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ESG

“Mercado financeiro passa por um frenesi”, diz John Elkington, pai do Tripé da
Sustentabilidade
Para John Elkington,o Pai da Sustentabilidade, momento em relação a fundos ESG é de excitação e de perigo

Por Naiara Bertão — De São Paulo


10/08/2022 05h03 · Atualizado há 4 horas

Elkington, o “Pai da Sustentabilidade”, diz que hoje todos querem ter fundos ESG e que nos próximos 15 anos haverá muita pressão por sustentabilidade — Foto: Divulgação

O britânico John Elkington ficou conhecido no mundo corporativo por ter cunhado, em 1994, quando estava à frente da consultoria própria
SustainAbility, o conceito Triple Bottom Line, ou “Tripé da Sustentabilidade”. Com isso, provocou empresas a não apenas pensarem no lucro como
a linha final de seu balanço, mas também em como estão impactando o meio ambiente e as pessoas, assentando a base para o que se tornaria o
ESG (questões ambientais, sociais e de governança).

Hoje, o professor da University College London (UCL) e conselheiro da Volans, consultoria que ajudou a criar em 2008, passa parte de seu tempo
visitando empresas ao redor do mundo e as ajudando a aplicar na prática responsabilidade corporativa e a traçar estratégias para sobreviverem a
um mundo em intensa transformação.

Autor de mais de 20 livros, entre eles “Canibais com Garfo e Faca” (1997) e “Green Swans: The Coming Boom in Regenerative Capitalism” (Cisnes
Verdes: O boom iminente do capitalismo regenerativo, na tradução livre, de 2020).

Ele concedeu entrevista ao Prática ESG durante a Glocal Experience, evento realizado no Rio em julho, com apoio da Editora Globo, e que trouxe
discussões sobre como avançar nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODSs) das Nações Unidas. Confira trechos da entrevista:
Prática ESG: O senhor tem falado em entrevistas que está vendo a sustentabilidade pela primeira vez se tornar dominante no debate. A que
atribui isso?

John Elkington: Estamos passando por um período em nossa história coletiva muito diferente, de crescentes dificuldades, e isso tem ligação com
aspectos geopolíticos e econômicos, sendo a guerra na Ucrânia e Rússia um deles - e não será o último conflito. Ao mesmo tempo, vemos um
processo de desglobalização, com países e empresas acordando para suas vulnerabilidades. Em parte, porque um mega navio de suprimentos
encalhou no Canal de Suez [o Ever Given, no Egito, que em 2021 travou por uma semana 10% do comércio marítimo internacional]. Mas também
despertaram por outros motivos, como o impacto da pandemia e das tensões da Rússia e da China com o mundo. Minha conclusão é que
estamos nos movendo para um período muito turbulento e esquisito, mas que também é uma agenda mais positiva.

Prática ESG: Positiva para quem?

Elkington: Para a sustentabilidade. A própria pandemia forçou as pessoas a perceberem que precisam encarar os problemas sistêmicos. A
globalização e os negócios adentrando nas florestas e forçando novas doenças a aparecem e se espalharem, isso é uma crise sistêmica. Mas,
quando começamos a ver que o coronavírus se espalhar, alguns países, incluindo o meu (Reino Unido) ignoraram o alerta. E isto está
acontecendo também com o aquecimento global e as mudanças climáticas. Mesmo assim, podemos impulsionar mudanças sistêmicas mais
rápido e mais longe quando os políticos, investidores e outros importantes agentes de mudança percebem que não sabem o que está
acontecendo e buscam ajuda.

Prática ESG: Mas o senhor não acha que há muito greenwashing em torno do ESG?

Elkington: O debate ESG é importante, é parte da curva de aprendizado do mercado financeiro. Mas eu acho que muito disso é ilusão. Quando a
comissão europeia publicou sua taxonomia sobre sustentabilidade, US$ 2 trilhões em ativos foram etiquetados com o selo sustentável e
determinou-se que ficassem restritos a investimentos no tema. É uma ilustração de que o mercado financeiro está passando por um período de
frenesi e todos querem ter fundos ESG. Não é necessariamente greenwashing, porque precisamos disso. Mas isso é igualmente excitante e
perigoso. Nos próximos 15 anos, acredito, haverá muita pressão por ações para a agenda de sustentabilidade para desacelerar o aquecimento
global e endereçar a emergência da perda de biodiversidade. Em algum aspecto meu otimismo vem mais pelo caos e da probabilidade de essas
emergências criarem ainda mais caos. Isso, em última instância, nos forçará a fazer coisas que agora achamos inimagináveis.

Nos próximos 15 anos, eu acredito, haverá muita pressão por ações para a agenda de sustentabilidade

Prática ESG: O senhor ficou conhecido no mundo pelo Triple Bottom Line (TBL). Hoje, passados quase 30 anos, você mudaria algo no conceito?

Elkington: Quando eu primeiro vim com a ideia, em 1994, foi uma resposta a outra coisa que eu vi os negócios fazendo: ao pensar em não poluir
ou ter eficiência energética, estavam mais preocupados com o que deixariam de gastar ou ganhariam. Não se trata apenas de financeiro, é
econômico. E não se trata só de externalidades ambientais, mas externalidades sociais. Percebi que as pessoas começaram a simplificar a ideia
do TBL e achar que estavam bem se cumprissem um dos três pilares, enquanto eu imaginei o conceito ligado a soluções integradas que podem
provocar resultados positivos nas três dimensões, Econômica, Social e Ambiental. Não estava sendo interpretado por todos da maneira que
poderia verdadeiramente ser um ponto de mudança sistêmica. Viemos, então com o Tomorrow’s Capitalism Inquiry [que propõe repensar a
forma como o mercado financeiro funciona e o impacto que pode se passar por uma disrupção] e depois com o green swan e a economia
regenerativa.

Prática ESG: O conceito de green swan [cisne verde] faz alusão ao livro “Black Swan” [O cisne negro], de Nassim Taleb, em que ele descreve o
cisne negro como evento inesperado e improvável que pode assolar países e economias. Qual a diferença entre o cisne negro e o verde?
Elkington: O Black Swan foi publicado em 2007 e a ideia cobre problemas inesperados e soluções inesperadas para eles - e muitas levam a
sociedade e as economias para direções que não queremos ir. Eu simplesmente tirei a parte da solução da equação e perguntei: ‘E se, para
problemas em áreas relacionadas ao aquecimento global ou aos ODSs [objetivos de desenvolvimento sustentáveis da ONU], as soluções
pudessem ser descobertas e desenvolvidas com uma característica exponencial?’ Se conscientemente víssemos esses problemas chegando e
começássemos a desenhar soluções exponenciais. Muitos relacionam ao desafio das mudanças climáticas, mas eu o imaginei como solução para
qualquer problema dos ODSs.

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Prática ESG: E como chegar a essas soluções?

Elkington: No livro eu falo sobre cinco estágios, começando pela responsabilidade, seguida por resiliência, que é importante para avançarmos
nas mudanças que estão por vir, especialmente as emergências climáticas. A melhor maneira de desenvolver resiliência é gastando tempo,
dinheiro e esforço para regenerar os sistemas nos quais nossas vidas e a existência da humanidade dependem. Isso é, em parte, econômico,
porque as economias precisam ser constantemente reinventadas - a tecnologia, assim como os novos modelos de negócios, fazem parte disso.
Nunca vi uma proliferação tão grande de novas tecnologias, como drones, biologia sintética, veículos autônomos, inteligência artificial, e todas as
coisas que estão disruptando indústrias, uma por uma, mas também em modelos de negócios se difundindo, muitos vindo de nova economia e
revolução digital.

Prática ESG: Quando fala de regeneração, a que exatamente se refere?

Elkington: A regeneração é o terceiro estágio e passa por não se prender ao passado e reconstruirmos os diferentes sistemas. Em um momento
que comprovadamente degradamos nossa atmosfera, biosfera, os oceanos etc., tem quem diga que só diminuir a poluição, cortar menos
árvores, queimar menos combustíveis fósseis não será suficiente. Nos próximos 100 a 150 anos teremos que reinventar os sistemas ambientais
que tínhamos tomado como garantidos. A minha dúvida é como vamos fazer isso e para ter o melhor efeito e como vamos pagar? Os custos e os
riscos não são tão altos, mas o esforço político necessário será grande para, por exemplo, desacelerar a destruição da Amazônia e ter um sistema
global que reconheça a Amazônia como um ativo crucial para o planeta. Os negócios não conseguem assumir todas as responsabilidades e ações
necessárias. Cada vez mais será mais uma agenda política.

Prática ESG: As empresas têm, porém, um papel fundamental. Mas, ao que parece, temos um grupo na vanguarda da agenda ESG e muita gente
ainda resistente a mudanças. Como acelerar o ritmo de transformação?

Elkington: Um dos fatores que acredito estar levando a mudanças em novos modelos de negócios e tecnologias é a nova geração de pessoas
que está entrando nas empresas e pensa bem diferente de quem está lá. Um exemplo é o que Elon Musk, fundador da Tesla, fez com a indústria
de carros elétricos. Muitos anos atrás, eu perguntei para um grupo de executivos do setor em Detroit (EUA) o que achavam de suas ideias e todos
disseram que haviam tentado lançar carros elétricos há décadas e não deu certo. Hoje, vemos as grandes empresas entrando de cabeça no
mercado de elétricos. A Ford, por exemplo, se dividiu em duas, uma com foco em motores a combustão, que representa a velha ordem, e a de
elétricos, nova ordem, que busca atrair um diferente tipo de capital e está focada nos desafios de disrupção e oportunidades. Vai ser interessante
acompanhar o que essas companhias vão fazer para tentar se manter relevantes. Nem todas as companhias, porém, vão mudar rapidamente
sua cultura.

Prática ESG: Falando sobre o Brasil, quais oportunidades e desafios você enxerga?

Elkington: Eu vejo que ele está confuso sobre muitas coisas, assim como outras economias. Hoje eu vejo um Brasil que não apenas está
perdendo as tradicionais indústrias manufatureiras, como a automotiva, mas não está ainda construindo novas indústrias ligadas à tecnologia,
finanças e universo digital, que poderiam substituir as antigas ao longo do tempo. Costa Rica, por exemplo, está se movendo ao futuro digital,
atraindo empreendedores. Outro exemplo vem do ranking Global Footprint Networking, que mede as emissões poluentes. O Brasil está bem
colocado, por conta de sua biodiversidade e fontes biológicas, mas é possível observar, que o nível de riqueza vem diminuindo ao longo do
tempo, mais rapidamente nos últimos anos. E isso tem relação com o que o governo está fazendo. O Brasil tem um grande potencial, mas para
chegar lá a política precisa mudar. Isso significa não ter só companhias e executivos que se importam com o que é necessário, mas que os
brasileiros em geral aprendam a se importar também com a natureza e os recursos naturais e a sociedade. E isso exige líderes políticos que
comuniquem esperança e potencial para o progresso.

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