolemia. Dessa maneira, o feto pode estar em sofrimento e a placenta privada
de perfusão vital, enquanto as condições da mãe e os sinais vitais parecem estar estáveis.
• A avaliação secundária deve seguir os mesmos padrões adotados na doente não grávida. As
indicações para tomografia computadorizada abdominal, LPD e F AST são as mesmas.
Entretanto, se a LPD for realizada, o cateter deve ser posicionado acima da cicatriz umbilical
utilizando-se a técnica aberta.

TRAUMA EM IDOSOS

O trauma é uma causa comum de morte no idoso. Com o aumento da idade, as doenças
cardiovasculares e o câncer superam a importância do trauma como a principal causa de morte. A
reanimação de doentes idosos exige cuidados especiais. O processo de envelhecimento reduz as
reservas fisiológicas. Doenças crônicas cardíacas, respiratórias e metabólicas podem
comprometer a capacidade de resposta do doente idoso ao trauma, ao contrário do que ocorre em
doentes jovens. que são capazes de compensar a agressão fisiológica imposta pelo trauma.
Doenças associadas, como diabetes, insuficiência cardíaca congestiva, doença coronariana,
doença restritiva e obstrutiva pulmonar, coagulopatia, doença hepática e doença vascular
periférica, além de serem mais comuns no idoso, prejudicam a evolução após o trauma. Além disso,
o uso crônico de medicamentos pode alterar a resposta fisiológica ao trauma e frequentemente
acarreta distorções na reanimação tanto no sentido de excesso quanto de insuficiência. A despeito
desses fatos, a maioria dos doentes idosos traumatizados se recupera quando tratadas
adequadamente. Uma reanimação pronta e agressiva e a identificação precoce de doenças clínicas
preexistentes e do uso de medicamentos costumam aumentar a sobrevivência nesse grupo de
doentes. O uso precoce de monitoração invasiva pode ser uma medida auxiliar valorosa para o
tratamento.
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As características específicas que precisam ser observadas no atendimento dos pacientes idosos
são:

• Mecanismos de trauma aparentemente menos importantes podem produzir lesões


potencialmente letais e complicações graves devido ao efeito de medicações,
especialmente anticoagulantes. Por exemplo, as quedas são um os mecanismos de
lesão mais comum em idosos, mesmo aquelas que seriam insignificantes a jovens
adultos possuem potencial para causar graves lesões em idosos.
• Como nas quedas, fatores associados às doenças degenerativas e ao
comprometimento físico contribuem substancialmente para a taxa de lesão térmica nos
idosos. Pessoas idosas que entram em contato com superfícies ou líquidos quentes ou
são expostas ao fogo frequentemente não são capazes de desvencilhar-se até que
ocorram lesões extensas.

Quais as especificidades na aplicação dos princípios do ATLS em pacientes geriátricos?

• Os princípios do tratamento da via aérea permanecem os mesmos, sendo a intubação


endotraqueal o método preferencial para controle definitivo da via aérea.
• A dentição ausente, a fragilidade nasofaríngea, o aumento da língua, diminuição da
amplitude de abertura da boca e a artrite cervical são mudanças anatômicas que podem
modificar a abordagem da via aérea. As próteses dentárias quebradas devem ser removidas,
porém, as próteses intactas devem ser mantidas até que seja obtido o controle da via aérea,
porque, a ausência de unidades dentárias pode interferir na vedação apropriada da máscara
facial.
• A perda de reserva respiratória decorrente dos efeitos do envelhecimento e das doenças
crônicas fazem com que seja obrigatória a monitoração cuidadosa do sistema respiratório do
doente geriátrico;
• O pneumotórax simples e o hemotórax também não são bem tolerados e deve ser
considerada a observação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) dos doentes geriátricos
que apresentam essas lesões, uma vez que a falência respiratória pode ser progressiva ou
abrupta.
• A causa da diminuição da função é multifatorial. Com o envelhecimento, o volume sanguíneo
total diminui e o tempo de circulação aumenta. Há aumento de rigidez miocárdica, condução
eletrofisiológica reduzida e perda de massa celular miocárdica. A resposta à liberação
endógena de catecolaminas ao estresse também é diferente, o que provavelmente está
relacionado à redução da capacidade de resposta dos receptores das membranas celulares.
Essas mudanças predispõem o coração envelhecido a arritmias de reentrada;
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• A taxa de filtração glomerular no idoso é menor devido a perda e massa renal própria do
envelhecimento. Como consequência, a depuração da creatinina nos idosos é reduzida e por
isso está mais suscetível a lesões por hipovolemia, medicamentos e outras nefrotoxinas;
• A pressão sanguínea e a frequência cardíaca normais não indicam necessariamente
normovolemia. Pacientes idosos possuem reserva fisiológica limitada e podem ter dificuldade
para produzir resposta adequada ao trauma.
• O uso frequente de medicamentos pode provocar diferentes reações ao organismo do
paciente idoso:
1. Agentes bloqueadores beta-adrenérgicos podem limitar a atividade cronotrópica e os
bloqueadores dos canais de cálcio podem prevenir a vasoconstrição periférica e contribuir
para a hipotensão.
2. Os agentes anti-inflamatórios não hormonais contribuem para a perda de sangue em
razão de seus efeitos adversos na função plaquetária.
3. O uso crônico de anticoagulantes pode aumentar a perda de sangue e a incidência de
lesões cerebrais letais.
4. O uso crônico de diuréticos pode tornar o doente idoso cronicamente hipovolêmico e
levar a défices corporais totais de potássio e sódio.

TRAUMA EM ATLETAS

Devido a sua excelente condição, os atletas podem não manifestar precocemente sinais de
choque, como taquicardia e taquipneia. Eles também podem ter pressão arterial sistólica e
diastólica normalmente mais baixas.

TRAUMA EM OBESES

Os obesos têm desafios particulares quando traumatizados, porque sua anatomia pode
tornar procedimentos como a intubação mais difíceis e perigosos. Os exames diagnósticos, como
a ultrassonografia, a lavagem peritoneal diagnóstica (LPD) e a tomografia computadorizada (TC),
também são mais difíceis. Além disso, os obesos tipicamente têm doenças cardiopulmonares, que
limitam sua capacidade de compensação ao trauma e ao estresse. A rápida reanimação volêmica
pode exacerbar essas comorbidades de base.
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REFERÊNCIAS

1. American College of Surgeons, Advanced Trauma Life Suport, 10ª Edição, 2018.
2. American College of Surgeons, Advanced Trauma Life Suport, 9ª Edição, 2012.
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