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Os NEUROTRANSMISSORES

e os SINTOMAS MOTORES
e NÃO MOTORES da
DOENÇA DE PARKINSON

Dr. Henrique Ballalai Ferraz | CRM SP 44.250


Médico Neurologista e Especialista em Distúrbio do Movimento
Professor Adjunto Livre-Docente da Universidade Federal de São Paulo
Os Neurotransmissores e os Sintomas Motores e Não Motores da DP

A doença de Parkinson (DP) é uma condição clínica degenerativa caracterizada por sintomas motores (bradicine-
sia, rigidez muscular e tremor de repouso) e não motores (depressão, perda do olfato, alterações do sono REM,
constipação intestinal, declínio cognitivo, entre outros), que podem ser parcialmente controlados com medidas
farmacológicas e não farmacológicas. A DP era insatisfatoriamente tratada até o início dos anos 1960, quando
surgiu a levodopa, uma substância que trouxe alívio dos sintomas motores dos pacientes.1

A introdução da levodopa no tratamento da DP só ocorreu depois de ter sido descoberto que havia uma deficiência
do neurotransmissor dopamina (DA) nos núcleos da base, particularmente no corpo estriado (putâmen e núcleo
caudado), dos indivíduos com a doença.1 A partir desse conhecimento, houve a tentativa de restabelecer-se o con-
teúdo dopaminérgico cerebral por meio da levodopa. Várias tentativas fracassaram inicialmente em razão da baixa
tolerabilidade à levodopa oral, mas George Cotzias e seus colaboradores, em 1967, conseguiram administrar doses
eficazes da substância desde que fossem iniciadas doses baixas e incrementadas gradualmente ao longo do tem-
po.2 A descoberta de que um inibidor da dopa-descarboxilase associado à levodopa era capaz de melhorar a tolera-
bilidade à substância (náuseas, vômitos, hipotensão arterial) permitiu maior sucesso no tratamento.2

Desde o final dos anos 1960, a levodopa segue sendo a pedra angular no tratamento da DP, e a maioria das drogas
desenvolvidas para o controle dos sintomas motores desde a introdução da levodopa também atua sobre o siste-
ma dopaminérgico (agonistas dopaminérgicos e inibidores enzimáticos da degradação da levodopa/dopamina).

O déficit de neurotransmissores no cérebro dos pacientes com doença de Parkinson vai além da dopamina, afe-
tando de forma significativa o sistema noradrenérgico (NA)3 e serotoninérgico (5-HT).4 Outros neurotransmisso-
res podem ser afetados tanto com a evolução da doença quanto pela ação da levodopa.

Sistema dopaminérgico
A deficiência dopaminérgica estriatal é a base das manifestações motoras da DP. O tratamento para restaurar os
níveis de DA é feito com a levodopa. Quando a levodopa atinge o sistema nervoso central do paciente com DP,
uma parte dela transform-se em DA e restaura o déficit dopaminérgico no estriado.5 Atribui-se o efeito motor
da levodopa a essa ação, entretanto há dados que mostram que a ação da levodopa pode ir além do sistema
dopaminérgico.6 A levodopa pode gerar DA a partir de neurônios dopaminérgicos e células da glia. Os neurônios
noradrenérgicos também podem captar a levodopa e convertê-la em DA e em NA.6 Do mesmo modo, os neurô-
nios serotoninérgicos tanto podem produzir DA quanto 5-HT a partir da levodopa. É possível que parte das com-
plicações motoras de longo prazo do tratamento da DP possa estar relacionada a essa ação não dopaminérgica.

A estimulação da atividade dopaminérgica pode ser feita além da levodopa com agonistas dopaminérgicos (pra-
mipexol, rotigotina), inibidores catecol-O-metiltransferase (COMT), como a entacapona, ou inibidores da monoa-
minoxidase B (MAO-B), como a selegilina, a rasagilina e a safinamida.7 A entacapona inibe a conversão da levodo-
pa em 3-metil dopa no sangue periférico, levando em última instância a um aumento na entrada da levodopa no
sistema nervoso central. Os inibidores da MAO-B bloqueiam a degradação da dopamina pelo sistema enzimático
intracelular e aumentam a disponibilidade de DA no sistema nervoso.7 Tanto os inibidores da COMT quanto da
MAO-B reduzem os períodos OFF dos pacientes com oscilação dos sintomas associados à levodopa.7

Sistema colinérgico
O neurotransmissor acetilcolina pode estar envolvido tanto em sintomas motores como em não motores. Com
a disfunção dopaminérgica no circuito dos núcleos da base, pode ocorrer uma preponderância da atividade co-
linérgica nos interneurônios no estriado. O papel exato desses interneurônios ainda não é completamente co-
nhecido.8 O uso de anticolinérgicos na DP antecede até mesmo a descoberta da eficácia da levodopa, mas está
associado ao desenvolvimento de efeitos adversos significativos (boca seca, constipação, piora no desempenho
cognitivo etc.). Nas fases mais avançadas da DP, o declínio cognitivo está diretamente associado à deficiência
colinérgica na circuitaria cognitiva.9 No Brasil, os anticolinérgicos disponíveis são o biperideno e a triexifenidila e
ainda são largamente utilizados na prática clínica a despeito dos efeitos adversos.

Vias neurais associadas à adenosina


Os receptores da adenosina A2A estão localizados principalmente no corpo estriado. A ativação destes recepto-
res estimulam a via indireta do circuito dos núcleos da base,10 o que modula a saída de estímulos do globo pálido
interno (GPi). O bloqueio dos receptores da adenosina A2A é capaz de reduzir o efeito da depleção dopaminér-
gica, melhorando a deficiência motora associada ao parkinsonismo experimental. Até o momento, as drogas que
agem sobre esses receptores não foram capazes de demonstrar uma clara ação benéfica nos sintomas motores
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da DP. A exceção é a istradefilina, que, em estudos de fase III, foi capaz de reduzir o tempo OFF de pacientes
quando comparados ao placebo, porém estes estudos não foram totalmente convincentes.11 Outras drogas com
propriedades bloqueadoras adenosina A2A (como o preladenant, tozadenant e mesmo a cafeína) foram testadas
com esse fim, mas ainda sem evidência de eficácia.12 Uma possível ação neuroprotetora tem sido especulada em
relação a estes compostos.13

Vias neurais associadas à serotonina (5-HT2)


A perda de neurônios serotoninérgicos (5-HT2) dos núcleos da base do tronco encefálico tem sido descrita na DP.
Receptores serotoninérgicos corticais costumam estar associados a alterações de humor e psicose nos indivíduos
com DP.14 Como já dito anteriormente, uma parte da levodopa captada pelo neurônio pode resultar em liberação
de 5-HT2, e há evidências de que isso pode estar implicado nas discinesias relacionadas à levodopa. A clozapina,
um neuroléptico com ação antagonista dos receptores HT-52A/2C, pode ter uma ação antipsicótica e ao mesmo
tempo antidiscinética, sem piorar os sintomas motores parkinsonianos.15 Outra droga com ação no sistema 5-HT2
e com ação antipsicótica sem piorar o parkinsonismo é a pimavanserina, mas não há dados a respeito da ação
antidiscinética.16

Sistema glutamatérgico
O sistema glutamatérgico é excitatório e está presente em diversas regiões cerebrais, mas nos núcleos da base
tem uma ação modulatória sobre o neurônio pós-sináptico da via nigroestriatal. A disfunção dos receptores glu-
tamatérgicos parece estar diretamente associada à produção de discinesia relacionada à levodopa. É provável
que a estimulação não fisiológica dos receptores dopaminérgicos estriatais (pós-sinápticos), através da oferta
intermitente da levodopa ao longo do dia, induza a uma supersensibilização dos receptores glutamatérgicos.17
Os receptores glutamatérgicos são do tipo ionotrópico (abrem canais de cátions – cálcio e sódio) e podem ser
ativados por diferentes ligantes, como o N-metil-D-aspartato (NMDA), o ácido kaínico (KA) e o ácido amino-hidro-
xi-metil-propiônico (AMPA). Esses receptores ionotrópicos estão associados a uma resposta sináptica rápida.17 Os
receptores glutamatérgicos metabotrópicos (mGluR) por sua vez, quando ativados, dão origem a uma resposta
não ligada aos canais iônicos, mas à ativação de fosfoinositide e ao nucleotídeo cíclico (AMP cíclico).

Reduzir a atividade glutamatérgica estriatal pode proporcionar melhora dos sintomas motores assim como con-
trole das discinesias induzidas pela levodopa.17 Há evidências de que, em modelos experimentais de doenças
neurodegenerativas, a hiperativação glutamatérgica induza a uma neurotoxicidade e, por consequência, a uma
aceleração da perda neuronal.18

O controle da hiperexcitabilidade glutamatérgica pode ser feito com drogas bloqueadoras de receptores do tipo
NMDA, como a amantadina. Estudos clínicos são convincentes em demonstrar que a amantadina é capaz de con-
trolar a discinesia induzida pela levodopa e que é amplamente prescrita com essa finalidade.10,19 Até o momento,
os ensaios clínicos com drogas inibidoras de receptores metabotrópicos do glutamato (mGluR), como o mavoglu-
rant, não demonstraram eficácia no controle das discinesias induzidas pela levodopa.20

A safinamida é um inibidor da MAO-B que, nos estudos em modelos animais, também apresenta a propriedade
de bloquear os canais iônicos de sódio e cálcio e, por conseguinte, diminuir a excitabilidade glutamatérgica.21
Desse modo, poderia exercer controle sobre a discinesia ligada à levodopa. Os estudos clínicos com a safinamida
até aqui mostraram que o controle dos períodos OFF ligados à ação inibidora da MAO-B não está associado a um
aumento do risco de discinesia, sendo, portanto, uma opção segura para o controle das flutuações motoras da
DP.22 Um estudo clínico post hoc demonstrou que a safinamida na dose de 100 mg ao dia é capaz de melhorar os
escores de discinesia.23

Conclusão
O controle dos sintomas motores e não motores da DP é feito pela modulação da atividade dos neurotransmis-
sores, estimulando-os em alguns casos e inibindo-os em outros. Os sintomas motores são melhorados principal-
mente por meio da estimulação do sistema dopaminérgico, seja com a levodopa (uma pró-droga a ser convertida
em DA), com os agonistas de receptores dopaminérgicos (como o pramipexol e a rotigotina), com os inibidores da
enzima COMT (como a entacapona) e com os inibidores da MAO-B (selegilina, rasagilina e safinamida). As discine-
sias induzidas pela levodopa podem ser controladas com o inibidor do receptor glutamatérgico NMDA (amanta-
dina) e com os antagonistas 5-HT2 (clozapina). A safinamida, um inibidor da MAO-B com capacidade de bloquear
canais iônicos excitatórios, pode levar ao controle das flutuações motoras associados à melhora nas discinesias.
Os Neurotransmissores e os Sintomas Motores e Não Motores da DP

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