Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Reflexão Filosófica: Livre-Arbítrio
Reflexão Filosófica: Livre-Arbítrio
REFLEXÃO FILOSÓFICA
Livre-arbítrio
1. INTRODUÇÃO
1
BLACKBURN, Simon. Dicionário de Filosofia, Gradiva, 2007
2
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia, Dom Quixote, 1978
3
BLACKBURN, Simon. op.cit.
4
Ibidem
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
1
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
Partindo dum sistema judicial justo, as más ações são punidas porque são feitas com
uma certa intenção - porque são voluntárias. Logo qualquer sistema judicial presente numa
sociedade minimamente justa está assente num princípio libertista. É incongruente defender
uma posição determinista, pois estar-se-ia a compactuar com uma desagregação da base
do sistema judicial.
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
2
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
sobre a ideia de que existe liberdade para regular a forma como as nossas ações são
causadas, sem no entanto realizarmos ações totalmente livres.
O mexicano tem todas as hipóteses alimentares, mas a sua genética faz com que ele
tenha uma maior apetência para as comidas picantes, o que o leva a escolher sempre as
comidas picantes. O português, de todas as comidas, por estar na sua genética, escolheria
comidas onde o picante estivesse menos presente. No entanto, se esse português adaptar a
sua tolerância para o picante, é provável que venha a escolher sistematicamente uma
comida mais picante. Da mesma forma que o português conseguiu alterar a sua tolerância e
o seu gosto por picante, coisa esta que o levou a alterar involuntariamente as suas escolhas,
também é possível escolher sob que causas é que podemos tomar as nossas ações. Mas
não é possível escolher de que forma essas causas determinam as nossas escolhas. É a
capacidade de ditar sob quais causas vão as minhas ações tomadas, que é possível
conciliar o determinismo moderado com a justiça. É claro que certas causas não são
mutáveis, como a genética (o português alterou somente a tolerância, não a genética) e
certas influências culturais, entre outros, havendo pois uma imensa quantidade de
determinismo incontrolável nas nossas ações. Existe liberdade de determinar o que nos
determina, mas não como nos determina. Mas como pode ser este um argumento
determinista moderado?
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
3
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
A este argumento, um libertista dirá que o facto de uma pessoa decidir seguir uma
certa legislação, não torna as ações determinadas. A cada momento que essa pessoa age,
estará a agir de uma forma livre. A existência de leis num país não é suficiente para ser a
causa que determina certos comportamentos. Haverá sempre decisões livres, sejam elas
para obedecer ou para desobedecer às leis dum país.
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
4
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
determinismo passa pela compreensão do mesmo, e, através disso, agir livremente dentro
do determinado. Qualquer indivíduo que haja de forma moralmente errada de acordo com a
legislação de um país, é um indivíduo cuja decisão inicial foi feita de forma errada, logo,
deve ser punido por tal.
Esta objeção afirma que a decisão inicial é causada pelo medo biológico da punição,
e que quem não age sob tal, é porque não foi forçado a isso, logo pode ser condenado. No
entanto, ao dizer que a decisão inicial de estabelecer o nosso determinismo depende dum
medo biológico à punição, então como podem haver pessoas que infringem a lei? Se os
humanos têm esse mecanismo automático, e biológico, de fuga à dor, como podem as
pessoas infringir as regras desse mecanismo? Ninguém pode corromper a sua própria
biologia. Esta visão é contraditória.
3. OBJEÇÃO AO LIBERTISMO
Agora vamos objetar a perspectiva libertista. Esta visão ao defender que as causas
para as nossas ações residem somente no nosso ser, e que existe de facto liberdade total
para realizar as ações que queremos, encontra um problema: como podemos descartar
totalmente a causalidade de fatores externos ao nosso ser? Esta é uma teoria sustentada na
individualidade da mente de cada um, fundamento este errado. Vejamos:
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
5
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
5
Esta é uma notícia presente em diversos sites. Usámos, como fonte:
CHEN, Edwin. Twins Reared Apart: A living lab (1979), The New York Times.
https://www.nytimes.com/1979/12/09/archives/twins-reared-apart-a-living-lab.html (consultado em
18/02/2023);
RODRIGUES, Luís. Texto presente em Psicologia 12º.
http://www.paginasdefilosofia.net/determinismo-biologico/ (consultado em 18/02/2023).
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
6
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
7
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
que decidem diferentes determinismos para a sua vida. Ações iguais, com diferentes
genéticas e culturas, transmitem um determinismo comum.
4. A POSIÇÃO DEFENDIDA
Para iniciar a exposição da nossa posição, vamos recorrer a uma citação de Clarice
Lispector (1920-1977), uma das mais importantes personalidades da escrita brasileira,
presente no livro A Descoberta do Mundo (1984), onde se lê:
Esta é uma visão que completa este trabalho com enorme maestria. Nesta citação,
Lispector apresenta-nos a sua visão, que é também a nossa, de livre-arbítrio. A expressão
“próprio determinismo” é a chave para conceber o determinismo moderado que procuramos
defender. Cada um de nós, ao compreender, aceitar e no fim seguir o determinismo, está a
tomar uma posição de liberdade extrema. Ao analisar o determinismo, compreendemos a
individualidade que o determinismo nos reserva. Cada um tem o seu próprio, e vive sob ele.
No entanto, aquela decisão inicial de autodeterminação, é a representação pura da
propriedade que podemos atribuir ao determinismo. Cada um, ao refletir e decidir o
determinismo, está submetido a uma liberdade imensa, porque, de facto, “Prisão seria seguir
um destino que não fosse o próprio.”. «Estarmos sem liberdade» seria as nossas ações
coagidas ao determinismo de outrem. Mas a verdade reside na compreensão dum destino
próprio, ou da autodeterminação do mesmo, e agir de acordo com ele. Existe de facto uma
“grande liberdade” em sermos determinados. Porque o determinismo é individual, tal como
6
LISPECTOR, Clarice. A Descoberta do Mundo, Rocco, 1998.
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
8
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
as nossas ações causadas por ele. E o livre-arbítrio resume-se a esse determinismo ímpar,
que causa as ações de cada um de nós.
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
9
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
morte que nos determina como humanos. Logo, o livre-arbítrio advém da compreensão da
nossa mortalidade - da compreensão duma parcela do nosso determinismo - que nos leva a
agir de acordo com ela. No entanto, a perceção do nosso determinismo, não abandona a
ideia de atos voluntários. Agimos livremente, de acordo com o nosso destino. Uma meta não
requer um percurso exato, apenas restringe o fim do caminho. Todas as nossas escolhas,
serão filtradas por esse crivo do nosso determinismo, que nos encaminhará a um
cumprimento do nosso “fado” - a morte, no mínimo.
A pergunta que fazemos, é: mas afinal a morte não é uma realidade? Desde sempre
que as pessoas têm vindo a morrer, e, penso, que não é uma generalização apressada se
disser que para sempre continuarão. Mesmo que os nossos atos não tenham uma causa,
tudo o que fizermos encaminhar-nos-á à morte. É inevitável. Logo tudo acontece com uma
causa primordial de criar dessa ação voluntária uma consequência que nos levará à morte.
O determinista dirá que o voluntarismo dessas ações não passa duma ilusão. Ora, se
morremos, todas as nossas ações serão causadas com o objetivo, duma força maior, de nos
levar até à morte. Logo, nunca teremos livre vontade de agir, afinal, nunca ninguém escapou
à morte.
Podemos continuar, perante esta objeção, a usar o mesmo argumento das ações
livres que nos levam à morte - tudo acontece com uma causa primordial de criar dessa ação
livre uma consequência que nos levará à morte. No entanto, essa causa da ação, não a
torna determinada. Continua a existir a liberdade da ação, mas, no fundo, as escolhas que
poderíamos realizar foram filtradas de forma a cumprir o “fado”. Quando se diz que não
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
10
Escola Secundária José Saramago Ano Letivo 2022/2023
existe liberdade nas ações, porque somos levados a agir com a finalidade de morrer - algo
do domínio duma força maior -, não se está a compreender o princípio de destino. Afinal,
morrer é a principal ação coagida da nossa vida - nós somos obrigados a morrer. Logo dizer
que não somos livres quando morremos, é uma tautologia. Nem mesmo em situações de
suicídio: a morte é coagida, o ato, causado pelo determinismo do indivíduo, que o leva a
cometer suicídio, não (se considerarmos esta uma ação realizada sem perturbações mentais
que alteram a liberdade individual, claro). Logo, tudo o que nos encaminha para o destino,
são os nossos atos voluntários. A compreensão da nossa morte, mesmo que seja algo
distante, leva a uma explicação das nossas ações. Claro que justificar uma ação dizendo
«Porque vou morrer» é algo que nos parece estranho, mas a verdade é que a morte é só a
última resolução duma cadeia de consequências. Desde que se entenda que agimos para
uma certa finalidade - portanto agimos com uma causa, de forma a criar essa consequência
- temos livre-arbítrio, porque não fomos coagidos a agir, mas sim agimos livremente,
cumprindo o “fado” que nos é individual.
5. CONCLUSÃO
Filosofia - 10º Ano Prof. João Gouveia Francisco Batalha Nº9 10ºCT3
11