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Imunidades – Âmbito da validade pessoal do Direito Penal

 Existe alguma situação em que alguma categoria de pessoas se


subtraiam à aplicação da lei penal?
 Isto leva a uma violação do princípio da igualdade se não
existirem razões que considerem que estes casos têm uma
diferenciação que justifica a tal subtração ao regime geral da
aplicação no espaço da lei penal portuguesa
 Essas são situações de dois tipos:
 Uma delas tem a ver com as imunidades políticas – Abrange o
PR, os deputados e os membros do Governo
 Outras delas referente às imunidades diplomáticas
 Estamos a falar na possibilidade de certos agentes políticos terem
um estatuto especial e se poderem subtrair à responsabilidade
criminal pelos factos praticados no exercício das suas funções ou
até mesmo por outros factos que não sejam no exercício das suas
funções, mas durante o exercício das suas funções
 O problema que se coloca é o de saber se podemos compatibilizar
algum privilégio em relação à intervenção do DP com o Estado de
Direito Democrático
 Há uma linha histórica que justifica as imunidades políticas:
 Uma expressão anglo-saxónica que associa as imunidades a
este Bill of Rights de 1689 e a esta ideia da proteção da
liberdade de discurso e que os discursos no Parlamento não
deviam ser questionados em qualquer lugar fora do
Parlamento – Espécie de uma imunidade, de um privilégio e
de uma proteção dos membros do Parlamento que se baseia
na tal liberdade de expressão
1. O sentido básico é a liberdade de expressão e a
liberdade de discurso, mas para proteger o
Parlamento e em função deste
2. O Parlamento não pode ser manipulado e os seus
deputados não podem ser impedidos de exercer a sua
função de representação do povo através do poder
judicial
3. Nestes tempos o poder judicial era uma emanação do
poder real
4. Proteção do parlamento em si mesmo e da sua
liberdade de discurso enquanto voz da representação
da vontade popular
 Tradição Francesa
1. É sempre a proteção do Parlamento e dos deputados
enquanto representantes diretos do povo que está em
causa nas imunidades políticas
2. Se na tradição inglesa o que está em causa é a
atividade dentro do local do Parlamento
relativamente aos juízes, no que respeita à tradição
francesa o que está em causa é também a proteção do
Parlamento mas numa forma mais ampla e universal
3. Protege-se o que se passa dentro da instituição
Parlamento, mas também dos parlamentares mesmo
fora do Parlamento
4. A tradição inglesa apenas se associa à
irresponsabilidade daquilo que é a atividades dos
deputados praticada dentro do Parlamento, a tradição
francesa está mais associada a uma proteção dos
próprios parlamentares e não só do Parlamento
5. Inviolabilidade da pessoa dos deputados
6. Esta inviolabilidade é muito mais ampla do que a
mera irresponsabilidade pelas atividades
parlamentares no seio do parlamento
7. Há uma dimensão muito mais lata que abrange a
inviolabilidade quanto aos comportamentos e a
impossibilidade alguém ser perseguido penalmente
por ser deputado, em função do cargo que é exercido
pela sua própria pessoa
 Irresponsabilidade # Inviolabilidade
 Irresponsabilidade:
 Liberdade de votos e opiniões dos parlamentares em face de
outros poderes
 É tendencialmente absoluta
 Tem a ver com a natureza da atividade e o local onde a
atividade é produzida
 Inviolabilidade:
 É relativa
 Tem a ver com a pessoa e com o facto praticado por ela,
mas na medida em que detém essa qualidade de
parlamentar
 Admite uma extensão processual
 Impede qualquer detenção ou processo contra uma pessoa
nos tramites normais mesmo que ela não esteja no seio do
Parlamento a exercer a atividade parlamentar, mesmo que
por outros pretextos ou outras razões que não a sua própria
atividade
 A própria pessoa é globalmente protegida mesmo quando o
facto pelo qual é promovido o processo não seja atinente
ao exercício das suas funções
 Estas duas tradições mostram-nos ideias diferentes quanto à
justificação das imunidades:
 A tradição inglesa é mais restrita
 A tradição francesa é mais ampla, englobando a
inviolabilidade
 Hoje em dia podemos dizer que há excessos na tradição francesa
e talvez o instituto da inviolabilidade seja o mais discutível e
esteja mais em causa embora em geral haja um questionamento
nos órgãos jurídicos da comunidade internacional sobre a
justificação dos limites das imunidades políticas
 É o facto de a tradição francesa proteger tanto o Parlamento e o
parlamentar que está em causa, estando em colisão com o
princípio da igualdade – Esse privilégio pode até configurar um
abuso de poder
 Pretendia-se proteger os Parlamentos dos monarcas e o facto do
poder do Parlamento ser controlado pelo poder executivo
 Hoje em dia há uma autonomia do poder judicial em face do
executivo que retira muito do extrato histórico das imunidades
Justificam-se hoje as imunidades?
 Nos termos absolutos das inviolabilidades não são justificáveis
 Nos termos da própria irresponsabilidade não são justificáveis
 A ameaça do poder judicial não deve ser configurada como
historicamente
 Ainda assim, há hoje razões justificativas para as imunidades, quer
as parlamentares quer algumas inviolabilidades:
 Proteção das minorias em relação à outra parte que é
detida e controlada pelo executivo  Proteção das minorias
parlamentares
 Representação dos Deputados ou do PR em face de outros
poderes
 Possibilidade de influência e interferência que as
imunidades podem impedir
 Necessidade de evitar confrontos entre o poder judicial e
legislativo, impedindo que qualquer um deles possa exercer
uma supremacia absoluta
 A Revisão Constitucional de 1977 no seu artigo 157.º veio atenuar
o âmbito das imunidades na CRP porque veio estabelecer uma
regra muito relevante  Obrigatoriedade do levantamento da
imunidade quando haja prática de crime doloso punível com pena
de prisão superior a 3 anos
 A mesma regra se aplicará aos membros do Governo
embora aí seja decidido pelo Parlamento
 Não são os tribunais que decidem, sendo a AR a fazer essa
verificação para que não haja interferência do poder judicial
 Esta verificação é característica do poder judicial, mas em PT
ainda é feita pelo Parlamento, salvaguardando a sua
autonomia
 Neste caso o Parlamento jamais pode deixar de levantar a
imunidade
 157.º/1 CRP  Os Deputados não respondem civil, criminal ou
disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício
das suas funções
 Abrangeu-se todas as formas de responsabilização dos
deputados
 Este artigo confere uma verdadeira irresponsabilidade
 157.º/2, 3 e 4  Prevista a inviolabilidade
 Obrigatório o levantamento da imunidade em geral
 No 3 dispensa-se a autorização da Assembleia quando se
tratem desses crimes dolosos com pena superior a 3 anos de
prisão, mas em flagrante delito  Esta é a única situação em
que a AR não tem que dar uma autorização
Imunidade do Presidente da República
 130.º CRP  Responsabilidade criminal do PR
 O fundamento é a proteção da representatividade
democrática
 Esta imunidade é mais profunda do ponto de vista da
inviolabilidade do que a dos deputados, mas nunca é uma
irresponsabilidade
 O único caso que existe de irresponsabilidade na CRP é o
caso dos deputados
 O regime de imunidade do PR é bastante semelhante aos
dos deputados, mas com exceção das irresponsabilidades
 Não há tal como acontece com os membros do Governo
nenhum privilégio quanto à irresponsabilidade, mas o seu
privilégio em termos de inviolabilidade é mais extenso
 Por crimes praticados no exercício das suas funções
responde perante o STJ, implicando isso:
1. A condenação
2. A destituição do cargo
3. A impossibilidade de reeleição
 O 130.º/4 diz algo sui generis ao PR  Inviolabilidade do PR
por crimes estranhos ao exercício de funções durante o
mandato  Este é um privilégio de que mais nenhum
membro do Governo nem nenhum Deputado privilegia
 O que são crimes cometidos no exercício de funções?
1. Têm privilégio e condicionamento na sua
processualização penal
2. São crimes de responsabilidade política previstos na
Lei nº 34/87 (Lei de Responsabilidade dos Titulares de
Cargos Públicos)
3. Também todos aqueles crimes que estão conectados
com o exercício do poder e as competências próprias
do PR
Ex: Homicídio de um candidato rival praticado pelo PR
para se manter em funções. Seria um crime comum
mas que tem como função manipular o exercício de
funções
4. Crimes em conexão material com o exercício de
funções próprias
 Crimes fora do exercício das funções
1. PR só responde findo o mandato perante os tribunais
2. Poder-se-ia colocar o risco de eles estarem prescritos
no momento em que terminassem os mandatos do
PR
3. Neste caso o 120.º/1, alínea a) diz-nos que o início da
contagem do prazo da prescrição do procedimento
criminal não se verifica quando haja um impedimento
legal
4. Aqui há um impedimento legal constitucional, que é a
inviolabilidade prevista no 130.º CRP, e portanto a
prescrição nunca deve ser considerada um problema
Imunidades dos membros do Governo  196.º CRP
Imunidades dos Deputados  157.º CRP
 157.º/1  Irresponsabilidade
 O fundamento é a representatividade democrática
 O seu âmbito são os votos e opiniões, abrangendo a
responsabilidade criminal, civil e disciplinar
 Toda e qualquer declaração de um deputado para
fundamentar uma votação ou debate tem de ser subtraída à
responsabilidade criminal?  Sim, desde que haja uma
conexão com a atividade parlamentar e mesmo que fora do
Parlamento
 Mesmo diferentemente do que é sustentado pelo direito
inglês, para haver irresponsabilidade por declarações ou
quaisquer atividades estas têm de ser exercidas no local
Parlamento ou até fora dele, sendo que o importante é que
seja uma atividade com natureza parlamentar mesmo que
seja fora do Parlamento
 Se se tratar apenas de uma atividade partidária nós não
podemos fazer essa conexão, mas se tiver a ver com a
representatividade do Deputado em que se desloca a uma
determinada área do território para cumprir obrigações
parlamentares de representação ainda estamos perante a
tal conexão funcional pelas opiniões manifestadas e a
atividade exercida
 Na alínea c) começa a linha vermelha  Não pode abranger
o discurso de ódio qualificável como criminoso ou por
prática de corrupção em matéria de voto
Ex: Deputado não pode vender votos por benefícios ou
dinheiro  Crime de corrupção de titular de cargo político
1. Estes crimes da alínea c) devem ser gravemente
punidos
2. Quanto ao voto, este não deve deixar de ter a sua
validade, mas o agente deve ser responsável pela
prática do crime de corrupção
 Art. 10.º CEDH
 Acórdão de Córdova
 TEDH – Considera que há condições de imunidade:
1. Representação democrática nos factos praticados
2. Proporcionalidade da irresponsabilidade e não uma
violação do princípio da igualdade
3. Imunidade só se justifica como garantia para a
instituição parlamentar, para salvaguarda das missões
dos membros do Parlamento Europeu e nunca como
um privilégio pessoal  Linha de diferenciação entre
o que seja um distanciamento justificado da igualdade
e aquilo que será uma violação do princípio da
igualdade em que há apenas violação do princípio da
igualdade
 157.º/2, 3 e 4  Inviolabilidade
Imunidades diplomáticas
 Destinam-se sobretudo à proteção dos representantes
diplomáticos como expressão da proteção da soberania do Estado
e da sua representação na comunidade internacional
 Articulação diplomática entre os Estados
 Proteção das pessoas em razão do interesse do Estado e da
proteção da sua soberania
 A fonte de Direito Internacional das imunidades diplomáticas é a
Convenção de Viena de 1961, aprovada pelo Estado português em
1968
 Art. 37.º  Inviolabilidade da pessoa do agente diplomático
relativamente a prisão ou detenção, membros da família que com
ele vivam e pessoal técnico ou administrativo da missão
 Art. 30.º  Extensão da proteção à residência e locais de missão
 Há uma proteção não só do agente diplomático, como também dos
seus familiares. Essa proteção é no local da embaixada, mas
também nos factos praticados no local de residência e no local de
missão
 Os diplomatas com nacionalidade portuguesa não gozam desta
proteção ratione personae, mas apenas de uma proteção ratione
materiae por atos respeitantes ao exercício das suas funções
 O pessoal técnico e os familiares com nacionalidade portuguesa ou
com residência permanente em PT não gozam de imunidade penal
– 38.º/2
 Nada impede o Estado acreditador de renunciar à imunidade
 O Estado acreditador pode julgar aqueles agentes
 O Estado acreditador pode expulsar os diplomatas e família,
declarando-os personae non grata
 A Convenção de Viena confere uma proteção bastante mais
extensa e uma grande amplitude de privilégio, sendo que não é
tanto em função do diplomata nem de sacralização dele, mas sim
do Estado que ele representa
 Fernanda Palma defende que a Convenção de Viena deveria ser
mais ratione materiae e não ratione personae e assim se devesse
fazer alguma alteração da Convenção nesse sentido

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