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A ação humana – análise e compreensão do agir

Determinismo e liberdade na ação humana


• Todas as ações são acontecimentos, mas nem todos os acontecimentos são ações.
Para um acontecimento ser uma ação, é necessário que haja um agente – o
sujeito da ação.
• A ação é algo que fazemos de modo consciente – ou seja, dando-nos conta de
que estamos a fazer algo – e voluntário – ou seja, temos intenção/ propósito e
temos motivos/razões.
• A deliberação é um processo que muitas vezes antecede as ações, consiste no
pensamento em que se pondera as razões a favor ou contra determinadas
alternativas, resultando daí a escolha/decisão da realização de uma ação.
• A liberdade é um conceito comum com múltiplos significados. Na filosofia, há
dois tipos de liberdade.
➢ Liberdade circunstancial
➢ Livre-arbítrio (ou liberdade metafísica)

Liberdade circunstancial
• É a capacidade de realizar uma ação sem interferência de obstáculos, forças
externas e limitações que a restrinjam ou imponham.
➢ Por exemplo, temos a liberdade circunstancial de ir ao frigorífico buscar
algo para comer. Mas se alguém nos amarrasse a uma cadeira ou se nos
ameaçassem com uma arma apontada à cabeça (forças externas),
perderíamos essa liberdade circunstancial.
• Há limites e obstáculos que se impõem de forma muito clara à nossa liberdade
circunstancial. É impossível respirar debaixo de água, não podemos escolher
quando nascemos, não podemos escolher a nossa herança genética, etc.
• Estes fatores podem ser interpretados como possibilidades de ação e condições
do próprio agir (não podemos respirar dentro de água, mas graças à inteligência
humana, podemos desenvolver máscaras de oxigénio que nos permitem estar
durante algum tempo dentro de água).
• Assim, há um duplo sentido, enquanto limites/condições, que os fatores físico-
biológicos, psicológicos e histórico-culturais são também designados por
condicionantes da ação humana.
• Apesar de termos liberdade circunstancial e condicionada – onde estão
incluídas a liberdade política, religiosa, civil, sexual etc. – nada nos diz
relativamente ao modo como essas escolhas foram originadas ou causadas.
➢ As escolhas que tomamos relativamente à religião, curso universitário,
partido politico, etc.. não seja resultado inevitável da nossa herança
genética, personalidade, constituição bioquímica ou outras causas
determinantes.
Livre- arbítrio
• O livre-arbítrio é a vontade livre e o poder de controlar algumas das ações que
escolhemos realizar. É basicamente, o poder de escolher um curso de ação em
vez de outro.
• É o exercício da vontade de um agente racional autónomo que é capaz de
escolher entre várias possibilidades alternativas de ação.
• As nossas escolhas dependem de nós e poderíamos ter agido de outra forma se
assim o quiséssemos.
• Assim, sermos dotados da capacidade de deliberar e tomar decisões, e realizando
as ações de forma consciente, voluntária e intencional, o agente pode ser
responsabilizado, ou seja, terá de assumir as suas ações e responder por elas.
• O livre-arbítrio parece surgir como condição para que se possa falar em ação
intencional, e só nesse prossuposto é que podemos imputar ao sujeito a
responsabilidade pelas suas ações.

O problema do livre-arbítrio
• A ciência proporciona-nos uma leitura do mundo e do comportamento humano
que parece contrair a ideia do livre-arbítrio, ou seja, a ideia de que escolhemos
livremente o que fazer ou a de que temos possibilidade de optar por uma coisa
ou outra.
• Se todos os eventos são o resultado necessário de acontecimentos e causas
anteriores e das leis da natureza, somos levados a questionar se realmente
podemos controlar algumas das nossas decisões e ações ou se tudo escapa do
nosso controlo.
• O problema do livre-arbítrio pode ser analisado a partir de 3 proposições:
1- Estamos determinados.
2- Se estamos determinados, não temos a liberdade necessária para sermos
moralmente responsáveis.
3- Temos a liberdade necessária para sermos moralmente responsáveis.
• É, no entanto, impossível aceitar de modo consistente a verdade das 3. É
possível aceitarmos duas, mas somos obrigados a rejeitar uma terceira.
• Existem portanto 3 perspetiva desenvolvidas consoante as preposições que
aceitam e a que rejeitam
➢ Determinismo radical - Aceita as proposições 1 e 2, rejeitando a 3.
➢ Libertismo – Aceita as proposições 2 e 3, rejeitando a 1.
➢ Determinismo moderado – Aceita as proposições 1 e 3, rejeitando a 2.
• O determinismo radical e o libertismo constituem respostas
imcompatibilistas ao problema do livre-arbítrio, pois consideram que este não
é compatível com o determinismo.
• O determinista radical considera que está tudo determinado, por isso rejeita o
livre-arbítrio.
• O libertista aceita o livre-arbítrio, por isso nega que tudo esteja determinado.
• Estas duas correntes negam a possibilidade de existência uma da outra.
Tornando-as imcompatibilistas.
• O determinismo moderado é uma perspetiva compatibilista, pois aceita, em
simultâneo, que tudo está determinado e que temos livre-arbítrio.

Determinismo Radical
1. Estamos determinados.
2. Se estamos determinados, não temos a liberdade necessária para sermos
moralmente responsáveis.
• Para os deterministas estamos determinados, ou seja, todos os eventos, nos
quais se incluem as ações humanas, são o resultado necessário de
acontecimentos anteriores e das leis da natureza.
• De acordo com os deterministas, se fosse possível ter um conhecimento
completo do Universo no presente, poderíamos prever rigorosamente o futuro.
• Para o determinista, o Universo é um sistema governado por leis causais
invariáveis.
➢ Se conhecermos totalmente uma pessoa, incluindo os seus motivos,
crenças, desejos e disposições, poderíamos prever o seu comportamento
de modo tão rigoroso quanto prevemos eventos naturais. Assim, os
estados mentais são estados cerebrais e estes são biológicos, então eles
regem-se pelas leis físicas e estão totalmente determinados.
• Os filósofos deterministas radicais aceitam também que, se estamos
determinados, não temos a liberdade necessária para sermos moralmente
responsáveis.
• Como não temos qualquer controlo sobre as nossas ações, que são o resultado
inevitável de causas anteriores, o sujeito não escolhe agir desta ou daquela
maneira, logo não tem livre-arbítrio e, por isso, não pode ser
responsabilizado.
• O determinismo radical nega a liberdade à ação humana – o ser humano não
pode livremente escolher outro modo de agir – e defende o incompatibilismo
entre o livre-arbítrio e o determinismo natural.
• O livre-arbítrio é ilusório.

Objeções ao determinismo radical


• Física quântica – mostra que a visão determinista, que diz que todos os
fenômenos podem ser rigorosamente previsto, não se aplica a todos os
fenómenos. O comportamento das partículas é calculado em termos de
probabilidade, ou seja, não totalmente previsto.
• Indeterminismo – perspetiva que diz que alguns acontecimentos ou fenómenos
não são resultado das leis da natureza e dos acontecimentos anteriores, mas sim
devido ao acaso/aleatório. Assim, as ações humanas, podem estar inseridas
nesse conjunto de fenómenos indeterminados.
• Sociedade – A sociedade está organizada em pressuposta da liberdade. Se a
tese do determinismo radical for verdadeira, não fará sentido existir um sentido
de sanções para pessoas que não cumprem a lei. O livre-arbítrio inviabiliza a
responsabilidade moral e a própria moralidade, já que nenhuma ação poderá
ser classificada como boa ou má.
• Vida individual – as nossas escolhas pressupõem livre-arbítrio. Este é o
argumento da experiência, defendido por libertistas: somos livres porque nos
apercebemos de que o somos no ato de escolher. Sentimentos como culpa,
arrependimento mostram que o sujeito acredita que poderia ter agido de outro
modo.
➢ Por exemplo, não nos arrependemos da cor dos nossos olhos, já que não
temos escolha nessa situação. O determinismo radical inviabiliza a
possibilidade do sentimento de arrependimento de quando agimos mal
com os nossos pais.

Libertismo
2-Se estamos determinados, não temos a liberdade necessária para sermos moralmente
responsáveis.
3-Temos a liberdade necessária para sermos moralmente responsáveis.

• O libertismo rejeita o determinismo e aceita o livre-arbítrio.


• A proposição 2 é uma proposição condicional, ou seja, ao aceitar esta
proposição é a relação de implicação entre o antecedente e o consequente, e não
necessariamente que estes sejam verdadeiros.
• Os libertistas consideram que é falso que não tenhamos a liberdade necessária
para sermos moralmente responsáveis, também consideram falso que estejamos
determinados.
• O argumento em forma de modus tollens:
Se estamos determinados, não temos a liberdade necessária Se A, então B
para sermos moralmente responsáveis. B é falsa.
Temos a liberdade necessária para sermos moralmente Logo, A é falsa
responsáveis.
Logo, não estamos determinados.
• Os libertistas defendem que o sujeito é um agente causador, com o poder de
interferir no curso normal das coisas pela sua capacidade racional e
deliberativa.
• Os agentes têm o poder de afetar a corrente de causas do Universo e fazer com
que as coisas aconteçam por sua intervenção.
• É como se existisse uma causalidade do agente, por meio da qual este inicia, ao
agir, sequências de acontecimentos, sem que esse desencadear seja, por sua vez,
causalmente determinado.
• O agente tem possibilidade de se autodeterminar. Defende-se a dualidade
entre o corpo e a mente e considera-se que a mente está acima ou fora da
causalidade do mundo natural.
• Admite-se a existência de uma entidade mental, a alma e que não se encontra na
esfera da natureza, mas tem a capacidade de interferir com a ordem causal da
natureza.
• O corpo pode estar determinando por causas necessárias, mas a mente ou alma
autodetermina-se.
• Sendo o livre-arbítrio incompatível com o determinismo, o libertismo é
também uma perspetiva incompatibilista.
• Os libertistas acreditam que o sujeito pode ser moralmente responsabilizado
pelos seus atos, já que escolheu realizar essas ações.
• Os libertas apresentam o argumento da experiência e o argumento da
responsabilidade.
• A experiência da liberdade é uma prova de que somos livres: sabemos que
somos livres porque apercebemos de que o somos sempre que fazemos uma
escolha consciente.
• Temos a noção de responsabilidade, já que consideramos que os outros são
responsáveis pelas suas ações e nós pelas nossas, sendo censurável o mau
comportamento e louvável o bom.
• Argumento indeterminista – constitui uma objeção ao determinismo radical –
dificilmente servirá de apoio ao libertismo, pois parece contradizê-lo. Se
algumas ações humana são indeterminadas e imprevisíveis e se forem fruto
do acaso, então elas não são o resultado da vontade do ser humano,
encontrando-se fora do seu controlo e sujeitas a aleatoriedade. Neste caso, não
podemos considerá-las como sendo livres nem o agente como responsável.

Objeções ao libertismo
• O facto de termos experiência da liberdade não prova que ela existe. Ela
pode ser ilusória, ou seja, a sensação de liberdade pode não corresponder à
realidade.
• Os sentimentos associados à responsabilidade moral podem não ser
justificáveis. O sentimento de prazer ou de remorso não implica
necessariamente que haja livre-arbítrio, pode ser apenas uma resposta inevitável
às ações que procederam.
• Não fornece explicações sobre aquilo que produz as nossas decisões. A
existência do “ser mental” ou alma cujas decisões não estão constrangidas pelas
leis naturais contraria a visão científica do mundo, simultaneamente levanta o
problema de saber como uma entidade imaterial interage com o mundo material.
Mesmo que a alma exista, ela pode estar sujeita a outro conjunto de leis,
diferentes das leis da natureza, o que coloca em causa a existência do livre-
arbítrio.

Determinismo moderado
1. Estamos determinados.
3. Temos a liberdade necessária para sermos moralmente responsáveis.
• Determinismo moderado é uma variante da corrente determinista. É uma
perspetiva compatibilista, pois defende a compatibilização do determinismo
no mundo natural com a liberdade e a responsabilidade moral. Isto é, permitir
a existência do livre-arbítrio apesar de o Universo ser determinado. Um ato pode
ser em simultâneo livre e determinado.
• Esta variante estabelece a diferença entre ações livres e ações não-livres.
• Exemplo:
Ações livres Ações não-livres
Damos um anel a uma pessoa de quem Entregamos as joias a um ladrão porque
gostamos porque isso nos faz sentir bem. ele nos apontou uma arma.
Subimos um monte escarpado pelo prazer Aceitamos um trabalho mais difícil que o
da aventura e do desporto. chefe nos mandou executar com medo de
perder o emprego
Doamos alimentos a uma instituição de Ingerimos um alimento de que não
solidariedade social por acharmos que gostamos porque não tínhamos outro para
essa instituição merece o nosso apoio. matar a fome.
• Ações livres – Fazemos ações com vontade de as fazer e sem que nada nem
ninguém nos force ou obrigue. Resultam dos nossos desejos, das nossas crenças,
do nosso carácter e da nossa personalidade.
• Ações não-livres - são aquelas em que somos forçados a escolher isto ou
aquilo, a fim de conservarmos, por exemplo, a integridade física ou a posse de
bens materiais.
• Livre não significa não causado, mas sim isento de coerção, de coação, de
constrangimentos, de compulsões ou de obstáculos, o que aproxima esta
conceção de liberdade da chamada liberdade circunstancial.
• As ações são sempre causadas pelo nosso passado, pelo nosso temperamento,
por processos que ocorrem no cérebro ou por fatores que não controlamos.
• No entanto, as ações livres resultam do exercício da vontade de um agente, das
suas crenças e dos seus desejos, surgindo por um processo natural, sem coações,
mesmo que o agente esteja determinado a agir assim.
• Na perspetiva do chamado compatibilismo clássico, mesmo que as nossas ações
sejam causadas, poderíamos sempre ter agido de outro modo se assim o
tivéssemos desejado. Assim, podemos ser responsabilizados pelas ações que
realizamos. Quando conciliamos o determinismo com o livre-arbítrio, o
compatibilismo permite responsabilizar o agente.
• O que significa “poder ter agido de outro modo?”
➢ Se alguém decide pegar numa caneta e num papel para escrever uma
carta, não estando sob coação, considera-se que esse gesto é causado
pelo desejo de escrever a carta e pela crença de que pegar numa caneta e
no papel constitui uma forma possível de o fazer. Tal desejo e tal crença,
associados a causas neurofisiológicas, determinam uma escolha que é
feita de livre vontade.
➢ Como a pessoa agiu de livre vontade ela poderia não ter escrito a carta.
• Segundo os compatibilista clássicos, é possível que tudo esteja determinado e
que, ao mesmo tempo, existam possibilidades alternativas.
• Princípio das possibilidades alternativas – só há responsabilidade e livre-
arbítrio se o agente pudesse ter agido de modo diferente daquele que agiu. Mas
os compatibilista clássicos entendem de um modo especial a noção de
“possibilidade alternativas”, de modo a conseguir compatibilizar o este principio
com o determinismo. Dizer que um agente tem possibilidades alternativas
equivale a afirmar que o agente teria agido de modo diferente, se o tivesse
desejado.
• Se a personalidade, as crenças, os desejos, os motivos e os valores são
completamente determinados por causas anteriores a noção de livre-arbítrio é
entendida pelos deterministas moderados de modo diferente em relação aos
libertistas.

Objeção ao determinismo moderado


• Quando dizemos que somos livres, mas que as nossas ações decorrem consoante
as nossas crenças, do nosso carácter e dos nossos desejos não manipulados, não
podemos ignorar que o carácter, as crenças e os desejos dependem de forças
que não controlamos. Se admitirmos que tudo em nós é causado por
acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza, então temos de admitir que há
forças e impulsos que não dependem de nós e que servem de causas para o
nosso comportamento, impedindo-nos de agir de determinado modo, por mais
que a ação pareça voluntária, livre e não-coagida. Isto acontece quando não
temos consciência desses constrangimentos causais. Seguindo esta ordem de
ideias, nunca poderíamos ter agido de outra maneira nem nunca poderíamos ter
desejos diferentes daqueles que temos. Logo, não somos realmente livres nem
podemos ser responsabilizados.

Henry Frankfurt
• Frankfurt (compatibilista) desenvolveu uma tese no sentido de contrariar o
incompatibilismo. Para ele, estamos inclinados a aceitar o princípio das
possibilidades alternativas, segundo o qual somos livres e responsáveis apenas
se pudéssemos ter agido de modo diferente daquele que agimos.
• Frankfurt defende que mesmo que não pudesse ter agido de modo diferente do
que agiu, o agente tem livre-arbítrio e pode ser responsabilizado porque age
exatamente como deseja agir.
• Para ele os desejos não são todos iguais.
➢ Desejos de 1ª ordem: desejo de realizar alguma ação. Por exemplo,
desejo de não lavar a loiça. “Não quero lavar a loiça”
➢ Desejos de 2ª ordem: desejo de ter um certo desejo. Por exemplo, desejo
de ter o desejo de lavar a loiça. “Quem me dera apetecer-me lavar a
loiça”
➢ Volição de 2ª ordem: vontade de que os nossos desejos de segunda
ordem determinem os nossos desejos de primeira ordem. Pegando no
exemplo e tornando numa volição de segunda ordem: se eu desejar não
ter o desejo de não lavar a loiça (desejo de primeira ordem), fazendo com
que o desejo de lavar a loiça determine a minha ação de lavar a loiça.
• Para Frankfurt, afirmar o livre-arbítrio do ser humano é afirmar que o sujeito é
capaz de determinar as suas vontades e agir em função dessa determinação,
ou seja, o livre-arbítrio equivale à capacidade de ter volições de segunda ordem.

Objeção à teoria de Frankfurt


• Pode ser apresentado um dilema na ligação entre a inclinação do agente e a
decisão do agente:
• Do ponto de vista determinista – Frankfurt está a assumir exatamente o que
está a tentar mostrar, isto é, assume como verdadeiro que a responsabilidade
moral não requer possibilidades alternativas ou capacidade de agir de maneira
diferente, quando é isso que quer mostrar. – Falácia da petição de princípio.
• Do ponto de vista indeterminista – O agente tem a capacidade de agir de modo
diferente, o que é problemático, porque os casos de Frankfurt deveriam mostrar
situações em que um agente é moralmente responsável pela decisão mesmo na
circunstância de ser incapaz de agir de modo diferente

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