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Estudos sobre a histeria, a dimensão erótica, mais uma vez, iria recuar para os terapêuticos da sugestão hipnótica fez

a sugestão hipnótica fez com


bastidores. Freud observaria mais tarde, com indisfarçado sar casmo, que a partir dela. Quando os dois especial1º t d, . qu e Breuer lhe falasse novamente
desse livro "teria sido difícil imaginar qual o significado que a sexualidade tem . s as o sistema nervoso re · .
bre 111steria no início dos anos 1890 An O unuam seus estudos so-
para a etiologia das neuroses". ·um dos motivos que fizeram de, Anna na . ocupou um luga . d d
O . ~ e estaque.
ela reali zou sozinha grande p t d . b II . uma. pac1~nte tao exemplar é que
. ar e o tl a a 10 de imag111 - e ºd
importância qu e Freud aprende . .b . açao. onsi erando a
Embora os Estudos sobre a histeria tenham sido publicados apenas em 1895,* . n a a atn mr ao dom d d .
muito cabível que um paciente ten h ··b 'd e escutar o analista, é
o primeiro caso discutido no livro, o histórico encontro de Breuer e "Anna O.", , . a cont11 m 0 para a forn . - d . .
cana 1nica quase tanto quanto se t . B ' ' 1açao a teon a psi-
remonta a 1880. Ele figura como o caso fundador da psicanálise: levou Freud, u ernpeuta reuer ou ·d
Freud. Breuer alegou um qua1·to d , 1 d . , nesse senti o, o teórico
' e secu o epo1s e co 1 . -
mais de uma vez, a atribuir a paternidade desta a Breuer, ao invés de si próprio. mento de Bertha Pappenheim .· 1 " , ' ~ iazao, que seu trata-
Certamente Breuer merece um lugar de destaque na história da psican álise; ao psicanálise". .Mas 101
e .A O con t1111a a celula genninativa do con1º un to da
nna · quem fez eles b · ·
confidenciar a fascinante história de An na O. a seu jovem amigo Freud, ele gerou Freud, e não Breuer quem as e 1 . . co er.tas importantes, e haveria de ser
, u t1vana com af , li
ideias mais perturbadoras em Freud do que ele mesmo estava disposto a alimen- lheita rica e insuspeitada. ' inco, ate lC renderem uma co-
tar. Uma dessas sessões confidenciais ocorreu numa sufoca nte noite de verão em Existem contradições e pontos obscuros na ., -
1883 . A cena, conforme Freud a reconstruiu para sua noiva, mostra a intimidade o que se segu , . . . s sucess1v,1s versoes do caso mas
e e mais ou m enos rnquest10nável· em 1880 ,
espontânea entre os dois amigos e o alto nível de suas conversas profissionais O. estava com 21 anos Segu11do a I d .F ' quando adoeceu, Anna
informais. "H oje foi o dia mais quente, mais agoniante de toda a estação; eu já
· s pa avras e reud e d "
e dotes excepcionais" bondosa e f ºl , . d d , ra uma moça e cultura
estava irritadiço de esgotamen to. Percebi que estava precisando de algo que me ' 1 an trop1ca a a a ob . d ·d d .
vezes obstinada, e extremamen te . . . " '. . . ias e can a e, ativa e às
erguesse o âni mo e, portanto, fui à casa de Breuer, de onde acabei de chegar tão em seu relatório sobre o caso " pe1sp1caz. F1s1:amentc saudável", anotou Breuer
· • com menstruaçoes regul . I 1· " .
tarde. Ele estava com dor de cabeça, pobr e camarada, e es tava tomando salicila- siderável, excelente memó .·. [d J • ares... n te 1gencia con-
to. A pr imeira coisa que fez foi me empurrar par a a banheira, de onde saí reju-
. . ua, om assombrosamente -1 · d [ J .
e llltu1ção penetrante· por isso . d 'gu o para .associações
'
Ele acrescentava que seu "viºgor·o . 1 , as tentativas e enganá !· l
venescido. Enquan to aceitava essa hospitabilidade aquática, eu pensava: se Mar- " - a sempre ma ogram."
so mte ecto era cap d "d · .
t hinha estivesse aqui, ela diria, é assim que nós também va mos organizar as mentos sólidos" mas einbo . . ' az e igenr também ali-
' • 1 a precisasse cless l. 1
coisas." Levaria anos até poderem fazê-lo, ponderou ele, mas chegaria o dia, desde que saíra da escola E ass1º1 d ! es a ime.ntos, e a não os recebia
· n, con enac a a uma existê · f d J .
desde que ela continuasse a gostar dele. "Então" - Freud voltou a seu relato - a sua austera família 1·uda1ºca ha . . ' nc1a en a on la ]Unto
. . '' via 111luto tempo tend·
"jantamos no andar de cima em mangas de camisa (agora estou escrevendo em ne10 sistem ático" par a o que e! d h ta a escapar para um "deva-
, ·' a gostava e e amar d " .
trajes ainda mais à vontade), e en tão começou uma longa conversa médica sobre Breuer demonstrou compr eens·ão .e seu teatro particular".
. ' ao comentar sua situaç- 1 , · " .
'insanidade moral', doenças nervosas e casos estranhos." A conversa dos dois muno monótona, totalmen te rcstriºta , f: -1· " . ao e omest1ca. Vida
colegas se tornou cada vez mais pessoal, conforme discutiam "novamente" sobre 'fº
te1egra ico "substituto p1·oc• d ª anu ia
'. con tinua o i·el , ·
atono em estilo ·
' .ira o no amor apa1xon·id 1 ·
Bertha Pappenheim, amiga de Martha. Era a paciente a quem Breuer imortali- com mimos, e no abandono a um tale t , .' ' , o .pe o pa1, que a estraga
zaria sob o pseudônimo Anna O . vido." E la era 1"ulgava B. ' n o poetico-fantast1co altamente desenvol-
'• ' reuer (como F · d . 1 b ·
Breuer havia começado a tratar dessa interessante histérica em dezembro de incredulid ade), "assombrosamente ieud ie em i:ou com espanto e sardônica
O . pouco esenvolvida em termos sexuais"
1880, e ficou com o caso por um ano e meio. Em meados d e novembro ele 1882 , acontecim ento que precipitou sua hister ia fi . d . .
Brcuer falou de Anna O. a Freud pela primeira vez. Então, naquela quente noite como Breuer não deixara de obser va 1 .º1a oença fatal do pai, a quem,
de verão de 1883, informou Freud à sua noiva, Breuer havia revelado "algumas meses de vida do pai quando fie r,de a era mu1t~ apegada. Até os dois últimos
coisas" sobre Bertha Pappenheim que "devo repetir apenas 'quando estiver casado havia sido sua devotada e incansáv~~ en~:~te ?~mais para. cuidar dele, Anna O,
comMartha"'. Quando foi a Paris, Freud tentou despertar o interesse de Charcot de. Durante os meses que cuidou d . \meu a, e111 detn~1ento da própria saú-
por esse caso notável, mas "o grande homem", provavelmente convencido de que incapacidade: fraqueza gerada . of: PI a1,de a des:nvolvera smtomas crescentes de
po1 a ta e apetite u , .·
seus próprios pacientes eram suficientemente extraordinários, mostrou-se indife- dezembro, após cerca de mei0 d ' ~a seua tosse nervosa, Em
ano esse seu exaustivo r e · l r · . .
r en te. No entanto, Freud, intrigado por Anna O. e desapontado com os efeitos por um estrabismo convergente At, - J . . gim e, e a roi at111g1da
vitalidade; agora tornava-se ~t . e enta~'. iavia sido uma moça ativa e cheia de
. , . ' a v1 1111a patet1ca de enfe ·d· d d .
•Uma "Comunicação prelimina r'', escr ita em conjunto por Breucr e Freud, foi publicada em 111val1da. Sofria de dor es de cab d . rnu a es que eixavam-na
. eça, acessos e agitação e .· b _
1893. Foi reeditada em 1895, como o primeiro capítulo de Estudos sob1·e n histe1·i,1. vista, paralisias parciais e perda de sensibilidade. , ' / uuosas pertur açoes da
nA

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I .
No começo de 1881, sua sintomatologia se tornou ainda mais estranha. Era Em meados de setembr o de 1882, tr ês meses depois do suposto desaparecimento
acometida de lapsos mentais, longos intervalos de sonolência, rápidas alterações dos sintomas, Anna O. fez uma corajosa tentativa de apresentar um relato de seu
de ânimo, alucinações com cobras negras, caveiras e esqueletos, crescentes difi- estado. Eh ainda estava em Kreuzl ingen e, conforme expôs em seu inglês quase
culdades de fala . Por vezes, regredia em sua sintaxe e gramática; outras, só con- perfeito, encontrava-se "totalmente privada da faculdade de falar, entender ou ler
seguia fala r inglês, ou francês e italiano. Ela desenvolveu duas personalidades alemfo". Além disso, estava sofrendo de uma "forte dor nevrálgica" e "ausências
distint;1s, profundamente contrastantes, uma delas bastante rebelde. Quando seu mais ou menos prolongadas'', que chamou de "extravio temporal". Sem dúvida,
pai morreu em abril, Anna O. r eagiu com um estado de choque agitado que se esrava muito melhor. "Só fico realmente nervosa, angustiada e disposta a gritar
dissolveu num estupor, e seu conjunto de sintomas se tornou mais alarmante do quando o medo muito bem fundado de perder novamente a língua alemã por
que antes. Breuer visitava-a diariamente, no fim da tarde, quando ela estava num mais tempo apodera-se de mim." Mesmo um ano depois, não tinha absolutamen-
estado de hipnose autoinduzida. Ela contava histórias, tristes e às vezes fascinan- te se recuperado, e vinha sofrendo recaídas frequentes. Seu destino subsequente
tes, e, como ela e Breuer descobriram juntos, esse livre discorrer aliviava tempo- foi admirável: ela se tornou uma ativista social pioneira, uma eficiente líder de
rariamente seus sintomas. Assim começou uma colaboração memorável entre causas feministas e de organizações de mu lheres judias . Essas realizações ates-
uma paciente dotada e seu atento médico: Anna O. referia-se a esse procedimen- tam um considerável grau de recuperação, mas Breuer, em Estudos sobre a bisteria,
to como, apropriadamente, sua "cura pela fah1 " ou, humoristicamente, "limpeza resumiu inadequadamente como uma cura comple ta o que foi um período de
de chaminé". lvlostrava-se catártico na medida em que despertava lembranças melhora difícil, muitas vezes interrompido.
importantes e dava vazão a emoções poderosas que ela tinha sido incapaz de Escre\'endo sobre Anna O. em 1895, Breuer casualmente notou que ele ha-
evocar ou expressar quando estava em seu eu normal. Quando Breuer abriu-se via "suprimido um grande número de detalhes bastante interessantes". Como
em confiança com Freud a respeito de Anna O., não deixou de lhe contar sobre sabemos a par tir da correspondência de Freud, eram mais do que simplesmente
esse processo de catarse. interessantes: eles constituem as razões pelas quais Breuer mostrara de início
O momento decisivo em sua cura pela fala veio na quente primavera de 1882, tanta relutância em divulgar o caso. Uma coisa era reconhecer os sintomas de
quando Anna O. sofreu um acesso de hidrofobia. Embora ressecada de tanta conversão histérica como r eação significativa a traumas específicos, e a neurose
sede, ela não conseguia tomar nada até que certa vez, em transe hipnótico, disse não como simples desabrochar de alguma tendência hereditária, mas como pos-
a Breuer que havia visto sua dama de companhia inglesa - de quem não gostava sível consequência de um ambiente sufocante. O utra coisa totalmente diferente
- deixar que seu cãozinho bebesse de um copo. Quando o nojo reprimido veio era ;1dmitir que as origens últimas da histeria, e algumas de suas manifestações
à tona, a hidrofobia desapareceu. Breuer ficou impressionado, e adotou esse mo- ostensivas, eram de natu re za sexual. "Confesso", escr eveu Breuer posterior-
do pouco ortodoxo de obter melhoras. Ele hipnotizou An na O. e observou que, mente, "que o mer gulho na sexualidade, na teoria e na prática, não é para meu
sob hipnose, ela conseguia rastrear cada um de seus sintomas, sucessivamente, gosto." A história completa de Anna O., à qual Freud aludira aqui e ali com
até a ocasião que lhe dera origem durante a doença do pai. Dessa forma , relatava expressões veladas, era um teatro erótico que Breuer considerou excessivamen-
Breuer, todos os diversos si ntomas, as contrações paralisantes e as insensibilida- te desconcertante.
des, a visão dupla e distorcida,. as várias alucinações, e o restante, foram "expul- Muitos anos depois, em 1932, ao escrever a Stefan Zweig, um de seus defen-
sos pela fala" - wegerzfl.hlt. Breuer admitiu que esse falar a esmo não se mostra- sores mais apaixonados, Freud rememorou "o que realmente aconteceu com a
ra nada fácil. As recordações de Airna O. eram frequentemente imprecisas, e seus paciente de Breuer ". Era o que Breuer, afirmou ele, havia lhe contado muito
sintomas ressurgiam com dolorosa vividez justamente quando ela limpava acha- tempo antes: "No fim do dia cm que todos os seus sintomas haviam sido postos
miné de sua mente. Mas a participação dela na cura pela fala tornou-se cada vez sob controle, ele foi novamente chamado até ela, encontrou-a perturbada, con-
mais ativa - Breuer elogiou-a doze anos depois com sincera admiração. Seus torcendo-se com câimbras abdominais. Ao ser indagada sobre o que se passava,
sintomas revelaram ser resíduos de sentimentos e impulsos que ela se sentira ela r espondeu: 'Est;) chegando o filho do dr. B"'. Naquele instante, comentou
obrigada a reprimir. Em junho de 1882, concluía Breuer, todos os sintomas de Freud, Breuer teve "a chave na mão", mas, não podendo ou não querendo usá-la,
Anna O. haviam desaparecido. "Então ela saiu de Viena para uma viagem, mas "ele a deixou cair. Apesar de seus gr andes dores mentais, ele não ri nha nada
ainda precisou de um bom tempo antes de recuperar inteiramente seu equilíbr io de faustiano em si. Com um horror convencional, ele recorreu à fuga e entregou
mental. Desde então, gozou de plena saúde." a paciente a um colega". É extremamente provável que Breuer tivesse insinuado
Neste ponto surgem as questões sobre o relato clínico de Breuer. A verdade essa gravidez histér ica naquela noite de julho de 1883, quando contou a Freud
é que, ao tér mino elo tratamento, Breuer recomendou Anna para Bellevue, o coisas que só poderia repetir a Martha Bernays depois que ela tivesse se tornado
sanatório suíço altamente renomado do dr. Robert Binswanger, em Kreuzlingen. Mar tha Freud.

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tar das inúteis terapias mentais então correntes; fo ra Breuer que se dispusera a
*** lhe contar nos mais sugestivos detalhes o caso de Anua O., o qual, retrospecti-
vamente, Breuer encarava com uma mescla de emoções. Além disso, o procedi-
o caso de Anna O. contribuiu mais para um afastamento do que para l~ma mento científico de Breuer podia ser vir a Freud como um modelo de modo geral
· - entre Fr·eud e Breuer· ele acelerou o triste declínio e colapso fmal admirável: Br euer era um fecundo criador de palpites científicos e um atento
aprox1maçao ' , . F. d
de uma amizade longa e recompensadora. Aos seus propnos olhos, reu ~ra ,° obser vador, mesmo que por vezes sua fecundidade excedesse sua observação - o
explorador que tivera a cor agem de enfrentar as d~scober,tas de ~re~er; ao eva- que também ocorria com Freud. Na verdade, Breuer estava plenamente ciente do
, de podiºam chegar com todos os seus laivos erot1cos, 111ev1tavelmente fosso muitas vezes enorme entre hipótese e conhecimento; em Estudos sobre a
-1as at e on • . · , · d
malquistara-se com 0 generoso mentor que hav~a presi~1do aos .1~1c10s .e sua histe1-ia, ele citava Teseu em Sonho de uma noite de verão, sobre o drama: "O me-
carreira. Certa vez, Breuer comentou a seu própno respeito que vivia dom1.nad~ lhor nesse gênero são apenas sombras", e anunciava a esperança ele que pudesse
"d - · 'Mas"' e Freud tendia a interpretar essas reservas - quaisque1 haver pelo menos alguma correspondência entre a ideia de histeria do médico e
pe1o emo111 0 , d d
reservas_ como uma deserção covarde do campo d~ bat~lha. Decerto_ e mo .º a coisa real.
igualmente exasperante, Freud devia a Breuer um dmhe1ro que este nao queria Breuer tampouco negava a influência dos conflitos sexuais no sofrimento
r eceber de volta. Os irritadiços resmungos de Freud s?bre Breuer nos anos 1890 neurótico. lVIas Anna O., ao que parece, com seus atrativos de juventude, seu
constituem um caso clássico de ing ratidão, o ressentunento de um devedor or- desamparo encantador e seu própr io nome, Bertha, redespertou em Breuer todos
gulhoso contra seu benfeitor mais velho. . . . . os seus anseios edipianos latentes pela própria mãe, também chamada Bertha,
· d dec, ada , Brcuer lhe havia irrestntamente oferecido mcennvo, que falecer a jovem, quando ele tinha três anos. E m meados dos anos 1890, hou-
P or mais e uma .
afeto, hospitalidade e apoio financeiro de grande necessidade, ca~~rosame~:tc ~e- ve momentos em que Br euer declarou-se convertido às teorias sexuais de Freud,
cebidos por Freud durante anos. O típico gesto de Fr~ud de da r a ~ua pmn:~.ª sendo logo em seguida dominado por sua ambivalência, por seu demônio "Mas".
fil ha 0 nome de Frau Breuer, uma amiga atraente e fascman~e para o JO~em me .1- A seguir recuaria para uma postura mais conservadora. "Não muito tempo atrás",
. te e se111 um tostão foi um reconhecimento cordial do atencioso apoio contou Freud a Fliess em 1895, "Breuer fez um grande discurso sobre m im"
co asp1ran ' - d ·
que lhe chegava. Isso havia sido em 1887. Mas, já em 1891, as : elaçoes entre os ois Pª!ºª a associação m édica vienense, "e apresentou-se como um adepto convertido
homens tinham começado a mudar. Naquele ano, Freud ficou profundamente à etiologia sexual" das neuroses. " Q uando eu lhe agr adeci em particular, ele
desa ontado com a acolhida que Breuer deu a Sobre as afasias, que, como sabe.mos, desmanchou meu prazer dizendo: 'Mesmo assim, não acredito nisso!'." O recuo
pd d d' 1 "Mal 1ne agradeceu" contou Freud à sua cunhada l\llm na, desnorteou Freud: "Você entende isso? Eu não". Cinco anos depois, apenas ligei-
F reu e 1cara a e e. ' ' · l ·
um pouco perplexo, "estava muitíssimo embara~ado e disse todos os ttp~s e e _coi- ramente menos desnorteado, Freud contou a Fliess sobre uma paciente que Breuer
sas incompreensivelmente negativas sobre ele, nao lembrou ~a~~ de bom, no f~nal, lhe indicara e com a qual, depois de sérias fr ustrações, ele tivera um assombroso
ara amenizar [fez] 0 elogio de que estava muito bem escnto. N o ano segumte, êxito analítico. Quando ela contou sua "extraordinária melhora" a Breuer, ele
~reud mencio:1ou algumas "bata lhas" com seu "cmnpanheir?"· Em 1893, ~uan~o "bateu palmas e exclamou várias vezes: 'Então afinal ele está certo'". Mas Freud
·cai do seu relatório preliminar coniunto sobre a lusten a, não estava disposto a apreciar esse tributo tardio, muito embora Breuer tivesse
ele e Breuer estavam publ i 1 ' · l
ele vinha se impacientando e achava que Breuer.estava "se coloca~do no can~111 1~ obviamente demonstrado sua confiança nele, ao lhe enviar essa paciente difícil;
·ena". Um ano depois • ele mformou que os contatos . . c1ent1_ Freud desconsiderou o fato como um ges to proveniente de "um adorador do
do meu avanço em V i
ficos com Breuer cessaram". Em 1896, estava evitando Breuer e dizia q~e na~ sucesso". Nessa época, tendo Freud apagado as lembranças dos leais serviços de
· · . ~-lo A idealização de seu velho amigo, fadadas como estao tais seu amigo, Breuer não podia fazer nada. Freud só conseguiria enxergar Breuer
precisava mais ve · · _ . · "M' ha
idealizações à decepção, havia gerado nele algumas r eaçoes co1ros1vas. ~ com olhos mais ponderados depois que sua autoanálise tivesse surtido efeito,
raiva contra Breuer recebe sempre novo alimento", escreveu em 1~98. Um .º s algumas de suas tempestades emocionais tivessem se amainado e sua amizade
seus pacientes contara que Breuer andava dizendo às pessoas que havia "renuncia- com Fliess entrasse em declínio. "Não o desprezo há muito tempo", disse a F liess
do a seus contatos" com Freud, porque "ele não consegue concor~ar c~m me~ em 1901; "senti sua força." Certamente não deixa de ser significativo que Freud
estilo de vida e a administração das minhas finan~as". ~reud, que,am~~ u nha d~­ agora estivesse, depois de vários anos de autoanálise, em condições de fazer tal
vidas com Breuer, qualificou o comentário de "insmcen dade neur~uca · Um ami- descoberta. Mas, apesar de sua fo rça, Breuer viera a considerar o caso de Anna
gável interesse protetor, talvez deslocado, teria sido um nome mais adeq;1~do. O. demasiado absorvente e fra ncamente embar açoso. "Na épOC<l, jurei", lembrou
Afinal, a dívida de Freud para com Breuer era mais do que .monetana. ~or.a ele, "que nu nca passaria novamente por tal provação." Foi um caso que ele mm-
através de Breuer que Freud aprendera sobre a catarse, e ele o aiudar a a se libe1- ca esqueceu, mas do qual jamais poderia tirar um i;>r<)veito real. Quando Fritz

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I .
Wittels, biógrafo de Freud, insinuou que Breuer havia conseguido, depois de prios atingidos. E ra, pelo menos, o que ele julgava que estavam l he contando,
algum tempo, desfazer-se da lembrança de Anna O., Freud comentou mordaz- ainda que, muitas vezes, das m:rneiras mais indiretas.
mente à margem: "Absurdo!". O processo psicanalítico é uma luta contra resis- O uvir, para Freud, tornou-se mais do que uma arte; tornou-se um método,
tências, c a rejeição de Breuer frente às verdades elementar es e chocantes que tal uma via privilegiada para o conhecimento, à qual os pacientes lhe dava m acesso.
processo pode desvelar é um exemplo claro dessa manobra. Fliess, o amigo ne- Um dos guias a quem Freud sempre foi g rato era Emmy von N., na verdade
cessário de Freud, havia se mostrado muito mais receptivo. baronesa Fanny Moser, uma rica viúva de meia-idade que Freud atendeu em 1889
e 1890 e tratou com a técnica hipnoanalítica de Breuer. Ela padecia de tiques
convulsivos, inibições espasmódicas da fala e repetidas alucinações aterrorizan-
HISTÉRICOS , PROJETOS E DIFICULDADES tes, com r atos mortos e cobras contorcendo-se. Ao longo do tratamento, ela
apresentou lembranças traumáticas altamente interessantes para Freud - uma
Freud tinha suas próprias resistências a combater e superar, m as, a julgar prima sendo levada para um manicômio, sua mãe no chão depois de um acesso.
pelos casos que apresentou em Estudos sobre n histeria, ele fez do aprendizado com Mas, ainda melhor, ela proporcionou uma veemente lição prática ao seu médico.
seus pacientes uma espécie de programa. Era um aprendi z disposto e bastante Q uando Fr eud a interrogava com insistência, ela se aborrecia, "muito rispida-
compenetrado: em 1897, escrevendo a Fliess, referiu-se à analisanda "Frau Caci- mente", e pedia que ele parasse de "lhe perguntar de onde veio isso ou aquilo,
lie iVI." como sua "instrutor a" - Lehrmeisterin. Sem dúvida, Cacilie M ., na ver- mas que a deixasse me contar o que ela tin ha a dizer". E le já havia reconhecido
dade baronesa Anna von Lieben, tinha sido, dentre seus primeiros pacientes, um que, por mais tediosas e repetitivas que fossem suas narrativas, ele não ganhava
dos mais interessantes e provavelmente o que consumiu mais tempo. Era sua nada com suas inter rupções, mas que tinha que ouvir as histórias dela até o fim,
"principal cliente", sua "prima donna". Rica, inteligente, sensível, versada em com todos os seus minuciosos detalhes. Emmy von N., como ele disse à sua fil ha
literatura, per tencente a um considerável clã de importantes famílias judaicas em 1918, também lhe ensinou algo mais: "O tratamento pela hipnose é um pro-
austríacas que Freud veio a conhecer bem, durante anos ela fora atacada por uma cedimento inútil e sem sentido". Foi um momento decisivo; levou-o "a criar a
série de sintomas extraordinários e enigmáticos - alucinações, espasmos e o terapia psicanalítica, mais sensata". Se algum dia existiu um médico capaz de
estranho hábito ele transformar insultos ou críticas em sérias nevralgias faciais, converter seus erros em fonte de discernimento, foi Freud.
praticamente como "bofetadas no rosto". Freud a enviara a Charcot e, em 1889, Ao lhe permitir ver que a hipnose é de fato "inútil e sem sentido", Emmy von
levara-a consigo quando foi a Nancy, numa visita de estudos ao hipnotizador N . ajudou Freud a se libertar de Breuer. Na "Comun icação preliminar" con-
Bernh eim. Ao longo elos anos, ela lhe ensinara muito sobre o significado dos junta, de 1893, Freud e Breuer tinham afirmado numa frase memorável que "o
sintomas e a técnica terapêutica. Mas os outros histéricos de Freud também fo- histérico sofre pr incipalmente de reminiscências". Até o início dos anos 1890,
ram seus instrutores. Num longo retrospecto, ele olharia para suas primeiras Freud tentar a extrair à ma neira de Breuer, através ela hipnose, as lembranças
aventuras na anál ise psicológica com um marcado desdém. "Sei", escreveu em significativas que os pacientes relutavam em apresentar. As cenas assim trazidas
1924, lembrando seu relatório sobre "Frau Emmy von N .", "que nenhum analis- à mente tinham, frequentemente, um efeito catártico. iVIas alguns pacientes não
ta é capaz de ler esse caso clínico sem um sorriso de piedade." Mas era um co- eram hipnotizáveis, e a fala sem censuras pareceu a Freud um meio de investi-
mentário rigoroso demais e totalmente anacrônico. O t ratamento, empreendido gação muito superior. Ao abandonar gradualmente a hipnose, Freud não estava
por Freud, de Emmy von N . e dos outros certamente era um trabalho primitivo, simplesmente fazendo da necessidade virtude; essa mudança, pelo contrário, le-
do ponto de vista da técnica psicanalítica plenamente desenvolvida. Mas a im- vou à importantíssima adoção de um novo modo de tratamento. Formava-se a
portância desses analisandos para a história da psicanálise reside no fato de te- técnica da associação livre.
rem sido capazes de demonstrar a Freud alguns de seus principais rudimentos. Freud celebrou os resultados brilhantes que poderiam advir dessa nova téc-
Os histéricos tratados por Fr eud nessa época heroica apresentavam um as- nica, estendendo-se sobre o caso clínico de "Fr aulein Elisabeth von R.", a quem
sombroso conjunto de sintomas de conversão, desde dores nas pernas a sensações de início hipnotizara por pouco tempo. Seu relatório sobre essa paciente, que o
friorentas, estados depressivos e aluci nações intermitentes. Freud ainda não es- procurou no outono de 1892, mos tra quão sistematicamente ele vinha, agora,
tava preparado para eliminar o elemento de hereditariedade, a herança "neuro- cultivando o dom de observação atenta. A primeira pista para um diagnóstico da
p<hica", de suas diagnoses. Mas agora ele preferia procurar experi ências traumá- neur ose de Elisabeth von R. foi sua excitação erótica, quando ele pressionou ou
ticas iniciais, como pistas para as fontes ocultas das estranhas deficiências dos apen ou-lhe as coxas durante um exame físico. "O r osto dela", observou Fr eud,
pacientes. E le vinha se convencendo de que os segredos dos neuróticos eram "assumiu uma expressão singular, mais de prazer do que de dor; ela gritou - um
aqui lo que Breuer chamava de secrets d'nlcôve, conflitos sexuais ocultos aos pró- pouco como se fosse, não pude deixar de pensar, uma cócega voluptuosa-, seu

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