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FAL – FACULDADES ALENCARINAS

COESÃO E COERÊNCIA
IRANDÉ ANTUNES E INGEDORE KOCH

Semestre 2020.1
Professor: Dr. Emanoel Pedro

Sobral - 2020
A competência em leitura e em produção textual
não depende apenas do conhecimento do código
linguístico. Para ler e escrever com proficiência é
imprescindível conhecer outros textos, estar
imerso nas relações intertextuais, pois um texto é
produto de outro, nasce de/em outros textos.
 Nossa compreensão de um texto depende assim de
nossas experiências de vida, de nossas vivências,
de nosso conhecimento de mundo, de nossas
leituras. Quanto mais amplo o cabedal de
conhecimentos do leitor maior será sua
competência para perceber que o texto dialoga com
outros, por meio de referências, alusões ou
citações, e mais ampla será sua compreensão.
 Fragmento adaptado de: SCARTON, Gilberto. Guia de produção textual: assim é que se
escreve... Porto Alegre: PUCRS, FALE/GWEB/PROGRAD, [2002].
O TEXTO

O texto é uma unidade que faz sentido, ou


seja, para ele existir, ele deve ser coerente
e coeso.

 Mas, antes de aprofundarmos em


conceitos, vale dizer que o texto pode se
manifestar de várias formas: texto oral,
texto escrito, texto imagético...
PARA INÍCIO DE CONVERSA, VEJAMOS A SEGUINTE
CRÔNICA DE FERNANDO SABINO:

Fui chamado ao telefone. Era o chefe de escritório de


meu irmão:
- Recebi de Belo Horizonte um recado dele para o
senhor. É uma mensagem meio esquisita, com vários
itens, convém tomar nota: o senhor tem um lápis aí?
- Tenho. Pode começar.
- Então lá vai. Primeiro: minha mãe precisa de uma
nora.
- Precisa de quê?
- De uma nora.
- Que história é essa?
- Eu estou dizendo ao senhor que é um recado meio
esquisito. Posso continuar?
- Continue.
- Segundo: pobre vive de teimoso. Terceiro: não chora,
morena, que eu volto.
- Isso é alguma brincadeira.
- Não é não, estou repetindo o que ele escreveu. Tem
mais. Quarto: estou amarelo, mas não adoentado.
Tomou nota?
- Mas não adoentado - repeti, tomando nota. - Que
diabo ele pretende com isso?
- Não sei não, senhor. Mandou transmitir o recado,
estou transmitindo.
- Mas você há de concordar comigo que é um recado
meio esquisito.
- Foi o que eu preveni ao senhor. E tem mais. Quinto:
não sou colgate, mas ando na boca de muita gente.
Sexto: poeira é minha penicilina. Sétimo: carona, só de
saia. Oitavo...
- Chega! - protestei, estupefato. - Não vou ficar aqui
tomando nota disso, feito idiota.
- Deve ser carta em código ou coisa parecida - e ele
vacilou: - Estou dizendo ao senhor que também não
entendi, mas enfim... Posso continuar?
- Continua. Falta muito?
- Não, está acabando: são doze. Oitavo: vou mas volto.
Nono: chega à janela, morena.
Décimo: quem fala de mim tem mágoa. Décimo
primeiro: não sou pipoca, mas também dou meus
pulinhos.
- Não tem dúvida, ficou maluco.
- Maluco não digo, mas como o senhor mesmo disse, a
gente até fica com ar meio idiota... Está acabando, só
falta um. Décimo segundo: Deus, eu e o Rocha:
- Que Rocha?
- Não sei: é capaz de ser a assinatura.
- Meu irmão não se chama Rocha, essa é boa!
- É, mas foi ele que mandou, isso foi.
 Na sua opinião, por que existe um
estranhamento no texto?
CONTINUAÇÃO...
Desliguei, atônito, fui até refrescar o rosto com
água, para poder pensar melhor. Só então me lembrei:
haviam-me encomendado uma crônica sobre essas
frases que os motoristas costumam pintar, como lema,
à frente dos caminhões. Meu irmão, que é engenheiro
e viaja sempre pelo interior fiscalizando obras,
prometera ajudar-me, recolhendo em suas andanças
farto e variado material. E ele viajou, o tempo passou,
acabei me esquecendo completamente o trato, na
suposição de que o mesmo lhe acontecera.
Agora, o material ali estava, era só fazer a
crônica. Deus, eu e o Rocha! Tudo explicado: Rocha
era o motorista. Deus era Deus mesmo, e eu, o
caminhão.
Disponível em: http://tecopoetasonhador.blogspot.com.br/2011/10/em-codigo-fernando-
sabino.html. Acesso em: 24/02/2014. (Adaptação)
CONCLUSÃO...

É esperado de um texto a
continuidade e a articulação, ou
seja, um encadeamento lógico.
DEFININDO A COERÊNCIA TEXTUAL

 A coerência se constrói, em dada situação de


interação, entre o texto e seus usuários, em
função da atuação de uma complexa rede de
fatores, de ordem lingüística, sócio-cognitiva e
interacional. (KOCH, 2001, p.03)

 Conforme Beaugrande e Dressler (1987) para um


texto ser coerente, ele também deve estar de
acordo com o conhecimento de mundo do
interlocutor e estar relacionado com uma situação
conhecida e compartilhada com ele, de modo que
ele faça sentido em função também do seu leitor e
do meio social.
 Assim, sem a contribuição do interlocutor,
nenhum texto seria coerente. Vejamos o exemplo
abaixo:
 Você acha que Armandinho foi incoerente?

 Qual foi o erro de Armandinho?

 O que você faria para deixar o último quadro da


tirinha coerente?
FATORES DE TEXTUALIDADE
 De acordo com Val (1999), para um texto ser
coerente, ele deve obedecer a algumas
metarregras:

 Continuidade: diz respeito às retomadas


textuais que fazemos com a finalidade de
retrazer à mente do interlocutor o tema do nosso
texto. Como exemplo podemos citar o uso de
artigos definidos, indefinidos, pronomes
demonstrativos, repetições e substituições.
FATORES DE TEXTUALIDADE
 Progressão: além de retomar, o texto deve
progredir, portanto a progressão consiste na
articulação textual que prevê a inserção de
novos elementos, como novos temas, ou
subtemas.

 No caso da tirinha do Armandinho, podemos


destacar a sua segunda fala: e é causada pelo
acúmulo de placas. Neste ponto do diálogo, o
personagem fornece a seu interlocutor
informações adicionais sobre a gengivite e assim
faz seu texto progredir por um subtema.
FATORES DE TEXTUALIDADE

 Não contradição: já vimos que é preciso


retomar e progredir, mas isso não é suficiente. É
importante que o texto tenha informações que,
em relação umas com as outras, não se
contradigam, nem desmintam o que tenha sido
dito.
FATORES DE TEXTUALIDADE

 Relação ou articulação: trata-se do


modo como todas as informações novas e
velhas são retomadas, adicionadas ou
substituídas de acordo com como elas se
apresentam no texto.
 Caso Geisy: exibicionismo, machismo, intolerância
ou má-educação?
 Geisy Arruda, aluna de uma universidade em São
Bernardo do Campo (SP), precisou de escolta policial
para voltar para casa. Ela teria provocado a hostilidade
de cerca de 700 colegas, pelo apertado minivestido pink
com que foi à faculdade. A estudante, xingada e
humilhada, admitiu, depois, que errou ao usar essa
roupa. Enquanto muitos a defendem, como os estudantes
de Brasília, que manifestaram solidariedade, saindo nus
em passeata, outros consideram o caso um ato de
exibicionismo erótico premeditado. Expulsa da
faculdade, depois readmitida, Geisy não voltou às aulas,
mas tem ido a programas de TV para falar do episódio.
Tornou-se, por enquanto, uma celebridade. Mas, afinal,
onde está o centro desta polêmica? No vestuário
feminino, no machismo e na intolerância ou na má-
educação da sociedade em geral?
POR QUÊ?

Em vez de darem tanta evidência ao que esta


moça de vestido rosa andou fazendo, não escolher
um tema mais interessante?
Aquilo que realmente incomoda?
Aos domingos, a apresentadora Eliana usa
vestidos até mais curtos e ninguém fala nada?
Para que tanta hipocrisia? A universitária está
se achando e, assim, logo virão outras moças com o
mesmo tema, para ver no que dá.
Por que não escolher temas que poderiam
resultar em mudanças mais úteis para a sociedade?
Exemplos: fala-se tanto em meio-ambiente,
proteção aos animais... quanta hipocrisia.
V. Sas. já observaram como ficam os
cachorros, aves e outros animais quando alguém
solta fogos? Onde está o direito destes seres? Com
quem eles podem reclamar?
Meu cachorro tenta, desesperadamente,
abrigo embaixo de minha cama. Onde estão seus
direitos? Já observaram as aves nestas situações?
E as dondocas que saem com seus cachorrinhos,
cachorros e cachorrões nas ruas, sem ao menos
levar uma sacola para recolher seus cocôs?
Me poupem!!!!
Há assuntos bem mais interessantes que falar
no comprimento do vestido da universitária.
Nestas ocasiões, dá vontade de mudar de
país... Só aqui mesmo, para falar tanto tempo de
um episódio tão lamentável.
Lamentável a universitária não saber se portar
num ambiente de estudo, ir a um programa de tv
(Geral do Brasil) e dizer "já usei vestidos bem
piores do que este"... lamentável a atitude dos
alunos em agir de forma tão ignorante....
lamentável a atenção que se tem dado a este fato.
Tudo lamentável... desde a ousadia dela à
ignorância dos alunos.
FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
 Será que para compreendermos o texto como uma
unidade de sentido, precisamos apenas de fatores
lingüísticos? Certamente não.
 Beaugrand e Dressler (1987) sugerem que os
textos coerentes devem atender a fatores
extralingüísticos, a saber:
 Conhecimento de mundo: é a totalidade do
conhecimento armazenado em nossa memória,
adquirido através da experiências advindas do
nosso contato com o mundo.
 Intencionalidade: os textos devem contemplar
as intenções comunicativas de quem o produz.
Assim, ao interpretarmos o texto, devemos
identificar a intenção de seu autor.
FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
 Aceitabilidade: os textos devem corresponder às
expectativas de seus interlocutores e levar à
concordância de ideias com eles.
 Situacionalidade: consiste na adequação do
texto à situação na qual ele se insere. Por
exemplo, por estar em um encarte publicitário, os
anúncios deverão ser breves e chamativos, não
podem fornecer toda a ficha técnica dos produtos.
 Informatividade: consiste em uma medida
entre informações novas e velhas do texto.
Quanto mais informações novas, mais
informativo ele é.
FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
 Texto 1
 O Brasil é um país maior do que os menores e menor do que
os maiores. É um país grande porque, medida sua extensão,
verifica-se que não é pequeno. Divide-se em três zonas
climáticas absolutamente distintas: a primeira, a segunda e
a terceira, sendo que a segunda fica entre a primeira e a
terceira. As montanhas são consideravelmente mais altas
que as planícies, estando sempre acima do nível do mar. Há
muitas diferenças entre as várias regiões geográficas do
país, mas a mais importante é a principal. Na agricultura
faz-se exclusivamente o cultivo de produtos vegetais,
enquanto a pecuária especializou-se na criação de gado. A
população é toda baseada no elemento humano, sendo que
as pessoas não nascidas no país são, sem exceção,
estrangeiras.
FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
 Na indústria fabricam-se produtos industriais, sobretudo
iguais e semelhantes, sem deixar-se de lado os diferentes.
No campo da exploração dos minérios, o país tem uma
posição só inferior aos que lhe estão acima, sendo, porém,
muito maior produtor do que todos os países que não
atingiram o seu nível. Pode-se dizer que, excetuando seus
concorrentes, é o único produtor de minérios no mundo
inteiro. Tão privilegiada é hoje a situação do país, que os
cientistas procuram apenas descobrir o que não está
descoberto, deixando para a indústria tudo que já foi
aprovado como industrializável, e para o comércio tudo o
que é vendável. Na arte também não há ciência,
reservando-se esta atividade exclusivamente para os
artistas. Quanto aos escritores, são recrutados geralmente
entre os intelectuais. É, enfim, o país do futuro, sendo que
este se aproxima a cada dia que passa.
 Texto 2
 [...] o sentido genuíno e verdadeiro é a vontade de
dizer a verdade. Esta mudança sutil incorpora
o eidos ao telos, e a linguagem ao conhecimento.
Um discurso poderia muito bem estar em
conformidade com sua essência enquanto
discurso quando ele é falso; ele atinge, não
obstante, sua enteléquia, quando é verdadeiro.
FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
 É perfeitamente possível falar: “O círculo é
quadrado; porém fala-se bem ao dizer que ele não
é. Já existe sentido na primeira proposição, mas
estaríamos errados se concluíssemos daí que o
significado não aguarde a verdade. Ele não
aguarda a verdade como se esperá-la; apenas, ele
a precede como sua antecipação. Na verdade,
o telos que anuncia o cumprimento [fulfillment],
prometido para “depois”, já abriu espaço, de
antemão, para o sentido enquanto relação com
um objeto” (Derrida, 1973: 89).
O NEGÓCIO

 Grande sorriso do canino de ouro, o velho Abílio


propõe às donas que se abastecem de pão e
banana:
 - Como é o negócio?

 De cada três dá certo com uma. Ela sorri, não


responde ou é uma promessa a recusa:
 - Deus me livre, não! Hoje não...

 Abílio interpelou a velha:

 - Como é o negócio?

 Ela concordou e, o que foi melhor, a filha também


aceitou o trato. Com a dona Julietinha foi assim.
Ele se chegou:
 - Como é o negócio?
 Ela sorriu, olhinho baixo. Abílio espreitou o
cometa partir. Manhã cedinho saltou a cerca.
Sinal combinado, duas batidas na porta da
cozinha. A dona saiu para o quintal, cuidadosa de
não acordar os filhos. Ele trazia a capa de
viagem, estendida na grama orvalhada.
 O vizinho espionou os dois, aprendeu o sinal.
Decidiu imitar a proeza. No crepúsculo, pum-
pum, duas pancadas fortes na porta. O marido
em viagem, mas não era dia do Abílio.
Desconfiada, a moça surgiu à janela e o vizinho
repetiu:
 - Como é o negócio?

 Diante da recusa, ele ameaçou:

 - Então você quer o velho e não quer o moço? Olhe


que eu conto!
 - Espere um pouco - atalhou Julietinha. - Já
volto.
 Abriu a janela, despejou água quente na mão do
negro, que fugiu aos pulos.
 A moça foi ao boteco. Referiu tudo ao velho Abílio,
mão na cabeça:
 - Barbaridade, ô neguinho safado!

 O vizinho não contou e o cometa nada descobriu.


Mas o velho Abílio teve medo. Nunca mais se
encontrou com Julietinha, cada dia mais bonita.

 Textos extraídos do livro “Mistérios de Curitiba”,


 Editora Record - Rio de Janeiro – 1979, págs. 73 e 103.
SAIBA COMO UM ERRO DE PORTUGUÊS VIROU
CASO DE POLÍCIA NA PARAÍBA
No cartaz estava escrito "Oferta imperdível.
Chip Vivo. R$ 1 com aparelho". Ao ler, o
professor Aurélio Damião, 38, considerou a
proposta irrecusável.

Com R$ 4 no bolso, ele entrou na loja localizada


no centro de Guarabira, agreste da Paraíba, e
pediu chips -- com os quatro aparelhos celulares
correspondentes. Ele havia registrado a oferta
com uma foto antes de ir ao trabalho e decidiu
fazer a compra no final do expediente.

"Passei na loja e pedi: me veja quatro aparelhos


de R$ 1 da promoção", contou Damião.

O atendente da loja "explicou" o anúncio. Na


verdade, disseram, o redator queria dizer que os
http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/01
chips da operadora em questão sairiam por R$ 1
/27/saiba-como-um-erro-de-portugues- no caso da compra de qualquer celular adquirido
virou-caso-de-policia-na-paraiba.htm
pelo preço normal de tabela.
ANALISANDO

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