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USO DA

CANNABIS MEDICINAL
NO CONTROLE DA EPILEPSIA
CANINA
RELATO DE CASO

3º CURSO LIVRE SOBRE CANNABIS MEDICINAL

ALINE GONÇALVES GOULART – MÉDICA VETERINÁRIA

SIMONE FINKELSTAIN – VENDEDORA

UNIFESP

PARÓQUIA SÃO FRANCISCO DE ASSIS

SÃO PAULO/SP

2020

1
SUMÁRIO
RESUMO ----------------------------------------------------------------------------------------- 3

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------- 4

1. ETIOLOGIA DAS CONVULSÕES --------------------------------------------------- 4


2. FASES DA CRISE ------------------------------------------------------------------------ 4
3. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA ------------------------------------------------------- 6
4. TRATAMENTO COM ALOPÁTICOS ----------------------------------------------- 7
5. SISTEMA ENDOCANABINÓIDE----------------------------------------------------- 9
6. USO DA CANNABIS MEDICINAL NA EPILEPSIA CANINA ---------------- 11
FOTO DO PITICO FILHOTE ---------------------------------------------------------- 13
7. RELATO DE CASO --------------------------------------------------------------------- 13
8. TRATAMENTO COM ALOPÁTICOS ---------------------------------------------- 13
9. TRATAMENTO COM CANNABIS MEDICINAL -------------------------------- 14
FOTO DO PITICO ADULTO --------------------------------------------------------- 16
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ---------------------------------------------------------- 16
11. ANEXO I ---------------------------------------------------------------------------------- 17
12. ANEXO II --------------------------------------------------------------------------------- 18
13. ANEXO III -------------------------------------------------------------------------------- 19
14. ANEXO IV -------------------------------------------------------------------------------- 20
15. ANEXO V --------------------------------------------------------------------------------- 21
16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------- 22

2
RESUMO

A epilepsia é um grande problema na clinica neurológica do cão e do


gato. A violência das manifestações e sua cronicidade dificultam com
frequência a vida dos animais acometidos e de seus proprietários.
Muitas vezes, o quadro clínico se apresenta de forma mista. Como as
manifestações mais descritas na clínica neurológica de pequenos
animais são as crises motoras generalizadas, o termo mais empregado é
de convulsão ou crise convulsiva.
As convulsões são originadas no cérebro. Elas são a manifestação física
da sincronia anormal das descargas elétricas cerebrais. O cérebro pode
ser estimulado a produzir convulsões por causas intracranianas e
extracranianas.
Existem numerosos fármacos anticonvulsivantes no mercado, mas os
empregáveis na terapia são poucos.
Não se sabe a dose correta nem os efeitos colaterais a curto e a longo
prazo de muitos deles, por esses motivos, não existem recomendações
aceitáveis para seu uso na prática veterinária.
Todos os fármacos apresentam desvantagens e efeitos colaterais, a mais
preocupante é constituída pelo possível desenvolvimento de
hepatopatias.
Nesse estudo vamos relatar o caso do Border Collie Pitico de 4 anos,
que apresentou suas convulsões com 1 ano de idade e iniciou o
tratamento com alopáticos por 3 anos e meio e devido a péssima
qualidade de vida do animal, sua tutora iniciou o tratamento com a
Cannabis, deixando de usar alguns alopáticos após o uso do óleo full
spectrum da Cannabis. Vamos aprender sobre a epilepsia e aprender
como se emprega a Cannabis Medicinal no tratamento e controle das
crises convulsivas, entender sua atuação e como podemos ter uma
alternativa para exclusão de alguns anticonvulsivantes. Devido seus
efeitos benéficos e mínimos efeitos colaterais é possível o emprego no
tratamento e na prevenção das crises convulsivas a longo prazo.

3
INTRODUÇÃO

Apesar de não adquirir o mesmo impacto social que tem no campo


humano, a epilepsia é um grande problema na clínica neurológica do cão
e do gato. A violência das manifestações e sua cronicidade dificultam
com frequência a vida dos animais acometidos e de seus proprietários.
(FERNÁNDEZ, et al, 2010).
As convulsões são originadas no cérebro. Elas são a manifestação física
da sincronia anormal das descargas elétricas cerebrais. (BICHARD,et al.,
1998). Durante uma convulsão ocorre uma atividade elétrica excessiva
ou hipersincrônica anormal nos neurônios que se manifesta clinicamente
através do comprometimento ou perda da consciência, de fenômenos
motores anormais, de distúrbios psíquicos, sensoriais ou de sinais
nervosos autônomos como: salivação, vômito, micção e defecação
(CHRISMAN et al.,2005).
O cérebro pode ser estimulado a produzir convulsões por causas
intracranianas ou extracranianas. O propósito principal do exame clínico,
exame neurológicos e dos testes laboratoriais é a diferenciação dessas
duas causas. (BICHARD, et al, 1998).

1. Etiologia das Convulsões


* Causas Extracranianas: transtornos em qualquer local do corpo,
afetando secundariamente o metabolismo cerebral;
-Metabólica: Hipoglicemia, desvio portossistêmico, hiperosmolaridade ou
síndrome da hiperviscosidade. (FITZMAURICE, 2011)
-Tóxicas.
* Causas Intracranianas:
- Estruturais: Interrupção física do tecido cerebral,
inflamação, malformação, degeneração, trauma,
hemorragia/isquemia, anomalias congênitas ou tumor;
- Funcionais: transtorno em nível celular, alterando os
impulsos elétricos; degenerativas, epilepsia idiopática. (FITZMAURICE,
2011)

2. Fases da Crise
A maioria das convulsões na espécie canina possui componente motor e
manifesta-se de forma generalizada com contrações do tipo tônico-
clônico em que há períodos alterados de atividade tônica, com aumento
do tônus muscular extensor, e clõnica, com contrações musculares,
4
breves e involuntárias (CHRISMAN,2005; TAYLOR, 2010). As
contrações clônicas são responsáveis pelas manifestações clínicas de
fasciculação facial, mastigação ruidosa e movimentos abruptos do
pescoço e dos membros, já as contrações tônicas são responsáveis por
sinais como careta facial, abertura do maxila, extensão dorsal da cabeça,
do pescoço e extensão dos membros (CHRISMAN, 2005).
Clinicamente, pode-se dividir uma crise em vários componentes: fase
pré-ictus, ictus e pós-ictus. (FITZMAURICE, 2011; FERNÁNDEZ, et al,
2010).
Fase de pré ictus: É o período imediatamente precedente ao ataque
convulsivo. (BICHARD, et al, 1998). Em geral caracteriza-se por
alterações de comportamento, como: agitação, choro e busca pelo
proprietário, o qual geralmente refere que seu cão “ percebe que a crise
vai ocorrer e procura proteção”. Esta fase tem duração variável de
poucos segundos á várias horas, ou até mesmo um dia.( FERNANDEZ,
et al, 2010). Essa fase é uma manifestação subjetiva e inicial da
convulsão, na qual os animais podem apresentar atividades motoras ou
sensoriais estereotipadas (na marcha, na deglutição e ao lamber),
padrões autônomos (salivação, vômito, micção. (CHRISMAN, 2005;
PLATT, 2012).
Fase icto: É o ataque convulsivo clínico real. (BICHARD, et al, 1998)
Esse estágio geralmente é breve, durando menos de 2 minutos,
(geralmente de 30 segundos a 2 minutos): no entanto, podem ocorrer
grupos de vários ataques convulsivos. (FERNÁNDEZ, et al, 2010;
BICHARD, et al, 1998). A frequência é muito variável; pode ocorrer
desde várias crises num mesmo dia até uma a cada vários
meses.(FERNÁNDEZ, et al, 2010).
Nas típicas crises tônico-clônicas com perda da consciência, o cão pode
apresentar uma breve fase de rigidez da musculatura das extremidades,
quando ainda está em estação. Depois verifica-se a queda em decúbito
dorsal (exceto se o animal já está em decúbito). (FERNÁNDEZ, et al,
2010).
A fase tônica provoca geralmente rigidez da musculatura das
extremidades, com opstótono e ranger de dentes. A pele por trás da
orelha pode-se preguear. Durante essa fase pode haver salivação,
defecação e micção.(FERNÁNDEZ, et al, 2010).
A fase clônica é caracterizada por movimentos de pedalagem das quatro
extremidades e geralmente acompanhada de movimentos mastigatórios.
(FITZMAURICE, 2011; FERNÁNDEZ, et al, 2010). Esta pode ser tão

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violenta a ponto de deslocar o corpo do animal, principalmente nas raças
de pequeno porte. (FERNÁNDEZ, et al, 2010).
Convulsão parcial: envolvimento focal, com ou sem alteração na
consciência ou responsividade. Ela pode generalizar-se
secundariamente, envolvendo todo o corpo. (FITZMAURICE, 2011).
A frequência das contrações tende a diminuir com o passar do tempo o
que permite perceber que a crise está terminando. (FERNÁNDEZ, et al,
2010).
Fase pós icto: Esta última fase é de duração extremamente variável.
(FERNÁNDEZ, et al, 2010). Ocasionalmente dura dezenas de segundos,
em outras vezes, pode prolongar-se por dias à semanas.
(FITZMAURICE, 2011; FERNÁNDEZ, et al, 2010). Podem ser
observados debilidade, amaurose (cegueira de origem central)
transitória, midríase, polifagia incontrolável, polidpsia, desorientação,
andar compulsivo, olhar fixo, medo e vocalização sem motivo aparente.
(FERNÁNDEZ, et l, 2010). A duração da fase de pós-icto e a intensidade
de suas manifestações, não estão relacionadas com a crise produzida;
todavia os animais que apresentam crises repetidas num mesmo dia
tendem a ter fases de pós-icto cada vez mais prolongadas.
(FITZMAURICE, 2011; FERNÁNDEZ, et al, 2010).

3. Abordagem Diagnóstica
O objetivo no exame minucioso de um paciente com ataques convulsivos
é a distinção dos ataques convulsivos com uma causa discernível dos
sem causa conhecida. Se não puder achar uma causa, o tratamento
pode resultar em um alívio do problema secundário da epilepsia.
(BICHARD, et al, 1998). Portanto uma rigorosa e aprofundada anamnese
deve ser realizada, já que na maioria das vezes, o exame neurológico
não aponta alterações e apenas o proprietário presencia as convulsões.
Existem inúmeras perguntas importantes a serem feitas aos proprietários
de cães que apresentam as crises convulsivas. (FERNÁNDEZ, et al,
2010; PLATT,2012). O clínico deve pedir para o proprietário descrever o
evento convulsivo. (CHRISMAN et al.,). Sabe-se que ter ciência da
duração, do padrão e da frequência das crises é importante não só para
realizar o diagnóstico, mas também para escolher a terapia mais
adequada para o animal (CHRISMAN et al., 2005; PLATT,2012). Como
regra prática, quanto mais tempo o paciente for epilético, menos
provavelmente se encontrará a causa dos ataques convulsivos.
Determine cuidadosamente o ataque convulsivo; os ataques convulsivos
focais típicos constituem característica comum de doença estrutural.
6
Pergunte acerca do comportamento interictal (entre os ataques
convulsivos), pois uma alteração no tipo do ataque convulsivo e
demência interictal constituem características comuns das doenças
extracranianas. (BICHARD, et al, 1998). As enfermidades capazes de
causar uma crise convulsiva são numerosas. A maior parte é comum
tanto em cães quanto em gatos, mas outras são exclusivas ou mais
frequentes em uma ou duas espécies. (FERNÁNDEZ, et al, 2010).
Exame neurológico: O exame neurológico constitui a melhor pista da
presença de uma doença estrutural (BICHARD, et al, 1998).
O exame neurológico poderá revelar: nenhuma anormalidade,
anormalidades difusas ou simétricas do prosencéfalo, anormalidades
focais ou assimétricas do prosencéfalo; ou anormalidades multifocais do
sistema nervoso central (PLATT, 2012). Um exame neurológico normal,
geralmente é encontrado em animais com epilepsia idiopática ou
metabólica (BICHARD, et al, 1998). Cães com epilepsia sintomática
podem não ter nenhuma alteração no exame neurológico caso a lesão
esteja localizada em áreas em que não haja manifestação clínica
aparente, como no bulbo olfatório (PLATT, 2012)..
Testes laboratoriais: Recomenda-se contagem sanguínea completa,
um perfil bioquímico sérico, medição dos ácidos biliares, urinálise e
exame fecal em todos os pacientes epiléticos. (FITZMAURICE, 2011;
FERNÁNDEZ, et al, 2010). As radiografias cranianas podem ser úteis se
suspeitar-se de hidrocefalia congênita, traumatismo da cabeça ou tumor
da calvária. (BICHARD, et al, 1998). A ressonância magnética é
preferível em relação a tomografia computadorizada, na maioria dos
casos, devido sua resolução de alto contraste de tecidos moles e
ausência de artefatos na fossa caudal (área do crânio entre tentório
cerebelar e o osso occipital. (FITZMAURICE, 2011). Análise do líquido
cefalorraquidiano, geralmente feita junto com a RM/TC. (FITZMAURICE,
2011). Se houver fontanela aberta uma ultrassonografia craniana pode
ser útil. (BICHARD, et al, 1998).

4. Tratamento com Alopáticos


O primeiro princípio no tratamento da epilepsia é o tratamento
da causa, se for possível encontra-la. (BICHARD, et al, 1998) Todavia,
apenas as causas toxicometabólicas e inflamatórias, se não tão graves a
ponto de causar a morte do paciente na fase aguda, possuem uma boa
possibilidade de cura definitiva.(FERNÁNDEZ, et al, 2010). Se isso não
for possível, então trate os sintomas do paciente com drogas
antiepiléticas que estabilizam as propriedades elétricas da membrana
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das células nervosas, servindo de obstáculos às descargas elétricas
espontâneas (FERNÁNDEZ, et al, 2010; BICHARD, et al, 1998). Aqui
enumeram-se os diversos mecanismos de ação destes fármacos:
• Moduladores da função de tampão da glia: acetazolamida.
• Moduladores de canais de cloro da membrana: fenobarbital,
barbexaclona.
• Moduladores dos canais de sódio da membrana: carbamazepina,
oxcarbazepina, fenitoína, lamotrigina, topiramato e ácido valproico.
• Moduladores dos canais de cálcio da membrana: etosuximida,
nimodipina e fenobarbital.
• Estimulantes ou supostos estimulantes da ação do neurotransmissor
inibitório GABA: todos benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam,
• lorazepam, etc), fenobarbital, gabapentina, y-vinil-GABA, tiagabina,
topiramato e ácido valpróico.
• Inibidores de ação de transmissores excitatórios: fenobarbital, felbamato,
lamotrigina e topiramato. (FERNÁNDEZ, et al, 2010).
A terapia com antiepiléticos orais a longo prazo é destinada a
evitar ou controlar os ataques convulsivos. Consegue-se isso
através do estabelecimento e da manutenção de níveis
sanguíneos de uma droga que iniba o desenvolvimento ou a
propagação das descargas de ataque convulsivo do SNC. (BICHARD, et
al, 1998).
Objetivos do tratamento: Reduzir o número de ataques convulsivos,
reduzir a severidade dos ataques convulsivos individuais, aumentar o
período entre os episódios de ataques convulsivos, reduzir os efeitos
pós-ictais, evitar a intoxicação por drogas, usar uma única droga.
(BICHARD, et,al 1998).
Qualquer terapia iniciada é geralmente proposta para anos, com todos os
inconvenientes. É difícil estabelecer qual a frequência mínima de
ocorrência que justifique o início do tratamento. Os fatores que devem
ser levados em consideração são os seguintes: Causa da crise,
Gravidade dos episódios, frequência das crises, disponibilidade do
proprietário em administrar regularmente o fármaco, fatores econômicos.
(FERNÁNDEZ, et al, 2010).
Como regra base, aconselha-se instituir o tratamento quando a
frequência das crises é menor que 45 dias. É importante começar com
uma dose baixa (dentro das recomendadas pelo fármaco) e aumenta-la
gradualmente até alcançar a dose mínima suficiente para controlar a
crise (FERNÁNDES, et al, 2010).

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A determinação dos níveis plasmáticos é indispensável para avaliar a
eficácia do fármaco. Deve-se efetuá-la periodicamente quando há
estabilidade do quadro clínico ( ou seja, da dose) e pontualmente todas
as vezes que se modifica a posologia. (FERNÁDEZ, et al, 2010;
BICHARD, et al, 1998).
É útil verificar a absorção do fármaco para evitar níveis tóxicos, assim
como para determinar se uma substância não se mostra eficaz ou
quando aparecem efeitos secundários após a administração da dose
que, em princípio, não deveria provoca-los. (FERNÁNDEZ, et al, 2010).
Em geral quanto mais drogas se usar, maior será a chance de
intoxicação. Muitos estudos mostraram que o uso de drogas
antiepiléticas múltiplas geralmente potencializa uma intoxicação e
raramente melhora o controle. Alguns pacientes podem apresentar
reações idiossincráticas verdadeiras a uma droga, exibindo intoxicação
em doses muito baixas. (BICHARD, et al, 1998).
Os fracassos terapêuticos não são infrequentes. As causas podem ser: o
fármaco pode ser mal absorvido, pode ser eliminado muito rapidamente,
pode apresentar dificuldade para superar a barreira hematoencefálica,
existe uma tendência intrínseca dos neurônios epiléticos com atividades
paroxística, que resistem a ação dos fármacos, em alguns animais a
administração do fármaco torna-se difícil com o passar do tempo,
ocorrência de epilepsia refratária, os proprietários não administram a
medicação de modo regular (esquecimento, desconfiança, suspensão do
tratamento por conta própria). (FERNÁNDEZ, et al, 2010; LORENZ E
CORNEGAY, 2006).

5. Sistema Endocanabinóide
Para entender como a cannabis medicinal atua devemos estudar
primeiramente o sistema endocanabinóide.
O gênero Cannabis, parte da família Cannabaceae, é conhecido desde
4000 A.C., data das primeiras evidências do cultivo de fibras da planta na
China, durante a dinastia Han. Há indícios do uso medicinal, recreacional
e religioso da planta a partir de 1000 A.C na Índia, Tibete, Pérsia e
Assíria, logo atingindo a Europa pelo Mediterrâneo e persistindo até os
tempos modernos. Após um período de decréscimo no uso Cannabis no
início do século XX, seguido de um processo mundial de restrição do seu
uso e cultivo, iniciado nos EUA, um novo interesse pela planta surgiu
com a descoberta dos primeiros fitocanabinoides (CARVALHO, C. R. et
al, 2017; FRANCISCHETTI e DE ABREU, 2006).

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Os canabinoides constituem um grupo heterogêneo de substâncias
endógenas e exógenas que exercem diversas ações farmacológicas
através da interação com o sistema endocanabinoide. Existem três
classes de canabinoides: fitocanabinoides, endocanabinoides e
canabinoides sintéticos. As plantas do gênero Cannabis contém mais de
100 compostos relacionados quimicamente e biossinteticamente, as
quais são coletivamente denominadas fitocanabinoides. (CARVALHO, C.
R. et al, 2017). Os fitocanabinoides são compostos terpenoides lipofílicos
derivados do resorcinol, que são estruturalmente distintos, porém
farmacologicamente semelhantes, aos ligantes endógenos
(endocanabinoides) canabinoides sintéticos. O THC e o CBD são os dois
compostos majoritários da Cannabis e os principais responsáveis pelas
ações farmacológicas da planta. ( CARVALHO, C. R. et al, 2017).
Cultivada há mais de cinco mil anos para a obtenção de fibras utilizadas
na manufatura de tecidos, a Cannabis era prescrita pelos chineses,
desde 2600 A.C., para tratar câimbras, dores reumáticas e menstruais
(CARVALHO, C. R. et al, 2017). Porém, só em 1964 o seu princípio ativo
Δ9 - tetra-hidrocanabinol (THC) foi isolado e sua estrutura química
caracterizada. Em 1988, o primeiro receptor canabinóide foi identificado.
Em 1993, esse receptor foi cognominado CB1 pois, nesse mesmo ano,
um segundo receptor foi caracterizado e designado CB2. Ambos os
receptores estão acoplados às proteínas G e pertencem a uma grande e
diversificada família de proteínas acopladas à membrana celular. A
distribuição tecidual dessas estruturas explica a maior parte dos efeitos
psicotrópicos do THC e atribuídos aos receptores CB1. Os efeitos dos
receptores periféricos CB2 estão mais associados à resposta imune. Os
primeiros ligantes endógenos dos receptores canabinóides – os
endocanabinóides – foram isolados em 1992. Nos dias atuais, a
anandamida (N-araquidonoil etanolamina) e o 2-araquidonoil glicerol (2-
AG) são, entre os canabinóides endógenos, os mais exaustivamente
estudados. O termo “ananda” oriundo do Sânscrito significa felicidade
serena ou bem-aventurança. Ambos os endocanabinóides são agonistas
dos receptores CB1 e CB2 . Os níveis celulares e teciduais do 2-AG são
mais elevados que os da anandamida por conta de seu maior
envolvimento em várias vias metabólicas. Os receptores canabinóides,
os endocanabinóides e as enzimas que catalisam sua biossíntese e
degradação constituem o sistema endocanabinóide. ( CARVALHO, C.R.
et al, 2017; FRANCISCHETTI, E. A. e DE ABREU, 2006).
As múltiplas funções do sistema endocanabinóide, estudos clínicos e
experimentais têm demonstrado que os canabinóides endógenos e a
10
ativação concomitante de seus receptores CB1 causam uma pletora de
efeitos, entre os quais: 1) envolvimento na antinociceptividade
(diminuição da sensibilidade aos estímulos dolorosos), controle do
movimento e inibição da memória de curto prazo; 2) inibição da secreção
de prolactina e do hormônio do crescimento e aumento na secreção do
ACTH; 3) efeitos ansiolíticos, através de ações sobre o eixo hipotálamo-
hipófise-adrenal; 4) modulação da resposta imune e inflamatória; 5)
aumento da freqüência cardíaca, vasodilatação e broncodilatação; 6)
inibição da secreção de testosterona, anovulação e relaxamento uterino;
7) atividade antitumoral; 8) neuroproteção diante de situações de trauma
e hipóxia; 9) modulação da ingestão de alimentos graças aos seus
efeitos sobre a liberação de peptídeos e hormônios hipotalâmicos e à
regulação dos mesmos pelos esteroides; 10) aumento do limiar
convulsivo ( FRANCISCHETTI e DE ABREU, 2006).
Canabinoides de Uso Medicinal O termo “Cannabis medicinal” ou
“maconha medicinal” refere-se ao uso de partes da Cannabis ou de
canabinoides derivados da planta para tratar ou aliviar os sintomas (dor,
espasticidade, náuseas e vômitos) de uma doença específica.
(CARVALHO, C. R. et al, 2017).

6. Uso da Cannabis Medicinal no Controle da Epilepsia Canina


O sistema endocanabinoide humano e animal é o mesmo e seus efeitos
sob os demais sistemas fisiológicos são iguais. A função principal desse
sistema é regular todos os demais a fim de manter a homeostasia
celular. Para isso, o sistema endocanabinoide regula a entrada de íons
nas células, controla as vias de sinalização intracelular (AMPc, MAPK,
ERK, Caspases, etc) e modula todo o sistema imunológico. A soma das
ações do sistema endocanabinoide nas vias intra e intercelulares de
sinalização, por meio da regulação de receptores celulares como CB1,
CB2, GPR55, GPR118, PPARs, TRPVs, 5HT-1, controla
fundamentalmente todos os processos biológicos da célula. É daí que
vem a regulação da homeostasia”. Possui efeito anticonvulsivo muito
importante e que deve ser destacado. “Assim como o efeito anti-
inflamatório, não há outro medicamento comparável à maconha quando
se trata de controle da epilepsia e convulsões. (LARA, 2020;
CARVALHO, C.R. et al, 2017). Os receptores canabinoides clássicos
(CB1 e CB2) são receptores acoplados à proteína G e sua ação mais
imediata é o controle da entrada de cálcio nas células. Crises epilépticas
e convulsões são oriundas da hiperatividade neuronal do SNC. O mais
importante gatilho para a liberação de neurotransmissores na fenda
11
sináptica é a entrada de cálcio no neurônio pré-sináptico. Uma das
funções específicas do receptor CB1 é fechar os canais de cálcio em
neurônios hiperexcitados. Assim, as crises convulsivas encerram
rapidamente (muitas vezes, imediatamente)”. Os usos terapêuticos da
maconha envolvem qualquer processo inflamatório, incluindo doenças
autoimunes, dor, câncer, epilepsias e outras doenças neurológicas e
diabetes (LARA, 2020).
Os receptores específicos CB1 e CB2 se localizam nas membranas pré
sinápticas, e influenciam diretamente os neurotransmissores Gaba,
glutamato, noradrenalina, serotonina e dopamina. Os receptores CB1
são distribuídos por todo cérebro, particularmente nos gânglios basais,
no hipocampo, no cerebelo, e nas regiões frontais do córtex cerebral. Os
receptores CB2 são encontrados perifericamente e não são detectados
no SNC ( sistema nervoso central). Ambos os receptores inibem a
adenilciclase e estimulam a condutância dos canais de potássio. Após a
distribuição pelos tecidos, a cannabis chega ao fígado, onde é
metabolizada, por meio do sistema enzimático citocromo P450 (LARA,
2020).
A cannabis contém dezenas de substâncias psicoativas cujas
combinações específicas em diferentes cepas correspondem a
diferentes tipos de efeitos terapêuticos e cognitivos. O "efeito de
comitiva" refere-se aos efeitos sinérgicos dos múltiplos compostos
presentes em organismos inteiros, o que pode potencializar a eficácia
clínica enquanto atenua os efeitos colaterais. (RIBEIRO, S, 2018).

12
7. Relato de caso
Esse relato de caso é de um Border Collie de 4 anos, cor: preta e branca
macho, castrado, 20 kg, chamado Pitico. Ele nasceu de uma ninhada de
7 filhotes com 6 machos e 1 fêmea, sendo ele o menorzinho por isso o
nome Pitico, e até hj ele tem o porte menor do que o padrão da raça. Se
alimenta de comida natural desde pequeno, teve uma vida normal até
completar um ano de idade, quando iniciaram as convulsões.

PITICO

Fonte: Acervo pessoal

Sua tutora procurou a clínica veterinária já nas primeiras crises, e o


veterinário iniciou o tratamento com os alopáticos de eleição, como
estudado anteriormente.

8. Tratamento com Alopáticos


Tratamento prescrito pelo veterinário no inicio das crises foi o
fenobarbital (Gardenal®) 50mg bid, manteve esse protocolo apenas
alguns dias, pois ainda apresentava as crises. Então o veterinário
aumentou o Gardenal para 100mg bid e ainda assim, o Pitico voltou a
13
apresentar as crises convulsivas. A tutora retornou ao veterinário
(neurologista) onde o mesmo adicionou ao tratamento o Brometo de
Potássio 3,5ml bid e assim permaneceu por uns 6 meses. Nesse tempo o
Pitico, já havia perdido um pouco da qualidade de vida, pois o mesmo
não era um cão interessado em brinquedos ou brincadeiras, apresentava
algumas crises esporádicas e quando voltava das crises, não reconhecia
a dona e ficava por muito tempo perdido, batia com a cabeça e tombava.
A tutora, tentava manter uma rotina normal de alimentação, passeios e
idas à creche 1x por semana (convulsionava lá). Entre uma medicação
ou outra ele apresentava algumas crises mais leves e outras focais. Após
esses 6 meses iniciou novamente com crises diárias e muito longas e a
se debater muito. A tutora então retornou ao veterinário (neurologista) e o
mesmo introduziu mais um anticonvulsivo Levetiracetam (Keppra®)
250mg sid. Assim se manteve por 2 anos e meio porém os relatos da
tutora eram que ela já não tinha mais um cão feliz, ele passou a ficar
dopado diariamente, dormia quase o dia todo, a maioria das vezes não
reconhecia a dona, tinha um olhar perdido e ainda assim as vezes
apresentava umas crises convulsivas. Isso começou a incomodar a
tutora que foi procurar tratamentos alternativos, quando encontrou relatos
de uso da Cannabis Medicinal na veterinária e entrou em contato com o
veterinário pioneiro no uso.

9. Tratamento com a Cannabis Medicinal


11/01/2020 foi a primeira consulta. Foram realizados exames de sg e
imagens (em anexo) antes de iniciar o tratamento, onde já se pode
constatar alteração hepática, o que é esperado nos casos do uso de
anticonvulsivantes, pois sabe-se que diminui a expectativa de vida devido
essas alterações serem progressivas. Comparando com exames
recentes de 08/06/20 (em anexo) constata-se que usando a Cannabis em
5 meses, não houve alteração significativa em nenhum parâmetro, isso já
é um benefício, pois o animal ainda continua sendo medicado com o
Gardenal.
O veterinário canábico, deu início ao uso do óleo full spectrum (óleo com
todos os componentes da planta), por 30 dias sem retirar nenhuma
medicação.
O início do tratamento com a cannabis segue um padrão de
administração, pois a dosagem é estabelecida pelas reações de cada
indivíduo. Iniciamos com uma dosagem mínima e vamos aumentando
gradativamente até obter êxito.

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A receita do Pitico foi a seguinte: administrar 1 gota do óleo da cannabis
à noite após 1 hora do jantar durante 3 dias; após 3 dias, administrar 1
gota pela manhã e 1 gota a tarde, por 30 dias. Após esse período o
veterinário retirou o Levetiracetan (Keppra®) o brometo de Potássio e
aumentou para 3 gotas de manhã 2 à tarde e 3 à noite, permanecendo
assim por mais um mês quando sem motivo aparente o animal iniciou
com crises diárias, as vezes até mais de uma por uns 3 dias, foi quando
a tutora entrou em contato com o veterinário que aumentou as gotas para
5 gotas de manhã, 3 à tarde e 5 à noite por mais um mês e após esse
período o veterinário voltou para as doses habituais, 3 gotas de manhã, 2
gotas à tarde e 3 gotas à noite, fracionou a alimentação natural para 3
vezes ao dia onde a tutora administra o óleo 1 hora após as refeições e
diminuiu também a dose do Gardenal® para 100mg de manhã e 50 mg à
noite permanecendo assim até o presente momento (15/06/2020).
A tutora relata que hoje o animal tem em média 1 a 2 convulsões (crises
focais, não são generalizadas) por mês e a tutora pega o animal, acaricia
e muitas vezes não necessita nem dar as gotinhas, o que não se
compara com antigamente quando usava os 3 anticonvulsivantes, ficava
chapado, dormia o dia todo, tinha o olhar perdido quando voltava das
crises, não reconhecia a mesma. Hoje ele é um cão feliz, brinca com os
outros cães, interage bastante e quando apresenta um sinal de que vai
convulsionar, recebe bastante carinho e responde positivamente; quando
se faz necessário a tutora administra algumas gotas do óleo até o animal
voltar ao normal.
Como sabemos a epilepsia não tem cura e sim controle. O que
buscamos mostrar aqui é que estamos atrás de um controle com melhor
qualidade de vida e a Cannabis medicinal se mostra muito eficaz.
Sabemos também que determinadas horas ou dias o ajuste da dose se
faz necessário, e o proprietário nesse momento é quem vai ajudar a fazer
esse controle, por conviver com o animal e saber o que realmente é
melhor para ele naquele momento, entrando em contato com o
veterinário, acompanhando e relatando as reações para melhor ajuste da
dose. Esse animal continua em tratamento e possívelmente o veterinário
vai acompanhar até a retirada total do Gardenal®, sempre
acompanhando as reações. Cães epiléticos devem ser avaliados
periodicamente pelo veterinário. Vale salientar que o prognóstico desses
animais varia de acordo com a origem etiológica do ataque convulsivo e
a sua resposta ao tratamento.

15
10. Considerações finais
Conclui-se que a epilepsia, apesar de ser bastante estudada na espécie
canina, possui inúmeros aspectos pouco compreendidos, principalmente
no que diz respeito a alguns mecanismos fisiopatológicos e mecanismos
de ação dos fármacos utilizados em seu tratamento. Vale lembrar que
não existe um protocolo de tratamento fechado e cada animal responde
de forma individual aos fármacos.
Hoje o que podemos dizer é que a Cannabis Medicinal está sendo uma
arma no controle da epilepsia e contra os efeitos colaterais dos fármacos
habituais. A resposta ao tratamento em animais assim como em seres
humanos superam expectativas, por ter um sistema diferenciado onde,
com o uso não trata apenas um determinado problema e sim todos os
outros sistemas causando um efeito de homeostasia no indivíduo.

Pitico Hoje (Acervo Pessoal).

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11. Anexo I
Hemograma 11/01/2020

17
12. Anexo II
Bioquimicos 11/01/2020

18
13. Anexo III
Ultrassonografia 11/01/2020

19
14. Anexo IV
Hemograma 08/06/2020

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15. Anexo V
Bioquimico 08/06/2020

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16. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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