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MORAL FUNDAMENTAL

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD

Moral Fundamental – Profª. Ms. Rosana Manzini e Prof. Dr. Frei Nilo Agostini

Meu nome é Frei Nilo Agostini (ofm). Sou frade franciscano,


natural de Indaiá (Santa Catarina). Realizei meu doutorado em
Teologia pela Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg
(França). Fui professor na PUC (Rio de Janeiro) de março de 1996
a junho de 2007. Leciono desde 1986 no Instituto Teológico
Franciscano de Petrópolis. Atuo, ainda, como professor na
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
(São Paulo) e no Instituto Pio XI – Unisal (São Paulo). Publiquei
11 obras e organizei sete livros na área de Teologia Moral. Além
disso, publiquei dezenas de artigos em revistas especializadas
sobre o referido tema.
e-mail: nilo_agostini@hotmail.com

Meu nome é Rosana Manzini. Sou mestre em Teologia Moral


pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
(São Paulo) e especialista em Doutrina Social da Igreja pela
Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma). Atuo como Diretora
Acadêmica Adjunta da Faculdade Dehoniana (Taubaté) e
leciono na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção (São Paulo). Publiquei artigos em diversas revistas
especializadas em Teologia.
e-mail: rosanamanzini@hotmail.com

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Nilo Agostini
Rosana Manzini

MORAL FUNDAMENTAL

Batatais
Claretiano
2014
© Ação Educacional Claretiana, 2010 – Batatais (SP)
Versão: dez./2014

170 M252m

Manzini, Rosana
Moral fundamental / Rosana Manzini, Nilo Agostini – Batatais, SP : Claretiano, 2014.
146 p.

ISBN: 978-85-8377-274-3

1. Crise. 2. Moral. 3. Sociedade. 4. Ethos. 5. Liberdade. 6. Responsabilidade.


7. Ética. 8. Consciência. 9. Discernimento. I. Agostini, Nilo. II. Moral fundamental.

CDD 170

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material Didático Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Eduardo Henrique Marinheiro
Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Juliana Biggi
Dandara Louise Vieira Matavelli Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Elaine Aparecida de Lima Moraes Rafael Antonio Morotti
Josiane Marchiori Martins Rodrigo Ferreira Daverni
Sônia Galindo Melo
Lidiane Maria Magalini Talita Cristina Bartolomeu
Luciana A. Mani Adami Vanessa Vergani Machado
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Patrícia Alves Veronez Montera Projeto gráfico, diagramação e capa
Raquel Baptista Meneses Frata Eduardo de Oliveira Azevedo
Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli
Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO .......................................................................... 11

Unidade  1 – CRISE ATUAL DA MORAL


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 21
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 21
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 22
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 22
5 UMA SOCIEDADE EM CRISE................................................................................ 23
6 UMA CRISE MORAL?........................................................................................... 26
7 SER HUMANO MODERNO E A CRISE MORAL...................................................... 28
8 DISCERNINDO AS CAUSAS DA CRISE MORAL ..................................................... 29
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 31
10 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 32
11 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 32
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 32

Unidade  2 – ETHOS BÍBLICO


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 33
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 33
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 34
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 34
5 FORÇA DO ETHOS................................................................................................ 35
6 EXPERIÊNCIA DE FÉ............................................................................................. 38
7 CENTRALIDADE DA VIDA..................................................................................... 41
8 DEUS CONVIDA – ANTIGO TESTAMENTO............................................................ 44
9 JESUS CRISTO PROPÕE – NOVO TESTAMENTO.................................................... 46
10 ESPÍRITO SANTO CONFIRMA E SANTIFICA.......................................................... 48
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 51
12 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 52
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 52
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 52

Unidade  3 – MORAL NA HISTÓRIA DA IGREJA


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 55
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 55
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 56
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 56
5 DIVERSIDADE DE CONTEXTOS HISTÓRICO-CULTURAIS........................................ 57
6 RIQUEZA DA PATRÍSTICA..................................................................................... 59
7 SURGIMENTO DOS PENITENCIAIS....................................................................... 65
8 CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLÁSTICA....................................................................... 67
9 DO NOMINALISMO À NEO-ESCOLÁSTICA........................................................... 72
10 IMPULSO DO CONCÍLIO VATICANO II: PARA UMA MORAL RENOVADA.............. 81
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 87
12 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 87
13 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 87
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 87

Unidade  4 – LIBERDADE E RESPONSABILIDADE


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 91
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 91
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 91
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 92
5 LIBERDADE HUMANA.......................................................................................... 92
6 LIBERDADE E RESPONSABILIDADE...................................................................... 96
7 RESPONSABILIDADE MORAL: SUA EXPRESSÃO................................................... 97
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 102
9 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 102
10 E- REFERÊNCIA.................................................................................................... 103
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 103

Unidade  5 – SUJEITO ÉTICO: CONSCIÊNCIA MORAL E LEI


1 OBJETIVOS........................................................................................................... 105
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 105
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 106
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 106
5 ESTRUTURA ÉTICA DO COMPORTAMENTO......................................................... 107
6 CONCEITUAÇÃO BÍBLICA..................................................................................... 108
7 CONSCIÊNCIA: CONDICIONAMENTOS E MANIPULAÇÕES................................... 114
8 UMA CONSCIÊNCIA PRUDENTE E CRÍTICA.......................................................... 116
9 LEI, CAMINHO SEGUNDO O CRISTO.................................................................... 118
10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 125
11 CONSIDERAÇÕES ................................................................................................ 125
12 E-REFERÊNCIAS................................................................................................... 126
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 126
Unidade  6 – DISCERNIMENTO MORAL
1 OBJETIVOS........................................................................................................... 127
2 CONTEÚDOS........................................................................................................ 127
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE .................................................... 128
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................... 128
5 DISCERNIMENTO E FÉ......................................................................................... 129
6 AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO.................................................................................. 132
7 DISCERNIMENTO E EVANGELHO DA VIDA........................................................... 134
8 PASSOS PARA UM DISCERNIMENTO MORAL....................................................... 138
9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS............................................................................. 143
10 CONSIDERAÇÕES................................................................................................. 143
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 144
12 E-REFERÊNCIA..................................................................................................... 144
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 144
EAD
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Conteúdo––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Categoriais fundamentais: ética como teoria da moral e moral como ciência do
agir humano. Especificidade da moral cristã. Fontes da moral. Ethos bíblico. Evo-
lução histórica da teologia moral. Sujeito ético. Liberdade e responsabilidade mo-
ral. Consciência moral. Opção fundamental. Leis: divina, natural e humana. Moral
cristã renovada. Discernimento Moral.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Seja bem-vindo ao estudo de Moral Fundamental, disponibili-
zada para você em ambiente virtual (Educação a Distância).
Como você poderá observar, nesta parte, denominada Ca-
derno de Referência de Conteúdo, encontraremos o conteúdo bá-
sico das seis unidades em que se divide a presente obra.
O estudo que ora se inicia, irá levá-lo ao conhecimento dos
fundamentos da moral teológica. Isso significa que você conhece-
10 © Moral Fundamental

rá a estrutura epistemológica própria da teologia moral, área es-


pecífica da teologia.
Para tanto, vamos iniciar a abordagem buscando captar os de-
safios emergentes da atual crise moral que atinge a sociedade e o
ser humano em sua raiz mais profunda, ou seja, o ethos, no qual se
elaboram as evidências primitivas – de raiz – do humano. Essa crise
contém traços de imoralidade, amoralidade e permissividade.
Em seguida, estudaremos o ethos bíblico, característico da
experiência semita, que tem como elemento fundante a experiên-
cia de fé.
A fé coloca o ser humano numa relação estreita com Deus,
que o convida a respeitar a vida e a formar um povo que, liberto da
escravidão, torna-se o povo eleito de Deus. Essa eleição aponta para
uma responsabilidade a ser traduzida em uma prática. No Novo
Testamento, isto é vivido no contexto da nova aliança, sendo Jesus
Cristo o ápice. Aderir à pessoa de Jesus e fazer parte da comunidade
eclesial passam a ser os elementos norteadores da vida moral.
No tempo presente, o Espírito Santo acompanha a vida da
Igreja e de cada cristão ao apontar para o amor, para a santificação
e ao conduzir todos para o conhecimento efetivo e a plena realiza-
ção da verdade.
O estudo da teologia moral requer a compreensão de seus
desdobramentos no decorrer da história. Cada época possui ele-
mentos fundamentais da experiência de fé, de sua intelecção e da
concretização de suas exigências.
Aqui, estaremos em contato com épocas especialmente ricas
e com períodos menos ricos. Isso levará você a penetrar na riqueza
que nos legou o Concílio Vaticano 2º, especialmente presente no
labor teológico de nossos dias. Esse trabalho teológico atual pode
ser apreendido nas unidades 4, 5 e 6, nas quais desenvolveremos
os temas: liberdade e responsabilidade, sujeito ético: consciência
moral e lei, e o discernimento moral.
Bom estudo!
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

2. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO

Abordagem Geral
Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. Desse
modo, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento
básico necessário a partir do qual você possa construir um refe-
rencial teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no
futuro exercício de sua profissão, você a exerça com competência
cognitiva, ética e responsabilidade social.
Nessa obra de Moral Fundamental iniciaremos uma refle-
xão sobre a teologia moral. O objetivo do nosso estudo é buscar
compreender a partir da fé os meios concretos para a realização
da pessoa e da organização da sociedade. É importante notar, que
ao longo do nosso estudo não estaremos centrando nossa atenção
nos atos, mas nas atitudes que a fé deve despertar em nós, na
vivência do dia-a-dia, como seguidores (discípulos) de Jesus Cris-
to. Mas, essa não é uma tarefa tão simples. Sobretudo em nossos
dias, com a notória crise moral que atinge a sociedade e o ser hu-
mano em sua raiz mais profunda (ethos).
Para melhor compreender esse cenário e os desafios e papel
da teologia moral precisaremos percorrer um caminho pautando
em alguns elementos considerados chaves para a nossa tarefa.
A nossa sociedade vive as mudanças de forma cada vez mais
veloz e profunda. O saber e a ciência ficam superados rapidamen-
te. Até mesmo as estruturas sociais que pareciam tão sólidas en-
traram em colapsos. Transitoriedade. A Conferência de Aparecida
chamou de "mudança de época", não apenas uma época de mu-
danças. Essas mudanças fortalecem o individualismo, o científico e
tecnocientífico, o subjetivismo e o relativismo.

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12 © Moral Fundamental

Segundo José Antonio, Trasferetti é a teologia chamada pós-


-modernidade que impõe grandes desafios para a teologia moral.
Pois, não vivemos mais num contexto definido, claro e estabilizado.
A nossa existência hoje foi transformada em efemeridade, tudo se
tornou passageiro, líquido, fugaz e descartável. O ser humano é
um ser de relações e hoje estas se transformaram em mercadoria.
Assim, o homem enquanto ser social foi reduzido à condição de
consumidor. E são muitas as "mercadorias" oferecidas para orien-
tar a vida humana, vindas das descobertas científicas, do subjeti-
vismo individualista e do relativismo predominante na sociedade.
As pessoas são então atormentadas pelo problema da identidade.
E, a questão é escolher o melhor padrão entre muitas ofertas.
Nesse contexto a teologia moral pode apresentar a sua pro-
posta. As normais morais que conduzem ao caminho da vida e da
valorização do ser humano precisam ser confrontadas. Não aban-
donar as fundamentações, mas dialogar com essa nova condição
plural da vida. A finalidade é a formação da consciência crítica,
como um caminho viável para o ser humano que busca a autono-
mia, a responsabilidade e vencer o vazio que se instaura devido a
falta em discernir valores capazes de conferir sentido à vida.
Nessa perspectiva, será abordada a crise atual da moral e as
suas causas. O ethos bíblico, sustentação do sentido da vida com a
fundamentação bíblica e na história da Igreja. Para apresentar os
elementos constitutivos da moralidade e do seu exercício: liberda-
de e responsabilidade. Em seguida, a conceituação do sujeito ético
e o discernimento moral, visando uma moral de atitudes, pautada
no mandamento do amor e à luz do Concilio Vaticano II.
O Concílio Vaticano II que deu um caráter mais positivo à vida
moral dos cristãos, prevalecendo a autonomia do sujeito moral e
o poder da consciência enquanto sacrário para as escolhas morais.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá-
pida e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um
bom domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de
conhecimento dos temas tratados em Moral Fundamental Veja, a
seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Ética: é parte da filosofia que considera os princípios e
valores que orientam pessoas e sociedades.
2) Moral: é parte da vida concreta. Trata da prática real das
pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valo-
res aceitos. Uma pessoa é moral quando age em confor-
midade com os costumes e valores estabelecidos (leis,
normas) que podem ser, eventualmente, questionados
pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue costumes)
mas não necessariamente ética (obedece a princípios).
3) Ethos: palavra grega que pode significar costume e ca-
ráter. Remete à raiz mais profunda do humano que sus-
tenta a vida das pessoas e sua convivência familiar, na
comunidade e na sociedade.
4) Liberdade e responsabilidade: a liberdade é o poder,
baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de
fazer isto ou aquilo, portanto de praticar atos delibera-
dos. Pelo livre-arbítrio cada qual dispõe sobre si mesmo.
A liberdade é no homem uma força de crescimento e
amadurecimento da verdade e na bondade. A liberdade
alcança sua perfeição quando está ordenada para Deus,
nossa bem-aventurança. A liberdade torna o homem
responsável por seus atos na medida em que forem vo-
luntários. O progresso da virtude, o conhecimento do
bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre
seus atos. (CIC, n. 1731-1734)
5) Escolha fundamental: tomando como comparação a
imagem da árvore, ela é representada pela raiz e pelo
tronco, no sentido de que exprime o unitário do agir mo-
ral e a sua incidência essencial sobre cada escolha.
6) Atitudes fundamentais: são comparáveis aos ramos
principais que se desenvolvem em âmbitos específicos,

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14 © Moral Fundamental

mas sempre coordenados com as raízes e com o tronco


da árvore.
7) Atos humanos: são assimiláveis à multiplicidade dos fru-
tos como produto maduro de uma elaboração complexa
que envolve toda a árvore nas suas fases da vida. (Cf.
PIGHIN, Bruno Fabio, Os fundamentos da moral cristã,
p. 165-166)
8) Trasferetti: teologia moral e pós-modernidade em tem-
pos de liquidez e incertezas. In: Leo PESSINI e Ronaldo
ZACHARIAS (org.). Ser e Educar: teologia moral, tempo
de incertezas e urgência educativa. Aparecida: Santuá-
rio; São Paulo: Centro Universitário São Camilo; São Pau-
lo: Sociedade Brasileira de teologia Moral. 2011. p.237-
253.
9) Veterotestamentário: relacionado ao Velho Testamento,
ou seja, Antigo Testamento da Bíblia.
10) SRS (Sollicitudo rei socialis): encíclica social de João Pau-
lo 2º (1987) direcionada aos bispos, sacerdotes, famílias
religiosas, filhos e filhas da Igreja e a todos os homens
de boa vontade pelo vigésimo aniversário da Populorum
Progressio. Para lê-la na integra, acesse o site referencia-
do a seguir. VATICAN. O Santo Padre – Encíclicas. Dispo-
nível em: <http://www.vatican.va/edocs/POR0070/_IN-
DEX.HTM>.
11) DH – Dignitatis Humanae: declaração sobre a Liberdade
Humana. Para ler este documento na íntegra, acesse o
site referenciado a seguir. VATICAN. Declaração - Dignita-
tis Humanae sobre a liberdade religiosa. Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vati-
can_council/documents/vat-ii_decl_19651207_dignita-
tis-humanae_po.html>. Acesso em: 25 jul. 2012.

Esquema dos Conceitos-chave


Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais
importantes deste estudo, apresentamos, a seguir (Figura 1), um
Esquema dos Conceitos-chave. O mais aconselhável é que você
mesmo faça o seu esquema de conceitos-chave ou até mesmo o
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

seu mapa mental. Esse exercício é uma forma de você construir o


seu conhecimento, ressignificando as informações a partir de suas
próprias percepções.
É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos
Conceitos-chave é representar, de maneira gráfica, as relações en-
tre os conceitos por meio de palavras-chave, partindo dos mais
complexos para os mais simples. Esse recurso pode auxiliar você
na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de
ensino.
Com base na teoria de aprendizagem significativa, entende-
-se que, por meio da organização das ideias e dos princípios em
esquemas e mapas mentais, o indivíduo pode construir o seu co-
nhecimento de maneira mais produtiva e obter, assim, ganhos pe-
dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza-
gem.
Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es-
colar (tais como planejamentos de currículo, sistemas e pesquisas
em Educação), o Esquema dos Conceitos-chave baseia-se, ainda,
na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel, que es-
tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos
conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno. Assim,
novas ideias e informações são aprendidas, uma vez que existem
pontos de ancoragem.
Tem-se de destacar que "aprendizagem" não significa, ape-
nas, realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno; é preci-
so, sobretudo, estabelecer modificações para que ela se configure
como uma aprendizagem significativa. Para isso, é importante con-
siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais
de aprendizagem. Além disso, as novas ideias e os novos concei-
tos devem ser potencialmente significativos para o aluno, uma vez
que, ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog-
nitivas, outros serão também relembrados.

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16 © Moral Fundamental

Nessa perspectiva, partindo-se do pressuposto de que é você


o principal agente da construção do próprio conhecimento, por
meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas
e externas, o Esquema dos Conceitos-chave tem por objetivo tor-
nar significativa a sua aprendizagem, transformando o seu conhe-
cimento sistematizado em conteúdo curricular, ou seja, estabele-
cendo uma relação entre aquilo que você acabou de conhecer com
o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo (adaptado do
site disponível em: <http://penta2.ufrgs.br/edutools/mapascon-
ceituais/utilizamapasconceituais.html>. Acesso em: 11 mar. 2010).

SOCIEDADE MORAL SAGRADA


FUNDAMENTAL ESCRITURA
MAGISTÉRIO DA
IGREJA LEI

NORMAS E VALORES REVELAÇÃO


EXPERIÊNCIA DE (AT E NT)
VIDA CRISTÃ FÉ JESUS

IGREJA

SEGUIMENTO DE
JESUS OPÇÃO FUNDAMENTAL
LIBERDADE E
RESPONSABILIDADE

ESCOLHAS FUNDAMENTAIS
ATITUDES FUNDAMENTAIS
ATOS HUMANOS

Figura 1 Esquema dos Conceitos Chave de Moral Fundamental

Como pode observar, esse Esquema oferece a você, como


dissemos anteriormente, uma visão geral dos conceitos mais im-
portantes deste estudo. Ao segui-lo, será possível transitar entre
os principais conceitos e descobrir o caminho para construir o seu
processo de ensino-aprendizagem.
Figura 1 Esquema dos Conceitos-chave da disciplina Moral fundamental.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Como vemos na figura, para tratarmos da moral fundamen-


tal é importante olharmos para a realidade ao nosso redor e ain-
da, para os fundamentos da nossa vida Cristã (Sagrada Escritura e
os ensinamentos da igreja). A partir da experiência da fé, do en-
contro com Jesus Cristo e o seu Evangelho, nasce a experiência da
vida cristã, que se desdobra em escolhas e atitudes, fundadas no
seguimento de Jesus. Assim, o fundamento da vida moral cristã,
repousa sobre a doação que Deus faz de si em Cristo, revelando-
-se como amor. Amando-nos e ensinando-nos a amar. Os frutos da
vida cristã são frutos de caridade (amor) para a vida do mundo.
O Esquema dos Conceitos-chave é mais um dos recursos de
aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien-
te virtual, por meio de suas ferramentas interativas, bem como
àqueles relacionados às atividades didático-pedagógicas realiza-
das presencialmente no polo. Lembre-se de que você, aluno EaD,
deve valer-se da sua autonomia na construção de seu próprio co-
nhecimento.

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertati-
vas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com os valores e fundamentos da moral cristã e
aqueles presentes na sociedade pode ser uma forma de você ava-
liar o seu conhecimento. Assim, mediante a resolução de questões
pertinentes ao assunto tratado, você estará se preparando para a
avaliação final, que será dissertativa. Além disso, essa é uma ma-
neira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir
uma formação sólida para a sua prática profissional.

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18 © Moral Fundamental

As questões de múltipla escolha são as que têm como respos-


ta apenas uma alternativa correta. Por sua vez, entendem-se por
questões abertas objetivas as que se referem aos conteúdos
matemáticos ou àqueles que exigem uma resposta determinada,
inalterada. Já as questões abertas dissertativas obtêm por res-
posta uma interpretação pessoal sobre o tema tratado; por isso,
normalmente, não há nada relacionado a elas no item Gabarito.
Você pode comentar suas respostas com o seu tutor ou com seus
colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-
teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con-
ceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada,
a Educação como processo de emancipação do ser humano. É
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e
científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
© Caderno de Referência de Conteúdo 19

Você, como aluno dos cursos de Graduação na modalidade


EaD, necessita de uma formação conceitual sólida e consistente.
Para isso, você contará com a ajuda do tutor a distância, do tutor
presencial e, sobretudo, da interação com seus colegas. Sugeri-
mos, pois, que organize bem o seu tempo e realize as atividades
nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discuta
a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na
modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
esta obra, entre em contato com seu tutor. Ele estará pronto para
ajudar você.

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EAD
Crise Atual da Moral

1
1. OBJETIVOS
• Identificar as características de uma sociedade em crise.
• Reconhecer e analisar a crise moral.
• Interpretar o ser humano moderno e a crise moral.
• Apontar as causas da crise moral.

2. CONTEÚDOS
• Sociedade em crise.
• Crise moral.
• O ser humano moderno e a crise.
• Causas da crise moral.
22 © Moral Fundamental

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Um estudo organizado com sentido pode ser mais fa-
cilmente compreendido e interiorizado. Para que isso
ocorra, você precisa se dedicar a descobrir os princípios
e as leis que ligam as várias partes do conteúdo a ser
estudado nesta unidade. Lembre-se de que esta visão
global facilitará o entendimento dos detalhes e da com-
preensão sobre o assunto aqui tratado.
2) Leia os livros da bibliografia indicada, para que você am-
plie e aprofunde seus horizontes teóricos. Esteja sempre
com o material didático em mãos e discuta a unidade
com seus colegas e com o tutor.
3) Tenha sempre a mão o significado dos conceitos expli-
citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de
Conceitos-chave para o estudo de todas as unidades
deste CRC. Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu
desempenho.
4) Para enriquecer seus estudos sobre a Crise Atual da Mo-
ral, reflita sobre a seguinte afirmação: "A dignidade da
pessoa humana implica e exige a retidão da consciência
moral". (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2007).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
É notória a crise da moral em nossos dias. Ela atravessa a
sociedade e atinge o ser humano até o seu âmago. Diante disso,
inúmeros questionamentos nos rondam:
Quais são as faces da atual crise moral? E as suas causas?
Entender as faces e discernir as causas da crise moral será
importante para captar toda a sua amplitude. Esse será um dos
nossos objetivos!
© U1 - Crise Atual da Moral 23

Esta unidade trata, ainda, de um estudo introdutório que


nos ajudará a identificar os interlocutores de hoje e seu contexto.
Estaremos com você nesta caminhada!

5. UMA SOCIEDADE EM CRISE


Em todos os tempos, ouvimos falar de crises ou que as pes-
soas passaram por crises. Porém, hoje, o que vemos é uma crise
que toma o planeta, envolvendo tudo e todos.
Como você pode perceber, temos muito mais perguntas do
que respostas. Além disso, as respostas dadas parecem não estar
acompanhadas pela certeza ou convicção do que é dito. A sensa-
ção geral é de incertezas e vazio, de temores, bem como de perdas
de valores e de sentido. Tudo parece nos levar a uma descrença
não só num amanhã, mas principalmente uma descrença no hoje.
Uma outra característica marcante de nossa época refere-se
ao fato de vivermos em um tempo de mudanças rápidas e profun-
das:
Temos a impressão de que o "mundo" está escapando de nossas
mãos. Ele já não é mais marcado pela unanimidade, típica de um
passado ainda recente, no qual as pessoas se entendiam facilmente
sobre os fatos e os problemas que faziam parte de suas vidas e da
sociedade. Estes eram percebidos e avaliados de maneira bastante
parecida pelo conjunto das pessoas e da sociedade, pois estava cla-
ro o padrão a ser seguido por todos (AGOSTINI, 2007, p. 21).

Até pouco tempo, era fácil definirmos o limite do certo e do


errado, do lícito e do ilícito. Com todas as possíveis discussões em
torno de um problema ou de posições, não havia dúvidas sobre
a validade das normas que determinavam o padrão da conduta
humana. Quem as rejeitava era considerado mau, quem as acolhia
era bom.
Já a modernidade trouxe consigo o privilégio da razão e da
produção, as quais possibilitaram grandes conquistas. Entretanto,
se houve um grande avanço por um lado, por outro:

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24 © Moral Fundamental

[...] este mesmo ser humano, que parecia tão autônomo e podero-
so face a toda injunção externa e que se pretendia, enfim, emanci-
pado, não demorou em sentir-se mergulhado num desequilíbrio do
que lhe era vital. A razão deslizou na pretensão de tudo dizer e de-
finir a partir de campos relativos a esta ou àquela ciência, fragmen-
tando a realidade e atendendo apenas parcialmente o ser humano.
A produção, já delimitada pelo que era útil e eficiente, passou a
nortear-se pela busca da lucratividade sem limites, num acúmulo
de bens capitalizados, com a conseqüente depredação da natureza
e submissão do ser humano, quando não simplesmente a exclusão
deste (AGOSTINI, 2002, p. 97).

Observe que os comportamentos e as teorias que vêm legi-


timar este ser humano são resultados de diversos fatores os quais
foram determinantes para chegarmos ao quadro social que já des-
crevemos.
Você pode se perguntar: quais são esses fatores?
Segundo Mifsud (2002, p. 110), citamos os mais importan-
tes:
1) A industrialização mudou os costumes, a forma de viver
das pessoas, levando-as a concentrar-se nas grandes
metrópoles, criando, assim, o paradoxo dos pequenos
grupos com acesso ao bem-estar e as zonas periféricas,
onde se vêem negadas as condições básicas de acesso
ao desenvolvimento integral.
2) As instituições de maior peso tradicional como a política,
a família e a própria Igreja foram colocadas sob suspeita.
3) Os papéis sociais passaram e continuam passando por
profundos questionamentos. Como exemplos, basta
acenarmos para a situação da mulher, do trabalhador,
dos jovens, dos dirigentes etc.
4) A tecnologia tem dado uma nova perspectiva para a saú-
de, para a comunicação, para os setores agrícolas, indus-
triais, financeiros etc. São, sem dúvida, grandes avanços
que trazem muitos benefícios. Porém, tais benefícios fi-
cam nas mãos de alguns grupos humanos.
© U1 - Crise Atual da Moral 25

Como os benefícios trazidos pelo avanço da tecnologia estão con-


centrados nas mãos de determinados grupos, fica cada vez mais
evidente a exclusão de um grandíssimo contingente humano.

5) As ideologias tradicionais demonstraram a sua incapa-


cidade de explicar o fenômeno social, portanto nos en-
contramos em busca de novos modelos que possam dar
respostas a essa realidade.
Encontramo-nos diante de um mundo extremamente com-
plexo, onde nem sempre conseguimos decifrar a trama de intera-
ções que envolvem cada pessoa. Dessa forma, torna-se dificílimo
planejar e pensar a própria existência. Toda essa crise nos remete
à questão ética.
Vamos entender melhor!
Somos levados a uma descrença generalizada diante da qual
os valores se encontram dentro de uma perspectiva relativista, em
que nada mais é absoluto.
Nesse quadro, será que o cristão se interroga sobre sua pró-
pria identidade de fé?
Para enfrentarmos essa reflexão, é preciso contextualizá-la
em seu ambiente histórico. Portanto, para compreendermos hoje
a reflexão ética, é necessário que nos detenhamos na análise his-
tórica dessa crise, buscando suas causas.
A crise ética ainda provoca uma multidão de escandalizados,
pois reagimos moralmente diante dessas situações que considera-
mos intoleráveis e inaceitáveis.
O interessante é que poderíamos pensar que se sentir escan-
dalizado pela transgressão de normas fosse algo que se localizasse
no passado. Contudo, ainda nos sentimos de certa forma agredi-
dos, mesmo depois da relativização dessas normas, o que torna
presente o sentimento moral.

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26 © Moral Fundamental

6. UMA CRISE MORAL?


Atualmente, muito se fala de crise moral.
Mas, quando pensamos em crise moral, deveríamos com-
preender que essa crise não corresponde exclusivamente a um
não cumprimento de normas preestabelecidas. De acordo com as
ideias de Mifsud (2002), é uma crise que emerge do questiona-
mento da validade dessas normas morais. Portanto, mais do que
uma crise moral, poderíamos falar de uma moral em crise.
O termo crise é utilizado com uma grande variedade de significa-
dos; alguns deles são exatos, outros implicam uma variação semân-
tica pouco ortodoxa. O uso ordinário do vocábulo acumulou sobre
ele significados de caráter preferentemente negativo: depressão,
perda de ânimo, situação problemática (na economia, na política),
desorientação (na cultura, na religião). Pelo contrário, o uso culto
pretende reivindicar para o termo um conteúdo semântico positivo
em conformidade com sua etimologia grega: juízo, discernimento,
decisão final sobre um processo iniciado, mudança decisiva, esco-
lha (VIDAL, 1985, p. 16).

Portanto, podemos dizer que o termo crise tem um duplo


significado:
• negativo, que traz a negação de valores perenes, ligados
a um esquema explicativo superado;
• positivo, enquanto a busca comporta o descobrimento
de valores novos ou uma nova expressão dos valores pe-
renes.
Como você pode notar, os dois significados de crise com-
põem a realidade em que vivemos. Na encíclica SRS, João Paulo
II nos demonstra essa constatação: "uma multidão inumerável de
homens e mulheres, crianças, adultos e anciãos, isto é, de pessoas
humanas concretas e irrepetíveis, que sofrem sob o peso intolerá-
vel da miséria" (SRS 13).

Para a citação das encíclicas papais e de outros documentos do


Vaticano, utilizaremos a sigla que corresponde ao referido docu-
mento e o número do parágrafo do qual foi retirada a citação, como
© U1 - Crise Atual da Moral 27

por exemplo: (SRS 13), lê-se: encíclica Sollicitudo rei socialis, pa-
rágrafo 13.

"O alargamento do fosso entre a área do chamado Norte desen-


volvido e a do Sul em vias de desenvolvimento. [...] de fato, assim
como existem desigualdades sociais até aos extremos da miséria
em países ricos, assim, em contraposição, nos países menos desen-
volvidos também se vêem, não raro, manifestações de egoísmo e
de ostentação de riquezas, tão desconcertantes quanto escandalo-
sas" (SRS 14).
"O analfabetismo, a dificuldade ou impossibilidade de ter acesso
aos níveis superiores de instrução, a incapacidade de participar da
construção da própria comunidade nacional, as diversas formas de
exploração e de opressão – econômicas, sociais, políticas e tam-
bém religiosas – da pessoa humana e dos seus direitos, as discri-
minações de todos os tipos, especialmente aquela mais odiosa, a
fundada na diferença de raças" (SRS 14).
"É com freqüência sufocado o direito de iniciativa econômica [...].
A experiência demonstra-nos que a negação deste direito ou sua
limitação, em nome de uma pretensa 'igualdade’ de todos na so-
ciedade, é algo que reduz, se é que não chega mesmo a destruir
de fato, o espírito de iniciativa, isto é, a subjetividade criadora do
cidadão" (SRS 14).
"A negação ou a limitação dos direitos humanos – como, por exem-
plo, o direito à liberdade religiosa, o direito de participar da cons-
trução da sociedade, a liberdade de associação, o de constituir sin-
dicatos, ou de tomar iniciativas em campo econômico" (SRS 15).
"Milhões de seres humanos privados de uma habitação convenien-
te, ou até mesmo sem qualquer habitação, a fim de despertar a
consciência de todos [...], que tem conseqüências negativas no pla-
no individual, familiar e social" (SRS 17).

Entretanto, encontramos, nesta mesma sociedade global, si-


nais de esperança que se manifestam por meio de:
"Plena consciência, em muitíssimos homens e mulheres, da digni-
dade própria e da dignidade de cada ser humano [...] na preocupa-
ção vivida por toda parte, com o respeito dos direitos humanos; e
na rejeição mais decidida das suas violações" (SRS 26).
"Vai aumentando a convicção de uma interdependência radical e,
por conseguinte, da necessidade de uma solidariedade que a assu-
ma e traduza no plano moral" (SRS 26).
"Emerge progressivamente a idéia de que o bem, ao qual somos to-
dos chamados, e a felicidade, a que aspiramos não se podem obter

Claretiano - Centro Universitário


28 © Moral Fundamental

sem o esforço e a aplicação de todos, sem exceção, o que implica a


renúncia ao próprio egoísmo" (SRS 26).
"O sinal do respeito pela vida, a preocupação concomitante pela
paz; e de novo, a tomada de consciência exige, cada vez mais, o
respeito rigoroso da justiça e, por conseguinte, a distribuição eqüi-
tativa dos frutos do verdadeiro desenvolvimento" (SRS 26).

Com tais conhecimentos, vamos refletir, no próximo tópico,


sobre o ser humano moderno e a atual crise moral.

7. SER HUMANO MODERNO E A CRISE MORAL


Diante de tantas contradições encontramos o homem e a
mulher de hoje em busca de sentido para a vida. Vale salientar
que, apesar de tantos avanços, esse sentido não nos parece nítido
e, por essa razão, nos encontramos sem rumos.
Assim, a procura pelo sentido da vida e a preocupação pelo
desenvolvimento pessoal e da humanidade estão no centro de to-
dos os questionamentos do homem moderno.
Note que a crise atual somente pode ser entendida dentro
da relação homem-mundo, ou seja, como o homem se descobre e
se situa no mundo. A humanidade não é mais um conceito abstra-
to e isso leva, ao mesmo tempo, a uma tomada de consciência dos
diversos condicionamentos na existência do ser humano.
Encontramos esse ser humano moderno envolvido pela
angústia, gerada pela insatisfação radical (MIFSUD, 2002, p. 116-
117). Essa insatisfação é diagnosticada na solidão, no medo, na
ansiedade, na agressividade e no:
[...] vazio que procede da sensação de impotência, de que pode-
mos mudar muito poucas coisas em nossa vida e na sociedade;
definitivamente, de que nada é importante, a não ser divertir-se
e passar bem; do medo que é fruto das ameaças objetivas a que
estão submetidas a vida, o trabalho e a sobrevivência coletiva do
gênero humano; de uma ansiedade originada do medo imaginado,
no desconhecimento sobre daquilo que se tem que fazer, no que
se deve acreditar e o que se pode esperar, e quando a ansiedade
se apodera de toda uma cultura, então toda a sociedade se sente
© U1 - Crise Atual da Moral 29

ameaçada e pressente próximo o seu fim; de uma agressividade


carente de objetivos com as normas do limite, sem as quais uma
sociedade não pode ser construída nem defendida (MIFSUD, 2002,
p. 116-117).

O homem enfrenta, portanto, o drama do pensar-se livre e


de não o ser.
Ao falar da crise do homem moderno se corre o perigo de con-
fundir o homem moderno com o homem burguês, generalizando
indevidamente a descrição crítica do homem moderno [...].
Por 'homem burguês' se entende aquela pessoa ou grupo humano
que é por sua vez vítima e protagonista da sociedade de consumo
(o consumo não somente como meio, mas também como fim), cuja
razão de ser se fundamenta no 'ter' e no 'acumular', cujo ideal é
a 'abundância material' dentro de uma sociedade onde impera o
direito absoluto e indiscutível da liberdade em benefício próprio. A
mentalidade burguesa criou sua própria racionalidade em função
da sociedade de consumo para poder perpetuar-se no tempo [...].
Portanto, ao perguntar-se pela crise do homem e da sociedade mo-
derna, é preciso esclarecer que o que realmente se encontra em
crise é um ideal de homem e um tipo de sociedade. A sociedade
de consumo chegou ao seu ponto de desencanto, e a partir das
distintas visões críticas vão emergindo várias propostas alternativas
(MIFSUD, 2002, p. 119).

Sintetizando, o ser humano se encontra fragilizado diante da


sociedade moderna, pois vive condicionado por inúmeras verten-
tes externas que o impedem, mesmo que ele não reconheça, de
assumir os rumos da própria história.

8. DISCERNINDO AS CAUSAS DA CRISE MORAL


Para compreender a amplitude da crise da consciência mo-
ral, é necessário que busquemos entender suas causas.
Vejamos!
A crise de valores que acarreta a desmoralização da socieda-
de aponta para o fenômeno tríplice da imoralidade, da permissivi-
dade e da amoralidade.

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30 © Moral Fundamental

Imoralidade
Comenta-se que a sociedade atual é mais imoral (contra a
moral) que a do passado.
Você pode pensar: por quê?
Um dos motivos refere-se ao fato de que, hoje, alguns males
têm "cara pública", ou seja, faz-se abertamente o que ontem se
fazia às escondidas.
Outro fator que contribuiu para o aumento da capacidade
humana de causar dano ao seu semelhante e, portanto, de ser
imoral, é a tecnologia.
Contudo, mesmo diante da crise moral, é preciso reconhecer
que a capacidade de fazer o bem também evoluiu. Por exemplo: as
descobertas da ciência, a conquista do espaço etc.
Para concluir essa ideia, convido você a refletir sobre a se-
guinte indagação: até que ponto a imoralidade presente na socie-
dade é responsável pela atual crise moral?

Permissividade
O pluralismo moderno trouxe consigo maior tolerância so-
cial. Isso acarretou um custo ético de perda de valores.
Note que essa permissividade, por vezes, nos faz confundir
o lícito com o ético.
Para entender melhor, veja o esquema a seguir:
Pluralidade => Tolerância => Permissividade
Como você pode perceber, o custo ético da tolerância é a
perda de valores básicos que se dá em nome da tolerância.
Vejamos alguns exemplos: a tolerância jurídica no caso da
legalização do aborto pode levar a sociedade a negar valores, ou
ainda, a tolerância à permanência de um salário-mínimo que não
permite a sobrevivência do cidadão etc.
© U1 - Crise Atual da Moral 31

Resumindo, dizer que algo é lícito não significa dizer que seja
ético.

Amoralidade
Na sociedade de consumo, o homem perde sua identidade.
Por essa razão, torna-se parte de uma massa disforme.
Em outras palavras, quando o homem privilegia o ter ao ser,
todas as suas relações se tornam superficiais; muitas vezes o outro
passa a ser mero instrumento para alcançar seus fins.
Vive-se, desse modo, sem moral (amoral).

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar
as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta
unidade.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em
responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estuda-
dos para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que
você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Edu-
cação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma
cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas desco-
bertas com os seus colegas.
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Aponte as causas da crise moral atual.

2) Em sua opinião, tudo o que é lícito, também é ético? Por quê?

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32 © Moral Fundamental

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pôde ampliar seus conhecimentos e
refletir sobre as características de uma sociedade em crise, bem
como as causas da atual crise moral. Além disso, pôde compreen-
der como a crise moral atinge o ser humano moderno.
Em busca dos objetivos que nos propomos atingir nesta
obra, na Unidade 2, vamos estudar o ethos bíblico.
Até lá!

11. E-REFERÊNCIAS
CATEQUISTA.NET. Catecismo da Igreja Católica. Disponível em: <http://catecismo.
catequista.net/conteudo/3.html>. Acesso em: 20 ago. 2012.
VATICAN. O Santo Padre – Encíclicas. Disponível em: <http://www.vatican.va/edocs/
POR0070/_INDEX.HTM>. Acesso em: 20 ago. 2012.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGOSTINI, Nilo. Teologia moral: o que você precisa viver e saber. 10. ed. Petrópolis:
Vozes, 2007.
______. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002.
MIFSUD, Tony. Moral fundamental – El discernimiento cristiano. 2. ed. Bogotá: Celam,
2002, p. 110. (Colección de textos básicos para seminários latinoamericanos)
VIDAL, Marciano. El camino de la ética cristiana – Estella, Ediciones Verbo Divino. São
Paulo: Paulinas, 1985.
EAD
Ethos Bíblico

2
1. OBJETIVOS
• Reconhecer a força do ethos.
• Analisar a experiência de fé e sua importância.
• Identificar e refletir sobre a centralidade da vida.
• Interpretar e reconhecer as seguintes preleções: Deus
convida (Antigo Testamento), Jesus Cristo propõe (Novo
Testamento) e o Espírito Santo confirma e santifica.

2. CONTEÚDOS
• Força do ethos.
• Experiência de fé.
• A centralidade da vida.
• Deus convida – Antigo Testamento.
• Jesus Cristo propõe – Novo Testamento.
• Espírito Santo confirma e santifica.
34 © Moral Fundamental

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) Para enriquecer os estudos desta unidade, leia a carta
encíclica Veritatis Splendor e outras, disponíveis em:
<http://www.vatican.va/phome_po.htm>. Lembre-se
de que você poderá encontrar outros importantes do-
cumentos no site da CNBB. Home page. Disponível em:
<http://www.cnbb.org.br/>. Pesquise!
2) Para aprofundar sobre a ação do Espírito Santo na cria-
ção, confira as obras a seguir:
• MIRANDA, Mario de França. Para uma teologia do
imperativo ecológico. Atualidade Teológica, n. 16, p.
26, 2004.
• MOLTMANN, Jürgen. Der Geist des Lebens. Eine gan-
zheitliche Pneumatologie. München: Kaiser, 1991.
• PRANNENBERG, Wolfhart. Glaube und Wirklinchkeit.
In: VV.AA. Gerard com Rad: Seine Beteutung für die
Theologie. München: Kaiser, 1975.
3) Para aprofundar seus conhecimentos sobre os deveres
domésticos, sugerimos que você leia: Cl 3,18-4,1; Ef
5,21-6,9, também confira as listas dos vícios apresenta-
das por São Paulo em: 1Cor 5,11; 6,9-10; 2Cor 12,20-21;
Gl 5,19-21; Rm 1,29-31; Cl 3,5-8; Ef 4,31; 5,3-5. E tam-
bém as virtudes em: 2Cor 6,6; Gl 5,22-23; Ef 4,2-3.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
As páginas da Bíblia trazem-nos preciosos relatos do ethos
que são gestados através dos tempos. Por exemplo, existem nesse
livro as indicações que nos fazem descobrir o modo próprio de ser
e de viver, característico do mundo semita, e que vai lançando as
bases que sustentam o ser humano (indivíduos, clãs, tribos, povo),
tendo como base a experiência de fé.
© U2 - Ethos Bíblico 35

Mas, o que podemos denominar experiência de fé?


A experiência de fé aponta para a centralidade da vida, re-
velando um Deus que convida o seu povo a viver com ele uma
aliança. Revelando, ainda, Jesus Cristo, que traz a grande proposta
do Reino de Deus, e aponta para a plenitude da aliança e o Espírito
Santo, o qual vem a ser a força de Deus que confirma e santifica
no bem e na verdade os seguidores de Jesus e todos os homens e
mulheres de boa vontade.
Você pode pensar: o que tudo isso tem a ver com o ethos? O
que é ethos bíblico? Qual a sua força?
Vamos compreender com mais detalhes, com o estudo que
ora se inicia!

5. FORÇA DO ETHOS
Ethos é uma palavra grega que, escrita com épsilon, designa
costume e que, escrita com eta, refere-se a caráter. Remete para
a raiz mais profunda do humano, em que se tecem as evidências
primitivas – de raiz – que sustentam a vida das pessoas e sua con-
vivência na família, na comunidade e na sociedade.
É no ethos que se estabelecem as bases para o "conjunto de
normas e valores aceitos por uma civilização, por um povo, por
uma classe social, por um grupo ou por uma pessoa" (VIDAL, s/d,
p. 242). Assim, ele pode apontar tanto para a:
• Ordem moral (como totalidade do dever moral) para a
estrutura das idéias morais (de um indivíduo ou grupo)
(HÖRMANN, 1985, p. 366).
• Conduta efetiva (ou moral) de um indivíduo, de um grupo
humano, povo ou civilização (HÖRMANN, 1985, p. 366).
Como você pode notar, o ethos remete para as bases de sus-
tentação da vida. O ser humano sempre empreendeu os melhores
esforços em favor da vida. As bases mais arcaicas remetem para o

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36 © Moral Fundamental

cuidado de ir entrelaçando os elementos fundantes que possam


sustentar a vida:
• o cuidado de si;
• o respeito dos outros;
• o equilíbrio da natureza e a abertura à transcendência.
Observe que isso forma um húmus vital, por meio do qual
vão brotando costumes, comportamentos, valores, ideais, normas
e outros, capazes de dar à vida os elementos que regem as rela-
ções fundamentais do ser humano (si mesmo, os outros, a nature-
za e a transcendência).
Cria, ainda, um conjunto de evidências primitivas, de raiz,
implícitas ao viver, que brotam da essência do humano e que cor-
respondem à sua natureza. Desta forma, vai se amalgamando o
que identificamos como que:
Uma matriz de percepção, de avaliação e de ação, por meio da qual
realizamos as mais diferentes tarefas, resolvemos problemas, cor-
rigimos incessantemente os resultados obtidos e integramos todas
as experiências passadas (AGOSTINI, 1997, p. 23).

É importante saber que isto que é de raiz, que vem do ethos,


vai aos poucos sendo explicitado em diversas formas de regula-
ções sociais e mesmo religiosas. Esta matriz de percepção, de ava-
liação e de ação explicita-se em costumes, normas morais e até na
ordem positiva do direito. Em outras palavras, a própria cultura
adquire sua identidade no ethos.
As normas sociais, as prescrições morais e as regras jurídicas
têm no ethos a sua eficacidade propriamente prática e o seu senti-
do efetivo (QUELQUEJEU, 1983, p. 76). Assim, elas correspondem
às raízes do humano, à sua essência ou natureza; repercutem na
sua vida como evidentes, pois são referidas a este fundo donde
elas procedem.
Por causa disso, verificamos uma necessidade emergencial
de modelos ou estruturas pessoais de comportamento, normal-
mente explicitadas pelas normas morais.
© U2 - Ethos Bíblico 37

A moral surge, então, como a necessidade de explicitar o que


é preciso fazer, sobretudo premente quando se perde a evidência
que brota do ethos, rompendo a unidade primitiva, de raiz.
Sem moral, perde-se o consenso, o rumo e o sentido de per-
tença; instalam-se contra-valores e surge a dispersão.
Diante disso, "surge a necessidade de instâncias normativas,
encarregadas de dizer o que antes ia por si, de decretar positiva-
mente o que é preciso fazer, a fim de salvaguardar o consenso so-
cial: tal é a origem da moral explícita, da norma de direito, da lei"
(QUELQUEJEU, 1983, p. 78).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A fragmentação do ethos é reveladora da crise de nossos dias, no esquecimento
dos valores de raiz, que deveriam ser evidentes e não o são mais, por causa dos
processos de imoralidade, permissividade e amoralidade, vistos na unidade an-
terior. Faz-se, então, necessário acionar a moral para dizer o que antes ia por si,
indicadora do caminho necessário ou possível para a realização do ser humano.
Surge, então, a necessidade de uma produção do instituído que vá definindo o
que é praticável e o que não é praticável. Remete para valores e ideais; traduz
isso em normas para orientar as relações básicas; estabelece até o aparato do
direito como forma de explicitação positiva do codificado ou instituído.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

No entanto, é importante destacar que os diferentes graus


de explicitação do ethos, desde os costumes até a moral e o direi-
to, necessitam da ética. Desdobrar no humano a capacidade ética
significa capacitá-lo a sempre "ordenar as relações a favor de uma
vida digna" (MORAES, 1992, p. 5); supera, assim, eventuais contra-
-valores que se instalam até na raiz mais profunda, bem como a
dispersão que se origina com a fragmentação do ethos.
A ética mobiliza o humano naquilo que lhe é vital e que cor-
responde à sua essência. Engloba as várias dimensões. Ela tudo
avalia e, se necessário, depura. É indispensável na sistematização
de valores nos mais diferentes níveis do instituído, quer implícitos
quer explícitos.

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38 © Moral Fundamental

Resumindo, a ética funda-se na justiça como virtude maior;


capta o novo e emergente; leva o ser humano a abrir-se à alteri-
dade como seu lado fecundo. Na dinâmica da alteridade, somos
levados a crescer ante a distinção ou diferença do/a outro/a (al-
ter); provoca um descentramento e permite o face-a-face. A ex-
periência do face-a-face faz irromper o rosto do/a outro/a que me
solicita, que me exige, que urge um compromisso em seu favor,
que requer a disponibilidade de uma escuta atenta e de serviço.
Essa escuta e esse serviço forjam no ser humano a atitude disci-
pular fundante:
Saber escutar e saber servir para então amar de verdade.

6. EXPERIÊNCIA DE FÉ
Que relação há entre o ethos e a experiência de fé?
O ethos bíblico tem na experiência de fé o seu elemento fun-
dante e de excelência. Desde os Patriarcas do Antigo Testamento,
a fé torna-se o elemento norteador deste povo que começou na
itinerância até estabelecer-se na Terra Prometida.
Na provisoriedade, o povo de Israel faz a experiência da co-
-itinerância de Deus. Ser e estar com Deus é manter-se no cami-
nho, seguir adiante, dispor-se a buscar a terra da promessa.
As diferentes tradições ou pontos referenciais (Êxodo, Alian-
ça e Sinai) apontam para uma certeza de ser Povo de Javé. "Eu vos
tomarei como meu povo e eu serei vosso Deus" (Ex 6,7).
Isso significa que reconhecer Javé como único Deus e realizar
a sua vontade tornam-se os eixos condutores da fé e da conse-
quente moral de Israel. "A religião do Antigo Testamento só pode
ser uma religião ética [...]"(TESTA, 1981, p. 35) na qual Deus é o
modelo a ser imitado (Lv 11,14-45; 19,2).
Cada pessoa está na presença de Deus (Gn 17,1), o que signi-
fica estar atento à sua vontade e obedecer às suas palavras. Isto é
© U2 - Ethos Bíblico 39

próprio do ser humano criado à imagem de Deus e do povo eleito,


com o qual Deus estabeleceu uma aliança.
Com essa base, Israel alimenta a consciência de ser uma co-
munidade de irmãos, sendo próprio do seu modo de viver o respei-
to de cada indivíduo, imagem de Deus.
Já o Novo Testamento nos mostra com clareza como se tece
um ethos fundado na revelação de Deus em Jesus Cristo. Aí está
o dado central da fé que reúne os discípulos em torno de Cristo e
edifica a comunidade, ou seja, a Igreja. Proclamar Jesus Cristo e o
seu Reino é o fundamento, cujo limite é escatológico:
O ethos bíblico renasce, como fruto resultante do encontro com
Cristo. Nele é novamente interpretado e unificado todo o sentido
profundo de uma experiência histórica, humana e guiada por Deus
desde os inícios: tem início uma nova história da responsabilidade
humana, desdobrada entre o já e o ainda não, porém enraizada na
presença do Senhor, no ‘sim’ definitivo de Deus (BASTIANEL, 1983,
p. 138).

Observe que Jesus Cristo passa a ser o inspirador dos ele-


mentos essenciais de uma ética cristã. A comunidade cristã, desde
o início, esmerou-se em explicitar isso na conduta concreta. A con-
fissão de fé corresponde a um comportamento humano, numa es-
treita ligação entre fé e moral ou ética, entre fé e obras, entre crer
e amar. É próprio da fé traduzir-se em obras concretas. Em síntese:
Toda conversão introduz a pessoa no foco de projeção da fé
que encaminha imediatamente a uma práxis.
Assim, a Teologia desemboca necessariamente numa praxe-
ologia (FLECHA, 1999, p. 119).
Em termos diferenciados, atualizar a fé na vida, num encon-
tro entre fé e moral, é um dos elementos fundantes da Teologia,
que não pode parar no seu caráter especulativo/teórico. Esse
ethos bíblico foi traduzido na encíclica Veritatis Splendor com as
seguintes palavras:
Urge recuperar e repropor o verdadeiro rosto da fé cristã, que não
é simplesmente um conjunto de proposições a serem acolhidas

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40 © Moral Fundamental

e ratificadas com a mente. Trata-se, antes, de um conhecimento


existencial de Cristo, uma memória viva dos seus mandamentos,
uma verdade a ser vivida. Aliás, uma palavra só é verdadeiramente
acolhida quando se traduz em atos, quando é posta em prática (VS,
255, p. 113-114).
A fé possui [...] um conteúdo moral: dá origem e exige um compro-
misso coerente de vida [...]. Através da vida moral, a fé torna-se
‘confissão’ não só perante Deus, mas também diante dos homens:
faz-se testemunho (VS, 255, p. 114).

Mas, o que é preciso para atualizar a fé na prática?


A atualização da fé numa prática requer, ao mesmo tempo,
a capacidade de colocar-se numa ausculta (escuta atenta, em uma
ob-audiência, obediência) dos apelos de Deus, quais sinais dos
tempos, presentes nos acontecimentos, nas exigências e aspira-
ções de nosso tempo (GS, 4 e 11, p. 153-192).
Interpretando esses apelos à luz do Evangelho, a fé passa a
esclarecer todas as coisas com luz nova, manifestando o plano di-
vino e orientando a mente para soluções plenamente humanas. O
cristão torna-se capaz de captar o sentido teologal presente nos
acontecimentos e nas mais diversas realidades de sua vida. "Isto
significa saber captar a densidade da graça ou do pecado que tais
realidades ou acontecimentos possam conter" (AGOSTINI, 2002,
p. 204).
Nada exclui a lógica própria dessa atualização da fé, lapidar-
mente definida nas seguintes palavras: "A fé ‘dá o que pensar’, mas
também ‘dá o que fazer’. As verdades reveladas são para serem
conhecidas, sim, mas para serem finalmente vividas" (RATZINGER,
1996, p. 37).

Bento XVI, antes mesmo de ser Papa, escrevia com clareza sobre
a crise de fé e moral de nossos dias, apontando para o amor como
o elemento vital da confissão de fé. E alertava: "Onde falta a ‘orto-
práxis’ de maneira tão evidente, a ‘ortodoxia’ mostra-se problemá-
tica" (RATZINGER, 1996, p. 37).
© U2 - Ethos Bíblico 41

7. CENTRALIDADE DA VIDA
Javé é o Deus que vive!
Este é o fundamento da profissão de fé do homem bíblico.
Ao mesmo tempo, este Deus chama as criaturas a participarem da
vida, da qual Ele é a fonte.
Vale salientar que Deus é igualmente fonte e doador de vida
para o seu povo, inicialmente entendido coletivamente, depois
captado também individualmente. Com a dispersão do exílio, a
compreensão passa a ser de um Deus doador e fonte de vida para
cada indivíduo.
Mesmo que o termo vida seja também utilizado para os
animais e algumas vezes para os vegetais, ele aponta em especial
para o ser humano. Trata-se de um ser humano vivente, enquanto
é um ser que se relaciona com Deus, um ser responsável, um ser
pessoal, um ser "uno". Ao ter sido criado à imagem e semelhança
de Deus (Gn 1,26), o ser humano, homem e mulher, tem na proxi-
midade com Deus a base criadora e sustentadora de sua vida; em
Deus, ele tem o sopro de vida; sem Deus, ele é pó.
Chamado a submeter a terra e a dominá-la (Gn 1,28), o ser
humano sente-se convocado à sua responsabilidade de exercer
um domínio, um governo. O homem sente-se responsável como
um pastor que precisa realizar uma reta administração, qual "ple-
nipotenciário de Deus" (SCHOCKENHOFF, 1997, p. 113). Enquanto
ser pessoal, destaca-se nele a capacidade relacional e dialógica,
tão belamente presente no relato da criação da mulher, não sendo
bom que o homem viva só (Gn 2,18).
Este ser humano imagem de Deus destaca-se igualmente em
sua unidade – ele é um ser uno –, contemplando a totalidade de
seu ser.
Com relação a este último aspecto, vale sublinhar que:

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42 © Moral Fundamental

[...] diversamente do pensamento grego, que destaca o contraste


entre o corpo e o espírito, considerando-os dois pólos contrapos-
tos da existência humana, os conceitos antropológicos fundamen-
tais da linguagem bíblica não indicam para a existência de estratos
sobrepostos no ser humano ou partes constitutivas essenciais das
quais ele seria constituído. Enquanto o ser humano vem indica-
do como ‘alma’, ‘espírito’, ‘carne’ ou ‘coração’, fala-se sempre, de
um ponto de vista distinto, de toda a sua existência. Tais termos e
conceitos não vêm quase nunca contrapostos entre eles, mas vêm
colocados freqüentemente em paralelo uma vez que se busca sim-
plesmente falar de todo o ser humano na unidade concreta da sua
existência (SCHOCKENHOFF, 1997, p. 114-115).

Note que é a vida do ser humano na sua totalidade que rece-


be o "sopro" de Deus. É na sua unidade que cabe ser preservada,
respeitada, salvaguardando a dignidade da pessoa humana no seu
todo. E, sendo a pessoa humana um reflexo do Absoluto (REY-MER-
MET, 1985, p. 264), emana do Antigo Testamento, "como palavra
de ordem, o respeito pela vida" (VAN OYEN, 1974, p. 119), tão cla-
ramente sintetizado no mandamento "não matar" (Ex 20,13; Dt
5,17) (AGOSTINI, 2005, p. 50-52).
Assim, "a morte voluntária é energicamente proibida no ju-
daísmo e considerada como um pecado. A vida é confiada a cada
um pela mão de Deus" (VAN OYEN, 1974, p. 121). Portanto, "quem
levanta a mão contra um ser humano profana a obra de Deus e vai
profundamente contra Deus mesmo, que protege com a sua mão
cada vida" (SCHOCKENHOFF, 1997, p. 126).
O Novo Testamento centra o seu foco no anúncio central de
Jesus Cristo, o Reino de Deus.
Fica, portanto, evidente que o Reino de Deus avança à me-
dida que se restabelece o reino da vida, em todas as suas formas.
Vida presente e vida futura se entrecruzam nas palavras e na prá-
tica de Jesus.
Por um lado, está a salvação experimentada atual e concre-
tamente nos muitos sinais de Jesus, por exemplo, as curas; Jesus
recupera os que sofrem, física e espiritualmente. Por outro lado,
© U2 - Ethos Bíblico 43

Jesus aponta para a vida eterna, sendo sua ressurreição a certeza


da vitória da vida sobre a morte.
Vida presente e vida futura não se opõem. A vida terrena não
é desprezada; porém, ela é destinada a participar da vida divina:
A mensagem do cristianismo parte da experiência concreta da vida
humana, que experimentamos como nossa vida, e a interpreta
como inauguração e prelúdio da vida eterna que viveremos na co-
munhão com Deus eterno (SCHOCKENHOFF, 1997, p. 124).

Jesus, ao assumir todas as facetas da vida, leva-nos a pro-


nunciar um grande "sim" em favor de cada ser humano, num mi-
nistério em favor da vida. Ele mesmo afirma e resume a sua missão
com as palavras: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham
em plenitude" (Jo 10, 10).
O Novo Testamento inspira toda uma compreensão dinâmi-
ca da vida. Ela é, antes de tudo, expressão da relação com o Deus
vivo, Ele que é o dispensador de toda vida (At 17,25-28; Mt 10,28).
A teologia joanina, por exemplo, define a vida como comu-
nhão com Cristo e com Deus Pai; ao mesmo tempo, a traduz con-
cretamente na fraternidade, presente no amor fraterno, explicita-
da na convivência cotidiana. "Jesus convida-nos a ir ao encontro
do próximo com benevolência e disponibilidade para ajudá-lo e
para demonstrar-lhe o nosso amor e solidariedade" (SCHOCKE-
NHOFF, 1997, p. 130).
Em outras palavras, perdão e misericórdia refazem laços,
curam feridas, recuperam vidas. Jesus nos conduz a um grande
"sim" em favor da vida, tão bem expresso nas bem-aventuranças
(Mt 5,3-11) e na parábola do juízo final (Mt 25,31-46). É uma gran-
de convocação de Deus em favor da vida de cada ser humano, nos-
so próximo. "Se assim agirmos, este será o nosso ‘sim’ dado ao
próprio Deus" (AGOSTINI, 2005, p. 69).
Assim, atentar contra a vida humana é postar-se contra
Deus, é profanar a obra de Deus. Filón de Alexandria, nos primei-
ros séculos do cristianismo, afirmava com clareza que "entre todas

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44 © Moral Fundamental

as coisas excelentes e preciosas do universo nada é mais sagrado e


mais similar a Deus que o homem, reprodução estupenda de uma
imagem estupenda" (SL, 83).
De Filón de Alexandria, temos também a afirmação de que o
assassino é profanador de um templo, "porque saqueou a proprie-
dade mais sagrada de Deus" (SL, 295).
Vejamos, agora, o convite de Deus ao homem explicitado no
Antigo Testamento.

8. DEUS CONVIDA – ANTIGO TESTAMENTO


Que convite, o qual aparece descrito no Antigo Testamento,
Deus fez ao homem?
No Antigo Testamento, soa forte o convite de Deus à vida, es-
tabelecendo o lastro ético, unindo o crer e o amar. O ético aparece
unido ao teologal, esse centrado na fé.
Desde Abraão, a fé é que move, coloca em movimento e en-
caminha. Com a eleição de Deus, o povo de Israel sente-se cha-
mado a viver uma "aliança". O convite de Deus é, antes de tudo,
deixar-se guiar por Ele, é romper com o passado e, fundado numa
promessa, colocar-se a caminho.
Como Abraão deixou a sua terra fundado numa promessa, Israel
saiu do Egito para descobrir o chamado em outro lugar. No deserto,
o 'povo nômade' aprendeu que não estava voltado para si mesmo,
mas para um Outro (LÉCRIVAIN, 1997, p. 434).

"Eu sou o Senhor teu Deus, que te libertou do Egito, do antro


de escravidão" (Ex 20,2). Eis o que funda o momento ético. Ter sido
liberto da escravidão funda-se em uma "eleição" e aponta para
uma responsabilidade.
Importa agora ouvir a voz de Javé, colocar em prática os
seus mandamentos, certos então de que sua bênção acompanha
o povo (Dt 28,1-14). Aqui não se "compra" a bênção, como se faz
na teologia da "retribuição". Importa servir a Deus com alegria e
generosidade, numa relação de fidelidade e confiança.
© U2 - Ethos Bíblico 45

Deus apresenta-se, então, como aquele que convida, não


como aquele que obriga.
Se Deus age desse modo, importa que respondamos afirma-
tivamente, pois Ele tem uma atenção particular em favor do ser
humano, esse que foi criado à sua imagem e semelhança.
Isso quer dizer que Deus se ocupa do ser humano, aben-
çoando-o, dá-lhe longevidade, podendo colher os frutos de suas
iniciativas. Por isso, Deus é, antes de tudo, a razão de louvor por
parte do ser humano. Nesse louvor, oração e ação fazem parte de
uma e mesma "liturgia", sem jamais separá-las.

Para saber mais sobre o convite de Deus ao homem descrito no


Antigo Testamento, leia: Am 5,21-25; Is 1,10-16; Mq 6,5-8; Sl 50,5-
15; 51,18-19; Jr 7,4-7; Is 58,3-11.

O conjunto de leis e mandamentos, tão presentes no Antigo Tes-


tamento, pressupõem um ser humano aberto a Deus e podendo
realizar o que Deus suscita e prescreve. É bom notar que Deus pede
o que possa corresponder às possibilidades humanas (AGOSTINI,
2005, p. 47).

"Na verdade, esta Lei que hoje te imponho não te é difícil


nem está fora de teu alcance" (Dt 30,11). "A relação veterotesta-
mentária com Deus supõe um homem que pode dizer sim a Deus
e agir conseqüentemente" (WESTERMANN, 1985, p. 33).
Como você pode perceber, Deus nos solicita naquilo que já
nos tem agraciado. Ele nunca exige aquilo que não nos tenha dado
como graça, como dom ou como sopro constante de vida. Cabe,
de nossa parte, desdobrá-los, nunca deixá-los adormecidos. Deus
"não exige senão o que dá;... pede o que cria" (LÉCRIVAIN, 1997,
438).
Para finalizar, é importante saber que o ser humano, desde a
sua raiz mais profunda, é chamado à comunhão com Deus, ele que
foi criado à Sua imagem e semelhança.

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46 © Moral Fundamental

O ser humano se reconhece, assim, criatura de Deus, fruto


da Palavra divina; sabe que está inserido numa relação que o sus-
tenta, inaugurada pela "palavra criadora" de Deus (THIELICKE, 1951,
p. 263).
Esse aspecto, junto com os demais, forma o lastro profundo
que compõe o ethos bíblico veterotestamentário.

9. JESUS CRISTO PROPÕE – NOVO TESTAMENTO


No Novo Testamento, Jesus Cristo é aquele que propõe, ca-
tiva e chama à vida em abundância. Ressoa forte a boa notícia, o
seu evangelho, o anúncio de uma vida nova no mundo (Jo 3,5-8;
Rm 8,1-13).
Inaugura-se, com Jesus, a "nova Aliança". O segredo é segui-
-lo. "Seguir Cristo é o fundamento essencial e original da moral
cristã" (VS, 19).
No entanto, trata-se de aderir à pessoa de Jesus, o que é
mais do que apenas ouvir um ensinamento e até acolher um man-
damento. Refere-se a algo mais radical, ou seja, "de compartilhar
a sua vida e o seu destino, de participar da sua obediência livre e
amorosa à vontade do Pai" (VS, 19). Assim, o discípulo de Jesus
torna-se discípulo de Deus, numa comunhão com o Pai.
Jesus chama ao seu seguimento (Mc 1,17), aponta para a
vida que se abre à eternidade, numa chamada escatológica (Mt
25,31) e proclama "bem-aventurados os que ouvem a palavra de
Deus e a põem em prática" (Lc 11,28). São, portanto, três momen-
tos éticos da proposta de Jesus.
É válido saber, também, que ao afirmar "completou-se o
tempo e o Reino de Deus está próximo, convertei-vos e crede no
Evangelho" (Mc 1,15), estamos diante de uma "mensagem que
tudo engloba, precede e sustenta" (LÉCRIVAIN, 1997, p. 437).
© U2 - Ethos Bíblico 47

Observe que Jesus revela-se Messias à medida que inclui a


todos no seu Reino, inclusive aqueles que, na visão do judaísmo,
estariam fora da graça de Deus. Perguntado pelos discípulos de
João Batista se era ele o Messias ou se tinham que esperar outro,
Jesus é enfático:
Ide anunciar a João o que ouvis e vedes: os cegos vêem e os coxos
andam, os leprosos ficam limpos e os surdos ouvem, os mortos res-
suscitam e os pobres são evangelizados. Feliz aquele que não se
escandalizar de mim (Mt 11,4-6).

Eis os sinais de que o Messias já está entre nós.


"A ética do mestre de Nazaré não se apresenta como um
novo decálogo, nem como um sistema construído em torno de um
único tema" (LÉCRIVAIN, 1997, p. 437). Note que das ações e das
palavras de Jesus saem "forças éticas" que inspiram todos os com-
portamentos e ensinamentos morais. "Jesus anuncia uma mensa-
gem religiosa, da qual brotam também as suas exigências morais
[...]. Não desenvolve um 'sistema' teológico-moral" (SCHNACKEN-
BURG, 1959, p. 5).
Jesus é certamente a fonte inspiradora que une o humano
e o divino, abrindo-lhe o caminho da realização plena. Em Jesus,
o ser humano mergulha na graça divina que o abraça e o introduz
numa vida nova, iniciativa amorosa e gratuita de Deus. Cristo, pela
sua ressurreição, é certeza dessa realização ao alcance do ser hu-
mano.
A comunidade primitiva dos cristãos entendia que o segui-
mento de Jesus era o elemento central e decisivo. Porém, logo per-
cebe que outro traço é estruturante, ou seja, a pertença à Igreja.
Com isso, os apelos éticos e os engajamentos morais vão ter ime-
diata repercussão num testemunho dentro da própria comunida-
de.
São Paulo apresenta as listas dos vícios e virtudes, bem como
as listas de deveres domésticos. E aconselha os cristãos, esclare-
cendo suas consciências, com as seguintes palavras:

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48 © Moral Fundamental

Irmãos, ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo,


puro, amável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça lou-
vor" (Fl 4,8). "Examinai tudo e ficai com o que é bom. Abstende-vos
de toda espécie de mal" (1 Ts 5, 21-22). "Tudo me é lícito, mas nem
tudo convém. Tudo me é lícito, mas não me deixarei dominar por
coisa alguma (1 Cor 6,12).

Nesses poucos exemplos, já vemos que as implicações éticas


e as repercussões morais das práticas e das palavras de Jesus são
imediatas.
Onde estará o seu real fundamento?
Vejamos o texto que segue:
Tais implicações e repercussões têm seu fundamento primeiro no
preceito do amor (Jo 13,34), que se desdobra no amor a Deus e
ao próximo (Mt 22,34-40; Mc 12,28-34; Lc 10,25-28); ele abre o
caminho para o Reino de Deus e o da vida eterna (Mt 25,31-46).
A isto se acrescenta o amor dos próprios inimigos e perseguidores
(Mt 5,44-45), que é mais do que simplesmente perdoar. Com isto,
a Sagrada Escritura nos diz que a fidelidade a Deus e à sua Alian-
ça só é possível quando passar pela reconciliação com o próximo
(Mt 5,23-24; 1Jo 2,9-11). Este preceito constitui-se no novo e maior
mandamento (Jo 15,12); ele nos faz entrar na luz verdadeira do
Verbo encarnado (1Jo 2,8); resume toda lei e os profetas (Mt 7,12).
‘Assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros’ (Jo 13,
34). ‘Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por
seus amigos’ (Jo 15,13) (AGOSTINI, 2005, p. 69).

Após refletir sobre as propostas de Jesus descritas no Novo


Testamento, vejamos, a seguir, a ação do Espírito Santo.

10. ESPÍRITO SANTO CONFIRMA E SANTIFICA


No modo próprio de ser do humano, na sua raiz mais profun-
da, lá onde reside o ethos, a abertura à transcendência vai tecen-
do, junto com outros elementos, aquilo que sustenta a vida.
Isso significa que, no mais profundo do humano, realiza-se
o encontro com o "Senhor que dá a vida" (DV, 1), o Espírito Santo.
Este "acompanha a vida da Igreja e de cada cristão, comunica Deus
uno e trino, expressa o Amor, faz-se dom, derramando-o em toda
© U2 - Ethos Bíblico 49

a criação e dotando todo batizado de uma graça contínua e santi-


ficante" (AGOSTINI, 2005, p. 69).
O sopro recôndito do Espírito divino faz com que o espírito huma-
no, por sua vez, se abra diante de Deus que se abre para ele com
desígnio salvífico e santificante. Pelo dom da graça, que vem do
Espírito Santo, o homem entra ‘numa vida nova’, é introduzido na
realidade sobrenatural da própria vida divina e torna-se ‘habitação
do Espírito Santo’, ‘templo vivo de Deus’ (Rm 8,9; 1Cor 6,19). Com
efeito, pelo Espírito Santo, o Pai e o Filho vêm a ele e fazem nele a
sua morada (Jo 14,23). Na comunhão de graça com a Santíssima
Trindade, dilata-se ‘o espaço vital’ do homem, elevado ao nível so-
brenatural da vida divina. O homem vive em Deus e de Deus, vive
‘segundo o Espírito’ e ‘ocupa-se das coisas do Espírito’ (DV, 58).

A presença viva e ativa do Espírito Santo aponta para um ser


humano próximo e até íntimo de Deus. Além de sua participação
na natureza divina e de sua filiação divina, eis o ser humano na pre-
sença de Deus, sob a ação do Espírito. Ele é um agente sustentador
e transformador da vida. Constitui-se no dom que gera vida nova,
sendo o elemento constitutivo do ser cristão (Rm 8.2.9.10.11.15),
o princípio dinâmico do agir (Rm 8,13-14.36-27), a norma do nosso
agir (Rm 8,2.4-5.9.14) (JUNGES, 2001, p. 122). Sobre esse tema,
leia: 1Cor 6,11; 12,13; 2Cor 1,22; 5,5; Rm 5,5.
O Espírito Santo é força de Deus, realidade dinâmica que
tudo enche, tudo penetra, sendo "princípio de vida (Gn 6,7; 7,15;
37, 10-14), a força vital (Jr 10,14; 51,17), a sede dos sentimentos,
pensamentos e decisões da vontade (Exemplo: 35,21; Is 19,3; Jr
51,11; Ez 11,19)" (BÍBLIA, 1982, p. 1522). Jesus Cristo, plenitude da
manifestação do Espírito Santo, tudo dizia e fazia no Espírito. Fasci-
nava as pessoas, pois "dele saía uma força que a todos curava" (Lc
6, 19), causando especial admiração (Mt 9, 33).
O Espírito Santo age em toda a criação.
Esta dádiva, portanto, "renova a face da Terra" (Sl 104
[103],30), se expande em toda a criação, renovando-a sempre no
mistério da Encarnação, ou seja, remetendo sempre para Jesus
Cristo, fonte de vida nova. "O agir do Espírito de Deus, vivificante e
de afirmação à vida, é universal e pode ser reconhecido em todas

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50 © Moral Fundamental

as coisas que servem à vida ou que impedem a sua destruição.


Este agir do Espírito não substitui o agir de Cristo, mas confere-lhe
relevância universal" (MOLTMANN, 1999, p. 10). Onde se move a
vida, eis aí o Espírito!
A comunidade dos primeiros cristãos fez a experiência da re-
alidade viva e ativa do Espírito Santo nos muitos carismas e na for-
ça que move os que crêem, levando-os até a superar os próprios
limites. No dia de Pentecostes, estando reunidos no mesmo lugar,
os apóstolos "ficaram cheios do Espírito Santo" (At 2,4).
Pedro anuncia a obra da salvação, realizada por Deus em
Cristo Jesus, "cheio do Espírito Santo" (At 4,8). É esta realidade
viva que acompanha a vida da própria Igreja. Partindo do Pente-
costes, "o Espírito Santo vem depois de Cristo e graças a ele, para
continuar no mundo, mediante a Igreja, a obra da Boa Nova da
salvação" (DV, 3).
Sabemos, no entanto, que o "Espírito sopra onde quer" (Jo 3,8), in-
clusive além dos limites da própria Igreja, precisamente em "todos
os homens de boa vontade, no coração dos quais invisivelmente
age a graça. Se Cristo morreu por todos [...], devemos manter que o
Espírito Santo oferece a todos, de um modo que só Deus conhece,
a possibilidade de serem associados ao mistério pascal" (GS, 22).

Somos habitados pelo Espírito. Ao mesmo tempo, somos


chamados a crescer no conhecimento efetivo e na plena realização
da verdade. Ao nos conduzir à plenitude da verdade, somos leva-
dos a Jesus Cristo, realizador das promessas de Deus (Jo 1,9), Ele
que é "o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). "O Espírito conduz
para dentro de Cristo" (FEUILLET, 1972, p. 65), pois é Jesus Cristo
"a revelação definitiva de Deus" (BUSSCHE, 1959, p. 67).
Neste tempo da história, na qual nos é dado viver, por inter-
médio da fidelidade dos que crêem, o Espírito Santo "testemunha
a verdade do Cristo face ao mundo" (WATTIAUX, 1979, p. 153).
Age desde o mais íntimo do meu íntimo, se expande na comuni-
dade, age na sociedade e renova toda a criação. Nada escapa de
sua ação. Como os primeiros cristãos, que "davam testemunho
© U2 - Ethos Bíblico 51

da ressurreição de Cristo com grande força" (At 4,33), somos hoje


convidados, até urgidos, a ser, no vigor do Espírito, vivência de um
amor que se multiplique no serviço à vida, sobretudo lá onde está
mais vulnerável e ameaçada.
Para ser um sinal convincente do Ressuscitado:
"autor da vida" (At 3,15), a Igreja deverá assumir o compromisso
em favor da "vida plena e completa de seus irmãos, os homens;
deverá arrastar todos a fazer sua a opção do livro do Deuteronômio
('escolhe a vida e viverás' – Dt 30, 19) como caminho para a cons-
trução de uma fraternidade solidária e cheia de vida para todos [...]
Isso a levará inequivocamente ao mundo do pobre e da pobreza, ao
mundo da fome e da doença, da injustiça, da violência ou do mate-
rialismo consumista, pois tudo isso são ameaças à vida e formas de
matar" (DIAZ MATEOS, 1993, p. 250).

Os cristãos, por sua vez, sentem-se chamados a ser virtuosos


para, fiéis a Deus, fazerem triunfar a vida, "num combate que os
solicita em todo o seu ser, em todas as suas dimensões; assim,
apresentam-se inteiros, mostrando todo o vigor de uma prática
que se contrapõe à injustiça e à morte, colocando-se à "disposição
de Deus" (Rm 6,13).
Vestem as "armas da luz" (Rm 13,12); "revestem-se de Cris-
to" (Rm 13,14), oferecem-se como "instrumentos de justiça" (Rm
6,13)" (AGOSTINI, 2005, p. 91).
Aqui já entramos na realidade viva das virtudes das quais
trataremos nas unidades seguintes.

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Segundo estudamos o ethos nos remete para as bases de sustentação da
vida. Quais são essas bases? Como as compreende hoje?

2) Qual a relação que se pode fazer entre ethos, moral e ética?

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52 © Moral Fundamental

3) "O homem vive em Deus e de Deus, vive segundo o Espírito e ocupa-se das
coisas do Espírito." (DV, 58) Comente essa frase a partir das considerações
apresentadas na unidade sobre o ethos bíblico e o ser o humano.

12. CONSIDERAÇÕES
Em busca dos objetivos que nos propomos atingir com o es-
tudo desta obra, você pôde estudar nesta unidade a força do ethos,
a experiência de fé e sua importância. Além disso, refletimos sobre
a centralidade da vida e sobre as preleções: Deus convida (Antigo
Testamento), Jesus Cristo propõe (Novo Testamento) e o Espírito
Santo confirma e santifica.
Já na unidade seguinte, você será convidado a construir co-
nhecimentos sobre a moral na história da Igreja.
Esperamos por você!

13. E-REFERÊNCIAS
CNBB. Home page. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/>. Acesso em: 24 jul. 2012.
VATICAN. Home page. Disponível em: <http://www.vatican.va/phome_po.htm>. Acesso
em: 24 jul. 2012.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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EAD
Moral na História da Igreja

3
1. OBJETIVOS
• Identificar a diversidade de contextos histórico-culturais.
• Reconhecer a riqueza da Patrística.
• Analisar e reconhecer o surgimento dos Penitenciais.
• Interpretar e apontar a contribuição da Escolástica e do
nominalismo à neo-escolástica.
• Reconhecer o impulso do Concílio Vaticano II para uma
Moral renovada.

2. CONTEÚDOS
• Diversidade de contextos histórico-culturais.
• Riqueza da Patrística.
• Surgimento dos Penitenciais.
• Contribuição da Escolástica.
56 © Moral Fundamental

• Do nominalismo à neo-escolástica.
• Impulso do Concílio Vaticano II para uma Moral renovada.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) É importante que você saiba mais sobre a história da te-
ologia moral, dentre eles, de autoria de KONZEN, João
A. História da Teologia Moral. In: Ética Teológica Funda-
mental, São Paulo, Paulinas, 2001.
2) Também é interessante buscar em um dicionário de Teo-
logia Moral o verbete história da teologia moral.
3) É bom saber que a confissão auricular foi introduzida na
Europa pelos monges irlandeses ou celtas durante os sé-
culos 6º e 7º.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Após termos estudado o ethos bíblico, faz-se necessário cap-
tar os desdobramentos que este ethos foi recebendo através da
história.
É importante salientar que nenhuma etapa esgota a sua for-
ça, enquanto fonte borbulhante da moralidade cristã e de toda a
sua inspiração ética.
Isso quer dizer que "cada época da vida cristã vai desdobran-
do uma ou outra face sobreposta da realidade e da autocompre-
ensão da Igreja, da intelecção da fé e da concretização de suas
exigências" (FLECHA ANDRÉS, 1999, p. 33).
Trata-se, antes, de um caminho que vai sendo percorrido
continuamente na busca da "verdade completa" (Jo 16,13), bus-
cando traduzi-la nas práticas do amor (1 Jo 3,18-20).
© U3 - Moral na História da Igreja 57

Fundada na fé, a Igreja abre-se à ação do Espírito e sabe que


é peregrina e está sempre a caminho. Portanto, nenhuma época
histórica esgota, por si só, o que brota de sua fonte primeira, que
captamos na unidade anterior sobre o ethos bíblico.
A grande questão que tentaremos responder com o estudo
desta unidade é: como a moral foi entendida pela Igreja, nos dife-
rentes momentos históricos?
Bom estudo!

5. DIVERSIDADE DE CONTEXTOS HISTÓRICO-CULTU-


RAIS
A Teologia Moral não pode se sentir inibida na tarefa que lhe
é própria:
Por um lado, não há dúvida de que Jesus Cristo é o fundamento
último e de que, por isso, há uma "substância" sempre válida nas
próprias normas morais, algo que transcende as culturas e a pró-
pria história humana. Por outro, cabe à Teologia Moral um cons-
tante esforço de procurar e encontrar a formulação mais adequada
aos diversos contextos culturais, mais capaz de exprimir incessan-
temente a atualidade histórica, de fazer compreender e interpretar
autenticamente a sua verdade (VS, 53).

"As ciências históricas são necessárias aos estudos do teólogo,


devido sobretudo ao caráter histórico da Revelação, que nos foi
comunicada numa história de salvação" (CONGREGAÇÃO PARA
A DOUTRINA DA FÉ , 1990, p. 10).

Sabemos como a moral dos cristãos (ou a ética vivida):


[...] move-se no interior do horizonte da fé. A confissão cristológica
de Jesus, a aceitação da presença de Deus na história, a vivência
do Espírito na comunidade dos crentes, a segurança escatológica
são pontos de referência e as bases de apoio para o compromisso
moral dos cristãos. Não se pode entender a ética dos crentes sem
a referência ao universo religioso cristão (VIDAL, 2001, p. 41-42).

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58 © Moral Fundamental

Esse "mover-se no horizonte da fé" é um dos dados do ethos


cristão que trata de viver o "acontecimento Jesus", dando sentido
à história em cada momento histórico.
Daí deriva que o cristão, para manter o dinamismo de sua própria
identidade, não só deve penetrar no "acontecimento Jesus" para
compenetrar-se com ele (momento exegético), mas também é ta-
refa sua articular esse "acontecimento Jesus" com os diversos mo-
mentos da história (momento hermenêutico) (PEINADO, 1996, p.
25).

É comum encontrar distintas valorações no decorrer da his-


tória, comportamentos que sofreram modificações, costumes que
foram ganhando contornos diferenciados e enraizamentos distin-
tos. Este caminhar permeia a própria interação entre história e Te-
ologia Moral e aponta para um processo de "inculturação diacrô-
nica" (FLECHA ANDRÉS, 1999, p. 34).
Os distintos posicionamentos diante da escravatura e da
guerra, entre outros, mostram a existência de diferentes contex-
tos e até distintas bases epistemológicas que marcaram a Doutrina
Social da Igreja no decorrer de seus pouco mais de cem anos, a
contar da Rerum Novarum (Leão XIII), de 1891. As diferentes cul-
turas também podem estar na origem de diversos critérios éticos.
Hoje, em meio a uma sociedade pluralista e policêntrica,
este processo ganha contornos mais contundentes, quando nos
joga para um quadro provisório de valores, sem nada de estável e
definitivo (GASTALDI, 1994, p. 69-70).
Estaríamos chegando a um crepúsculo do dever ou num pe-
ríodo pós-moralista? (LIPOVETSKY , 1994, p. 56).
Todo esse quadro não pode ser assumido apenas como um
dado fático inelutável, ou seja, render-se aos fatos sem um distan-
ciamento crítico. A relação entre história e moral exige uma séria
reflexão e uma análise crítica dos costumes, pois podem conter
valores e contra-valores. Não basta a referência à realidade social;
é necessário ter em conta a interpelação moral.
© U3 - Moral na História da Igreja 59

Bastaria constatar a evolução histórica dos comportamentos


ou caberia à reflexão moral o direito ou dever de pronunciar um
juízo, fruto do discernimento, sobre desenvolvimento histórico de
tais comportamentos?
Existe certamente uma missão profética a ser realizada
quando a Teologia Moral capta a interpelação histórica da men-
sagem de salvação. "Nascida na história, a reflexão moral não está
ao serviço das contingências históricas, mas orienta e critica as re-
alizações históricas da mensagem sobre o Reino de Deus" (FLECHA
ANDRÉS, 1999, p.36). Não se retém como absoluto o que é apenas
relativo, porém sem medo de assumir a condição humana, como
fez o Verbo de Deus.
Agora vamos iniciar nossos estudos sobre a moral nos perí-
odos históricos.

6. RIQUEZA DA PATRÍSTICA
Desde os primeiros cristãos, além de uma reflexão mais dog-
mática sobre Deus, a Igreja e o ser humano, desenvolve-se toda
uma literatura exortativa e parenética, buscando indicar os cami-
nhos da responsabilidade humana. Trata-se, neste caso, de um
ensinamento moral, indicativo dos caminhos do comportamento
moral dos cristãos, no seguimento de Jesus Cristo.
Normalmente, ao indicativo dogmático segue o imperativo
moral. O longo período da Patrística (MURPHY; VEREECKE, 1969)
nos revela um patrimônio intelectual e da prática cristã que in-
fluencia a moral cristã até nossos dias. É indispensável recolher os
dados que marcam a história e lançam as bases da construção do
pensamento moral.

Patrística––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
"A partir do ano 95 d.C., os líderes cristãos começaram a ser chamados de ‘Pais
da Igreja’ , como uma forma carinhosa, por sua lealdade à doutrina revelada por
Deus. Os ‘Pais da Igreja’ são, portanto, aqueles que, ao longo dos sete primeiros

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60 © Moral Fundamental

séculos, foram confirmando e defendendo a fé, a liturgia, a disciplina, os cos-


tumes e os dogmas cristãos, decidindo assim, os rumos da Igreja. A Literatura
Patrística (Escritos dos Pais da Igreja) é de altíssima importância para o cristia-
nismo, pois através deles é que podemos saber o que a Igreja primitiva pregava
e qual foi a fé dos primeiros cristãos" (VERITATES SPLENDOR, 2007).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Os autores chamados de Padres Apostólicos nos legaram es-


critos muito próximos do tempo dos apóstolos, recordando sua
pregação. Entre eles, encontramos (FIGUEIREDO, 1988, p. 28-34):
1) Santo Inácio de Antioquia.
2) São Clemente Romano.
3) Pastor de Hermas.
4) Autor da Didaqué.
Estamos nos lembrando de um tempo de perseguição dos
cristãos, motivado pela contestação do poder imperial por parte
do cristianismo; o imperador se intitulava de "Kyrios" e "Filho de
Deus". Os cristãos vão atribuir esses títulos somente a Jesus Cristo,
único merecedor de culto e de obediência.
Assim, toda uma literatura apologética é escrita, defenden-
do a fé cristã e apresentando a excelência da vida cristã diante da
dissolução da vida dos pagãos. É também o momento de encon-
tro do cristianismo de origem semita com a cultura greco-romana;
Clemente de Alexandria, Orígenes, Santo Ambrósio e Santo Agos-
tinho produzem uma literatura muito rica tratando dessa questão.
A Patrística é também o ambiente em que nasce a práxis pe-
nitencial da Igreja dos primeiros séculos, vigorando por meio da
"penitência canônica".
O recurso à Sagrada Escritura e a proximidade do grande
evento da Encarnação fazem ecoar bem forte o apelo ético dos
ensinamentos que daí emanam; esses vão de imediato (no século
1º.) orientar a vida cristã traçando critérios de cunho moral, como
o esquema das "duas vias" (da vida e da morte), presente na Di-
daqué. "Seu objetivo é levar a uma transformação do modo de ser
na vida e cuja expressão seria a recepção do batismo, o jejum, a
© U3 - Moral na História da Igreja 61

prece e a Eucaristia" (FIGUEIREDO, 1988, p. 21). Organiza-se uma


catequese pré-batismal, o catecumenato, sem deixar de lado o en-
sinamento da fé cristã depois do batismo.
Desse modo, toma corpo na Igreja a organização da penitên-
cia para que os convertidos pautem sua vida nos ensinamentos de
Cristo, assegurando uma conversão autêntica; o penitente dirigia-
-se ao Bispo (sendo obrigatório confessar pecados como o homicí-
dio, o adultério e a apostasia da fé); este lhe impunha a prática da
penitência, que poderia durar meses ou anos. Em meio às perse-
guições, esta penitência exigia convicção e firmeza na conversão,
sendo dada apenas uma vez na vida.
Em meio às perseguições e calúnias vindas do paganismo,
os apologistas, como São Justino, no século 2º, Tertuliano e São
Cipriano, no século 3º vão apresentar "a excelência da doutrina
cristã e da vida dos cristãos em contraposição à permissividade e
dissolução moral da sociedade pagã romana" (KOZEN, 2001, p. 37).
É importante saber que estes autores, normalmente pessoas
eruditas convertidas, vão combater a idolatria, as superstições e as
imoralidades pagãs e defender que só o cristianismo está de acor-
do com o que há de mais nobre e de valor. Apontam para a pureza
e a santidade da vida cristã que, fundada em Jesus Cristo, vive as
virtudes naturais de maneira exemplar, tais como a continência e
castidade no matrimônio, a caridade fraterna e a paciência no so-
frimento, a honestidade e a constância nas perseguições e ante a
injustiça (MURPHY , 1969).
Trava-se na Patrística o encontro entre a moral helênica, de
cultura grega, e a moral judia e cristã, de base semítica.
Vamos compreender melhor!
A moral helênica propõe um sistema ético completo que in-
clui até o religioso, sobretudo com o neoplatonismo e com o es-
toicismo. Fundada na razão, essa visão busca orientar a vida coti-
diana. Assim, é somente num esforço racional que o ser humano:

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62 © Moral Fundamental

[...] pode conseguir a felicidade, através do domínio de suas pai-


xões e libertando-se das preocupações interiores para entregar-se
ao ideal platônico da contemplação ou a realização estóica do bom
e do honesto (MURPHY , 1969, p. 20).

Os cristãos trazem, portanto, uma proposta moral fundada


em quatro noções:
1) a lei do amor e da caridade;
2) a pertença a Igreja, "corpo de Cristo";
3) a imitação de Cristo como o guia exemplar;
4) a perspectiva escatológica.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Os gnósticos, por sua vez, buscam a salvação pelo puro conhecimento e propa-
gam a separação entre o mundo inteligível e o mundo sensível, espalhando uma
concepção dualista, de fundo helênico, que separa e até opõe, no ser humano,
realidades como alma e corpo, realidades espirituais e realidades materiais, che-
gando ao desprezo de tudo o que pertence a este mundo tido como degradado,
confuso, da desordem material. Irineu de Lyon busca, de sua parte, conservar a
visão semita do ser humano carne-alma-espírito, insistindo, porém, na unidade
essencial e não na separação deste composto humano, assim como em Jesus
Cristo se realizou; Ele, feito homem, vence o mal; a seu exemplo e inseridos na
Igreja, nós também venceremos, chegando à plenitude. A Igreja assegura a ver-
dade e a graça divinas; Jesus Cristo, cabeça da Igreja, é, por sua vez, a "nova
lei", a liberdade verdadeira para o homem, sua salvação.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Já a cultura grega traz para a teologia cristã um novo vocabu-


lário que passa a ser utilizado pelos teólogos cristãos para expres-
sar as noções básicas do cristianismo.
Utilizam-se as ideias estóicas e platônicas, por exemplo. Se
isto acontece menos no 1º século, a partir dos apologistas, no final
do 2º século e no 3º século, a utilização das categorias helênicas
vai produzir uma matriz mais racional e de cunho místico do pen-
samento cristão, com a infiltração paulatina de uma visão dualista,
preponderantemente negativa face às realidades humanas e ter-
restres.
Ao tratar dos conceitos que integram o homem, consciente ou in-
conscientemente deram corpo às idéias das filosofias platônica,
estóica e pitagórica [...]. Ao tratar da imitação de Cristo, como ima-
© U3 - Moral na História da Igreja 63

gem e semelhança de Deus, os escritores cristãos viram-se influen-


ciados pelos conceitos platônicos [...] e neoplatônicos (MURPHY ,
1969, p. 60).

Note que, ao tratar dos problemas práticos da conduta hu-


mana, utilizaram as doutrinas correntes, especialmente estóicas,
relativas à natureza e à ação recíproca das paixões e das faculda-
des racionais do homem, a prática da virtude, inclusive a influência
do demônio que tenta o homem a fazer o mal (MURPHY , 1969).
Para Clemente de Alexandria, seguindo a doutrina das sementes
do Verbo, "a filosofia é uma preparação que põe a caminho o ho-
mem que há de receber a perfeição por meio de Cristo" (CLEMEN-
TE DE ALEXANDRIA, Stromata I,5; PG 8, 720).
Mas, quando foi o apogeu da Patrística?
O século 4º é lembrado como o apogeu da Patrística. O Im-
pério Romano assume o cristianismo como religião oficial. Há uma
conversão em massa em todo o Império, inclusive dos povos bár-
baros, o que comentaremos mais adiante. Nesse século, grandes
talentos intelectuais vêm enriquecer a reflexão teológica.

No Oriente, destacam-se São Basílio, São Gregório de Nissa, São


Gregório de Nazianzeno e São João Crisóstomo. No Ocidente, te-
mos Santo Ambrósio e, sobretudo, Santo Agostinho.

A influência maior é de Santo Agostinho, cuja produção te-


ológica até hoje contém elementos que marcam a reflexão e a
prática da moral cristã. É dele que temos conceitos básicos como
"fim último", "meios", "lei eterna", "consciência moral", entre ou-
tros. Importa, segundo Santo Agostinho, buscar o fim último, que
é Deus.
É bom situar os conceitos básicos apresentados nesse pa-
rágrafo adequadamente: a noção de "lei eterna" vem dos estói-
cos; o "pensado por Deus" tem um tom platônico; na questão dos
"meios" e "fim último", Agostinho segue a filosofia helenística
(FLECHA ANDRÉS, 1999, p. 42-43).

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64 © Moral Fundamental

Todos os bens deste mundo são secundários; esses têm o


seu devido lugar enquanto meios para alcançar o fim último; basta
utilizá-los segundo a caridade. Para isso, podemos contar com a
graça de Cristo, que torna possível alcançar o fim último, sem in-
verter os meios e os fins, o que nos leva a cair no pecado (desviar-
-se de Deus e voltar-se ou apegar-se às criaturas).
Moralmente, importa adequar o vivido com o "pensado por
Deus", ou seja, viver segundo a vontade de Deus, expressa pela
noção de "lei eterna". A consciência moral é a instância que capta
esta lei eterna e discerne a norma prática que regula o comporta-
mento humano concreto para que seja conforme à lei eterna.
No opúsculo de Agostinho, A fé e as obras, ele alerta os cris-
tãos para a "falsa segurança" dos que "pensam que para salvar-se
lhes basta a fé, porém descuidam de viver bem e caminhar com as
boas obras pelo caminho de Deus" (SANTO AGOSTINHO, De fide
et operibus, XIV, 21; PL 40, 211). Este seu pensamento ganha real
força quando lembramos o seu apelo em favor da caridade como
norma última da moralidade. Afirma: "Nenhum fruto é bom se não
cresce desde a raiz da caridade" (SANTO AGOSTINHO, De spiritu et
littera, 14,26; PL 34, 217).
A caridade refere-se ao amor, que dá real consistência ao
pensamento de Agostinho.
Para ele, é o amor que estabelece e prioriza as opções hu-
manas, fazendo com que algumas destas se constituam em "fins e
metas" para a própria realização pessoal, enquanto outras se situ-
am no terreno dos "meios". Afirma-nos: "Meu peso é meu amor"
(SANTO AGOSTINHO, Confissões, XIII, 9,10).

"Pondus meum, amor meus". Esse pensamento é repetido em vá-


rias das obras de Santo Agostinho.
© U3 - Moral na História da Igreja 65

A confusão entre esses planos aponta para o drama humano


e, com isso, para o próprio pecado. Acrescenta-se aqui a vontade
que une, segundo Santo Agostinho, as esferas da alma e do corpo,
conduzindo o ser humano integralmente a uma vida de santidade.
Mesmo assim, tende a uma valoração negativa da corporali-
dade e da sexualidade, apontando para o necessário domínio das
forças instintivas e para a libertação da sensibilidade por meio do
exercício ascético.
Com tais conhecimentos, passaremos ao estudo do surgi-
mento dos penitenciais.

7. SURGIMENTO DOS PENITENCIAIS


Terminado o período da Patrística, entramos na Idade Mé-
dia, cuja primeira etapa (até o século 11) é, sobretudo, marcada
pelo surgimento dos Livros Penitenciais.
Os autores que se seguiram à Patrística não fazem mais do
que repetir essa literatura, sendo que o autor preferido é Santo
Agostinho.
"O período que vai do ano 600 a 1200 é estéril para a teolo-
gia moral" (FLECHA ANDRÉS, 1999, p. 188). Inicia-se, portanto, um
período pobre teologicamente.
Além disso, a conversão em massa para o cristianismo, trans-
formado em religião oficial do Império Romano, fez decair muito
a qualidade e a seriedade da vida cristã, que já não era pautada
tanto pela autenticidade, mas pela busca de prestígio social, pela
obrigação legal para ocupar postos administrativos, portanto, por
conivência e interesse. Ademais, a "penitência canônica" dos pri-
meiros séculos, rigorosa e concedida uma única vez na vida, já não
consegue mais atender tão grande número de fiéis, cujos pecados
graves são numerosos. Nasce, aos poucos, uma nova prática peni-
tencial, amparada pelos "Penitenciais" (VOGEL, 1969).

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66 © Moral Fundamental

O final do período patrístico pode ser datado por volta de 750 da


era cristã. Para saber mais, confira a página 21 da obra: FIGUEI-
REDO, Dom Fernando A. Curso de teologia patrística I. Petrópolis:
Vozes, 1990.

Inicialmente sob forma devocional, monges irlandeses co-


meçam a ser procurados pelos fiéis em busca de orientação es-
piritual, na qual apresentam também seus pecados; há nisto uma
busca sincera de recuperar a paz interior e de buscar uma orienta-
ção em suas vidas.
Pouco a pouco, os monges que eram presbíteros acabam por
sugerir aos fiéis penitências em reparação às faltas; uma vez pra-
ticadas, estes poderiam voltar para receber a absolvição. Porém,
muitos não voltavam depois de cumprida a penitência. Então, pas-
sa-se a dar a absolvição antes de cumprir a penitência, cabendo
ao penitente cumpri-la em seguida. Tal prática, também chamada
de confissão auricular, encontra nos fiéis uma procura crescente.
Mesmo condenada inicialmente pela hierarquia da Igreja (VOGEL,
1969, p. 15), ela vai aos poucos sendo tolerada e, mais tarde, aca-
ba sendo aceita e até recomendada como prática penitencial ofi-
cial da Igreja, o que aconteceu no Concílio de Trento, no século 16.
A característica principal da confissão auricular é a aplica-
ção de uma penitência correspondente à gravidade do pecado,
por isso,também chamada de penitência "tarifada". Para auxiliar o
clero, nesse novo tipo de atendimento penitencial, são elaborados
os Penitenciais, que são livretos breves com listas de pecados e a
respectiva penitência.

A literatura dos Penitenciais é muito simples e vai orientar a re-


flexão moral e as respectivas exortações, numa perspectiva mais
objetiva e pragmática, num estilo direto e imediato.
© U3 - Moral na História da Igreja 67

Isso prepara o caminho do que será mais adiante a casuística.


O que favorece a difusão destes Penitenciais é a falta de uma
reflexão teológico-moral fundamentada e bem construída. São ca-
racterísticos de uma época decadente nos níveis social, político e
religioso.
Entretanto, os Penitenciais, também, ajudaram a formar a
consciência e até auxiliaram nos cuidados de higiene; por isso, são
considerados frutos de sua época, tendo contribuído para uma
certa evolução sociocultural.
Para finalizar, é importante saber que os Penitenciais têm im-
portância delimitada para o desenvolvimento da Teologia Moral,
pois limitam-na à prática penitencial, reforçando o aspecto judicial
do sacramento da reconciliação.
A seguir, vamos refletir sobre a contribuição da Escolástica.

8. CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLÁSTICA
Entre os anos 1000 e 1100, ganha impulso o que será o es-
plendor da Igreja da Alta Idade Média, com o predomínio da Igreja
na cultura, na vida pública e privada. Vive-se, ao mesmo tempo,
uma centralização e uma universalização, próprias da consolida-
ção da cultura cristã.
A Teologia, sobretudo no século 12, atinge um nível ao mes-
mo tempo alto, fecundo e autônomo. Não depende mais do re-
curso aos padres da Igreja (Patrística); passa a elaborar uma re-
flexão própria e autônoma. Este é um dos séculos mais criativos,
sobretudo por meio das Escolas de Teologia (por isso Escolástica),
preparando o "século de ouro", ou seja, o século 13.
Nesse período, as ciências teológicas são basicamente culti-
vadas em três tipos de escolas:
• monásticas: anexas aos mosteiros;
• canônicas: mantidas pelos cônegos regulares das Dioceses;

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68 © Moral Fundamental

• urbanas: junto às catedrais, dando origem às primeiras


universidades.
Essas escolas estimulam a organização do saber teológico de
forma científica nos seus vários setores, inclusive a Teologia Moral,
mesmo que ainda não existissem as diferentes áreas ou discipli-
nas, como conhecemos hoje.
As Ordens religiosas são as que vão dar uma colaboração ím-
par a esta renovação da teologia, levando-a a responder à altura às
problemáticas de tipo ascético, moral e místico. Isto é feito dentro
de um discurso lógico. Destacam-se as Ordens de:
• São Bento;
• São Francisco de Assis;
• São Domingos.
Beneditinos, franciscanos e dominicanos vão contribuir com
os melhores teólogos desses séculos, sendo as duas últimas as Or-
dens mais influentes e decisivas no século de ouro, também nome-
ado de "Escolástica madura", ou seja, o século 13. Delas saem os
melhores teólogos da Escolástica:
• Escola Beneditina: temos, sobretudo, Santo Anselmo
(1033-1109).
• Escola Franciscana: destacam-se Alexandre de Hales
(+1245), São Boaventura (1217-1274), Duns Scotus (+1308).
• Escola Dominicana: figura Alberto Magno (1207-1280) e
o brilhante São Tomás de Aquino (1224-1274).
Santo Anselmo contribuiu para dar impulso e criatividade à
Teologia; conhecedor de Agostinho, foi um dos primeiros a elabo-
rar uma Teologia com rigor científico. Busca acionar a razão para
tornar inteligíveis os mistérios da fé (fides quaerens intellectum).

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Sob o ponto de vista moral, Anselmo busca um novo caminho, expresso na se-
guinte afirmação: "O homem possui a liberdade da vontade, não para atingir o
que ele quer, mas para querer aquilo que ele deve e, então, aquilo que lhe é
© U3 - Moral na História da Igreja 69

conveniente querer, isto é pela retidão do querer" (SANTO ANSELMO, De libero


arbítrio, 3).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Amplie seus conhecimentos sobre o tema em questão. Para tanto,


confira: FLECHA ANDRÉS, José-Román, p. 190.

Ele usa alguns dos conceitos clássicos da Teologia Moral.


Dele temos a definição de moralidade, como:
1) Ideia divina: como adesão do homem ao bem.
2) Ato moral no seu aspecto objetivo: é bom porque é bom
aquilo que se quer.
3) Ato moral no seu aspecto subjetivo: é bom porque é
bom o motivo pelo qual se quer.
4) Liberdade: capacidade de se autodeterminar e aderir ao
bem, sendo este o critério para que uma ação seja ética
e possa ser julgada moralmente.
Nas discussões que se seguem, na Escolástica, três elemen-
tos aparecem como determinantes para a moralidade: a liberdade
(como condição), a intenção subjetiva e a norma objetiva. A rela-
ção entre as duas últimas forma o elemento constitutivo. Isso re-
sultou, sobretudo, dos escritos de Abelardo (1079-1142) e de São
Bernardo (1090-1153).
Da Escola Franciscana, no século 13, temos inicialmente Ale-
xandre de Hales cuja obra principal é: Summa fratris Alexandri.
Mesmo sendo Agostinho a sua referência principal, já começa a
utilizar Aristóteles, em especial a Ética a Nicômaco, possibilitando
um renascimento da Teologia e, nela, da Teologia Moral.
A influência aristotélica está na base de uma nova concep-
ção de vontade de lei natural e da graça. A vontade deliberativa
deve ordenar-se na busca essencial do bem, deixando de voltar-se
ao mundo sensível da concupiscência, de tal forma que se torne
um habitus.

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70 © Moral Fundamental

A noção de lei natural vai sendo entendida como realidade


intrínseca ao ser humano, em que está inscrita, dando origem a
uma ética antropocêntrica; São Tomás de Aquino aprofundará esta
noção. A graça passa da compreensão de "inspiração" para a de
"informação", dentro do conceito de habitus, ou seja, uma dispo-
sição interior da alma.
Com esses conceitos, fica claro que o ser humano carrega
em si mesmo uma finalidade sobrenatural, num vir-a-ser que ope-
ra moralmente em conformidade com o fim último, que é sempre
Deus.
Durante a Escolástica, São Boaventura afirma o primado da
vontade e do amor sobre o intelecto, dando origem a uma linha
teológica diferente e, por vezes, contrária (antítese) àquela que,
ao mesmo tempo, está sendo escrita por Tomás de Aquino.
Para Boaventura, conhece bem quem, no amor, se confia às
"formas sensíveis eternas", ou seja, à Trindade que se revela, nela
participando enquanto imagem de Deus.
O referido amor tem suas raízes na vontade, sendo esta de-
terminante para a avaliação moral de uma ação e de uma con-
duta. Já a vontade busca a conformidade à imagem de Deus, na
luminosidade do amor, gera uma ação moralmente perfeita. Essa
visão moral funda-se numa mística e tem como elemento chave a
imitação de Cristo.
Alberto Magno tem o mérito de transmitir para o Ocidente
cristão a obra de Aristóteles, selecionando seus conceitos chave e
purificando-a dos ingredientes arábico-judaicos e averroístas.
Assim, ele prepara o terreno para uma utilização ampla de
Aristóteles na Teologia, o que se realizará mais amplamente com
o seu discípulo Tomás de Aquino. O acento é racional, portanto do
intelecto, diverso da Escola Franciscana, que se pauta na vontade
e no amor.
© U3 - Moral na História da Igreja 71

Tomás de Aquino cria um sistema completo de Teologia, com


repercussão na Teologia Moral, integrando de vez a filosofia aristo-
télica. Sua Summa Theologica, dividida em três partes e, cada par-
te, subdividida em "questões", tem no prólogo geral a explicação
da estrutura do seu pensamento:
A principal intenção da doutrina sagrada é transmitir o conheci-
mento de Deus, não só como Ele é em si mesmo, mas também
enquanto princípio e fim das coisas, especialmente da criatura ra-
cional. Ao empreendermos a exposição desta doutrina, primeiro
trataremos de Deus (parte I), em segundo lugar do movimento da
criatura no sentido de Deus (parte II), em terceiro lugar, de Cristo
que, enquanto homem, é nosso caminho para chegar a Deus (TO-
MÁS DE AQUINO, Prólogo).

Vale observar que a parte II é a que se refere à moral.


Tomás utiliza o conceito de participação do ser humano no
ser de Deus; portanto, está inscrita na sua natureza uma orienta-
ção para Deus. Tendo sido criado à imagem de Deus, eis que o ser
humano carrega em si a lei natural que ele pode captar, discernir
e compreender porque é dotado de inteligência racional, também
chamada de consciência; ele é dotado também de liberdade para
que possa se autodeterminar responsavelmente. Criado à imagem
de Deus, cabe agora ao ser humano assemelhar-se a esta imagem,
imitando Jesus Cristo, modelo para chegar à comunhão com Deus.
Não vai faltar a graça ao ser humano nem o auxílio do Es-
pírito Santo para que ele possa realizar plenamente sua vocação
para Deus, aproximando-se assim do seu fim último (visão beatí-
fica), certeza de sua autorrealização. Deus criou o mundo saindo
de si (egressus); importa agora que a criação retorne à sua origem
através do seu agir (regressus), segundo o modelo – Cristo – quem
primeiro traçou e percorreu este caminho.
Assim, Tomás de Aquino harmoniza o aspecto racional e o
teológico e, subsequentemente, harmonizadas estão razão e re-
velação, vida humana e vivência da fé cristã. Começa-se a sentir,
neste autor, que a ação do ser humano, campo próprio da moral,
emerge aos poucos como tratado próprio ao lado da dogmática.

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72 © Moral Fundamental

Há, portanto, verdades em que se deve crer (dogmática) e há


verdades que se devem praticar (moral).
Existe na Teologia Moral de Tomás de Aquino um acento, ao
mesmo tempo:
1) antropológico: ser humano enquanto imagem de Deus;
2) teleológico: orientação para o fim último;
3) de autonomia: há no próprio ser humano uma lei inscri-
ta nele mesmo – lei natural –não a recebe de fora;
4) racional: dotado de inteligência, de consciência, desta-
cando-se a natureza racional do ser humano.
Passaremos, agora, ao estudo do nominalismo à neo-esco-
lástica.

9. DO NOMINALISMO À NEO-ESCOLÁSTICA
A época que sucedeu o "século de ouro" não manteve a
mesma força sintética e criativa do século 13. A reflexão teológica
dos séculos 14 e 15 não é tão produtiva, pois a Igreja vai perdendo
terreno diante dos Estados que, aos poucos, tendem a uma auto-
nomia maior.
Na Teologia, estes dois séculos são marcados pelo nomina-
lismo. Este é devedor a João Duns Scotus (1265-1308), o último
grande teólogo do século 13, que faz a ponte com o século 14,
chamado de "doutor subtil". Franciscano, escritor de uma obra rica
e versátil, Duns Scotus é crítico do sistema de Tomás de Aquino,
introduzindo diferenças substanciais, sobretudo quando confere à
vontade e à caridade o primado sobre o intelecto. Para Tomás de
Aquino, a Teologia é uma ciência especulativa; para Duns Scotus,
ela é uma ciência eminentemente prática, fundada numa ética do
amor.
Inicia-se, assim, a Escola Scotista, cujo representante prin-
cipal é Guilherme de Ockham (1288-1350), que redige uma ex-
pressiva reação ao tomismo e difunde o nominalismo com larga
© U3 - Moral na História da Igreja 73

presença por toda a Europa, onde os mestres mais ilustres das


principais universidades são ockhamistas.

Prepara-se, assim, o século 16, marcado pela renovação e efer-


vescência religiosa e pelo desenvolvimento das ciências naturais.
Distingue-se razão e revelação, fé e saber, deixando aberta a via
para as ciências que marcarão a modernidade.

Inspirado nas ideias de Duns Scotus, Guilherme de Ockham


traça uma visão calcada nos atos singulares que são bons ou maus
à medida que realizam a vontade soberana e onipotente de Deus.
É porque Deus assim definiu que algo é bom ou mau. O bem moral
não é outra coisa que a obediência à vontade de Deus; um ato é
bom porque Deus quer assim.
A obediência à vontade de Deus, fundada nos mandamentos
positivos (porque Deus os definiu) é o fundamento do pensamen-
to nominalista.
Cada ato humano é visto singular e/ou isoladamente, sem
relação com os outros. Cabe à consciência moral discernir e orien-
tar para a realização da vontade de Deus, captando o que ele orde-
nou e o que ele proibiu.
Esse esquema de pensamento teve um influxo enorme no
pensamento moral, destacando-se o interesse pelo individual e o
acento nos atos concretos e singulares. Abre-se o caminho para
a atomização da vida moral (acento nos atos) e para o legalismo
(fundado na lei positiva do legislador).
Já nos séculos 14 e 15 floresce uma literatura própria, ou
seja, as Sumas Penitenciais. Estas Sumas Penitenciais são uma
continuidade dos Penitenciais anteriores. Porém, agora, mais bem
elaboradas, superando as simples listas de pecados e respectivas
penitências.

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74 © Moral Fundamental

Sumas Penitenciais––––––––––––––––––––––––––––––––––––
São manuais que trazem um conteúdo moral e canônico que dá aos sacerdotes
as noções básicas e necessárias para o atendimento penitencial. Resolvem-se,
nestes manuais, casos jurídicos, indicando as fontes de solução. Têm caráter
pastoral, dando ao clero da baixa Idade Média um suporte ao mesmo tempo
teológico, moral e canônico para a práxis sacramental.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

É no século 16 que essas Sumas encontram maior divulgação,


mesmo que os primeiros ensaios tenham sido feitos já no final do
século 12. Dirigem-se à consciência individual, toma-se em conta
o indivíduo e, aos poucos, o sacerdote vai aprendendo a lidar com
a condição, a idade e as circunstâncias do penitente, cabendo-lhe
uma certa avaliação, com ingredientes pedagógicos no colóquio
entre o sacerdote e o penitente.
As referidas sumas acabam alargando as suas exposições, in-
corporando uma Teologia sacramental geral, incorporando até o
matrimônio e o sacramento da ordem. Incorporam-se nelas elen-
cos de virtudes e vícios. Por conter elementos dogmáticos, morais,
jurídicos e até litúrgicos, respondendo às necessidades pastorais
de seu tempo, essas Sumas não são ainda consideradas como li-
vros propriamente de Teologia Moral.

Essas Sumas são elaboradas, sobretudo, entre os franciscanos


menores, destacando a Supplementum Summe Pisanae de Nicola
di Ausmo (1447) e as sucessivas reelaborações de 1475 e 1483.
Entre os dominicanos também encontramos um investimento na
elaboração dessas Sumas, destacando-se Giovanni de Tabia e Sil-
vestro Prierias (este com 14 edições, a mais importante do século
16).

As Sumas Penitenciais são obras que se inscrevem no nomi-


nalismo, já aludido acima. "Na época do nominalismo se perdeu
o interesse pelo universal, por valores e princípios abstratos, e se
voltou todavia com progressiva atenção para o concreto, o singu-
lar, o individual.
© U3 - Moral na História da Igreja 75

Em primeiro plano, são colocados os mandamentos especí-


ficos e proibições setoriais; por isso, readquiriu importância o es-
quema dos dez mandamentos. Passa para um segundo plano o
esquema das virtudes, que havia favorecido o surgimento de con-
cepções menos legislativas. A preferência pelos dez mandamentos
também não conseguiu garantir a conexão de nenhum destes com
o mandamento único e global do amor, que domina o Novo Testa-
mento.
A ideia da ética teológica, segundo a qual normas e manda-
mentos deviam indicar as condições que permitem ao homem e
ao cristão de realizar a si mesmo, foi progressivamente desapare-
cendo. Normas e mandamentos adquiriram um valor e um peso
autônomos; vieram a ser observados por si mesmos mais que em
vista da realização do homem. A consciência de muitos teólogos
foi tomada da ideia de um Deus que exige (cobra) através dos
mandamentos" (HOLDEREGER, 1983, p. 207).
No decorrer do século 16 inicia-se uma renovação à medi-
da que há um retorno à Summa Theologica de Tomás de Aquino,
em que a ética ou a moral tem um lugar próprio, como já vimos.
Durante dois séculos ou mais a obra tomista ficara relegada ao es-
quecimento ou ao abandono porque fora tida como inovação pe-
rigosa, no seu tempo, suspeita de heresia, tendo sido algumas de
suas teses condenadas pelos bispos de Paris e da Cantuária.
Eis, no entanto, que no século 16 sua obra é retomada; po-
rém, quanto à moral, faz-se referência somente à segunda parte,
o que significou uma limitação, pois perde-se a fundamentação da
primeira parte. Os Comentários à Summa Theeologica de Tomás
de Aquino são marcados por um certo reducionismo, não supe-
rando o legalismo.
No retorno ao tomismo, destaca-se Francisco de Vitória (+
1546), na Espanha, fazendo do século 16 um século de ouro para a
Escolástica espanhola e tridentina (Concílio de Trento).

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76 © Moral Fundamental

De Vitória, por exemplo, tem o mérito não só de voltar ao


tomismo, mas de começar a refletir sobre os desafios emergentes
da descoberta do Novo Mundo (Américas, em especial). A expro-
priação política e econômica destes povos faz deste teólogo um re-
formulador da doutrina em voga, segundo a qual o imperador ou o
rei e o Papa seriam senhores do mundo inteiro. De Vitória elabora
um direito dos povos (ius gentium), desenvolvendo uma ética co-
lonial, na qual constam substanciais e genuínos direitos humanos,
em cuja defesa, em caso de emergência, poder-se-ia inclusive re-
correr à guerra. Existe um direito natural dos povos que está acima
de qualquer injusta agressão.
A visão global que daqui decorre é logo relegada ao esque-
cimento, sobretudo na época pós-tridentina. No entanto, a Escola
de Salamanca soube acolher este pensamento, fazendo uma pon-
te entre o método nominalista e a especulação tomista. Segue-se,
então, toda uma literatura chamada de Comentários (à Summa
Theologica de Tomás de Aquino). Paralelamente, há interessantes
tratados sobre o direito dos povos sobre a justiça, em face aos "fei-
tos" da colonização.
O século 16 assiste ao nascimento da Teologia Moral como
disciplina autônoma. Teria havido grandes chances para um en-
contro entre uma teologia especulativa tomista e o interesse prá-
tico do método nominalista. Porém, não é que acontece. Adrian
Holdereger (1983) buscando os fundamentos históricos da moral,
afirma:
A 'teologia moral' como ciência autônoma nasceu com um endere-
ço fortemente prático, enquanto as partes teorético-especulativas
da dogmática ficaram suspensas. Deste modo, por um lado, a te-
ologia moral separou-se do conjunto da sacra doctrina, por outro
lado, este processo de autonomia carregou consigo, por causa do
interesse prático e casuístico. O que fez da teologia moral uma dis-
ciplina 'não teológica' (HOLDEREGER, 1983, p. 209).

Há um processo de separação entre moral teorética e moral


prática. O Concílio de Trento (1545-1563) influi muito nesta evolu-
ção, quando, em seu Decreto sobre a confissão (25 de novembro
© U3 - Moral na História da Igreja 77

de 1551), solicita que sejam dadas informações precisas sobre os


pecados mortais (número, espécie e circunstâncias), condicionan-
do a teologia moral ao exame de consciência e nas considerações
jurídicas para a recepção do sacramento da penitência. Cada ato
singular foi estudado em seu grau de moralidade, investindo-se es-
pecial atenção aos "casos" particulares; cria-se, a partir de então,
uma tendência "casuística" cada vez mais forte.
O Decreto tridentino sobre os Seminários solicita também
uma preparação do clero para a prática pastoral e, nela, a práti-
ca penitencial, orientação logo acolhida pelos jesuítas, em cujas
fileiras é escrito, em 1600, o primeiro manual de moral, intitula-
do Institutiones Theologiae Moralis, sendo João Azor o seu autor.
Inaugura-se o gênero Institutiones Moralis, seguido por muitos au-
tores ao escrever os seus "tratados de moral".
É comum nestes tratados:
A exposição da teoria da moralidade a partir de um ponto de vista
prático-pastoral, a eliminação dos problemas especulativos e a uti-
lização de materiais jurídicos e canônicos na medida em que ser-
viam à solução dos casos de consciência. As razões deste modo de
apresentar são as seguintes:
a) A visão jurídica da moralidade.
b) A tendência ao concreto: efeito do nominalismo.
c) Adaptação à capacidade de recepção do estudante do cursus mi-
nor.
d) A necessidade de juntar à teologia moral as matérias do direi-
to eclesiástico, que não constituía ainda uma disciplina autônoma
(HOLDEREGER, 1983, p. 210).

Assim, a Teologia Moral nasce fora do âmbito científico-espe-


culativo, sendo mais prática mesmo; não inclui a fundamentação
bíblica, atendo-se à casuística (moral voltada a resolver ‘casos’).
Desenvolve-se, até o século 19, de maneira pobre, restrin-
gindo progressivamente seu campo de abrangência, até ser uma
moral mais voltada para o confessionário. Ninguém duvida da im-
portância deste dado, porém é certo que acontece uma contração

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78 © Moral Fundamental

drástica do seu campo de abrangência, sendo acionada num ângu-


lo estreito e limitado. É o que demonstram, sobretudo, os séculos
17 e 18.
Após o curto período fecundo de retorno a São Tomás de
Aquino, deparamo-nos com os manuais de moral Institutiones mo-
ralis, entrando num período pobre e de crise. Desligada do con-
texto da Teologia sistemática, na época pós-tridentina, a Teologia
Moral transforma-se numa moral legalista, cuja preocupação úni-
ca é determinar as leis que devem ser seguidas e em que grau elas
são vinculantes.
Por dois séculos (17 e 18), a Teologia Moral busca cuidar da
exatidão da decisão de consciência, das regras para alcançar um
decisão autêntica, mergulhando em "sistemas morais" (probabilis-
mo, tuciorismo, rigorismo, laxismo e equiprobabilismo) que mais
polemizam entre si do que orientam verdadeiramente as consci-
ência dos féis no seu dia-a-dia. Cria-se um clima de confusão na
mente dos fiéis, fruto de uma moral abstrata. Destacam-se as con-
trovérsias entre os laxistas e os jansenistas (rigoristas), sendo as
duas posições extremas condenadas pela Igreja.

A bula Cum occasione, de 1653, condena os erros jansenistas. O


Papa Alexandre VI (1665-1666) condena, por sua vez, 45 proposi-
ções laxistas e o Papa Inocêncio XI, em 1679, condena outras 65.
Cf. MIFSUD, Tony, Moral Fundamental. El discernimiento cristiano,
vol. 1, CELAM, Bogotá, 2002, p. 97-98.

Dominicanos e jesuítas continuaram com a polêmica, cada


um defendendo seus sistemas próprios. Isso de nada ajuda a Teo-
logia Moral, que continua estéril. Santo Afonso de Ligório (1696-
1787) tenta, por sua vez, um sistema moral, denominado de equi-
probabilismo, muito ligado à prática (sobretudo penitencial) e em
confronto com o rigor jansenista, mesmo sendo ainda ligado à ca-
suística; ele tem o mérito de superar o confronto entre os diversos
© U3 - Moral na História da Igreja 79

sistemas, mas não supera a tendência ao legalismo e à casuística.


Porém, esta sua contribuição só é efetiva no século 19. Seu siste-
ma articula-se a partir de três princípios:
• o primado da verdade;
• os deveres da consciência;
• os direitos da liberdade vinculada à lei certa.
Nos séculos 19 e 20, há várias tentativas de renovação da
Teologia Moral quer por fatores externos quer por fatores internos
à Igreja. Externamente, o pensamento iluminista, especialmente a
ética de Kant, levou alguns teólogos a buscar um método científico
e mais bem fundamentado da Teologia Moral. Novas problemá-
ticas filosóficas e científicas, a emancipação provinda da moder-
nidade entre outros elementos tornam inócuas as tentativas de
repetir sempre as mesma coisas, mesmo que clássicas.
Internamente, as críticas à casuística levam alguns teólogos
a tentar novos esboços e novas elaborações de Teologia Moral.
Buscou-se uma metodologia que fosse genuinamente teológica,
tentando um ponto de partida e o material a ser sistematizado.
Logo, chegou-se às fontes da Teologia (Sagrada Escritura, tradição
da fé e da doutrina cristãs, tradição teológica dos padres da Igreja).
É na Alemanha que esses intentos frutificaram com mais cla-
reza, destacando teólogos como J. M. Sailer (+1832), centrando-
-se na caridade; J. B. Hirscher (+1865), tendo como ideia base o
reino de Deus; Jocham Magnus (+1893), partindo do corpo místico
de Cristo; Martin Deutinger, sublinhando o amor cristão; Karl We-
ber (+1888), propondo uma moral cristocêntrica; Fr. X. Linsenman
(+1898), sublinhando a resposta livre ao chamado de Deus; Joseph
Mausbach (+1931) e Otto Schilling, assumindo a caridade como
princípio formal.
De 1930 a 1960, a reflexão moral experimenta a influência do
pensamento de outras disciplinas (psicologia, sociologia, filosofia
existencialista), bem como dos movimentos litúrgico (relação entre
culto e comportamento), bíblico (fonte de inspiração do agir cris-
tão) e da teologia kerigmática (relação entre dogma e compromisso
cristão) (HOLDEREGER, 1983, p. 101).

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80 © Moral Fundamental

Neste entretempo, vários moralistas tentam um enfoque


mais positivo da vida cristã, indo além de uma moral restrita ao
confessionário; acentuam a fidelidade à graça e ao compromisso
do batismo.
Nessa linha, temos nomes como Fritz Tilmann, G. Thils e Ber-
nard Häring; este último publicando sua obra A lei de Cristo, em
1954, marcando claramente uma tendência de renovação na mo-
ral; sua exposição é:
Uma síntese dos princípios que estavam sendo apresentados em
numerosas publicações: imitação de Cristo, reino de Deus, primado
da caridade. A moral é antes de tudo resposta do homem ao cha-
mado de Deus (VEREECKE , 1992, p. 841).

Estas tentativas de renovação fazem parte de um movimen-


to que começa a ganhar força em meados do século 19, que se
passou a chamar de neo-escolática. No campo da dogmática, esta
renovação mostra-se fecunda. Na Teologia Moral, apesar das ten-
tativas acima descritas, este movimento não consegue penetrar
os diferentes ambientes, mostrando-se pouco fecundo, sobretudo
até o Concílio Vaticano II (1962-1965).
Em vez de revalorizar o grande patrimônio dos teólogos me-
dievais, detém-se na literatura tardia, retornando a uma moral
do dever, de caráter normativo, disciplinar e canônico-casuístico.
Mesmo no início do século 20, as tentativas de renovação não con-
seguem, de fato, impor-se. A Igreja Católica cultiva uma visão mais
integralista, com posições defensivas ante a filosofia moderna e o
protestantismo.
Reconhecemos que, nos séculos 19 e 20, a moral neo-esco-
lástica busca cultivar valores como a busca do que é universal (o
que vale para todos), a busca do que é perene (valores que du-
ram), a importância do agir (no sentido dos atos), o acento indivi-
dual (a responsabilidade recai sobre cada indivíduo) e a lei (como
meio pedagógico para ‘ser justo’).
© U3 - Moral na História da Igreja 81

Damo-nos conta de que em muito ambientes chega-se a re-


cair em certos exageros, tais como:
a) falta de autocrítica: pensou-se que tudo estava estabelecido de
maneira definitiva, (para sempre);
b) pessimismo exagerado com relação ao mundo, ao humano, ao
corpo, à sexualidade: caindo numa visão dualista, separando e
opondo alma e corpo, céu e terra, espiritual e temporal, oração
e ação, religioso e profano etc;
c) legalismo: uso exagerado da lei enquanto ‘letra’, nem sempre
incorporando o ‘espírito';
d) intimismo: tudo se passaria no íntimo do coração em termos de
pecado e conversão, sem a necessária abertura ao comunitário
e ao social (AGOSTINI, 2007).

As três décadas que precedem o Concílio Vaticano II vêem


eclodir um movimento forte de renovação, especialmente presen-
te no movimento bíblico, litúrgico e kerigmático; estes, acrescidos
dos progressos nas ciências humanas e médicas, além dos passos
dados pelo movimento ecumênico, reclamam uma reforma urgen-
te da Teologia Moral. "Sente-se a necessidade de um desenvolvi-
mento mais intenso do caráter teológico, pessoal e comunitário da
teologia moral, e de uma impostação positiva, unitária, kerigmáti-
ca" (HOLDEREGER, 1983, P. 219).

10. IMPULSO DO CONCÍLIO VATICANO II: PARA UMA


MORAL RENOVADA
O Concílio Vaticano II (1962-1965) representa um passo deci-
sivo para a renovação da Teologia Moral. O esquema previamente
elaborado para este campo da Teologia previa uma Constituição
Dogmática com o título De ordine morali christiano.
Os padres conciliares não o aprovam, pois tratava-se de um
texto negativo, ainda muito dependente da casuística, traçando
condenações, reflexo de uma moral neo-escolástica tradicional de
tonalidade pessimista.

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82 © Moral Fundamental

O Papa João XXIII, já na abertura do Concílio, havia dado ou-


tra tonalidade, ao dizer que "os erros caem sozinhos ou caem em
confronto com os valores cristãos apresentados de maneira positi-
va" (KRÓLIKOWSKI, 1997, p. 23-24).
Foram muito significativas as intervenções do Patriarca Má-
ximos IV Saigh e do Cardeal P.-E. Léger, feitas na sessão do dia 27
de outubro de 1964.
O Patriarca Máximos IV protestou, na ocasião, contra a apre-
sentação por demais legalista e negativa da moral cristã, que disse-
minava um pessimismo generalizado. Solicitou uma moral centra-
da em Cristo, com o acento no amor e na liberdade, que educasse
de modo positivo, fundada na dignidade da pessoa humana e na
responsabilidade pessoal e comunitária.
Em outras palavras, apontou para uma moral que buscas-
se verbalizar os valores positivos, que se manifestassem seguros e
eficazes, que estudasse a lei evangélica e a lei da graça, apontando
para uma responsabilidade mais plena e corajosa.
O Patriarca sublinhou igualmente que a formação filosófica
compreendesse todas as tendências presentes na filosofia con-
temporânea, em vez de limitar-se à filosofia tomista.

Para saber mais sobre este assunto, leia: Acta Synodalia Concilii
Oecumenici Vaticani II (AS), Typis Polyglottis Vaticanis, MCMLXX-,
III-V, p. 567-569; cf. AGOSTINI, Nilo, Introdução à Teologia Mo-
ral..., op. cit., p. 57.

O Cardeal Léger enfatizou, por sua vez, a necessidade de um


amplo diálogo com o mundo no nível filosófico e teológico, sem se
limitar ao estudo da philosophia perenis da doutrina de São Tomás
de Aquino.
No tocante à Teologia Moral, sublinhou a necessidade de
uma renovação fundada num espírito profundamente cristão, em
© U3 - Moral na História da Igreja 83

ligação com a Teologia sistemática, baseada no dado bíblico do


mistério de Cristo e no mistério da salvação e que tivesse como
centro a caridade.
Foi aprovada uma menção à Teologia Moral no decreto Op-
tatam Totius, com as seguintes palavras:
As outras disciplinas teológicas sejam igualmente restauradas por
um contato mais vivo com o mistério de Cristo e a história da salva-
ção. Consagre-se um cuidado especial ao aperfeiçoamento da Te-
ologia Moral, cuja exposição científica, mais alimentada pela dou-
trina da Sagrada Escritura, evidencie a sublimidade da vocação dos
fiéis em Cristo e sua obrigação de produzir frutos na caridade, para
a vida do mundo (OT 16).

Este texto contém as coordenadas para a renovação da Te-


ologia Moral; nele, podemos identificar um princípio ontológico:
"evidenciar a sublimidade da vocação dos fiéis em Cristo"; um
princípio cognoscitivo: "a exposição científica, mais alimentada
pela doutrina da Sagrada Escritura"; e um princípio operativo: "a
obrigação de produzir frutos na caridade, para a vida do mundo"
(ZIEGLER, 1972, p. 372-381).
Estava, assim, aberto o caminho a ser trilhado. Além deste
Decreto, temos muitas outras indicações conciliares relevantes
para a Teologia Moral. Destacam-se documentos como a Consti-
tuição Dogmática Dei Verbum, a Declaração Dignitatis Humanae,
a Constituição Dogmática Lumen Gentium e, de modo especial, a
Constituição Pastoral Gaudium et Spes.
A centralidade de Cristo passa a constituir a referência maior,
cujo mistério orienta a vida cristã em todas as suas dimensões (DV
25).

A Sagrada Escritura é assumida como a alma para toda a Teolo-


gia (DV 24); a Teologia Moral se apóia numa exposição histórico-
-salvífica aprofundada (HAMEL, 1979, p. 161-175).

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84 © Moral Fundamental

Há, como você pode notar, uma complementaridade e har-


monia entre Filosofia Moral e Teologia Moral, entre Revelação e
natureza humana, sendo a pessoa de Cristo a confirmação desta
harmonia e realização plena (DH 11); a exposição moral é cristo-
cêntrica, sublinhando a vocação universal à santidade (LG 39, 40,
41), as referências à caridade (DH 11) e a indispensável referência
ao seguimento de Cristo (DH 11).
Observe que, após a constituição Pastoral Gaudium et Spes,
a Teologia Moral assume um dinamismo, enraizado na tradição,
capaz de responder aos sinais dos tempos e às sinterrogações do
homem e da mulher modernos, reenviando tudo para o "funda-
mento último em Cristo, o mesmo ontem e hoje e por toda a eter-
nidade" (GS, 10) e sublinhando Jesus Cristo como princípio do ser,
do conhecer e do agir do cristão, numa "integração antropológica
da Teologia Moral cristocêntrica" (ZIEGLER, 1986, p. 41-70).
Nesta linha de renovação, a Constituição Pastoral Gaudium
et Spes deixa alguns textos esclarecedores:
Os teólogos, observados os métodos próprios e as exigências da
ciência teológica, são convidados sem cessar a descobrir a maneira
mais adaptada de comunicar a doutrina aos homens de seu tempo
[...]. Unam os conhecimentos das novas ciências e doutrinas e das
últimas descobertas com a moral (GS 62).
A Igreja, guardiã do depósito da palavra de Deus, do qual tira os
princípios para a ordem religiosa e moral, ainda que não tenha
sempre resposta imediata para todos os problemas, deseja unir a
luz da revelação com a perícia de todos, para que se ilumine o cami-
nho no qual a humanidade entrou recentemente (GS 33).
A transformação profunda e rápida da vida exige com suma urgên-
cia que não haja nada que, desatento ao curso dos acontecimentos
ou entorpecido pela inércia, se contente com uma ética meramen-
te individualista, Cumpram-se cada vez mais os deveres de justiça
e caridade, se cada um, contribuindo para o bem comum segundo
suas capacidades e as necessidades dos outros, promover e ajudar
também as instituições públicas e particulares que estão a serviço
de um aprimoramento das condições de vida dos homens (GS 30).

O Concílio Vaticano II é um marco eclesial expressivo na vida


da Igreja. Trata-se de "acontecimento providencial" que acabou
© U3 - Moral na História da Igreja 85

sedimentando "um contributo significativo" pelo "novo tom", pelo


modo "diverso" e pela "nova época" já inaugurada na vida da Igre-
ja (JOÃO PAULO, 1996, n. 18, 20 e 21), marcando a possibilidade de
um novo modo de inserção no "mundo".

O Concílio Vaticano II representa um ponto de chegada de toda


uma renovação em curso antes de sua realização. Porém, cons-
titui-se igualmente num ponto de partida para novos passos, num
convite a toda a Igreja a pensar e assumir, sendo receptora e cria-
dora de sua mensagem.

Vejamos dois pronunciamentos do Papa Paulo VI sobre o va-


lor religioso do Concílio, destacando o modo como se postou fren-
te ao mundo, e sobre a necessidade de partir em direção a novos
objetivos.
Em lugar de diagnósticos deprimentes, partiram do Concílio remé-
dios encorajadores; em vez de presságios funestos, partiram do
Concílio mensagens de confiança para o mundo contemporâneo:
os seus valores foram não somente respeitados, mas honrados, os
seus esforços apoiados, as suas aspirações purificadas e abençoa-
das (PAULO VI, 1966, p. 497).
A tarefa do Concílio Ecumênico não está definitivamente acabada
com a promulgação dos decretos, porque esses decretos, como
ensina a história dos Concílios, ao invés de serem um ponto de
chegada, são um ponto de partida para novos objetivos. É preci-
so ainda que o espírito e o sopro renovador do Concílio penetrem
nas profundezas da vida da Igreja; urge que as sementes de vida
depositadas pelo Concílio no solo da Igreja cheguem à sua plena
maturidade (PAULO VI, 1966, p. 1731).

Para o historiador da Teologia Moral Louis Vereecke, "a evo-


lução da Teologia Moral depois do Vaticano II não forma ainda par-
te do campo da história; estamos ainda presenciando ao vivo os
diversos problemas aparecidos" (VEREECKE, 1992, p. 841).
Nos tópicos que seguem, encontra-se a reflexão atual da Te-
ologia Moral, assim como ela está em curso no pós-Vaticano II.

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86 © Moral Fundamental

No entanto, desse longo percurso histórico podemos tirar


algumas lições, seja para superar erros seja para aprofundar ele-
mentos em curso na atual reflexão da Teologia Moral (MIFSUD,
2002, p. 105-106).
a) Inicialmente, é claro que não podemos cair numa moral pura-
mente legalista ou juridicista e casuística; essa postura só em-
pobrece a reflexão moral; além disso, a moral não existe só em
função do sacramento da reconciliação ou confissão, mesmo
permanecendo a sua importância; a Teologia Moral não se res-
tringe ao "pode" ou "não pode", o que tolhe e esteriliza a sua
reflexão.
b) Fé e moral se incluem. Esta relação includente reenvia à centra-
lidade da pessoa de Jesus Cristo, residindo aí o elemento básico
e motivador, o centro e a referência intransferível. O divórcio
entre fé e moral foi um dos motivos do exagero da norma sem
buscar o que lhe dava real sentido, parando na letra do juridicis-
mo.
c) Há uma implicação entre espiritualidade e moral cristã. A bus-
ca da santidade e a prática se remetem continuamente. A vida
ascética chegou a ser entendida, no passado, como caminho no
âmbito da vida consagrada; para os demais, no mundo, havia a
moral cristã como caminho de salvação. É-nos claro, hoje, que o
caminho da santidade é um chamado para todos indistintamen-
te, como "primeira e fundamental vocação" (CL 16).
d) A elaboração da moral cristã tem sido sempre um trabalho in-
terdisciplinar. Nos primeiros séculos, esta elaboração foi coad-
juvada pela filosofia grega; na Idade Média, pela ética aristoté-
lica; no século 16, pelas discussões do direito dos povos e da
economia; hoje, pelo aporte das ciências humanas e sociais.
Nestas últimas décadas, a reflexão moral evoluiu do especulativo
para o práxico, do interesse pelo lícito para a responsabilidade da
consciência num tempo de mudanças profundas, de uma ética cen-
trada na perfeição do indivíduo para a formação de uma pessoa
que se comprometa com a humanização da sociedade mediante
ações concretas. Por sua vez, na elaboração da ética cristã, a pessoa
de Jesus Cristo constitui a pedra angular; a Sagrada Escritura, sua
fonte e referência primordial; a caridade, seu princípio operativo; e
o diálogo (ecumênico, interdisciplinar), seu método de enfrentar os
novos problemas (MIFSUD, 2002, p. 106).
© U3 - Moral na História da Igreja 87

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Depois de acompanhar os desafios de cada época e a resposta da Igreja,
como você apresentaria o papel da Teologia Moral hoje?

2) Qual o elemento comum você identifica em todo esse processo histórico da


teologia moral?

3) Quais os elementos apresentados na reflexão atual da teologia moral, levan-


do em conta o evento do Concílio Vaticano II?

12. CONSIDERAÇÕES
Na Unidade 3 você teve a oportunidade de compreender a
diversidade de contextos histórico-culturais, a riqueza da Patrística
e o surgimento dos Penitenciais. Além disso, refletimos sobre as
contribuição da Escolástica, desde o nominalismo à neo-escolásti-
ca. Finalmente, estudamos o impulso do Concílio Vaticano II para
uma Moral renovada.
Já na Unidade 4, estudaremos a liberdade como condição
para a moralidade e para o exercício da responsabilidade. Confira
e participe ativamente do estudo!

13. E-REFERÊNCIAS
VERITATES SPLENDOR. Patrística – os escritos dos Santos Padres da Igreja. Disponível em:
<http://www.veritatis.com.br/area/2 >. Acesso em: 20 ago. 2012.
WIKIPÉDIA. Ética a Nicômaco. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/
wiki/%C3%89tica_a_Nic%C3%B4maco>. Acesso em: 20 ago. 2012.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Vozes, 2005.
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88 © Moral Fundamental

______. Teologia Moral: O que você precisa viver e saber. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
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n. 10, p. 10. São Paulo: Paulinas, 1990.
FIGUEIREDO, Dom Fernando A. Curso de Teologia Patrística I: a vida da Igreja primitiva
(século I e II). Petrópolis: Vozes, 1990.
______. Curso de Teologia Patrística II: a vida da Igreja primitiva (século III). 2. ed.
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FLECHA ANDRÉS, José-Román. Teologia moral fundamental. 3. ed. Madrid: Biblioteca de
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GASTALDI, Ítalo. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Dom Bosco, 1994.
HAMEL, E. Morale e salvezza prima e dopo Cristo. Rassegna di Teologia, n. 20, 1979.
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______. Carta Apostólica Tertio Millennio Adveniente. n. 18, 20-21. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1996. (Coleção: Documentos Pontifícios, n. 262).
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KONZEN, João A. História da Teologia Moral. In: Ética Teológica Fundamental, São Paulo,
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morale del XX secolo, Roma, 1972. v. 3.

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EAD
Liberdade e
Responsabilidade

4
1. OBJETIVOS
• Reconhecer e interpretar a liberdade humana.
• Apontar e analisar a relação existente entre liberdade e
responsabilidade.
• Identificar e interpretar a expressão da responsabilidade
moral.

2. CONTEÚDOS
• Liberdade humana.
• Liberdade e responsabilidade
• Expressão da responsabilidade moral.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
92 © Moral Fundamental

1) Para ampliar seus conhecimentos sobre liberdade e res-


ponsabilidade, procure distribuir racionalmente os pe-
ríodos de estudo: organize seu horário de maneira que
não fique saturado e procure variar seu programa, alter-
nando entre escrever, ler, refletir, participar na Sala de
Aula Virtual, realizar atividades etc.
2) Leia os números 1730ss no Catecismo da Igreja Católica
que se referem à liberdade e responsabilidade.
3) Um bom instrumento para essa unidade é a leitura da
Encíclica Veritatis Splendor do Papa João Paulo II.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
O que podemos chamar de liberdade? Como a liberdade se
relaciona com a responsabilidade e com a moralidade?
A liberdade é condição para a moralidade e para o exercício
da responsabilidade.
Observe que a própria existência humana tem um sentido
na liberdade sentido, ou seja, ela caracteriza seu modo próprio de
agir e fundamenta a eticidade.
Nesta unidade, você conhecerá os meandros deste eixo in-
dispensável da moral, quer no seu sentido próprio, quer na sua re-
lação com a responsabilidade ou ainda nas suas expressões como
ato, atitude e opção fundamental.
Somos livres? Somos responsáveis? Somos morais?
Vamos descobrir!

5. LIBERDADE HUMANA
O que faz o homem livre?
Após percorrer a história da Teologia Moral, nos deteremos
nas chamadas categorias básicas que constituem a fundamenta-
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 93

ção da dimensão ética, presente tanto na liberdade e na responsa-


bilidade como na consciência e na lei.
A complexa questão da liberdade humana tem sua concei-
tuação originária como uma procura de autonomia no confronto
de todas as estruturas que possam vir a aprisionar e escravizar o
homem.
Como você pode notar, pelo fato de o homem ser social, ele
não poderá jamais atingir a liberdade absoluta, pois está direta-
mente ligado tanto aos direitos como ao exercício de liberdade das
demais pessoas com as quais ele se relaciona.
Além da referida dimensão sociológica, na dimensão psico-
lógica, a liberdade sofre um grande e grave condicionamento, por
meio das pressões que são determinantes na consequente res-
ponsabilidade das ações realizadas.
A liberdade dá, portanto, significado à existência humana e,
assim, irá caracterizar o seu modo de agir.
Em outras palavras, enquanto livre, o ser humano é um su-
jeito ético, o seu agir, por ser livre, se faz moral (MIFSUD, 2002). Na
Encíclica Veritatis Splendor, o Papa João Paulo II mostra que, em
nossos tempos, a liberdade pode ser vista em dois aspectos:
• sua negação;
• sua mitificação.
Os problemas humanos mais debatidos e diversamente re-
solvidos na reflexão moral contemporânea estão ligados, mesmo
se de várias maneiras, a um problema crucial: o da liberdade do
homem.
Note que o ser humano da nossa época adquiriu uma per-
cepção particularmente viva da liberdade. "Os homens de hoje
tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa hu-
mana", como já constatava a Declaração conciliar DH sobre a liber-
dade religiosa.

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94 © Moral Fundamental

Daí a reivindicação de que os homens possam agir segundo


a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por
coação, mas levados pela consciência do dever. Em particular, o
direito à liberdade religiosa e ao respeito da consciência no seu ca-
minho para a verdade é sentido cada vez mais como fundamento
dos direitos da pessoa, considerados no seu conjunto.
Assim, o sentido agudo da dignidade e da unicidade da pes-
soa humana, bem como do respeito devido ao caminho da cons-
ciência, constitui certamente uma conquista positiva da cultura
moderna.
Esta percepção, em si mesma autêntica, encontrou múltiplas
expressões, mais ou menos adequadas, algumas das quais, porém,
se afastam da verdade do homem enquanto criatura e imagem de
Deus, e requerem, portanto, ser corrigidas ou purificadas à luz da
fé.
Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se a exal-
tar a liberdade até a ponto de se tornar um absoluto, que seria a
fonte dos valores. Nesta direção, movem-se as doutrinas que per-
deram o sentido da transcendência ou as que são explicitamente
atéias. Atribuíram-se à consciência individual as prerrogativas de
instância suprema do juízo moral, que decide categórica e infali-
velmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a própria
consciência foi indevidamente acrescentada aquela outra de que o
juízo moral é verdadeiro pelo próprio fato de provir da consciência.
Deste modo, porém a imprescindível exigência de verdade desapa-
receu em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade, de
‘acordo consigo próprio', a ponto de ser subjetivo do juízo moral
[...]. Paralelamente à exaltação da liberdade, e paradoxalmente em
contraste com ela, a cultura moderna põe radicalmente em ques-
tão a própria liberdade. Um conjunto de disciplinas, agrupadas sob
o nome de 'ciências humanas', chamou justamente a atenção para
os condicionamentos de ordem psicológica e social, que pesam so-
bre o exercício da liberdade humana... Mas, alguns, ultrapassando
as conclusões, que legitimamente se podem tirar destas observa-
ções, chegaram a ponto de pôr em dúvida ou de negar a própria
realidade da liberdade humana (VS 31-33).

Dessa forma, observamos os dois extremos do pêndulo, ou


seja, pode-se considerar a liberdade como absoluta ou pode-se
negá-la.
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 95

Vejamos! Enquanto absoluta, dela emanam valores, levando


o homem a determinar os critérios do bem e do mal, conduzindo
a uma ética individualista. Já uma compreensão de negação da li-
berdade capta a sua submissão aos diversos condicionamentos de
ordem psicológica e social.
A liberdade precisará ser sempre um meio, não absoluto em
si, ligado diretamente a um objetivo. Desse modo, evitando os
extremos, ela afirmará:
Por um lado, o fundamento e a possibilidade do exercício dela
mesma. Por outro, o limite vinculado à precariedade da condição
humana, ao seu estar situada no espaço, no tempo e, conseqüen-
temente, à pressão inevitável dos condicionamentos que exercem
sobre ela. Trata-se, definitivamente, de dar lugar a uma visão da
liberdade que, sem negar sua consistência, não encubra sua densi-
dade real, conseqüentemente, os inevitáveis aspectos de limitação
que a conotam e circunscrevem (PIANA, 1992, p. 1066).

Desse modo, a pessoa buscará a felicidade no seu processo


de auto-realização; sentirá, para tanto, a necessidade de que se-
jam feitas as escolhas corretas.
A liberdade humana se configura justamente nisso, em po-
der exercer a livre escolha, mas escolha. Por esse motivo, o refe-
rencial primeiro deverá ser sempre a verdade, pois é ela que irá
orientar a liberdade para a auto-realização humana.

A escolha descrita no texto principal é aquela que leve à reflexão


não somente uma opção por determinada ação, mas sobre uma
decisão entre o bem e o mal, a favor ou contra a verdade (VS 65).

Essa relação entre liberdade e verdade destaca a moral como


um caminho no seguimento do Cristo porque "se permanecerdes
na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e co-
nhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo 8,31-32).
Na pessoa de Jesus Cristo, o crente descobre a verdade por-
que Ele se apresenta como tal: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida (Jo 14,6)" (MIFSUD, 2002, p. 200).

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96 © Moral Fundamental

6. LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
Há relação entre responsabilidade e liberdade?
A liberdade humana acarreta em si a responsabilidade dian-
te das escolhas feitas; desse modo, a vida moral do crente está in-
timamente fundada nessa responsabilidade. Ele vive essa respon-
sabilidade partindo da sua experiência de fé como adesão a este
Deus revelado em Jesus Cristo. Portanto, o agir moral do cristão se
dá dentro do marco do projeto que Deus tem para cada um e para
toda a humanidade.
Sendo assim, para o cristão, a escolha não se dá somente no
quadro da liberdade humana, mas diante da fé assumida de modo
radical como resposta ao Deus que professa. "Aprofundar-se no
significado da responsabilidade é tomar consciência da vocação
cristã" (VIDAL, 1993, p. 42).
O Catecismo da Igreja Católica (2001, p. 1731-1738) traz, na
sua terceira parte, uma bela explanação sobre a relação entre li-
berdade e responsabilidade:
A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou
não agir, de fazer isto ou aquilo, portanto de praticar atos delibera-
dos. Pelo livre-arbítrio cada qual dispõe sobre si mesmo. A liberda-
de é no homem uma força de crescimento e amadurecimento da
verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando
está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.
Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último
que é Deus, a liberdade comporta a possibilidade de escolher entre
o bem e o mal, portanto de crescer em perfeição ou de definhar
e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-se
fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito.
Quanto mais praticar o bem, mais a pessoa se torna livre. Não há
verdadeira liberdade a não ser a serviço do bem e da justiça. A es-
colha da desobediência e do mal é um abuso de liberdade e conduz
à "escravidão do pecado."
A liberdade torna o homem responsável por seus atos na medida
em que forem voluntários. O progresso da virtude, o conhecimento
do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre seus
atos.
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 97

A liberdade se exerce no relacionamento entre os seres humanos.


Toda pessoa humana, criada à imagem de Deus, tem o direito na-
tural de ser reconhecida como ser livre e responsável. Todos de-
vem a cada um esta obrigação de respeito. O direito ao exercício
da liberdade é uma exigência inseparável da dignidade da pessoa
humana, sobretudo em matéria moral e religiosa. Este direito deve
ser reconhecido civilmente e protegido nos limites do bem comum
e da ordem pública.

A seguir, vamos estudar a expressão da responsabilidade


moral.

7. RESPONSABILIDADE MORAL: SUA EXPRESSÃO


Podemos expressar de diversas formas a responsabilidade
moral, como, por exemplo: atos, atitudes e opção fundamental.
Podemos entender a priori que o ato humano é aquele que
tem como origem a vontade deliberada; nele, a pessoa é a respon-
sável direta de sua execução pelo uso da razão e da própria vonta-
de, buscando responder a determinada finalidade.
Diversos esquemas procuram explicar o ato humano. Veja-
mos o esquema aristotélico-escolástico, o qual se estrutura da se-
guinte forma:
Potência Hábito (virtude, vício) Atos
Vamos entendê-lo melhor!
1) Potência: está para o ato como uma possibilidade para
ele. A potência constitui a primeira forma do compor-
tamento humano, determinando-se por intermédio da
inteligência e da vontade.
2) Hábito: estrutura intermediária entre a potência e o ato.
Será o hábito a dar direção à potência. Os hábitos podem
ser qualificados em bons (virtudes) ou maus (vícios).
3) Ato moral: é aquele que se realiza em liberdade. O ato
moral tem como elementos constitutivos:

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98 © Moral Fundamental

• o objeto (matéria);
• o fim (intenção);
• as circunstâncias.
Como você poderá notar, encontramos, no Catecismo da
Igreja Católica, uma síntese da moralidade dos atos humanos:
O objeto, a intenção e as circunstâncias constituem as três fontes
da moralidade dos atos humanos. O objeto escolhido especifica
moralmente o ato do querer, conforme a razão o reconheça e jul-
gue bom ou mau. Não se pode justificar uma ação com boa inten-
ção. O fim não justifica os meios. O ato moralmente bom supõe
a bondade do objeto, da finalidade e das circunstâncias. Existem
comportamentos concretos cuja escolha é sempre errônea, por-
que escolhê-los significa uma desordem da vontade, isto é, um mal
moral. Não é permitido fazer o mal para que dele resulte um bem
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001, p. 149).

Já na Encíclica VS (71-83) encontramos esse tema de manei-


ra aprofundada. Destacamos aqui os pontos mais importantes:
1) Os atos humanos são atos morais, porque exprimem e
decidem a bondade ou malícia do homem que realiza
aqueles atos. Eles não produzem apenas uma mudança
do estado das coisas externas ao homem, mas, enquan-
to escolhas deliberadas qualificam moralmente a pessoa
que os faz.
2) O agir humano não pode ser considerado moralmente
bom só porque destinado a alcançar este ou aquele ob-
jetivo que persegue, ou simplesmente porque a inten-
ção do sujeito é boa. O agir é moralmente bom quando
atesta e exprime a ordenação voluntária da pessoa para
o fim último e a conformidade da ação concreta com o
bem humano.
3) Para oferecer os critérios racionais de uma justa decisão
moral, as mencionadas teorias têm em conta a intenção
e as conseqüências da ação humana. Trata-se de uma
exigência de responsabilidade. Mas a consideração des-
tas consequências – como também das intenções – não
é suficiente para avaliar a qualidade moral de uma op-
ção concreta.
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 99

4) A ponderação dos bens e dos males, previsíveis como


conseqüência de uma ação, não é um método adequado
para determinar se a escolha daquele comportamento
concreto é "segundo a sua espécie", ou "em si mesma",
moral boa ou má, lícita ou ilícita.

As consequências previsíveis pertencem àquelas circunstâncias


do ato, que, embora podendo modificar a gravidade de um ato
mau, não podem, porém, mudar a sua espécie moral.

5) A moralidade do ato humano depende primária e fun-


damentalmente do objeto razoavelmente escolhido pela
vontade deliberada [...] quer dizer, se este é ou não or-
denável a Deus.
6) A razão atesta que há objetos do ato humano que se
configuram como não ordenáveis a Deus, porque con-
tradizem radicalmente o bem da pessoa, feita à sua ima-
gem, são os atos que, na tradição moral da Igreja, foram
denominados "intrinsecamente maus" (intresece ma-
lum): são sempre e por si mesmos, ou seja, pelo próprio
objeto, independentemente das posteriores intenções
de quem age e das circunstâncias.
7) A Igreja ensina que existem atos que, por si e em si mes-
mos, independentemente das circunstâncias, são sem-
pre gravemente ilícitos, por motivo de seu objeto. Vale
ressaltar que a Igreja chega a tal conclusão sem querer
minimamente negar o influxo que tem as circunstâncias
e, sobretudo, as intenções sobre a moralidade.
Durante muito tempo, a moral cristã adotou este esquema
aristotélico-escolástico. Sem dúvida, este esquema trouxe sua
contribuição, como, por exemplo, a dimensão intermediária entre
a potência e o ato e o hábito (VIDAL, 2002, p. 55).
Contudo, apesar deste esquema não permitir um subjetivis-
mo relativista, constatou-se que a vida moral acabou por reforçar
excessivamente uma moral exterior do ato. Dessa forma, enquanto

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100 © Moral Fundamental

o hábito era ponto focal na relação com o ato, já na moral casuísta


o que fica evidenciado é o ato em si, e o hábito se torna uma mera
repetição dos atos, dando lugar a uma concepção mecanicista.
Após o Concílio Vaticano II, um novo esquema irá substituir
o anterior, adotando um modo personalista, enfocando mais a di-
mensão antropológica que ontológica, evidenciando assim a pes-
soa em vez do objeto.
A VS dirá que os teólogos moralistas deverão se comprome-
ter em "clarificar cada vez melhor os fundamentos bíblicos, os sig-
nificados éticos e as motivações antropológicas que sustentam a
doutrina moral e a visão do homem proposta pela Igreja" (VS 110).
Este novo esquema se apresenta agora da seguinte forma:
Opção fundamental Atitude Ato
Agora, toda a compreensão ética dos atos morais será enten-
dida dentro dessa dimensão da opção fundamental e das atitudes.
• Opção fundamental: é determinada pela decisão pessoal
sobre o sentido último de sua vida partindo de um modo
próprio de conduta. A opção fundamental é o eixo norte-
ador e determinante para todas as decisões particulares,
tendo como significado fundante a dimensão antropoló-
gica.
O emprego da categoria de opção fundamental para expor a res-
ponsabilidade moral oferece notáveis vantagens: destaca-se a uni-
dade da vida moral, expressa-se com maior relevância o aspecto
dinâmico e personalizador da moralidade; [...] mediante o conceito
de opção fundamental, pode-se entender melhor a incidência da
graça, da fé, da caridade, na vida moral do cristão (VIDAL, 2002, p.
44).

O viver em caridade passa a ser a "espinha dorsal" que terá nos


comportamentos, nas decisões, as mediações para a experiência
determinante da opção fundamental.
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 101

• Atitude: é a opção fundamental, como postura, como


conduta, que irá transformar-se em atitudes. São elas
que concretizam a decisão global do seguimento radical
do Cristo. É sempre uma ação determinada que reagirá
diante de uma situação específica.
O conceito e a realidade de atitude é muito fecundo para a educa-
ção moral. Esta consiste fundamentalmente em criar no educan-
do sensibilidades que descubram os valores morais e convicções
internas que interiorizem tais valores. A interiorização ou subjeti-
vação dos valores identifica-se com a criação de atitudes. Por isso
estimulamos os educadores cristãos, no sentido de trabalharem
na proposta de conjunto harmonioso e hierarquizado de atitudes
morais cristãs, segundo o espírito evangélico e levando em conta a
autêntica sensibilidade do homem atual (VIDAL, 2002, p. 45).

• Ato: os atos morais são a decorrência concretizada da op-


ção fundamental e das atitudes. O ato moral é aquele que
pressupõe o conhecimento e a decisão livre, tornando,
assim, a pessoa sujeito dos seus atos.
O ato moral é a manifestação (o sinal: enquanto significação e con-
teúdo) da opção fundamental e da atitude. Com base em sua con-
dição de sinal, o ato moral adquire notável diversidade de formas,
segundo sua maior ou menor profundidade. Na vida do homem
existem:
• atos instintivos (‘atos do homem’);
• atos ‘reflexos’ (gestos rotineiros ou dependentes da educação);
estes atos não são totalmente privados da liberdade, já que no
decurso dos anos subseqüentes foram aprovados ou reprova-
dos pela pessoa livre e, desta maneira, elevados na livre realiza-
ção de si mesma;
• atos ‘normais’ incorrem entre o rotineiro e o decisivo;
• atos-ápice (momentos decisivos; com solenidade externa jurídi-
ca ou sem tal solenidade) (VIDAL, 2002, p. 47).

Desse modo, a opção fundamental irá se relacionar com a


atitude e o ato, como o princípio unificante, como o ponto refe-
rencial que dará unidade e orientação para todo o projeto de uma
vida.

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102 © Moral Fundamental

Já a atitude será a categoria vinculante entre a opção funda-


mental e os atos, e esses serão entendidos como a concretização
da opção fundamental e das atitudes que brotam dela.
Portanto, não podemos jamais entender a opção fundamen-
tal como um sonho quimérico, uma opção sem densidade, mas
que "não se reduz a um mero sentimento nem a um simples dese-
jo abstrato daquilo que um queira ser, mas sim que sua mesma di-
nâmica interna provoca um compromisso que se explicita e traduz
em uma forma concreta de atuar" (AA.VV., 1981, p. 198).
Assim, a opção fundamental torna a pessoa protagonista da
sua história, pois será ela, em sua liberdade, que poderá realizar a
escolha fundamental que determinará uma nova economia pesso-
al, ou seja, uma estrutura básica da pessoa humana.

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual é o papel da circunstância e das intenções para que um ato seja consi-
derado moral?

2) A partir dos estudos dessa unidade e suas considerações pessoais como


você define a liberdade e a responsabilidade?

3) Como expressar a responsabilidade moral?

4) Qual a importância da opção fundamental para a pessoa?

5) Comente os elementos constitutivos de um ato moral?

9. CONSIDERAÇÕES
Com o estudo desta unidade, você pôde refletir sobre a li-
berdade humana e sobre a relação existente entre liberdade e res-
ponsabilidade. Além disso, estudamos as diversas formas de ex-
© U4 - Liberdade e Responsabilidade 103

pressar a responsabilidade moral, como, por exemplo: os atos, as


atitudes e a opção fundamental.
Com tais conhecimentos, estamos aptos a estudar, na Uni-
dade 5, o sujeito ético, a consciência e a lei moral. Esperamos que
seja mais uma oportunidade de crescimento e amadurecimento
para todos nós!

10. E- REFERÊNCIA
VATICAN. Declaração - Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa. Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_
decl_19651207_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 25 jul. 2012.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AA.VV. Práxis cristã. Moral Fundamental, São Paulo: Paulinas, 1981. v. 1.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica - edição revisada de
acordo com o texto oficial em latim. São Paulo: Paulus, 2001. (Coleção Catequese)
JOÃO PAULO II. Carta encíclica Veritatis Splendor. São Paulo: Paulinas, 1993.
MIFSUD, Tony. Moral Fundamental. El discernimiento cristiano. Bogotá: Celam, 2002. v. 1.
PIANA, Giannino, Libertad y responsabilidad. In: AA.VV. Nuevo diccionario de teologia
moral. Madrid: Paulinas, 1992.
VIDAL, Marciano. Para conhecer a ética cristã. São Paulo: Paulinas, 1993.

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EAD
Sujeito Ético: Consciência
Moral e Lei

5
1. OBJETIVOS
• Reconhecer a estrutura ética do comportamento.
• Apontar e analisar os principais conceitos bíblicos.
• Interpretar os condicionamentos e as manipulações da
consciência, bem como a sua conceituação, com base no
pensamento do Magistério.
• Definir a consciência prudente e a crítica.
• Reconhecer e interpretar a lei, ou seja, o caminho segun-
do o Cristo.

2. CONTEÚDOS
• Estrutura ética do comportamento.
• Conceituação bíblica.
• Consciência no pensamento do Magistério.
106 © Moral Fundamental

• Consciência: condicionamentos e manipulações.


• Consciência prudente e crítica.
• Lei: caminho segundo o Cristo.

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) Para enriquecer os estudos da unidade, indicaremos al-
gumas obras, para que você possa aprofundar mais so-
bre o tema da consciência moral.
• VIDAL, Marciano. Moral de atitudes. Aparecida: Edi-
tora Santuário, 1983, p. 347-427.
• MIFSUD, Tony. Moral fundamental. El discernimiento
cristiano. Bogotá: Publicaciones Celam, 2002.
• GOFFI, Tullo; PIANA, Giannino. Corso di morale: vita
nuova in Cristo, morale fondamentale e generale.
Brescia: Editrice Queriniana, 1989, p. 466-507.
2) Interessante também que leia, sobre o coração, 1 Sam
24,6; 2 Sam 24,10; 1 Rs2,44; Jer 17,1; Jô 27,6; Deut 4,39;
Jer 31,33; Prov 2,1-5, 29,27;Is 57,17.
3) Também é importante que leia, sobre a sabedoria, Prov
19,11 1,3. 7,4. 14,29. 8,4; 1 Rs 3, 11-28.
4) Para saber mais sobre a atualização do espírito e do co-
ração de cada indivíduo, leia: Ez 11,10; 18,31; 36, 23-26.
5) E finalmente, questões sobre a conduta ética nos textos
evangélicos poderão ser aprofundadas em: Mt 12,34;
18,35; Mc 7, 18-23; Lc 16,15.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior você pôde refletir sobre a liberdade
como condição para a moralidade e para o exercício da responsa-
bilidade.
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 107

Agora, vamos estudar a estrutura ética do comportamento


e os principais conceitos bíblicos. Além disso, esta unidade repre-
sentará uma possibilidade para interpretar os condicionamentos
e as manipulações da consciência, bem como a sua conceituação,
com base no pensamento do Magistério.
Se você fosse indagado sobre o que é uma consciência pru-
dente e uma crítica, o que responderia? E sobre a lei, ou seja, o
caminho segundo o Cristo?
Pois bem, agora vamos procurar respostas para essas ques-
tões e para inúmeras outras que você, possivelmente, já pode ter
imaginado sobre o sujeito ético, a consciência moral e lei.
Bom estudo!

5. ESTRUTURA ÉTICA DO COMPORTAMENTO


A consciência é o lugar onde acontece o processo de discer-
nimento entre a opção fundamental e as decisões concretas.
Observe que o problema da consciência é central na refle-
xão moral cristã, pois ela trata do juízo interior que o sujeito ético
emite antes ou depois de realizada determinada ação. Esta ação é
o resultado de uma opção, entre várias possíveis.
Tudo isso se dá na consciência, onde ecoa uma voz interior
que indica qual decisão a tomar; essa decisão, uma vez tomada,
torna-se norma imperativa da moralidade.
Existe uma voz oculta, apesar de sua origem mais externa e auto-
ritária, que obriga o ser humano em sua liberdade a determinada
conduta e o defronta abertamente com a verdade de sua decisão,
ainda que ele queira fugir e escapar. E o absolve ou condena con-
forme tenha sido seu comportamento (AZPITARTE, 1995, p. 190).

O Concílio Vaticano II, em sua Constituição Pastoral GS (16),


descreve de forma brilhante a gravidade do julgamento que o su-
jeito ético emite:

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108 © Moral Fundamental

No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que


não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que
sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa neste
momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita
aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus;
a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado.
A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no
qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimida-
de do seu ser. Graças à consciência, revela-se de modo admirável
aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo. Pela fide-
lidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais
homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos
problemas morais que surgem na vida individual e social.

A doutrina conciliar supera o ensinamento da Igreja de até


então, de modo "que ninguém seja obrigado a agir contra a sua
consciência nem impedido de agir de acordo com ela, em privado
ou em público, sozinho ou junto com outros dentro dos limites
devidos" (DH2).
Cabe-nos, agora, o percurso da dimensão ética do comporta-
mento humano, detendo-nos em sua vertente subjetiva e objetiva.
Pela dimensão subjetiva, entendemos a responsabilidade pessoal
que define a consciência; pela dimensão objetiva, tratamos do dis-
curso objetivo da lei.
É na consciência que se processa a escolha do ato moral. O
ato moral é aquele que procede da vontade livre. É uma ação pela
qual o indivíduo é dono, sujeito daquele ato, sempre mediante o
uso da razão e da vontade.

6. CONCEITUAÇÃO BÍBLICA
O termo consciência aparece no pensamento greco-romano
como Syneidesis, o qual expressa o fenômeno da consciência mo-
ral. Posteriormente, com os estóicos, encontraremos a presença
do divino, que lhe dará uma dimensão subjetiva.
Vejamos como a consciência moral é conceituada na bíblia.
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 109

A palavra Syneidesis vem da composição de syn+oida, que vai


dar o sentido de saber com o outro, ou seja, ser testemunha da
mesma coisa. Desse primeiro significado, passou-se posterior-
mente a outros, por exemplo: saber consigo mesmo, um conheci-
mento reflexivo. Já com os estóicos, a palavra passou a significar,
partindo do componente ético, uma confrontação crítica diante do
seu próprio comportamento.

Consciência moral no Antigo Testamento


No Antigo Testamento, não aparece especificamente a pa-
lavra consciência como tal; ela terá seu significado expresso por
meio de outras palavras como "coração", "sabedoria" e "espírito"
(VIDAL, 1999, P. 354-355).
O termo "coração" traz como significação o testemunho do
valor moral dos atos humanos. É no coração que encontraremos o
lugar onde se encontra a lei divina, portanto uma lei interiorizada.
Esta lei terá sido gravada pelo próprio Deus. É ela a fonte da vida
moral. O coração é o centro da decisão moral da pessoa; amamos
a Deus pelo coração; mas também é pelo coração que o rejeitare-
mos.
Já a noção de "sabedoria" retrata os diversos significados re-
lacionados com a prudência e a consciência; dessa forma, ela se
refere à escolha dos meios para alcançar um determinado fim. Ter
prudência significa exercer a justiça, a paciência, a fortaleza.
A noção de "espírito", agregada ao "coração", se torna a mo-
rada da vida moral e religiosa. Esta vida firmará sua âncora por
meio de uma contínua atualização do espírito e do coração de
cada indivíduo.

Consciência moral no Novo Testamento


Nos textos dos Evangelhos, o sentido de consciência ainda
permanece refletido sobre ideia de coração, como o lugar onde

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110 © Moral Fundamental

se dá a relação íntima com Deus e representa a fonte geradora da


conduta ética.
Já nos escritos paulinos, encontraremos a palavra consciên-
cia conceituada como um "juízo religioso-moral", ou "mentalidade
religioso-moral" (VIDAL, 1999, p. 365), bem como no sentido de
"testemunho", como possível instância insubornável.
São Paulo demonstra haver uma ligação entre a consciência
e a lei. O pensamento paulino coloca o homem diante da lei. A
consciência, para Paulo, é um testemunho da lei que está presente
no mais íntimo do ser humano. Dessa forma, mais que o diálogo
consigo mesmo, ali se dá o diálogo com Deus, que, com sua voz,
chama à obediência.
Diante disso, podemos afirmar que:
[...] a intuição paulina sobre a consciência é a confluência ou resul-
tado final de três universos culturais e religiosos: o mundo semítico
-bíblico, o mundo cultural helenístico e a compreensão da nova fé
cristã. Por estes motivos, o conceito de consciência em Paulo não é
unívoco (MIRANDA, 1992, p. 323).

Assim, Paulo não teria como deixar de relacionar a consciên-


cia com a fé; a vida moral cristã perfeita é aquela que tem uma fé
sem fraturas, vivenciada dentro de uma consciência boa e perfeita.
A fé é condição sine qua non para uma consciência moral correta.

Consciência no pensamento do Magistério


A partir da formulação sobre a consciência do Concílio Vati-
cano II, o Catecismo da Igreja Católica irá assumir o tema, subdivi-
dindo-o em quatro partes: o ditame da consciência, a formação da
consciência, o decidir em consciência e o juízo errôneo.

O ditame da consciência
Presente no coração da pessoa, a consciência moral impõe-
lhe, no momento oportuno, fazer o bem e evitar o mal. Julga, por-
tanto, as escolhas concretas, aprovando as boas e denunciando as
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 111

más. Atesta a autoridade da verdade referente ao Bem supremo,


de quem a pessoa sente a atração e acolhe os mandamentos.
Assim, quando escuta a consciência moral, o ser humano
pode ouvir o Deus que fala.
A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual o
humano reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai
planejar, que está a ponto de executar ou que já praticou.
Em tudo o que diz e faz, o homem é obrigado a seguir fiel-
mente o que sabe ser justo e correto. É pelo julgamento de sua
consciência que o homem percebe e reconhece as prescrições da
lei divina.
É importante que cada qual esteja bastante aberto a si mes-
mo para ouvir e seguir a voz de sua consciência. Essa exigência
de interioridade é tanto mais necessária quanto a vida nos expõe
constantemente a situações que nos alheiam de qualquer refle-
xão, exame ou concentração sobre nós mesmos.
A dignidade da pessoa humana implica e exige a retidão da
consciência moral. A consciência moral compreende a percepção
dos princípios da moralidade ("sindérese"), sua aplicação a cir-
cunstâncias determinadas mediante um discernimento prático das
razões e dos bens e, finalmente, o juízo feito sobre atos concretos
a praticar ou já praticados.
A verdade sobre o bem moral, declarada na lei da razão, é
reconhecida prática e concretamente pelo juízo prudente da cons-
ciência. Chamamos de prudente o homem que faz as suas opções
de acordo com este juízo.
A consciência permite que nós assumamos a responsabilida-
de dos atos praticados.
Se o homem comete o mal, o julgamento justo da consciên-
cia pode continuar nele como testemunho da verdade universal do
bem e, ao mesmo tempo, da malícia de sua escolha singular.

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112 © Moral Fundamental

O veredicto do juízo da consciência continua sendo um pe-


nhor de esperança e misericórdia. Atestando a falta cometida,
lembra a necessidade de pedir perdão, de praticar novamente o
bem e de cultivar sem cessar a virtude com a graça de Deus.
O homem tem o direito de agir com consciência e liberdade
a fim de tomar pessoalmente as decisões morais. "O homem não
pode ser forçado a agir contra a própria consciência. Mas também
não há de ser impedido de proceder segundo a consciência, sobre-
tudo em matéria religiosa" (DH 3).

Formação da consciência
A consciência deve ser educada e o juízo moral esclarecido.
Uma consciência bem formada é reta e verídica. Formula seus jul-
gamentos seguindo a razão, de acordo com o bem verdadeiro que-
rido pela sabedoria do Criador.
A educação da consciência é indispensável aos seres huma-
nos submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a
preferirem o próprio juízo e a recusar os ensinamentos autoriza-
dos.
A educação da consciência é uma tarefa de toda a vida. Desde os
primeiros anos alerta a criança para o conhecimento e a prática da
lei interior reconhecida pela consciência moral. Uma educação pru-
dente ensina a virtude, preserva ou cura do medo, do egoísmo e do
orgulho, dos sentimentos de culpabilidade e dos movimentos de
complacência, nascidos da fraqueza e das faltas humanas. A edu-
cação da consciência garante a liberdade e gera a paz do coração
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001, p. 1784).

Na formação da consciência, a Palavra de Deus é a luz de


nosso caminho; é preciso que a assimilemos na fé e na oração e a
coloquemos em prática.
É preciso ainda que examinemos nossa consciência confron-
tando-nos com a Cruz do Senhor. Somos assistidos pelos dons do
Espírito Santo, ajudados pelo testemunho e conselhos dos outros
e guiados pelo ensinamento autorizado da Igreja (DH 14).
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 113

Escolhas da consciência
Colocada diante de uma escolha moral, a consciência pode
emitir um julgamento correto de acordo com a razão e a lei divina
ou, ao contrário, um julgamento errôneo que se afasta delas.
Às vezes, o homem depara-se com situações que tornam o
juízo moral menos seguro e a decisão difícil. Mas deverá sempre
procurar o que é justo e bom e discernir a vontade de Deus expres-
sa na lei divina.
Para tanto, importa que o homem se esforce por interpretar
os dados da experiência e os sinais dos tempos graças à virtude da
prudência, aos conselhos de pessoas avisadas e à ajuda do Espírito
Santo e de seus dons.
Algumas regras se aplicam a todos os casos:
• Nunca é permitido praticar um mal para que dele resulte
um bem.
• "Regra de Ouro": "tudo aquilo que quereis que os ho-
mens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mt 7, 12).
• A caridade respeita sempre o próximo e sua consciência:
"Pecando contra vossos irmãos e ferindo a sua consciên-
cia, pecais contra Cristo" (1Cor 8,12). "É bom se abster...
de tudo o que seja causa de tropeço, de queda ou enfra-
quecimento para teu irmão" (Rm 14, 21).

Juízo errôneo
O ser humano deve obedecer ao juízo certo da sua consciên-
cia e, se agisse deliberadamente contra este último, estaria conde-
nando a si mesmo. Mas pode acontecer que a consciência moral
padeça de ignorância e faça juízos errôneos sobre os atos a prati-
car ou já praticados.
Muitas vezes esta ignorância pode ser imputada à respon-
sabilidade pessoal. É o que acontece "quando o homem não se
preocupa suficientemente com a procura da verdade e do bem, e a

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114 © Moral Fundamental

consciência pouco a pouco, pelo hábito do pecado, se torna quase


obcecada" (GS 16). Nesse caso, a pessoa é culpável pelo mal que
comete.
A ignorância a respeito de Cristo e de seu Evangelho, os
maus exemplos de outros, o servilismo às paixões, a pretensão de
uma autonomia mal entendida da consciência, a recusa da auto-
ridade da Igreja e de seus ensinamentos, a falta de conversão ou
de caridade podem estar na origem dos desvios do julgamento na
conduta moral.
Se, ao contrário, a ignorância for invencível ou o julgamento
errôneo não for da responsabilidade do sujeito moral, o mal co-
metido pela pessoa não lhe poderá ser imputado. Mas nem por
isso deixa de ser um mal, uma privação, uma desordem. É preciso
trabalhar, pois, para corrigir a consciência moral de seus erros.
A consciência boa e pura é esclarecida pela fé verdadeira.
Pois a caridade procede ao mesmo tempo "de um coração puro,
de uma boa consciência e de uma fé sem hipocrisia" (Tm 1,5).

7. CONSCIÊNCIA: CONDICIONAMENTOS E MANIPU-


LAÇÕES
O sujeito historicamente situado está sempre submetido a
um conjunto de condicionamentos e de constantes tentativas de
manipulação de sua consciência. Não podemos afirmar que esses
fatores são escolhas do sujeito, mas por outro lado constatamos
que, por tantas vezes, elas influenciam tremendamente a vida de
cada um.
Apontamos aqui alguns desses condicionamentos (AGOSTI-
NI, 2007, p. 107-109):
a) Fatores genéticos: a genética nos torna únicos; por ela somos
diferenciados de todos os outros. A carga genética que traze-
mos como herança irá determinar nossas tendências inatas e a
nossa própria estrutura física.
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 115

b) Fatores biológicos: aqui nos deparamos com o nosso biotipo.


Ele estará submetido a toda uma gama de agentes químicos
e mesmo naturais que provocam alterações seja na estrutura
neurofisiológica do corpo, seja também na estrutura psíquica.
c) Fatores familiares e educacionais: a estrutura familiar na qual o
sujeito nasce e se desenvolve influenciará fortemente a própria
concepção que ele terá de si mesmo. Somam-se a família, os
grupos aos quais ele pertencerá durante o período de sua for-
mação.
d) Fatores ambientais: o "lugar" onde vivemos tem uma incidên-
cia muito grande sobre o nosso modo de ser, nossos comporta-
mentos. O clima, a geografia, a alimentação forjarão um modo
de agir e de pensar.
e) Fatores sociopolíticos e econômicos: a estrutura social na qual
o indivíduo se encontra é decisiva na sua edificação humana.
Os sistemas que organizam a sociedade permitirão ou não a sua
realização enquanto sujeito ético.

Quanto às tentativas de manipulações sofridas pelo sujeito,


podemos afirmar que estas merecem uma atenção toda especial,
pois nelas se localizam, de forma premeditada, um direcionamen-
to usando algo ou alguém para alcançar um objetivo específico.
Podemos observar esse fato em diversas ações (AGOSTINI, 2007,
p. 109-110):
a) Ação sobre a natureza: a capacidade de ação sobre a nature-
za é tão grande em nossos dias que o ser humano acaba in-
terferindo no seu próprio equilíbrio. O meio ambiente já sofre
alterações visíveis, fruto da ação depredadora do ser humano.
Estas alterações recaem/influem sobre o próprio ser humano,
por meio da poluição e da queda geral da qualidade de vida.

Podemos acrescentar à ação do homem sobre a natureza à situa-


ção que o planeta se encontra, resultado da avidez pelo lucro e
pelo prazer (mentalidade hedonista).

b) Ação do ser humano sobre o seu semelhante: a manipulação


opera com instrumentos ideológicos muito criativos; suas téc-
nicas são sempre mais aprimoradas; os interesses são preesta-
belecidos, seja em favor próprio, seja em favor de outrem.

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116 © Moral Fundamental

c) Redução do ser humano: o processo manipulador tende a re-


duzir o ser humano a uma de suas dimensões até dispor dele
como um 'objeto', a serviço de interesses e ambições em pro-
veito do 'dominador'. Esse processo atinge a consciência, inter-
fere nos julgamentos da razão e nos próprios juízos morais.
d) Ocultação da verdade: as técnicas usadas são as mais diversas.
Elas vão desde a ocultação de parte da verdade até a ação des-
personalizada e degradante. Isso pode se realizar com técnicas
de contato direto (pessoa-pessoa, nos pequenos grupos etc.)
ou no contato com as massas (por meio dos meios de comu-
nicação, por exemplo). A manipulação constitui-se num dos
maiores problemas de nossa era.
e) Ausência de liberdade: a manipulação costuma estar ligada a
graus diferenciados de ausência de liberdade. Este é, inclusive,
um indicador do seu grau de profundidade. Seu alcance aumen-
ta quando se alia à tendência de encarar o ser humano sob uma
única dimensão apenas.
f) Cegueira ideológica: na raiz de toda manipulação, encontram-
se diferentes graus de cegueira ideológica. Com isso queremos
dizer que o problema não está na ideologia em si; esta pode
desempenhar funções positivas enquanto suscita a consciência
de pertença a um grupo, a uma classe e a uma nação, exerce
a função de integração e unificação e cria condições de uma
ação em comum dentro de um determinado grupo ou socieda-
de. Queremos aqui apontar para o estágio em que a ideologia
simplifica o real para ordená-lo e controlá-lo a partir de um ân-
gulo só; torna-se inflexível e impermeável, tendendo a impor
sua versão de maneira absoluta, fazendo uso da manipulação
de toda sorte e aparelhando/controlando os mais diferentes
campos da sociedade (educação, meios de comunicação, eco-
nomia, política etc.).

A manipulação pode chegar a bloquear a consciência. No en-


tanto, apesar desses bloqueios, a consciência tem a capacidade de
rompê-los por intermédio do rever e reinterpretar, do despojar-se
de preconceitos e abrir-se à graça divina.

8. UMA CONSCIÊNCIA PRUDENTE E CRÍTICA


Diante do que vimos, podemos afirmar que a formação da
consciência é um caminho constante.
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 117

Formar a consciência é uma tarefa indispensável se quisermos


levar essa consciência a uma condição de maturidade. Em tal con-
dição, a consciência poderá realizar o processo de discernimento
e também de crítica diante de si mesma e da realidade na qual o
sujeito se situa.

Cultivar uma sólida consciência moral para que nas complexas cir-
cunstâncias da vida moderna nossos fiéis saibam interpretar cor-
retamente a voz de Deus em matéria moral e desenvolvam um
evangélico sentido de pecado (DOCUMENTO DE SÃO DOMINGO,
n. 156 e 237).

O amadurecimento da consciência segue uma tendência


normal, na qual poderá alcançar a capacidade de discernimento,
de emissão de juízos prudentes e críticos, elementos esses que são
fundamentais para o exercício da responsabilidade.
Sabemos, contudo, que existem bloqueios que podem se
apresentar ao longo desse processo de crescimento. Encontramos
esses bloqueios na consciência mágica e/ou fatalista e na cons-
ciência fanatizada e/ou manipulada. São formas que aprisionam,
condicionam a consciência impedindo-a de emitir juízos prudentes
e críticos, levando a pessoa humana a um processo de desumani-
zação.
Para que isso não ocorra, encontramos na Retidão, na Vera-
cidade e na Certeza, as condições necessárias, indispensáveis para
a formação da própria consciência.
• Retidão: a consciência reta é fruto e conseqüência de uma
pessoa autêntica que implica uma forma coerente de atuar,
uma busca sincera da verdade, uma abertura ao Outro e
aos outros, um interesse sincero pelo diálogo fraterno.
• Veracidade: a consciência verdadeira atua de acordo com
a verdade moral objetiva, existindo uma adequação entre
a verdade pessoal (retidão) e a verdade objetiva (veraci-
dade), já que a consciência não é fonte constitutiva, mas,
sim, manifestante e operante da moralidade.

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118 © Moral Fundamental

• Certeza: a consciência moral deve atuar com certeza, uma


certeza moral prática, eliminando ao máximo a dúvida de
equívocos em sua decisão e atuação (MIFSUD, 2002, p.
297).
Essas são as condições para a formação de uma consciência
madura que leva a pessoa humana a assumir suas responsabili-
dades, construindo, assim, sua própria vida e colaborando com a
construção da história.

9. LEI, CAMINHO SEGUNDO O CRISTO


A vida moral cristã precisa de uma estrada pela qual o sujeito
caminhe em direção à meta final. A lei é um meio pedagógico fun-
damental para percorrer esta estrada dentro da perspectiva que a
liberdade responsável coloca.
O sujeito ético organiza sua vida partindo de um conjunto de
leis, normas, costumes, tradições que determinará e se tornará im-
prescindível para a sua experiência na relação com todos os outros.
O caminho ético está muito presente na vida cotidiana. É uma das
constantes mais freqüentes da existência. Suas manifestações são
múltiplas:
- satisfação de quem cumpre com seu dever e vive em paz;
- remorsos e conflitos de consciência que acompanham as trans-
gressões das normas aceitas;
- horário de trabalho a cumprir com pontualidade na profissão;
- opressão que padecem as pessoas ou as classes sociais pela vigên-
cia de leis injustas ou por estruturas desumanas;
- obediência, nas pessoas e comunidades, a suas respectivas auto-
ridades ou tradições, que cumprem por convicção;
- autoritarismo legalista daqueles que abusam do poder (governan-
tes, educadores, padres ou sacerdotes): por salvar a lei (ou a tradi-
ção) e sua autoridade, sacrificam as pessoas;
- rebeldia injustificada contra a lei ou a autoridade daqueles que
por salvar sua liberdade ou bem pessoal sacrificam o bem comum
e os princípios básicos da ordem, autoridade e disciplina;
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 119

- radicalização diante da lei e dos costumes: os tradicionalistas que


se opõem a qualquer mudança, e os revolucionários que preten-
dem um caminho acelerado e injustificado;
- agressividade e luta de quem quer impor 'sua lei' a outra pessoa
ou grupo ou com quem rivaliza pelo poder e pela influência social;
-sanções que recebe o que não se ajusta aos padrões sociais, o la-
drão, o dissidente político, ou o excomungado pela lei eclesiástica;
- queixas, murmurações e protestos contra a autoridade, ou contra
determinadas leis, ou contra costumes que não se aceitam.
Por um conceito ou por outro, o dinamismo livre da pessoa discorre
por um caminho que pode aceitar ou rejeitar e que depende de ou-
tras vontades. Para que serve este caminho ético? (GARCIA, 1984,
p. 172-173).

Dentro desse percurso ético, a lei moral natural é a norma da


moralidade. É nela que se fundamentará toda a lei positiva.
Encontramos nela os imperativos mais elementares: 'faça o bem e
evite o mal', 'o que não queres que façam, não faça'; 'a cada um o
seu'; 'não realize contra a tua consciência'; 'cumpre o prometido';
'pratica os valores aceitos' (GARCIA, 1984, p. 177).

Toda lei é uma norma que determina um modo de compor-


tar-se diante do outro e da comunidade na qual as pessoas estão
inseridas. Ela é aplicada pela autoridade competente que deve fa-
zer com que a meta seja o bem de todos, o bem comum.
Note que, por meio da razão, a pessoa humana em sua liber-
dade pode realizar um processo de entendimento e discernimento
e, com isso, determinar sua conduta em comunhão com o Deus
Criador.
Encontramos diversas denominações para a lei moral, todas
elas interligadas: lei eterna que tem sua fonte em Deus e da qual
derivam todas as outras leis; a lei natural; a lei revelada e as leis
civis e eclesiásticas.

Lei moral natural


A lei natural é parte integrante da religiosidade. Podemos
dizer que é uma participação do desígnio global de Deus. Ele é

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120 © Moral Fundamental

o autor de toda ordem moral e por meio da lei natural a pessoa


humana participa da lei eterna por meio dos seus atos escolhendo
entre o bem e o mal, entre a verdade e a mentira.
A lei natural se acha escrita e gravada na alma de todos e de cada
um dos homens, porque ela é a razão humana ordenando fazer o
bem e proibindo pecar. [...] Mas esta prescrição da razão não pode-
ria ter força de lei se não fosse a voz e o intérprete de uma razão
mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade devem submeter-
se (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001, p. 1954).

A lei natural irá assinalar a diferença entre leis impostas,


aquelas que vêm do exterior, e de leis que o homem encontra em
si mesmo. É uma lei inata, ou seja, é própria da pessoa humana,
que tem como origem o seu próprio interior. Por meio dela, nos
defrontaremos com a dignidade da pessoa e com seus direitos e
deveres inalienáveis.
Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. Conforme a
natureza, difundida em todos os homens, ela é imutável e eterna;
suas ordens chamam ao dever; suas proibições afastam do pecado.
[...]. É um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária; é proibido
não aplicar uma de suas disposições; quanto a ab-rogá-la inteira-
mente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo (CATECISMO DA
IGREJA CATÓLICA, 2001, p. 1954).

O conteúdo desta lei é imutável, ou seja, não muda mesmo


que as circunstâncias para sua aplicabilidade sejam diferentes.

O conteúdo da verdadeira lei é imutável porque os valores que


estão no âmago da pessoa, como a solidariedade com os que pre-
cisam de ajuda, o respeito pelo outro, a convivência na paz etc.,
sempre permanecerão intocáveis ainda que o momento histórico
ou a cultura possam sofrer transformações.

Sem dúvida, diante disso, aparecem diversas interrogações,


como, por exemplo:
O que responder ao positivismo, para quem o fundamento da or-
dem moral está enraizado na vontade? Que esta vontade não faz
outra coisa senão manifestar para a ordem moral a existência de
um núcleo permanente que ela não pode mudar. Como responder
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 121

ao relativismo situacionista, para quem o valor ético muda segundo


as épocas e culturas, a situação justifica que o bom para um seja
mau ou indiferente para outro?
- É difícil delimitar o campo imutável da lei natural para as conclu-
sões, mas não para os imperativos mais elementares, que não ad-
mitem o relativismo;
- não se pode programar uma ética 'completa' para todas as pes-
soas: historicamente custou reconhecer direitos fundamentais do
homem (a liberdade, a igualdade), porém sempre permaneceu o
critério da fidelidade à consciência segundo as possibilidades de
cultura e relações sociais;
- a mudança ética na prática significou uma maior clareza para
aprofundar valores, mas não para prescindir dos valores nucleares;
- o relativismo ético na conduta não indica ausência de valores
permanentes, mas, sim, resposta diferente para a diversidade de
circunstâncias; a suspensão da aplicação de algum princípio (tole-
rância da prostituição, divórcio, morte em defesa própria) não in-
dica a não existência de tal princípio; a lei natural é indispensável
ainda que às vezes não se possa aplicar em todas as circunstâncias
(GARCIA, 1984, p. 178-179).

Portanto, a lei natural é imutável e permanente, atravessa


toda a história humana e todas as ideias e costumes. É impossível
apagá-la, destruí-la ou arrancá-la do coração humano. É, ainda, so-
bre essa lei que se fundamentarão as normas morais que irão orien-
tar as escolhas da pessoa e com ela a construção da sociedade.

Lei antiga
Encontramos, na experiência do povo de Israel, por meio dos
textos do Antigo Testamento, uma forma muito particular de viver
esse caminho ético por suas leis.
A Torah é um conjunto de leis que estará resumido na Alian-
ça, pois Deus não é alguém distante, mas o Senhor Deus, que le-
gisla por amor a Israel. O coração da relação deste povo com seu
Deus, podemos observar, está nesse conjunto de leis, obrigações
e direitos. Toda a vida de Israel gira em volta da lei: os sacerdotes
são os depositários; os profetas denunciam seu não cumprimento;

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122 © Moral Fundamental

a comunidade coloca a lei no centro de sua vida (GARCIA, 1984, p.


186-187).
No Decálogo (Ex 20, 2-17), encontraremos a expressão da
vontade de Deus para com Israel; as exigências éticas máximas em
relação a Deus e ao próximo e as exigências que complementam a
primeira (Dt 6,5).
Segundo tradição cristã, a lei santa, espiritual e boa ainda é imper-
feita. Como um pedagogo, ela mostra o que se deve fazer, mas não
dá por si mesma a força, a graça do Espírito para cumpri-la. Por
causa do pecado que não pode tirar, é ainda uma lei de servidão.
Conforme S. Paulo, ela tem principalmente como função denunciar
e manifestar o pecado que forma uma 'lei de concupiscência' no
coração do homem. No entanto, a lei permanece como a primeira
etapa no caminho do Reino. Prepara e dispõe o povo eleito e cada
cristão à conversão e à fé no Deus salvador. Oferece um ensina-
mento que subsiste para todo o sempre, como a Palavra de Deus
(CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001, p. 1962).

Nova lei ou lei evangélica


Com o evento Jesus, passamos da lei da Aliança para a lei da
Graça. Do profeta Jeremias que diz: "Porei minha lei no fundo do
seu ser e a escreverei no seu coração" (Jer 3,33) ao seu pleno cum-
primento em Jesus Cristo. "Não penseis que vim revogar a lei ou
os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento"
(MT 5, 17).
A Nova Lei ou Lei evangélica é a perfeição, na terra, da lei divina, na-
tural e revelada. Ela é a obra do Cristo e se exprime particularmente
no Sermão da Montanha. E também obra do Espírito Santo e, por
ele, vem a ser a lei interior da caridade: 'Concluirei com a casa de
Israel uma nova aliança. (...) Colocarei minhas leis em sua mente e
as inscreverei em seu coração; e eu serei o seu Deus, e eles serão
o meu povo' (Hb 8,8-10) (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001,
p. 1965).

O cristão encontra no seguimento de Jesus a resposta certa


para as decisões éticas a tomar diante da lei.
O Sermão da Montanha (Mt 5,7) apresenta o verdadeiro pro-
jeto de vida. É exigida uma conduta concreta, de responsabilidade
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 123

que fundamentará a vida moral do cristão; Desse modo, dá-se um


passo qualitativo do simples cumprimento de preceitos para um
total envolvimento da própria vida.
A teologia paulina irá colocar o Espírito como o protagonista,
como o educador da conduta do cristão, como Espírito de sabedo-
ria que irá guiar para o cumprimento da vontade de Deus; e dirá
que do Espírito provêm as atitudes da caridade que resume e dá
cumprimento a toda a Lei (MIFSUD, 1993, p. 318-319).

Expressão moral da lei


Podemos encontrar as formas em que a lei se expressa por
meio dos termos valor, princípio e norma.
Você pode pensar que o valor é o elemento que constitui o
ponto de chegada, em que a pessoa ou a sociedade podem en-
contrar sua autêntica realização; os princípios oferecem luz para
vermos a estrada, e as normas são os sinalizadores do caminho a
percorrer.

Valor
O que é valor?
Por valor entendemos o que se refere ou designa o bem.
Todos os valores estão em relação à pessoa humana enquanto
constituem um bem para ela. Sem dúvida, o valor ético tem uma
força totalizante da existência enquanto interpela a liberdade do
sujeito como responsável por seu projeto de vida. Assim, a titulo
de exemplo, uma pessoa inteligente (sendo a inteligência um va-
lor) não é necessariamente uma pessoa honrada (o valor moral que
abarca todas as dimensões da vida relacionadas com a honradez).
Somente o valor moral outorga adjetivo de bondade ou maldade à
pessoa (MIFSUD, 1993, p. 351).

O teólogo Eduardo Azpitarte (1995, p. 128-129) define do


seguinte modo o valor ético:
[...] aquela qualidade inerente à conduta que torna autenticamente
humana, conforme a dignidade da pessoa e de acordo, portanto,
com o sentido mais profundo de sua existência. Precisamente por

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124 © Moral Fundamental

este caráter integral e totalizador, o valor ético se acha sempre e em


todas as partes presente, como uma urgência que nunca abandona,
como uma chamada constante que convida a seguir sua voz, como
uma testemunha que recorda os ouvidos e estimula a decisão. [...]
Diante das chamadas de outros bens apetecíveis e gostosos, mas
que colocam em perigo a dignificação da pessoa, o valor ético é
uma defesa e um grito de alerta contra esses possíveis enganos, e
um ponto de referência básico para não nos desviarmos de nossa
orientação fundamental.

Podemos dizer que na Teologia Moral o valor supremo está


na concretização da categoria de Reino de Deus que irá se expres-
sar no respeito à dignidade de cada pessoa humana por meio de
uma radical opção pela vida na caridade.

Princípio
Os princípios têm a tarefa de orientar a pessoa humana
quando esta se encontra em situações de conflito, pois eles irão
considerar as consequências de uma ação identificando quando
poderá haver o choque entre dois valores.
Sabemos que, por meio do juízo moral, encontraremos ou
não a presença do valor ético em comportamentos ou situações.
Deste modo, podemos dizer que:
[...] os princípios morais têm a dupla função de arquivar a experiên-
cia ética e orientar o comportamento humano responsável. O uso
correto dos princípios morais se situa entre os dois extremos do
formalismo vazio e o rigorismo fechado. Os princípios morais têm
que ser entendidos como direções de valor, mediante as quais a
experiência ética arquivada ajuda, e não anula a decisão original e
irrepetível do indivíduo na situação concreta (VIDAL, 1991, p. 483).

Portanto, se o valor é um bem ético, o princípio é uma expli-


citação direcional deste valor que possibilita sua consecução.

Norma
Por norma podemos compreender uma formulação que obe-
deça a uma lógica e que tenha caráter de obrigatoriedade diante
do valor moral. Desse modo, a norma não tem valor em si mesma,
© U5 - Sujeito Ético: Consciência Moral e Lei 125

mas somente quando ela expressa o valor moral. Portanto, ela


expressa a exigência interna do valor moral.
Ela deverá ser compreendida como um elo entre o valor e o com-
portamento do sujeito. Por isso, ela se torna pedagógica já que,
através do seu não cumprimento, revela a fragilidade humana
e conseqüentemente a situação de pecado. Ela terá uma função
de indicar a forma correta da ação, por isso necessária, mas não
poderá jamais se tornar absoluta em si mesma. Ela não poderá se
converter em ídolo [...]. Sua função é de mediação: não se pode
converter em absoluto (VIDAL, 1991, p. 418).

Por ter um caráter pedagógico, ela, portanto, deverá ter uma


formulação positiva, motivadora, orientadora, jamais demonstran-
do uma forma opressora, negativa.
Tendo diante essa noção de norma moral, ninguém poderá negar
sua necessidade na vida moral. A pessoa é um ser necessitado de
mediações; na vida moral, não alcança de imediato os valores; pre-
cisa de mediações, que neste caso são as normas morais (VIDAL,
1991, p. 418).

10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) A consciência sempre nos permite assumir a responsabilidade dos atos pra-
ticados. Por quê?

2) Maquiavel afirma que "os fins justificam os meios". É possível superar esse
pensamento no cotidiano de nossa sociedade? Como?

3) Qual a novidade da lei evangélica apresentada por Jesus?

4) Como relacionar valor, princípio e norma?

5) Como conceituar um sujeito ético?

11. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade refletimos sobre a estrutura ética do compor-
tamento, os principais conceitos bíblicos, os condicionamentos e

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126 © Moral Fundamental

as manipulações da consciência, bem como a sua conceituação


com base no pensamento do Magistério. Foi-nos possível, ainda,
analisar a consciência prudente e a crítica e a lei, isto é, o caminho
segundo o Cristo.
Na próxima unidade, você poderá continuar estudando a
moral. Contudo, o enfoque será sobre a consciência moral como o
lugar onde se realiza o discernimento. Bom estudo!

12. E-REFERÊNCIAS
VATICAN. Declaração - Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa. Disponível em:
<http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_
decl_19651207_dignitatis-humanae_po.html>. Acesso em: 20 ago. 2012.
______. O Santo Padre – Encíclicas. Disponível em: <http://www.vatican.va/edocs/
POR0070/_INDEX.HTM>. Acesso em: 25 jul. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGOSTINI, Nilo. Teologia moral: o que você precisa viver e saber. 10. ed. Petrópolis:
Vozes, 2007.
AZPITARTE , Eduardo López. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulinas, 1995.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica - edição revisada de
acordo com o texto oficial em latim. São Paulo: Paulus, 2001. (Coleção Catequese)
DOCUMENTO DE SÃO DOMINGO, n. 156 e 237.
GARCIA, Urbano Sanchesz. La opcion del cristiano. Síntesis actualizada de teologia moral
(I). La madurez en Cristo. Teologia moral fundamental. Madrid: Ed. Atenas, 1984.
MIFSUD, Tony. Moral fundamental. El discernimiento cristiano. Bogotá: Celam, 2002. v. 1.
VIDAL, Marciano. Conceptos fundamentales de ética teológica. Trotta: Madrid, 1992.
______. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999.
______. Para conhecer a ética cristã. São Paulo: Paulinas, 1993.
EAD
Discernimento Moral

6
1. OBJETIVOS
• Definir os termos discernimento e fé.
• Reconhecer a ação do Espírito Santo.
• Apontar e interpretar o discernimento e sua relação com
o Evangelho da Vida.
• Identificar os passos necessários para um discernimento
moral.

2. CONTEÚDOS
• Discernimento e fé.
• Ação do Espírito Santo.
• Discernimento e Evangelho da Vida.
• Passos para um discernimento moral.
128 © Moral Fundamental

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações
a seguir:
1) É importante saber que, São Paulo traduz a fé em Jesus
Cristo em várias recomendações morais, presentes nas
listas de vícios, confira: 1Cor 5,11; 6,9-10; 2Cor 12,20-
21; Gl 5,19-21; Rm 1,29-31; Cl 3, 5-8; Ef 4,31; 5,3-5. No
caso da lista de virtudes, leia: 2Cor 6,6; Gl 5,22-23; Ef
4,2-3. Finalmente, para a lista de deveres domésticos: Cl
3,18–4,1; Ef 5,21–6,9.
2) Discernimento moral é um assunto amplo. Assim, é im-
portante que você continue refletindo e pesquisando
sobre ele. Seguem algumas referências que certamente
contribuirão para seus estudos.
3) Ler a encíclica Evangelium vitae do Papa João Paulo II
e retomar os conteúdos da encíclica Veritatis Splendor.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
A consciência moral é o lugar onde se realiza o discernimen-
to. Na linha de um julgamento prático, por exemplo, a consciência
moral age sobre o comportamento moral, dando-lhe as condições
de efetuar escolhas na linha do que é preciso fazer.
"A consciência reta e verídica, ou seja, que busca o bem e a
verdade, passa a emitir juízos que são igualmente retos e verídi-
cos, desdobrando-se em juízos críticos e prudentes. Esta é como
que sua missão própria" (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n.
1777-1782).
Assim, a consciência passa a ocupar um "[...] lugar herme-
nêutico privilegiado em que se revela o projeto de Deus com o
homem, sacrário mais íntimo do indivíduo, seu centro mais oculto,
do qual brotam todas as decisões morais" (DEMER, 1999, p. 30).
© U6 - Discernimento Moral 129

A própria Igreja, ciente deste lugar tão importante da cons-


ciência, "põe-se sempre e só a serviço da consciência" (VS 64). "A
mediação eclesial é essencial para a acolhida do Espírito no discer-
nimento de suas inspirações autênticas" (MELINA, 19995, p. 127).
Diante dessas afirmações, você pode se perguntar: O que é
discernimento? A fé influencia o discernimento? Como o Espírito
Santo age em nosso discernimento moral? Os ensinamentos do
evangelho apontam quais parâmetros para o nosso discernimen-
to? Quais são os passos necessários para um discernimento mo-
ral?
Como você pôde perceber, são inúmeros os questionamen-
tos que nos rodeiam sobre o discernimento moral. Assim, convi-
damos você a refletir sobre este tema, tendo como referencial o
estudo desta unidade.
Bom estudo!

5. DISCERNIMENTO E FÉ
Discernir (dokimazein) é "a chave de toda a moral neotes-
tamentária" (CULMANN, 1999, p. 98); "é uma das palavras-chave
da moral de São Paulo" (AUBERT, 1987, p. 179); nela fala-se em
"renovação das mentes".
Vejamos alguns textos:
Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, reno-
vando vossas mentes, a fim de poderdes discernir qual é a vontade
de Deus, o que é bom, agradável e perfeito (Rm 12,2).
É isto que eu peço: que vosso amor cresça cada vez mais, em co-
nhecimento e em sensibilidade, a fim de poderdes discernir o que
mais convém, para que sejais puros e irreprováveis no dia de Cristo,
na plena maturidade do fruto da justiça que nos vem por Jesus Cris-
to para a glória e o louvor de Deus (Fl 1,9-11).
Examinai-vos bem, para verdes se estais na fé. Submetei-vos à
prova. Acaso não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? (2Cor
13,5).

Claretiano - Centro Universitário


130 © Moral Fundamental

Partindo do terceiro texto, podemos dizer que a fé tem um


lugar essencial no discernimento, na escolha moral; ela tem um
papel na capacidade de discriminar.

O termo discriminar, neste contexto, refere-se à capacidade de


distinguir, discernir ou diferençar.

Ela permite ao cristão ser testemunha de Jesus Cristo e de sua


mensagem em meio às decisões a tomar no campo moral que ele
partilha com os não-cristãos. Ela é uma nova maneira de levar uma
vida humana, de ser humano chamado a se realizar em todas as
suas virtualidades, como imagem e filho de Deus (AUBERT, 1987,
p. 179-180).

Esta fé, que se traduz em decisão moral, nos liga, antes de


tudo, ao elemento fundador, Jesus Cristo, cujo seguimento "é o
fundamento essencial e original da moral cristã" (VS 19). Trata-se
de "aderir à pessoa de Cristo, de compartilhar a sua vida e o seu
destino, de participar da sua obediência livre e amorosa à vontade
do Pai" (VS 19).
Em Jesus, nos é anunciado:
[...] o Evangelho da vida, clara luz que ilumina as consciências, es-
plendor de verdade que cura o olhar ofuscado, fonte inexaurível de
constância e coragem para enfrentar os desafios sempre novos que
encontramos no nosso caminho (EV 6).

A fé constitui-se no elemento decisivo a ser sempre de novo


redescoberto.
Daí o apelo de João Paulo II:
Urge, então, que os cristãos redescubram a novidade da sua fé e a
sua força de discernimento face à cultura dominante e insinuativa:
'Se outrora éreis trevas – admoesta o apóstolo Paulo –, agora sois
luz no Senhor. Comportai-vos como filhos da luz, porque o fruto da
luz consiste na bondade, na justiça e na verdade. Procurai o que é
agradável ao Senhor, e não participeis das obras infrutuosas das
trevas; pelo contrário, condenai-as abertamente [...]. Cuidai, pois,
irmãos, em andar com prudência [...] (Ef 5,8-11.1516; 1Ts 5,4-8) (EV
6).
© U6 - Discernimento Moral 131

Esta fé supõe igualmente uma "metamorfose" do sujei-


to moral, discernindo à medida que "se transforma renovando a
mente" (Rm 12,2), como vimos. Trata-se da graça batismal agindo
no cristão. Supera o ser humano corrompido em Adão; configura-
se o novo ser à imagem do homem novo, Cristo, Ele que vive na
vontade de Deus.
Só é possível discernir qual seja a vontade de Deus em Jesus Cristo.
Só em virtude de Jesus Cristo, só no âmbito determinado por Jesus
Cristo, só em Jesus Cristo é que se pode discernir qual seja a vonta-
de de Deus (BONHÖFFER, 1968, p. 24).
Na passagem de Fl 1,9-11, uma das mais belas orações paulinas,
Paulo concretiza a metamorfose do sujeito moral. O discernimento
do cristão brota do 'amor' (ágape), ao acrescentar-se a esse a 'pe-
netração cognitiva' (epignosis) e a sensibilidade (aiszesis) (VIDAL,
1992, p. 100).
1Ts 5,19-21 atribui esse sábio discernimento de valores ao Espírito
Santo. Fl 1,9-10 considera-o como manifestação de um sentido do
tato afinado por um intenso amor de caridade (SPICQ, 1970, p. 48).

No que concerne à citação de Rm 12,2, estamos diante do


dinamismo divino que nos chama à conversão permanente, verda-
deira metanóia, que se traduz em transformação de todo o nosso
ser, com repercussão direta sobre todo o nosso agir. Esta é a dinâ-
mica dos filhos de Deus, enquanto animados pelo Espírito de Deus
(Rm 8,14).
A graça de Deus que age nos torna susceptíveis à divinização,
fazendo-nos lembrar 2Pd 1,4, que diz: "Preciosas e ricas promes-
sas vos foram dadas para que vos torneis participantes da natureza
divina".
A tarefa do cristão é buscar a "vontade de Deus" (Rm 12,2).
Não se trata de algo etéreo, no ar, nem algo transitório. Para São
Paulo, isto se traduz em expressões morais precisas; é busca do
que é "bom, agradável e perfeito" (Rm 12,2), por meio do discerni-
mento "do que convém" (Fl 1,10).
É busca da vontade de Deus de maneira autêntica, numa
transformação efetiva do sujeito, "não se conformando com este
mundo" (Rm 12,2) ou "para que sejais puros e irreprováveis no dia
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132 © Moral Fundamental

de Cristo, na plena maturidade do fruto da justiça que nos vem por


Jesus para a glória e o louvor de Deus" (Fl 1,10-11).
"Integrando o pólo subjetivo e objetivo, o discernimento éti-
co é para Paulo a busca da vontade de Deus no concreto de uma
situação determinada" (VIDAL, 1992, p. 101). Aprecia-se o que é
bem ou mal nas situações concretas, realizando um juízo pruden-
cial sobre ou diante da matéria em questão, sabendo apreciar as
circunstâncias.
Deste modo, o ser humano é chamado a "um discernimento
prático das razões e dos bens", com o consequente "juízo feito so-
bre os atos concretos a praticar ou já praticados" (CATECISMO DA
IGREJA CATÓLICA, n. 1780).

6. AÇÃO DO ESPÍRITO SANTO


A renovação que o Concílio Vaticano II impulsionou levou
inicialmente a Teologia Moral a buscar uma fundamentação cris-
tológica e antropológica. Contudo, o próprio Papa Paulo VI já che-
gara a acenar que "à cristologia, e especialmente à eclesiologia do
Concílio, deve seguir-se um estudo renovado e um culto renovado
do Espírito Santo, precisamente como complemento indispensável
do ensino conciliar" (PAULO VI, 1973, p. 477).
Observe que o Papa João Paulo II tinha um projeto trinitário;
junto com as encíclicas Redemptor Hominis e Dives in Misericordia,
a Dominum et Vivificantem completa o seu "projeto trinitário".
O sopro recôndito do Espírito divino faz com que o espírito huma-
no, por sua vez, se abra diante de Deus, que se abre para ele com
desígnio salvífico e santificante. Pelo dom da graça, que vem do
Espírito Santo, o homem entra 'numa vida nova', é introduzido na
realidade sobrenatural da própria vida divina e torna-se 'habitação
do Espírito Santo', 'templo vivo de Deus' (Rm 8,9; 1Cor 6,19). Com
efeito, pelo Espírito Santo, o Pai e o Filho vêm a ele e fazem nele a
sua morada (Jo 14,23). Na comunhão de graça com a Santíssima
Trindade, dilata-se 'o espaço vital' do homem, elevado ao nível so-
brenatural da vida divina. O homem vive em Deus e de Deus, vive
'segundo o Espírito' e 'ocupa-se das coisas do Espírito' (DV 58).
© U6 - Discernimento Moral 133

É sob a ação do Espírito, como realidade contínua, portanto


sempre presente, que os cristãos batizam "em nome de Jesus",
suscitando a graça da fé e a acolhida da Boa Nova. Uma acolhida
que os fortalece no testemunho vigoroso. "Freqüentam com assi-
duidade a doutrina dos apóstolos, as reuniões em comum, o partir
do pão e as orações" (At 2,42).
Note que nada é mais realizado fora da ação do Espírito. "Os
cristãos declaram que a vida nova na qual eles entraram é um efei-
to do Espírito, dado segundo a promessa do Cristo, que opera ne-
les a salvação realizada n' Ele" (WATTIAUX , 1979, p. 151).
"Todos aqueles que são movidos pelo Espírito de Deus" (Rm
8,14) sentem-se habitados pela dádiva de uma vida nova, crescen-
do no conhecimento efetivo e na plena realização da verdade. Por
obra do Espírito Santo, Deus penetra o mais íntimo da vida de cada
pessoa, transformando-a desde dentro, com base no mais profun-
do dos corações e das consciências.
Neste caminho, o mundo, participante do Dom divino, torna-se –
como ensina o Concílio – 'cada vez mais humano, cada vez mais
profundamente humano' (GS 24-25), ao mesmo tempo que nele
vai amadurecendo, através dos corações e das consciências dos ho-
mens, o Reino no qual Deus será definitivamente 'tudo em todos'
(1Cor 15,28), como Dom e como Amor. Dom e Amor: é esta a eter-
na potência do abrir-se de Deus uno e trino ao homem e ao mundo,
no Espírito Santo (DV 59).
A partir desta fonte, que é o Espírito, cabe-nos 'proceder segun-
do o Espírito' (Gl 5,16s). São Paulo deixa bem claro que é 'fruto do
Espírito a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a benevolência, a
bondade, a fidelidade, a mansidão e a temperança' (Gl 5,22s). Isto
significa que há sintonia com o Espírito, sendo as obras boas verda-
deiras disposições estáveis, fruto da sua ação salvífica. 'Se, portan-
to vivemos pelo espírito, caminhemos também segundo o espírito'
(Gl 5,25). Isto significará Vida e não morte (Rm 8,6.13) (AGOSTINI,
2005, p. 87).

O discernimento que provém deste itinerário leva-nos, se-


gundo São Paulo, a superar os desejos da carne, não no sentido
de discriminar e condenar o corpo; "este, juntamente com a alma

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134 © Moral Fundamental

espiritual, constitui a natureza do homem e sua subjetividade pes-


soal" (DV 55).
Supera-se o dualismo, com sua tendência em desprezar
o corpo, pois "o ser humano é chamado ao amor e ao dom de
si na sua unidade corpóreo-espiritual [...]. O homem é chamado
ao amor nesta sua totalidade unificada" (CONSELHO PONTIFÍCIO
PARA A FAMÍLIA, 1996, n. 10 e 13). Com "obras da carne" (Gl 5,19-
21), São Paulo refere-se à "resistência à ação salvífica do Espírito
Santo" (DV 55).
Ora, as obras da carne são bem conhecidas: fornicação, impureza,
libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, rixas, ciúmes, ira, discus-
sões, discórdia, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e coisas seme-
lhantes a estas (Gl 5, 19-21).

Podemos deduzir dos elementos referidos que importa vi-


ver na verdade, fundados no Espírito da verdade, que dá a vida;
isto supõe uma consciência reta, capaz de discernir o bem e o mal,
abertos à ação do Espírito na ordem da graça. Assim, o Espírito
Santo habilita o cristão a
[...] conhecer Deus e de colocar-se em relação com os valores mo-
rais convenientes à vida filial [...]; provoca uma libertação das an-
tigas escravidões – pecado, morte, lei, mundo – e nos torna espi-
rituais, conaturais com Deus [...]. Aparece como consciência nova
da filiação (Rm 8,14-16), união com Cristo (1Cor 12,3) e dinamismo
vital que permite viver as exigências que comporta a vida cotidiana
(JUNGES, 2001, p. 123).

7. DISCERNIMENTO E EVANGELHO DA VIDA


A ação do Espírito Santo leva-nos à plenitude da verdade,
que é Cristo, Ele que realizou, como fiel e justo, as promessas de
Deus (1Jo 1,9). "O Espírito conduz para dentro de Cristo" (FEUIL-
LET, 1972, p. 65), realização definitiva de Deus. Jesus Cristo vem
nos trazer Vida nova e Vida em plenitude (Jo 10,10). Ele é o ca-
minho, a verdade e a vida (Jo 14,10). Ele é o "caminho que leva à
vida" (Mt 7,14).
© U6 - Discernimento Moral 135

Como você pôde notar, de Jesus, recebemos o Evangelho da


Vida "[...] clara luz que ilumina as consciências, esplendor de ver-
dade que cura o olhar ofuscado, fonte inexaurível de constância e
coragem para enfrentar os desafios sempre novos que encontra-
mos no nosso caminho" (EV 6).
Como se vê, diante do Evangelho da Vida, um discernimento
se estabelece, sobretudo porque estamos diante de uma verdade
a ser vivida.
[...] Trata-se, antes, de um conhecimento existencial de Cristo, uma
memória viva dos seus mandamentos, uma verdade a ser vivida.
Aliás, uma palavra só é verdadeiramente acolhida quando se traduz
em atos, quando é posta em prática (VS 88).

Diante do Evangelho da Vida, discernimos sinais da graça,


presentes na nossa vida e nos acontecimentos de nossa história.
Lidos na fé, captamos a sua densidade teologal (seu grau na graça
ou no afastamento da graça).
Vejamos, neste sentido, o texto (AGOSTINI, 2007, p. 87-88)
que segue:
É notória, em nossos dias, a tomada de consciência em muitos ho-
mens e mulheres da dignidade própria e de cada ser humano. Esta
costuma vir aliada à preocupação crescente com o respeito dos di-
reitos humanos. Além disso, cresce a convicção da interdependên-
cia e da necessidade de uma solidariedade entre todos os seres
humanos, a partir da consciência de um destino comum a ser cons-
truído conjuntamente, na busca do bem e da felicidade, como fru-
tos do esforço e da aplicação de todos. Cresce o respeito pela vida,
a preocupação pela paz, a busca da justiça e a necessária distribui-
ção eqüitativa dos bens e de todos os frutos do desenvolvimento
alcançado. Registramos, igualmente, uma crescente consciência
dos limites dos recursos naturais disponíveis e o urgente e neces-
sário respeito da integridade e dos ritmos da natureza; cresce, com
isso, a preocupação ecológica. Igualmente positivo é todo o em-
penho pela paz e em favor de uma qualidade de vida 'digna deste
nome'. Igualmente, sabemos que, diante dos notáveis progressos
da humanidade, a Terra pode nutrir os seus habitantes (PONTIFÍCIO
CONSELHO "COR UNUM", 1997, n. 19, p. 35).

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136 © Moral Fundamental

Para ampliar seus conhecimentos sobre o conteúdo referido no


texto principal, confira: JOÃO PAULO II. Carta encíclica Sollicitudo Rei So-
cialis. n. 218. Petrópolis: Vozes, 1988. (Coleção Documentos Pontifícios).

Movidos e iluminados pela fé em Jesus Cristo, "luz verdadei-


ra que a todo o homem ilumina" (Jo 1,9), discernimos também as
constantes ameaças à vida. O Concílio Vaticano II já denunciava
toda sorte de crimes e atentados contra a vida humana, deploran-
do:
Tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de homicídio,
genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola
a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormen-
tos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias
consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana,
como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias,
as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulhe-
res e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em
que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e
não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras
semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a
civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem,
do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a
honra devida ao Criador (GS 27, EV 3).

Atualmente, com o progresso alcançado, novas formas de


crimes e atentados são disseminadas, identificando uma cruelda-
de do ser humano contra si mesmo. Organiza-se a morte; lucra-se
com ela. A própria religião, às vezes, acaba sendo manipulada para
a violência.
O tráfico de armamentos e de drogas é testemunha contun-
dente de quanto se lucra com a vida.
Essa realidade levou o teólogo Théodule Rey-Mermet a afir-
mar:
Nenhuma espécie animal é tão má (ou perversa) contra seus se-
melhantes [como a dos humanos]. Isto porque nenhuma tem no
coração este ódio, esta cobiça, este orgulho, esta sede de poder,
esta inveja, este espírito de vingança que levam certos humanos
© U6 - Discernimento Moral 137

à agressão e forçando outros a se defender [...] ou a perder a vida


(REY-MERMET, 1985, p. 263).

Entendemos, então, que o Papa João Paulo II, na Evangelium


Vitae, tenha proferido palavras carregadas de solidariedade e de
clareza como estas:
Em profunda comunhão com cada irmão e irmã na fé e animado
por sincera amizade para com todos, quero mediar e anunciar o
Evangelho da Vida [...] para enfrentar os desafios sempre novos
que encontramos no nosso caminho (EV 6).
Chegou a hora de uma clara afirmação da vida que vá além do uso
da própria força ofensiva e defensiva, o que é o próprio do animal,
que vá além da racionalidade e do poder que buscam subjugar os
mais fracos através do uso hábil das armas, do dinheiro e da ideo-
logia. Urge, em nossos dias, uma clara afirmação da vida enquanto
recusa do injustificável e como crítica ético-profética. A recusa do
injustificável de opções parciais, redutoras e violentas no esqueci-
mento da dignidade do ser humano leva-nos a uma aspiração ao
verdadeiro, bom e belo. Cria a necessidade de resistir, recusando o
relativo, fazendo existir a ética. A estes resistentes pertence o ama-
nhã. Soou a hora de um 'sim' à vida, assim como Deus mesmo já o
pronunciara (AGOSTINI, 2007, p. 92).

Amplie seus conhecimentos, leia a página 307 da obra: MOSSÉ


-BASTIDE, R. M. Genèse de l'éthique. Genebra: Patiño, 1986.

Este "sim" à vida é chamado de Deus que Dt 3,19.20b captou


com as seguintes palavras: "Escolhe a vida para que vivas com tua
descendência. Pois isto significa vida para ti e tua permanência es-
tável sobre a terra [...]".
Em Jesus Cristo, é o próprio Evangelho da Vida que está no
centro de sua mensagem (EV 1), Ele que resumiu a sua missão com
as palavras: "Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em
abundância" (Jo 10,10).
Soa forte o grande sim de Jesus à vida, ele que assume uma missão
distinta da do ladrão, que 'não vem senão para roubar, matar e des-
truir' (Jo 10,10a). Com Jesus, ressoam fortes apelos éticos, apon-
tando para engajamentos morais conseqüentes. Fica claro que

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138 © Moral Fundamental

Deus quer a nossa salvação. Cientes disto, os primeiros cristãos não


tiveram dúvidas em apontar para a necessidade de ações concretas
que decorrem da fé no Cristo Salvador. São Paulo sublinha as impli-
cações éticas e as recomendações morais provenientes do grande
acontecimento da vinda de Cristo, de sua ressurreição e do surgi-
mento da Igreja (AGOSTINI, 2005, p. 70). A adesão a Jesus Cristo e
a pertença à Igreja passam a ser verdadeiras quando autenticadas
por uma conduta, unindo fé e vida (AGOSTINI, 2002, p. 70).

Neste grande sim à vida, presente já no Antigo Testamento e


claramente anunciado no Evangelho da Vida por Jesus Cristo, está
incluído o valor incomparável da vida humana. Entendemos, en-
tão, que a defesa da vida faz do ser humano "o primeiro e funda-
mental caminho da Igreja" (RH 10). É afirmado o seu valor incom-
parável, inviolável e inalienável, incluindo "o seu bem verdadeiro
e integral" (DV 2).
Não se assume uma visão parcial ou reducionista. Portanto, a vida
humana, não importa o estágio em que se encontre, é mais do que
um 'material biológico' (VS 63), um código genético ou um simples
programa a ser planejado por engenheiros genéticos. O fundamen-
to aqui é a pessoa humana em sua essência, em sua natureza e em
sua verdade. Urge superar toda forma de individualismo, de hedo-
nismo e de utilitarismo. Importa assumir uma visão integral do ser
humano (AGOSTINI, 2007, p. 91-92).

8. PASSOS PARA UM DISCERNIMENTO MORAL


Vale ressaltar que o importante é buscar a verdade no agir
moral. Para isto, faz-se necessário estabelecer a verdade do agir;
esta deve corresponder ao nosso ser mais profundo, sem abstrair
da totalidade do real, superando visões parciais. Apresentamos, a
seguir, dois itinerários; o do teólogo francês Manuel Neusch e o do
teólogo brasileiro Nilo Agostini.
Para Marcel Neusch, impõe-se um itinerário de discernimen-
to, para o qual quatro passos são inicialmente necessários, segui-
dos de três instâncias reguladoras:
© U6 - Discernimento Moral 139

1) O primeiro passo está no conhecimento da situação,


como condição indispensável para uma ação conse-
quente; recorra-se, para isso, se necessário, a pessoas
especializadas e a instrumentos científicos capazes de
ser um apoio no conhecimento necessário dos mean-
dros de uma determinada situação.
2) Em seguida, tomem-se em conta os valores; importa
chegar a uma clara percepção dos mesmos, tendo cons-
ciência que nem tudo é possível ao mesmo tempo. Al-
guns valores mostrar-se-ão urgentes e precisarão ser
defendidos a qualquer preço; outros, eventualmente,
podem ser postergados para um momento propício, sa-
bendo que chegará a sua hora.
3) O terceiro passo é dado na ação; tal consecução requer
liberdade e decisão. Supõe engajamento. Ao mesmo
tempo, é bom saber que toda ação comporta um risco,
por se revestir de uma ambiguidade. Como ela supõe
sempre uma decisão, representa uma cisão; esta pode
se revelar uma ação que fere o ser humano.
4) Como quarto passo deste itinerário de discernimento
está a responsabilidade. Isto representa tomar em conta
as consequências da ação. Agir sem calcular ou sem pen-
sar nas consequências é agir irresponsavelmente. "Uma
ética responsável é em primeiro lugar sensível a estas
conseqüências" (NEUSCH , 1985, p. 229).
Esses passos só terão real consistência se a ação for realizada
em consonância com instâncias reguladoras.
A consciência moral, em seu discernimento, não se encontra
jamais isolada nem pode ficar fechada em si mesma. A abertura
a instâncias reguladoras permite-lhe colocar-se frente ao outro,
tomando em conta que a vida é tecida em forma de rede, numa
inter-relação constante.
Três instâncias se destacam:
• A primeira instância é a comunidade, quer humana quer
eclesial ou outra; funciona sempre como lugar do enraiza-
mento humano e do exercício da solidariedade no concre-

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140 © Moral Fundamental

to da vida. O despertar da consciência às exigências éti-


cas dá-se sempre na pertença a uma comunidade. "Cada
comunidade torna precisos os seus valores, rejeita certos
comportamentos, tolera outros, formula regras de com-
portamentos, proíbe e prescreve" (NEUSCH , 1985, p. 230).
Existe, portanto, um caminho a seguir. No entanto, nem
sempre a consciência se identifica com a comunidade,
podendo haver distorções que ferem as exigências mo-
rais. Uma autoridade, neste caso, pode se interpor, vindo
em auxílio à consciência, nunca, porém, substituindo-a.
• A segunda instância é a lei. Esta condensa, em si, a ex-
periência do humano enquanto experiência do outro na
vida, transformada numa tradição; condensa a experiên-
cia de alteridade feita em certo momento da história na
busca de realização e/ou humanização.
"A lei, que traduz sob forma positiva, exteriorizada, as exi-
gências éticas imanentes à consciência, torna-se a passa-
gem obrigatória para um discernimento" (NEUSCH , 1985,
p. 230). Torna-se, assim, uma baliza para a consciência,
tendo uma função educativa e pedagógica; não se reduz
ao legal, transmite valores morais. Na Igreja, sua função
primordial é sempre remeter para o seguimento de Jesus
Cristo, referência fora de qualquer suspeita.
• A terceira instância reguladora é o próximo. Esta funcio-
na como a instância imediata, pois me coloca ante a face
concreta do outro que me solicita a agir em seu favor.
A consciência só se qualifica moralmente pelo modo como se en-
contra com o outro. Sua qualificação não lhe vem, em última ins-
tância, nem de sua sinceridade, nem de sua obediência à lei, mas
da resposta que ela dá na atitude de quem está à espera do próxi-
mo (NEUSCH , 1985, p. 231).

Deus mesmo, na Aliança, revela-se próximo, sendo indisso-


ciável do amor. Aqui deparamo-nos com o fundamento do amor
que faz com que o princípio de ação não dependa em si da multi-
© U6 - Discernimento Moral 141

plicidade de preceitos, mas remeta ao único preceito, assim des-


crito: "Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo [...]. A
caridade é a plenitude da Lei" (Rm 13,8-10).
Nilo Agostini, por sua vez, percorre inicialmente o Catecis-
mo da Igreja Católica, em que se afirma que "uma consciência
bem formada é reta e verídica" (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA,
2001, n. 1783). Isto significa que esta consciência escolhe o bem
e identifica a verdade. Além disso, cabe-lhe emitir um juízo pru-
dente a fim de identificar os caminhos (meios) correspondentes e
as ações concretas que se apresentam como justas e apropriadas.
Assume ou capta a responsabilidade ante os atos praticados, ante
as atitudes e opções assumidas.
Como você pode notar, a condição de fundo para a consciên-
cia é sempre a liberdade, porém integrando valores e tendo como
um de seus eixos centrais a própria responsabilidade.
"A consciência moral deve ser educada e o juízo moral es-
clarecido" (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2001, n. 1783). Este
processo de educação se realiza durante toda a vida (CATECISMO
DA IGREJA CATÓLICA, 2001, n. 1784), qual tarefa da própria pes-
soa; a Igreja, por sua vez, sente residir aí uma missão que lhe é
toda própria.
Na Encíclica Veritatis Splendor, lemos: "A Igreja põe-se sem-
pre e só a serviço da consciência" (VS 64). É preciso vir em auxílio
da consciência para que ela possa realizar o que lhe é próprio, ou
seja, o discernimento moral e, consequentemente, possa emitir
juízos retos e verídicos.
Enquanto membros da Igreja Católica, temos mediações
para realizar este discernimento moral, verdadeiro auxílio à cons-
ciência. Essas mediações, reunidas aqui por Nilo Agostini, são su-
portes oferecidos à consciência. Vejamos:
1) Um discernimento deverá ser feito começando a captar
qual é mesmo a matéria em questão e quais são as cir-
cunstâncias que a envolvem. Isto é um dos dados iniciais

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142 © Moral Fundamental

para que se estabeleça um juízo prudente. Este é um


suporte para o discernimento inclusive quando se trata
de conhecer as situações sociais e culturais em que nos
encontramos; isto "é uma exigência imprescindível para
a obra de evangelização" (FC 4).
2) Outro suporte é a iluminação da fé. "A consciência boa
e pura é esclarecida pela fé verdadeira" (CATECISMO DA
IGREJA CATÓLICA, n. 1794). Todos os batizados são cha-
mados a cooperar na busca da verdade e do bem, ilumi-
nados pela fé. O sentido da fé é dado tanto aos pastores
quanto aos leigos pelo próprio Cristo, "para que brilhe a
força do Evangelho na vida cotidiana, familiar e social"
(LG 35). Com isso, passamos a "interpretar à luz de Cristo
a história deste mundo [...], dirigindo as realidades tem-
porais segundo o desígnio de Deus Criador e Redentor"
(LG 5). Podemos deduzir que todo discernimento "atin-
ge-se pelo sentido da fé" (LG 5).
3) Um terceiro auxílio para o discernimento moral reúne
concomitantemente três fontes: a Sagrada Escritura, a
Tradição e o Magistério. As três fontes:
[...] estão de tal maneira entrelaçadas e unidas que uma não tem
consistência sem as outras, e que juntas, cada qual a seu modo,
sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para
a salvação (DV 10).
Estas instâncias "representam uma ajuda para a consciência cristã
[...]. A mediação eclesial é essencial para a acolhida do Espírito e o
discernimento de suas inspirações autênticas" (MELINA, 1995, p.
477).
4) Um quarto suporte para o discernimento são as normas
morais. Elas são um auxílio; não substituem as pessoas
que, livres e responsáveis, têm a tarefa de formular
pessoalmente o juízo concreto em vista da decisão. As
normas buscam transmitir, por meio de uma linguagem
humana, os valores que, por traduzirem o ethos cristão,
têm um caráter normativo. As normas morais remetem
para o fundamento último que é Cristo, sendo portado-
ras de algo que transcende as culturas e a história huma-
na. Cabe interiorizar este conteúdo na fé; assim, elas não
são um apelo externo, mas brotam do próprio interior
© U6 - Discernimento Moral 143

da consciência, "sacrário [...] no qual o homem se en-


contra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimida-
de do seu ser" (GS 16).

Renove suas ideias, leia: ABIGNENTE, Donatella. Decisione mo-


rale del credente. Il pensiero di Josef Fuchs. Casale Monferrato:
Edizioni Piemme, 1987. p. 67-70.

5) Outras mediações para um bom discernimento moral


podem também ser as seguintes: o recurso aos sinais
dos tempos (na ausculta às interpelações de Deus nos
acontecimentos da história), a leitura da lei natural (do
que é necessário e conforme à natureza humana), a cria-
ção do ser humano à imagem e semelhança de Deus
(dotado de uma dignidade toda própria, interlocutor de
Deus, parceiro no cuidado da criação, co-criador, chama-
do a amar a Deus e ao próximo).

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) "Urge, então, que os cristãos redescubram a novidade da sua fé e a sua for-
ça de discernimento face à cultura dominante e insinuativa"(n. 6). A partir
dessa afirmação de João Paulo II na Evangelium vitae, comente o papel da
fé no discernimento.

2) Leia a afirmação: "Cabe-nos 'proceder segundo o Espírito'". O que isso sig-


nifica?

3) A consciência moral, em seu discernimento, não se encontra jamais isolada


nem pode ficar fechada em si mesma. Comente essa afirmação e aponte as
instâncias que possibilita estar aberta ao outro.

10. CONSIDERAÇÕES
A última unidade nos possibilitou a reflexão sobre os termos
discernimento e fé e sobre a ação do Espírito Santo. Além disso,

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144 © Moral Fundamental

conseguimos analisar a relação do Evangelho com a Vida, por meio


do discernimento, bem como reconhecer os passos necessários
para um discernimento moral.
Agora, é com você! Continue pesquisando sobre discerni-
mento moral e suas implicações em nossas vidas.

11. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Chegamos ao final de Moral Fundamental. É oportuno ob-
servar que o presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o
assunto, pois nosso objetivo era o de traçar os principais pontos
que o envolvem a fim de despertar o interesse pela pesquisa nessa
área.
Como você pôde notar, poderíamos concluir as diversas hi-
póteses dentro desse tema. Entretanto, o que importa é entender-
mos que ele está intimamente relacionado com a vida da socieda-
de.
Resta, por fim, desejar a todos sucesso nos estudos e que os
ensinamentos adquiridos na presente obra sejam o primeiro passo
de uma caminhada de reflexão profunda sobre a teologia moral!
Foi um prazer conhecer, ensinar e aprender com você!

12. E-REFERÊNCIA
VATICAN. O Santo Padre – Encíclicas. Disponível em: <http://www.vatican.va/edocs/
POR0070/_INDEX.HTM>. Acesso em: 25 jul. 2012.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ABIGNENTE, Donatella. Decisione morale del credente. Il pensiero di Josef Fuchs. Casale
Monferrato: Edizioni Piemme, 1987 (Coleção Moralia Christiana, v. 2.).
AGOSTINI, Nilo. Introdução à teologia moral: o grande sim de Deus à vida, 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2005.
______. As conferências episcopais: América Latina e Caribe. Aparecida: Editora
Santuário, 2007.
© U6 - Discernimento Moral 145

______. Ética e evangelização: a dinâmica da alteridade na recriação da moral. 3. ed.


Petrópolis: Vozes, 1997.
______. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002.
AUBERT, Jean-Marie. Abrégé de la morale catholique. Paris: Desclée, 1987.
BONHÖFFER, Dietrich. Ética. Barcelona: Herder, 1968.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica - edição revisada de
acordo com o texto oficial em latim. São Paulo: Paulus, 2001. (Coleção Catequese)
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Claretiano - Centro Universitário


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