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KÖVECSES , Zoltan. Metaphor: a practical introduction.

New York: Oxford


University Press, 2002. (tradução de Maity Siqueira e Letícia Loder)

Capítulo 1

O QUE É METÁFORA?

Considere o modo como os falantes nativos de português


freqüentemente falam sobre a vida – sobre a sua própria vida ou a dos outros.

As pessoas podem dizer que tentam dar aos seus filhos alguma
educação, de modo que eles possam ter um bom início na vida. Se seus
filhos aprontam algo, elas esperam que eles estejam apenas passando
por uma fase, e que eles irão passar por cima disso. Os pais esperam
que seus filhos não sofram com dificuldades financeiras ou problemas
de saúde e, se eles enfrentarem tais dificuldades, esperam que tenham
capacidade de superá-las. Os pais esperam que seus filhos tenham uma
longa vida e que eles irão longe na vida. Mas eles também sabem que
seus filhos, como todos os mortais, atingirão o fim da estrada. (Baseado
em Winter, 1995, p. 235).

Esse modo de falar sobre a vida poderia ser entendido pela maioria dos
falantes de português como normal, e natural para os propósitos do dia-a-dia.
O uso de frases do tipo: ter um bom início, passar por uma fase, passar por
cima disso, ter uma vida longa, atingir o fim da estrada e assim por diante, não
pareceriam um uso particularmente pitoresco ou literário da linguagem.
Segue, abaixo, uma lista de outras frases que os falantes de português
usam para falar do conceito de vida:
Ele está sem rumo na vida.
Estou onde gostaria de estar na vida.
Estou em uma encruzilhada na vida.
Ela nunca deixa ninguém se atravessar no seu caminho.
Ele tem passado por muita coisa na vida.

Considerando todos esses exemplos, podemos perceber que uma


grande parte do modo como se fala sobre a vida em português deriva do modo
como falamos sobre viagens. À luz de tais exemplos, parece que os falantes de
português fazem um extensivo do domínio das viagens para pensar sobre o
conceito altamente abstrato de vida. A questão é: Por que nos baseamos tão
fortemente no domínio das viagens no esforço de compreender a vida? A
lingüística cognitiva sugere que fazemos isso porque pensar sobre o conceito
abstrato de vida é facilitado pelo conceito mais concreto de viagem.

1. Metáfora Conceitual
Na visão da Lingüística Cognitiva, a metáfora é definida como o
entendimento de um domínio conceitual em termos de outro domínio
conceitual. Exemplos disso são os casos em que falamos e pensamos sobre a
vida em termos de viagens, sobre discussões em termos de guerra, sobre amor
em termos de viagens, sobre teorias em termos de edificações, sobre idéias
em termos de comida, sobre organizações sociais em termos de plantas, e
muitos outros. Um atalho conveniente para se entender essa visão é O
seguinte: DOMÍNIO CONCEITUAL (A) É DOMÍNIO CONCEITUAL (B), o qual é
chamado de metáfora conceitual. Uma metáfora conceitual consiste de dois
domínios conceituais, na qual um domínio conceitual é entendido em termos de
outro. Um domínio conceitual é qualquer organização coerente de experiência.
Então, por exemplo, nós temos conhecimentos coerentemente organizados
sobre viagens, nos quais nos baseamos para entender a vida. Iremos discutir a
natureza desse conhecimento a seguir.
Precisamos distinguir metáforas conceituais de expressões lingüísticas
metafóricas. As últimas são palavras ou outras expressões derivadas da
linguagem ou da terminologia do domínio conceitual mais concreto (o domínio
B). Assim, todas as expressões acima que têm a ver com o domínio ‘vida’ e
que derivam do domínio ‘viagem’ são expressões lingüísticas metafóricas,
enquanto a metáfora conceitual correspondente que elas tornam manifesta é A
VIDA É UMA VIAGEM. O uso de letras maiúsculas indica que tal expressão
não ocorre como tal na linguagem, mas é conceitualmente subjacente a todas
as expressões metafóricas listadas a partir dela.
Os dois domínios que participam de uma metáfora conceitual têm nomes
especiais. O domínio conceitual a partir do qual derivamos expressões
metafóricas para entender outro domínio conceitual é chamado domínio fonte,
enquanto o domínio conceitual que é entendido dessa maneira é chamado
domínio alvo. Assim, vida, discussões, amor, teorias, idéias, organizações
sociais e outras são domínios alvo, enquanto viagens, guerras, edificações,
comida, plantas e outros são domínios fonte. O domínio alvo é o domínio que
queremos entender através do uso de domínios fonte.

3. Metáfora Conceitual como um Conjunto de Mapeamentos

Até agora, usamos a palavra “entendimento” para caracterizar a relação


entre dois conceitos (A e B) no processo metafórico. Mas o que exatamente
significa dizer que A é entendido em termos de B? A resposta é que há um
conjunto de correspondências sistemáticas entre a fonte e o alvo no sentido
de que elementos conceituais constitutivos de B correspondem a elementos
constitutivos de A. Tecnicamente, estas correspondências conceituais são com
freqüência chamadas de mapeamentos.
Vejamos alguns casos em que elementos do domínio fonte fazem um
mapeamento dos elementos do domínio alvo. Em primeiro lugar, tomemos a
metáfora conceitual O AMOR É UMA VIAGEM. Quando usamos a oração Nós
não estamos indo a lugar algum, a expressão ir a lugar algum indica
deslocamento a algum destino, nesta oração em particular, uma viagem que
não tem destino claro. A palavra nós obviamente se refere aos viajantes
envolvidos. Assim, esta oração apresenta três elementos constitutivos de
viagens: os viajantes, o deslocamento ou a viagem como tal e o destino.
Entretanto, quando ouvimos esta oração no contexto apropriado, ela é
interpretada como sendo sobre amor, e saberemos que o falante da oração
não tem verdadeiros viajantes em mente, mas sim amantes, não uma viagem
física, mas sim eventos em um relacionamento amoroso, e não um destino
físico no final da viagem, mas sim a(s) meta(s) do relacionamento amoroso. A
oração O relacionamento está afundando sugere que, de algum modo,
relacionamentos são conceitualmente equiparados a veículos usados em
viagens. A oração Este tem sido um caminho tortuoso não é sobre as
condições físicos no caminho, mas sim sobre as dificuldades que os amantes
vivenciam em seu relacionamento. Além disso, a respeito do amor, o falante de
Avançamos bastante estará querendo dizer que o relacionamento passou por
um grande progresso, e não que os viajantes se deslocaram mais. E a oração
Estamos numa encruzilhada terá o significado de que escolhas têm de ser
feitas no relacionamento, e não que o viajante tenha que decidir por qual
caminho seguir em um entroncamento na estrada.
Dadas estas interpretações, podemos apresentar um conjunto de
correspondências ou de mapeamentos entre os elementos constitutivos da
fonte e os do alvo. (Na apresentação das correspondências, ou mapeamentos,
invertemos a ordem alvo-fonte das metáforas conceituais para fonte-alvo.
Adotamos esta convenção para enfatizar que o entendimento tipicamente vai
do conceito mais concreto para o mais abstrato.)

Fonte: VIAGEM Alvo: AMOR


os viajantes  os amantes
o veículo  o relacionamento amoroso em si
a viagem  os eventos no relacionamento
a distância percorrida  o progresso feito
os obstáculos encontrados  as dificuldades vividas
decisões sobre qual caminho seguir  escolhas sobre o que fazer
o destino da viagem  a(s) meta(s) do relacionamento

Este é o conjunto de correspondências sistemáticas, ou mapeamentos, que


caracterizam a metáfora conceitual O AMOR É UMA VIAGEM. Elementos
constitutivos do domínio conceitual A estão em correspondência sistemática
com elementos constitutivos do domínio conceitual B. A partir desta discussão,
pode parecer que os elementos do domínio alvo sempre estiveram disponíveis
e que as pessoas encontraram esta metáfora porque havia semelhanças
preexistentes entre os elementos dos dois domínios. Não se trata disso. O
domínio ‘amor’ não possuía estes elementos antes de ser estruturado pelo
domínio ‘viagem’. Foi a aplicação do domínio ‘viagem’ ao domínio ‘amor’ que
propiciou ao conceito de amor esta estrutura particular ou este conjunto de
elementos. De certa forma, foi o conceito de viagem que “criou” o conceito de
amor. Para verificar esta explicação, faça a seguinte experiência. Tente
imaginar a meta, a escolha, a dificuldade, o progresso, etc., aspectos do amor
sem fazer uso do domínio ‘viagem’. Você consegue pensar na meta de um
relacionamento amoroso sem, ao mesmo tempo, pensar em tentar alcançar um
destino ao final de uma viagem? Você consegue pensar no progresso de um
relacionamento amoroso sem, ao mesmo tempo, imaginar a distância
percorrida em uma viagem? Você consegue pensar nas escolhas feitas em um
relacionamento amoroso sem pensar em escolher a direção durante uma
viagem? A dificuldade de fazer isso mostra que o alvo ‘amor’ não é estruturado
independentemente ou anteriormente ao domínio ‘viagem’. Outra evidência da
visão de que o alvo ‘amor’ não é estruturado independentemente de qualquer
domínio fonte é o seguinte. Ao falar sobre elementos que estruturam um
domínio alvo, é freqüentemente difícil listar os elementos sem recorrer à
linguagem da fonte. No exemplo em questão, falamos sobre as metas
associadas ao amor, mas esta é apenas uma maneira um pouco “disfarçada”
de falar sobre destinos a partir do domínio fonte; a palavra meta ainda tem um
uso literal ou físico – não apenas um uso metafórico. Do mesmo modo, a
palavra progresso também tem um significado literal ou físico, que vem de uma
palavra que significa “ande, vá”. Estes exemplos mostram que muitos
elementos dos conceitos alvo advêm de domínios fonte e que não são
preexistentes.
Agora, podemos considerar um outro exemplo de como
correspondências, ou mapeamentos, compõem uma metáfora conceitual.

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS SÃO PLANTAS


Ele trabalha no ramo local do banco.
Nossa empresa está crescendo.
Eles tiveram que fazer cortes na mão-de-obra.
As raízes da organização vêm da antiga igreja.
Hoje há um mercado negro florescente na área de software.
Seu negócio desabrochou quando a estrada de ferro pôs sua empresa em contato
com a grande cidade.
Os empregados colheram muitos frutos da mão-de-obra estrangeira barata.

Estas metáforas parecem ser caracterizadas pelo seguinte conjunto de


mapeamentos:

Fonte: PLANTA Alvo: ORGANIZAÇÕES SOCIAIS


(a) planta inteira  toda a organização
(b) uma parte da planta  uma parte da organização
(c) crescimento da planta  desenvolvimento da organização
(d) remoção de parte da planta  redução na organização
(e) as raízes da planta  a origem da organização
(f) o florescimento  a melhor fase, a mais bem-sucedida
(g) os frutos  as conseqüências benéficas
Observe que, também neste caso, elementos constitutivos das plantas
correspondem sistematicamente a elementos constitutivos de organizações
sociais, tais como empresas, e as palavras que são usadas para as plantas são
empregadas sistematicamente em conexão com as organizações. Esta
correspondência pode ser vista em todos os mapeamentos, exceto no
mapeamento (a), que é meramente pressuposto na oração “Ele trabalha no
ramo local do banco”. Os mapeamentos (indicados pelas letras usadas acima)
e as expressões correspondentes que manifestam estes mapeamentos na
metáfora de PLANTAS estão listados abaixo:
(b) ramo
(c) está crescendo
(d) fazer cortes
(e) as raízes
(f) florescente, desabrochou
(g) colher frutos

À luz do que foi discutido até aqui, podemos perguntar: então, o que significa
saber uma metáfora? Significa saber os mapeamentos sistemáticos entre a
fonte e o alvo. Não se está sugerindo que isso acontece de modo consciente.
Este conhecimento é amplamente inconsciente, e é apenas para os propósitos
de análise que trazemos os mapeamentos para a consciência. Entretanto,
quando sabemos uma metáfora conceitual, usamos as expressões lingüísticas
que a refletem de tal forma que não violamos os mapeamentos que são
convencionalmente estabelecidos para a comunidade lingüística. Em outras
palavras, nem todo o elemento de B pode fazer um mapeamento de algum
elemento de A. As expressões lingüísticas usadas metaforicamente devem
estar conformadas aos mapeamentos (ou correspondências) estabelecidos
entre a fonte e o alvo.

4. A Importância da Metáfora

Entretanto, qual é a importância da metáfora nas nossas vidas e qual a


importância de estudá-las? Uma das melhores ilustrações (embora não seja
muito séria) da seriedade e da importância da metáfora pode ser encontrada no
mito de Édipo. Como parte do mito, Édipo chega em Tebas, onde ele descobre
que um monstro, chamado de Esfinge, protege o caminho para a cidade. Ela
apresenta enigmas para todos que estejam a caminho de Tebas e devora os
que não conseguem resolver os enigmas. Até a chegada de Édipo, todos
haviam sido devorados. A Esfinge propõe a ele o seguinte enigma: Qual é o
animal que tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três ao anoitecer?
Sem hesitar, Édipo responde: o Homem, que, na infância, engatinha de quatro,
que caminha ereto na maturidade e que, na velhice, se apóia sobre uma
bengala. A Esfinge é derrotada e se suicida. Édipo, então, torna-se o rei de
Tebas. Como Édipo conseguiu resolver o enigma? Pelo menos uma parte da
solução deve ter sido seu conhecimento da metáfora conceitual. Parece haver
duas metáforas em operação na resolução do enigma. A primeira é a metáfora
A VIDA DOS SERES HUMANOS É UM DIA. Édipo deve ter se apoiado nas
correspondências entre o conceito alvo ‘vida’ e o domínio fonte ‘dia’. A manhã
corresponde à infância, o meio-dia corresponde à idade adulta e a noite
corresponde à velhice. Já que ele conhecia estes mapeamentos, ele forneceu a
solução correta. Uma outra metáfora, talvez menos importante, que pode ter
ajudado é A VIDA HUMANA É UMA VIAGEM. Esta metáfora é evocada pela
menção freqüente e, portanto, pelo papel importante, dos pés no enigma. Os
pés evocam o conceito de viagem que pode fornecer uma pista para a solução
correta do enigma através da metáfora A VIDA HUMANA É UMA VIAGEM.
Esta leitura é reforçada pelo fato de que grande parte do mito é uma narrativa
da vida de Édipo na forma de uma viagem.
Afinal, a vida de Édipo, pelo menos nesta ocasião, é salva em parte por
seu conhecimento da metáfora. Pode haver razão mais importante e motivação
maior do que esta para se estudar metáfora?

RESUMO
Fizemos uma distinção entre metáforas conceituais e expressões
lingüísticas metafóricas. Nas metáforas conceituais, um domínio da
experiência é usado para entender um outro domínio da experiência. As
expressões lingüísticas metafóricas expressam metáforas conceituais
particulares. O domínio conceitual que tentamos entender é chamado de
domínio alvo e o domínio conceitual que usamos para este propósito é o
domínio fonte.
Entender um domínio em termos de um outro envolve um conjunto de
correspondências (tecnicamente chamadas de mapeamentos) fixas entre os
domínios fonte e alvo. Este conjunto de mapeamentos é obtido entre os
elementos constitutivos básicos do domínio fonte e os elementos constitutivos
básicos do alvo. Saber uma metáfora conceitual é saber o conjunto de
mapeamentos aplicáveis para um dado par fonte-alvo. São estes
mapeamentos que propiciam grande parte do significado das expressões
lingüísticas metafóricas (ou metáforas lingüísticas) que veiculam uma metáfora
conceitual em particular.

EXERCÍCIOS
I. Correlacione os elementos constitutivos da fonte (indicados por números)
com os domínios alvo correspondentes (indicados por letras) na metáfora O
AMOR É UMA GUERRA. Em outras palavras, quais são os mapeamentos?

1. as batalhas na guerra (a) as mágoas dos amantes no amor


2. os inimigos em guerra (b) permitir que o parceiro tome o controle
3. os ferimentos dos combatentes (c) o domínio de um parceiro na relação
4. as estratégias para as ações na guerra (d) os eventos do relacionamento amoroso
5. a vitória de um combatente (e) os amantes no relacionamento amoroso
6. render-se ao inimigo (f) os planos para o relacionamento amoroso

II. Qual metáfora, isto é, qual domínio fonte e qual domínio alvo, você
reconhece nas expressões lingüísticas Vou aproveitar minhas chances; As
probabilidades disso dar certo são mínimas, Eu tenho uma carta na manga, Ele
está guardando todos os ases/Ele está dando as cartas, Estamos empatados?
III. Que expressões lingüísticas você consegue relacionar como exemplos da
metáfora TEMPO É DINHEIRO?
IV. Quais mapeamentos caracterizam a metáfora conceitual TEORIAS SÃO
EDIFICAÇÕES? Com o auxílio dos exemplos dados ao longo do capítulo,
apresente o conjunto de correspondências ou de mapeamentos entre
elementos dos domínios fonte e alvo.

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