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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EDUCACIONAIS

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Sumário
NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2

PRÁTICA PEDAGÓGICA: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E


INQUIETAÇÕES ................................................................................................ 3

DAS DEFINIÇÕES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................... 9

DA FORMAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA ..................................... 11

O QUE É DIDÁTICA SISTÊMICA? ........................................................ 13

PEDAGOGIA COMO PRÁXIS: A ESFERA DO IMPONDERÁVEL ........ 17

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: POR ENTRE RESISTÊNCIAS E


INSISTÊNCIAS ................................................................................................ 21

O PAPEL DO PEDAGOGO NA CONSTRUÇÃO DO FAZER


PEDAGÓGICO ................................................................................................. 30

ALTERNATIVAS PARA O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM .... 35

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: AMBIGUIDADES E NOVOS SENTIDOS 40

PRÁTICAS EDUCATIVAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ................... 42

DIFERENTES CONCEPÇÕES DE PEDAGOGIA; DIFERENTES


CONCEPÇÕES DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ............................................ 43

REFERÊNCIAS ..................................................................................... 45

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de


empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais,
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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PRÁTICA PEDAGÓGICA: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E
INQUIETAÇÕES
Compreender a prática pedagógica no momento atual da sociedade
brasileira requer a utilização da categoria totalidade, entendida como a
expressão das características marcantes da sociedade que influenciam a
realidade educacional.

Ter como ponto de partida os aspectos da formação socioeconômica


brasileira, as relações de produção, classes sociais, cultura como prática social
e ideologia é fundamental para analisar os múltiplos determinantes da prática
pedagógica.

Ao longo do texto pretendemos evidenciar aspectos que influenciam a


prática pedagógica, para então, possibilitar a expressão das inquietações que
rondam o espaço escolar, em específico a sala de aula.

A sociedade brasileira viveu modificações expressivas no campo social e


cultural, nos últimos anos do século XX.

Dentre elas, destacam-se aquelas que são sócio-políticas como o


processo de democratização, oriundo de uma abertura política lenta e
intensificado por movimentos sociais de diversas categorias de trabalhadores,
bem como movimentos identitários.

Salientam-se as modificações no campo cultural, tais como a ampliação


das inovações tecnológicas.

A possibilidade da circulação da informação em tempo real é um avanço,


ainda que a maioria da população brasileira não tenha acesso à internet.

Os terminais bancários foram informatizados, fazendo emergir novas


facetas educacionais.

Todas as pessoas estão codificadas, seja via carteira de identidade, seja


via cartão de crédito, dentre inúmeras senhas que vão sendo acopladas aos
processos de identificação social, com fins mercadológicos e financeiros.
Também, o fortalecimento das temáticas identitárias e aquelas relacionadas ao

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direito à diferença conquistaram espaço na sociedade, via articulação dos
movimentos e organizações sociais.

A violência é outro tema presente no campo social e cultural. Por um lado,


há a divulgação da violência como uma característica cotidiana e rotineira na
sociedade brasileira.

Por outro lado, as reflexões sobre as penalidades e as medidas que


deveriam ser tomadas ganham os bancos escolares, os movimentos sociais,
evidenciando as mazelas de uma sociedade com concentração de renda
expressiva e excessiva.

O anúncio de algumas modificações evidentes na sociedade brasileira


contribui para a compreensão de aspectos que envolvem a prática pedagógica.

Em primeiro lugar, é importante considerar a prática pedagógica como


parte de um processo social e de uma prática social maior.

Ela envolve a dimensão educativa não apenas na esfera escolar, mas na


dinâmica das relações sociais que produzem aprendizagens, que produzem o
“educativo”.

Assim, os movimentos sociais de trabalhadores produzem uma prática


pedagógica, que é social, tendo como conteúdos centrais a política, a estratégia
de negociação, a organização, a definição de objetivos, a articulação com outras
organizações sociais, desenvolvendo teias ou redes de informação e ação
política.

Como diz Giroux (1997, p. 163): Essencial para a categoria de


intelectual transformador é a necessidade de tornar o pedagógico mais
político e o político mais pedagógico.

Tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização


diretamente na esfera da política, argumentando-se que as escolas representam
tanto um esforço para definir-se o significado quanto uma luta em torno das
relações de poder [...].

Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia


que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora [...].

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Em segundo lugar, a prática pedagógica expressa as atividades rotineiras
que são desenvolvidas no cenário escolar. Podem ser atividades planejadas com
o intuito de possibilitar a transformação ou podem ser atividades bancárias,
tendo a dimensão do depósito de conteúdo como característica central.

Paulo Freire (1987) expressou inúmeras críticas à educação que


denomina bancária, assim como elaborou uma proposta de educação
libertadora, voltada para a transformação social e, portanto,
centralizada no sujeito histórico que produz, apropria e vive a
educação, localizado numa determinada situação no mundo.

O mundo escolar e nele as práticas pedagógicas está imbuído das


relações sociais que marcam a sociedade brasileira, a exemplo da exclusão,
desigualdade social e relações de poder e de alienação.

O cotidiano é organizado de forma fragmentada e homogênea, embora


carregado de heterogeneidades.

Heller (1989) destaca que “a vida cotidiana é, em grande medida,


heterogênea; e isso sob vários aspectos, sobretudo no que se refere
ao conteúdo e à significação ou importância de nossos tipos de
atividade”.

A autora salienta que “quanto maior for a alienação produzida pela


estrutura econômica de uma sociedade dada, tanto mais a vida cotidiana
irradiará sua própria alienação para as demais esferas”.

Ao lado das reflexões de Heller é possível lembrar de Suchodolski


(1976) ao afirmar a importância da educação como superação de
processos de alienação e, portanto, como instrumento de
transformação social. Segundo o autor: A educação nas mãos da
classe dominante é uma arma, um dos meios mais importantes para
conservar o seu domínio e impedir o seu derrube, mantendo a psique
humana livre de todas as influências que surgem pela transformação
das forças produtivas. [...] a educação apresenta-se como influência
destinada a defender os interesses da ordem decadente em franca
contradição com a educação que se concebe como verdadeiro
processo de formação de novos homens no desenvolvimento histórico
das forças produtivas. (Suchodolski, 1976).

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Tendo a reflexão acima como indicativo das nossas análises cabe lembrar
que, no Brasil, Freire foi um dos educadores que buscou defender a educação
como instrumento de superação da dominação e como mecanismo de
transformação social.

Ele demonstrou o quanto a educação pode ser um instrumento da classe


dominante e o quanto ela pode ser elemento de “autoprodução dos homens no
decurso do seu trabalho produtivo histórico”, tal qual defendido por Suchodolski
(1976).

Assim, lembrar as modificações em curso na sociedade brasileira suscita


uma retomada dos elementos determinantes no campo social e cultural, que por
sua vez são os característicos do modo de produção capitalista.

Questionar como tais elementos interferem na sala de aula e na prática


do professor é fundamental para compreender a prática pedagógica.

A conquista da escola pública no Brasil foi efetivada ao longo do século


XX e com ela persistem os desafios relacionados à superação da exclusão e do
analfabetismo.

Outros desafios ocorrem no campo da política educacional, entre eles


encontra-se a produção e apropriação das propostas curriculares e do próprio
conteúdo da LDB 9394/96.

Os novos direitos sociais estão determinados tanto na Constituição


Brasileira de 1988, quanto na LDB, a exemplo da Educação Especial.

Com ela efetiva-se o debate sobre a temática exclusão e inclusão; com


ela emergem os desafios aos professores que se defrontam com o novo e com
o diferente na sala de aula.

A modificação central da sociedade brasileira do final do século encontra-


se no processo de construção democrática e na liberdade de expressão das
ideias. Conforme relato de professores, “na atualidade o professor precisa pedir
para falar; os alunos falam o tempo todo”, ao contrário do focalizado nos anos
1960 e 1970, ao longo do período ditatorial no país.

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Após a exposição de alguns elementos que configuram a sociedade
brasileira, passa-se à reflexão da prática pedagógica e aspectos vividos na sala
de aula. Prática Pedagógica: focalizando a sala de aula no campo das múltiplas
dimensões da prática pedagógica (professor, aluno, metodologia, avaliação,
relação professor e alunos, concepção de educação e de escola), as
características conjunturais e estruturais da sociedade são fundamentais para o
entendimento da escola e da ação do professor.

Na esfera do cotidiano escolar e das reflexões conjunturais, a gestão


democrática da escola e processos participativos são elementos fundantes para
o repensar da prática pedagógica.

Dependendo da porosidade existente nas relações direção, supervisão,


professores, comunidade local e comunidade escolar, haverá uma gestão mais
propícia (ou menos propícia) ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e
neles a reflexão sobre o projeto político pedagógico da escola. Com isso, é
importante afirmar que a pesquisa é elemento essencial para uma prática
pedagógica que possibilite a superação da alienação e da relação de
subalternidade cultural, política e social.

A pesquisa como característica da formação e da prática do professor e


como elemento de motivação para a atitude investigativa entre os educandos.

Como afirma Veiga (1992) a prática pedagógica é “... uma prática social
orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no
contexto da prática social.

A prática pedagógica é uma dimensão da prática social ...”. É sabido que


a prática social está imbuída de contradições e de características socioculturais
predominantes na sociedade.

Neste contexto, desenvolver o exercício da participação é um desafio para


os próprios professores e pesquisadores envolvidos no projeto. A participação
ocorre quando há disponibilidade individual para superar as deficiências e
quando há liberdade e respeito entre os envolvidos. É um exercício de
aprendizagem constante, do saber falar, ouvir, propor, contrariar e
complementar. Neste contexto, a informação e o desenvolvimento de

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conhecimentos científicos são fatores impulsionadores da participação nas
atividades escolares – no campo da prática pedagógica e da gestão da escola.

Ao analisar os múltiplos determinantes na prática pedagógica dos


professores das séries iniciais, nas escolas focalizadas nos nossos projetos de
pesquisa, tem-se como referência a contribuição de Marx, na “Introdução à
Crítica da Economia Política”, quando questionou o método da Economia
Política. Marx afirma que ao estudar a população, a mesma pode tornar-se uma
abstração, caso não sejam levados em conta elementos como classes.

Por sua vez, estas podem constituir abstração se não levar em conta o
trabalho assalariado e o capital, por exemplo. Estes, por sua vez, supõe a troca,
divisão do trabalho, preços etc. Assim, após analisar tais elementos concretos,
poderia ser feito o retorno e a compreensão do conceito de população através
da totalidade das determinações e relações diversas. Com isso, a intenção é
afirmar que a prática pedagógica é influenciada pelos aspectos conjunturais e
estruturais da sociedade brasileira.

A conjuntura pode ser visualizada nos aspectos da gestão educacional,


do desenvolvimento das propostas curriculares, dos programas sociais – a
exemplo do Bolsa Escola -, políticas de cotas etc.

A estrutura é marcada pelas relações sociais de classe, de desigualdades


e de concentração de renda, além das dimensões da dominação do campo da
política internacional e dos processos decisórios que geram impactos na esfera
escolar.

Diante do exposto, nas pesquisas desenvolvidas foi possível perceber


dois grandes grupos de práticas pedagógicas, a saber: práticas eminentemente
reprodutivas em relação às propostas municipais de educação e práticas que
geram inquietações, inovações e projetos escolares originais.

As práticas reprodutivas expressam a necessidade de controle dos alunos


na sala de aula, uma vez que estes apresentam resistências ao processo
educativo, caracterizado como cansativo e sem sentido para a vida prática.

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DAS DEFINIÇÕES DE PRÁTICA PEDAGÓGICA
Desde o ano de 2002, com a reestruturação das licenciaturas decretada
pelo governo federal, a terminologia “prática pedagógica” causou uma grande e
salutar polêmica entre os educadores da formação de professores. Viram-se
obrigados a dominar tal conceito para delimitar as atividades que seriam
validadas nos novos currículos de formação docentes.

Definir prática pedagógica tornou-se quase um tormento, pois poucos


haviam se dedicado a tal zelo, uma vez que para muitos, prática não se teoriza,
prática se pratica. Colocava-se a descoberto a filosofia da educação que
fundamenta a prática de cada um. Ficava claro que a divergência nas definições
era de cunho filosófico.

Os comportamentalistas (MOREIRA, 2004) entendem a prática


pedagógica como a atividade exclusivamente observável e que gere uma
atividade concreta, cujos resultados possam ser registrados, comprovados.

Os cognitivistas entendem a prática pedagógica como a atividade que


desenvolva o raciocínio do educando e que o leve a resolver problemas.

Os humanistas validam todo o processo de ensino-aprendizagem,


priorizando as relações humanas. Qual fundamentação deveria ser prioridade
para a prática pedagógica? Arriscaria dizer que todas são importantes se
combinadas.

Novak (1984) organiza os níveis de aprendizagem em cognitivo, afetivo


e psicomotor. A filosofia cognitivista vai contribuir para o
desenvolvimento da cognição do estudante, ativando seus modelos de
despertar os sentimentos de liberdade e interação social, considerando
a integração da moral e afetividade. A filosofia comportamentalista dará
ênfase às aprendizagens psicomotoras, pois depende de uma atitude
do aluno para conferir se ocorreu a aprendizagem estimulada. Esta
atitude é observada no seu comportamento. Juntas contribuem para a
formação do sujeito integrado.

Em verdade o que não se consegue definir com clareza é sobre a natureza


dessa atividade. Esta prática diz respeito à atividade do professor ou à atividade
do aluno e sobre a qualidade desta atividade?

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Considerando-se que a atividade crítica e criativa do aluno é fundamental
para a ocorrência de aprendizagem significativa, a prática pedagógica precisa
incluir a atividade deste agente, sem a qual não poderá ser entendida como
prática pedagógica.

A atividade que exclui a participação ativa do estudante é um equívoco


pedagógico. Por exemplo, se vamos utilizar a assistência de um filme em sala
de aula, como prática pedagógica, esta atividade precisa trazer objetivos bem
claros e pertinentes à proposta de ensino-aprendizagem do professor. Estes
objetivos precisam ser levados ao conhecimento dos estudantes.

O professor deve apontar os recortes que percebeu no filme compatíveis


com as ideias que quer trabalhar. O filme precisa ser bem explorado e as
relações encontradas apontadas com clareza e sistematização. E finalmente o
professor precisa analisar as conexões que os alunos encontraram e inclui-las
na continuidade de seu planejamento. Do contrário será apenas entretenimento
e preenchimento de tempo de aula e não se constitui em prática pedagógica,
pois esta deve ser intencional.

As filosofias reunidas, para a produção de uma prática, promovem a


junção pedagógica que deverá dar conta do desenvolvimento dos níveis de
aprendizagem de forma integrada.

Esta reunião não pode se realizar apenas com a junção dos pensamentos
filosóficos, mas através das escolhas adequadas às questões problematizadas
na prática cotidiana refletida.

A simples junção não passará de discurso, como quem diz, sou partidário
dessa e/ou daquela forma de pensar, dessa e/ou daquela filosofia, tendência,
teoria, enfim, sem que para tanto suas ações sejam correspondentes e
coerentes.

A prática refletida precisa ser feita com os envolvidos durante e ao final


do processo, administrando conflitos e organizando ideias coletivas, tomando
decisões, arbitrando e conduzindo o grupo à ação comunicativa. Assim como se
diz que o ato pedagógico é carregado de intencionalidade, é preciso ressaltar
que todos os envolvidos precisam assumir esta intencionalidade.

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DA FORMAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Os cursos de formação de professores precisam explicitar com clareza
qual a prática pedagógica é adotada em seus cursos, e seus professores e
estudantes precisam ter clareza de que tal prática ensina a ser professor.

Precisamos perceber que a prática que oportunizamos e/ou a que nos


permitimos participar é parâmetro para as projeções do ser professor em
construção. Refiro-me à construção inicial de nossos estudantes e à nossa
construção continuada, bem como dos estudantes já iniciados.

E muito importante que se repita o óbvio: nossos alunos dos cursos de


licenciatura veem em seus professores e nas experiências com estes as
condições de sustentação para projetos de vida profissional, pessoal,
acadêmica, cidadã.

Tenho afirmado que todos os participantes que compõem uma turma


fazem parte do processo de ensino-aprendizagem do vir a ser professor.

A participação de todos reunidos em sala de aula se constitui em atos


pedagógicos de qualidade equiparada ao papel do professor da turma.

A formação da prática se processa a partir da vontade de participar e


cooperar com o outro. O outro imediato na formação de professores é o colega
da turma.

A vontade em participar está vinculada à vontade de aprender, mesmo


para vir a ser, porque se deve saber que prática pedagógica não se ensina, mas
se aprende. Ela é formada de intenções de fazer educação e se constitui, antes
de tudo, de um querer ser. Este querer ser é legitimado por um querer saber para
fazer bem.

Poderíamos ainda dizer que todos nós, em formação inicial ou


permanente estamos sempre aprendendo a prática pedagógica. Portanto, quem
exerce a profissão de professor, seja em qual nível for – ensino básico ou
superior – desenvolve uma prática pedagógica, esteja consciente ou não disto,
valide ou não esta prática.

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É preciso dizer que a prática pedagógica nem sempre vai ensinar o que
apregoam os objetivos de ensino do plano a que se refere, mas sempre
oportunizarão uma aprendizagem aos envolvidos. Exemplos: o professor relapso
ensina o aluno a ser relapso, mesmo que saiba bem o conteúdo a que se propõe
trabalhar. O professor autoritário ensina o aluno a ser autoritário. O professor
exigente ensina o aluno a ser exigente. O professor amoroso ensina o aluno a
ser amoroso. Isto nos remete à questão de que a aprendizagem significativa
pode ser correta ou incorreta.

Muitos professores e alunos têm se perguntado o que é afinal de contas


considerado como prática pedagógica dentro de uma disciplina da formação de
professores.

O que vocês estão aprendendo que esteja oportunizando o


desenvolvimento de um arcabouço que vá orientar a prática pedagógica?

O que precisa ficar claro na formação de professores é que há uma


distinção entre a prática pedagógica vivenciada na formação inicial e as outras
práticas pedagógicas que irá experimentar no decorrer de sua formação
continuada.

É importante lembrar que o professor da atualidade já não tem condições


– em virtude da crise paradigmática – de definir uma prática que irá sustentar
para o resto de sua vida.

Precisamos “avisar” aos estudantes da formação de professores que


precisamos reformular nossas intenções de práticas permanentemente, sob o
risco de esquecer a autocrítica.

Daí se pode concluir que mais importante do que definir que atividade
pode ser considerada prática pedagógica é se o estudante está disposto a tomar
consciência do que irá oportunizar o início da construção da sua identidade de
professor.

Tenho entendido que continuamos sendo “paternalistas” com os


estudantes, o que de certa forma se traduz em manutenção do poder de controle.

É urgente que se traga para as discussões a respeito do que seja prática


pedagógica a assunção da responsabilidade pela própria formação. Esta

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responsabilidade transita pelas tendências pedagógicas progressistas,
equilibrando democracia e anarquismo. Sem a assunção da responsabilidade
pela própria formação desde o ingresso na universidade, não dá para se pensar
em educação para a autonomia. Isto passa por uma revisão profunda, clara e
ampla sobre os papéis de cada envolvido no processo de formação docente.

O estudante precisa ser informado e incentivado a começar a assumir a


sua formação, refletindo e exigindo explicações sobre os objetivos e
procedimentos de ensino, que estejam contribuindo para a sua formação como
professor. Caso contrário estaremos sempre reunidos resolvendo problemas que
não são exclusivos dos professores dos cursos de formação de professores.

Quando alguém escolhe ser professor ou professora precisa, antes


qualquer coisa, assumir a sua formação, porque se isto não for levado
radicalmente a sério, por certo este formando não obterá o direito ético ao se
apresentar para ensinar os filhos da sociedade.

É importante que se difunda a ideia de que, de quem quer ensinar se


espera que queira aprender. E que esta aprendizagem deve ser conquistada
pelo sujeito do próprio conhecimento. Entender que o conhecimento vá ser
concedido iguala-se a pensar que a liberdade também o será.

O QUE É DIDÁTICA SISTÊMICA?


O interesse em buscar uma didática da complexidade ou didática
sistêmica (MACHADO, 2004) nasce da necessidade do encontro da coerência
entre uma visão de mundo com a prática pedagógica, um fazer social.

A denúncia da visão não ampliada ou ausente de conexões entre o que


se propõe ao “para que”, ao “o que” educacionais e um “como” – definido pela
criatividade de cada um e dos grupos a que pertencem –, fica evidente
principalmente quando os estudantes se veem em vias de enfrentar o
Planejamento e a Prática de Ensino.

É relatado que não conseguem pensar os objetivos de ensino, porque não


compreendem o significado da existência de objetivos na organização do
planejamento.

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Conceitos como Currículo, Planejamento, Objetivos, Procedimentos
Metodológicos, Avaliação, Prática Pedagógica, Teoria e outros são vistos como
termos cristalizados na sistematização da formação de professores e sua
utilização não passa de uma exigência imposta para se “formarem”.

Para o estudante que não desenvolve uma visão mais ampliada sobre o
que aprende, estes “termos” são incompatíveis com a “realidade” que ele afirma
conhecer e sobre a qual contraditoriamente ele se apresenta como um agente
que quer promover mudanças.

O esboço da organização do ensino não é compreendido como um


processo de organização que constitui o sistema educacional, que é complexo.
Em outras palavras, a aprendizagem (correta) sobre os conceitos fundamentais
dos cursos de formação de professores não é significativa, pois não se incorpora
de forma não arbitrária na estrutura cognitiva pré-existente; esta aprendizagem
é tão-somente mecânica.

Esta incompreensão pode estar contribuindo, inclusive, para a desilusão


profissional, quando tentam coordenar a (falsa) crítica discursiva que constroem
na formação inicial com a aprendizagem do como fazer a transformação e/ou
mudança que idealizam.

A incompreensão da dimensão técnica poderá estar desvelando a própria


incompreensão da dimensão política, que, em verdade, pode estar sendo
construída sob a mera reprodução de conhecimento e não da autoria e
autoconhecimento.

Parto do princípio de que a ausência de conexões demonstra que não


houve aprendizagem significativa correta.

Diante de tal constatação tenho perseguido a resposta as perguntas que


seguem:

Como despertar a consciência dos estudantes sobre a própria ignorância


e a vontade de superá-la?

Como ensinar a aprender a aprender?

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Como desenvolver metodologias de ensino que possibilitem a
organização das ideias e a busca de conhecimento para o que ainda não se
conhece?

Em suma, como semear o espírito científico (ou o espírito curioso) aos


que o perderam, possivelmente na escola, quando crianças?

Como validar a ideia de que viver é aprender, (MATURANA) Como


demonstrar que aprender é pensar, sentir e agir em espiral?

Tal como nos aconselha Morin (2001b) – mais claramente em “A


cabeça bem-feita”–, tenho me dedicado a pensar e fazer uma proposta
metodológica coerente com a visão dialética experimentada,
reconhecendo a importância da aprendizagem em espiral.

Essa metodologia também precisa dar conta da carência e/ou diversidade


conceitual e da conscientização da necessidade da assunção de
responsabilidade dos estudantes pela construção do próprio conhecimento.

No cotidiano de que faço parte, como docente, busco a operacionalização


das ideias de Morin a respeito da necessidade de uma reforma do pensamento
concomitante a uma reforma do ensino.

Tenho ouvido algumas falas de estudantes sobre o fato de Morin se referir


a uma reforma e não transformação do pensamento. Eles argumentam que
reforma não produz revolução, pois esta vai à raiz do problema. Entendendo que
os estudantes fazem as críticas com base em seus modelos linguísticos, contra-
argumento que é importante identificar que a reforma preconizada por Morin tem
o sentido de reformar o pensamento, porque o autor, e não poderia ser diferente,
não descarta o pensamento já constituído, mas apresenta argumentos de que o
pensamento vigente precisa ser autocrítico e descobrir suas lacunas, o
Identifica-se espiral como uma metáfora para designar o fenômeno recursivo,
onde o retorno frequente às aprendizagens anteriores, resignificando-as e
combinando-as, reconstrói a história e o próprio conhecimento constantemente ,
elo perdido, religando-se à natureza para ampliar a visão de mundo.

Em vista do exposto, uma didática sistêmica vai se propor,


fundamentalmente, a promover justificativas, bases conceitual e metodológica,

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com atividades de exploração e expressão, promovendo exercícios de conexões
entre o que se aprende e o cotidiano individual e coletivo.

O ambiente para o estabelecimento dessa didática será construído


através da tomada de consciência, pelos participantes, da importância do
Conhecimento e do Autoconhecimento concomitantes.

Este ambiente precisa ser construído desde a formação inicial, em se


tratando de formação de professores, mas que deveria ser construído desde o
ensino básico.

Trabalha-se na formação de professores a ideia de que esta tarefa será


feita pelos egressos da formação docente.

A didática sistêmica (MACHADO, 2005) pretende reunir teorias e práticas


pedagógicas que deem conta de uma organização do ensino que promova a
ampliação da visão sistêmica para o desenvolvimento do pensamento complexo.
Este empreendimento se apresenta como um desafio pedagógico que, no meu
entendimento, só pode ser realizado na consideração da complexidade, quando
a construção do saber que se busca – a didática sistêmica – é um conhecimento
que precisa reunir saberes e tece-los junto.

Esta possibilidade certamente vai depender do tempo-espaço encontrado


no convívio com os grupos. MORIN (1990) define complexidade como o que é
tecido junto, mas também como um tecido de acontecimentos, ações,
interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo
fenomenológico. Temos necessidade de pôr ordem as coisas, mas não podemos
desfigurá-las. Nas palavras do próprio MORIN (1990:20): “...a complexidade
voltou, nas ciências, pela mesma via que a tinha banido. ”

O próprio desenvolvimento da ciência física, que se dedicava a revelar a


Ordem impecável do mundo, o seu determinismo absoluto e perpétuo, a sua
obediência a uma Lei única e a sua constituição de uma maneira primeira
simples (o átomo) desembocou finalmente na complexidade do real.

Descobriu-se no universo físico um princípio hemorrágico de degradação


e de desordem (segundo princípio da termodinâmica); depois, no suposto lugar
da simplicidade física e lógica, descobriu-se a extrema complexidade microfísica;

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a partícula é, não uma pedra primeira, mas uma fronteira sobre uma
complexidade talvez inconcebível; o cosmos é, não uma máquina perfeita, mas
um processo em vias de desintegração e de organização simultâneas. ”

A idealização e construção de nossas práticas pedagógicas precisam


considerar teoria e prática de forma recursiva, isto é, em espiral.

Há que se tramar filosofias, sociologias, psicologias, histórias, tempo e


espaço, metodologias, tecnologias, envolvido, conhecimento específico a ser
ensinado e condições materiais, retomando aprendizagens, amadurecendo-as,
reconstruindo-as.

Além disto nossas práticas precisam nos ensinar a conviver com a


incerteza do conhecimento e do cotidiano, com o imprevisto e por isso essas
práticas dependem de uma permanente avaliação e muita, mas muita autocrítica
e “audição” dos pares e dos educandos, sem o que só estaremos pensando que
o que fazemos é prática pedagógica.

PEDAGOGIA COMO PRÁXIS: A ESFERA DO IMPONDERÁVEL


A pedagogia e suas práticas são da ordem da práxis; assim, ocorrem em
meio a processos que estruturam a vida e a existência. A pedagogia caminha
por entre culturas, subjetividades, sujeitos e práticas. Caminha pela escola, mas
a antecede, acompanha-a e caminha além.

A didática possui uma abrangência menor, mais focada nos processos


escolares dentro das salas de aula.

A pedagogia coloca intencionalidades, projetos alargados; a didática


compromete-se a dar conta daquilo que se instituiu chamar de saberes
escolares.

A lógica da didática é a lógica da produção da aprendizagem (nos alunos),


a partir de processos de ensino previamente planejados. A prática da didática é,
portanto, uma prática pedagógica.

A prática pedagógica inclui a didática e a transcende. Muitas questões


logo se colocam: posso planejar o ensino-aprendizagem ou apenas será

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possível planejar atividades que talvez conduzam à aprendizagem? Trabalha a
didática na perspectiva do talvez? Será esse talvez o componente que carrega
a didática de certa imponderabilidade? Posso controlar a aprendizagem que
decorre do ensino? Ou as aprendizagens são caminhos construídos pelos
sujeitos a partir de suas interpretações.

No entanto, o grande desafio da didática tem sido a impossibilidade de


controle ou previsão da qualidade e da especificidade das aprendizagens que
decorrem de determinadas situações de ensino.

O planejamento do ensino, por mais eficiente que seja, não poderá


controlar a imensidão de possibilidades das aprendizagens que cercam um
aluno.

Como saber o que o aluno aprendeu?

Como planejar o próximo passo de sua aprendizagem? Precisamos de


planejamento de ensino ou de acompanhamento crítico e dialógico dos
processos formativos dos alunos?

A contradição sempre está posta nos processos educativos: o ensino só


se concretiza nas aprendizagens que produz!

E as aprendizagens, em seu sentido alargado e bem estudadas pelos


pedagogos cognitivistas, decorrem de sínteses interpretativas realizadas nas
relações dialéticas do sujeito com seu meio.

Não são imediatas, não são previsíveis, ocorrem por interpretação do


sujeito, dos sentidos criados, das circunstâncias atuais e antigas. Enfim, não há
correlação direta entre ensino e aprendizagem.

Quase que se pode dizer que as aprendizagens ocorrem sempre para


além, ou para aquém do planejado; ocorrem nos caminhos tortuosos, lentos,
dinâmicos das trajetórias dos sujeitos.

Radicalizando essa posição, Deleuze (2006, p. 237) afirma que jamais


será possível saber e controlar como alguém aprende. Os processos
de concretização das tentativas de ensinar-aprender ocorrem por meio
das práticas pedagógicas. Essas são vivas, existenciais, por natureza,
interativas e impactantes.

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As práticas pedagógicas são aquelas práticas que se organizam para
concretizar determinadas expectativas educacionais.

São práticas carregadas de intencionalidade e isso ocorre porque o


próprio sentido de práxis configura-se através do estabelecimento de uma
intencionalidade, que dirige e dá sentido à ação, solicitando uma intervenção
planejada e científica sobre o objeto, com vistas à transformação da realidade
social.

Tais práticas, por mais planejadas que sejam, são imprevisíveis porque
nelas “nem a teoria, nem a prática tem anterioridade, cada uma modifica e revisa
continuamente a outra” (CARR, 1996, p. 101).

As aprendizagens ocorrem entre os múltiplos ensinos que estão


presentes, inevitavelmente, nas vidas das pessoas e que competem ou
potencializam o ensino escolar.

Há sempre concomitâncias de ensino. Aí está o desafio da tarefa


pedagógica hoje: tornar o ensino escolar tão desejável e vigoroso quanto outros
ensinos que invadem a vida dos alunos. Dessa forma, podemos perceber o
perigo que ronda os processos de ensino quando este se torna excessivamente
técnico, planejado e avaliado apenas em seus produtos finais.

A educação se faz em processo, em diálogos, nas múltiplas contradições


que são inexoráveis entre sujeitos e natureza, que mutuamente se transformam.
Medir apenas resultados e produtos de aprendizagens como forma de avaliar o
ensino pode se configurar como uma grande falácia!

A ação educativa verdadeira só pode ser vista como práxis que integra,
conforme Kosik (1995), dois aspectos - o laborativo e o existencial - e
se manifesta tanto na ação transformadora do homem, como na
formação da subjetividade humana.

Quando se deixa de considerar o lado existencial, a práxis se perde como


significado e permite ser utilizada como manipulação. (FRANCO, 2001).
Considero que as relações entre professor, aluno, currículo e escola são
relações que impõem uma convivência, tensional e contraditória, entre o sujeito
que aprende e o professor que se organiza e prepara as condições para ensinar.

19
O professor pode encontrar meios para viver a dissonância das
resistências e resignações postas pelo aluno, quer atuando como
desencadeador de processos de aprendizagem, quer como acompanhante das
possibilidades múltiplas de retorno de sua ação.

Enfim, como a vida, o que decorre da ação de um bom ensino serão


sempre situações imponderáveis!

O importante é acompanhar, vigiar, recompor e readequar o planejado


inicial.

Essa dinâmica, que vai do desencadear nos alunos situações


desafiadoras, intrigantes, exigentes, aos retornos que os alunos produzem,
misturando vida, experiência atual e interpretações dos desafios postos, é a
marca da identidade do processo ensino-aprendizagem, visto em sua
complexidade e amplitude.

Considero que as práticas pedagógicas devam se estruturar como


instâncias críticas das práticas educativas, na perspectiva de transformação
coletiva dos sentidos e significados das aprendizagens.

O professor, no exercício de sua prática docente, pode ou não se exercitar


pedagogicamente. Ou seja, sua prática docente, para se transformar em prática
pedagógica, requer, pelo menos, dois movimentos: o da reflexão crítica de sua
prática e o da consciência das intencionalidades que presidem suas práticas.

A consciência ingênua de seu trabalho (FREIRE, 1979) impede-o de


caminhar nos meandros das contradições postas e, além disso, impossibilita sua
formação na direção de um profissional crítico.

20
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: POR ENTRE RESISTÊNCIAS E
INSISTÊNCIAS
Tenho notado alguma dificuldade entre professores em perceber o sentido
que costumo atribuir à prática pedagógica ou mesmo aos saberes pedagógicos.
Percebo que há certa tendência de considerar como pedagógico apenas o roteiro
didático de apresentação de aula, apenas o visível dos comportamentos
utilizados pelo professor durante uma aula.

Carr (1996) ajuda-nos a compreender essa questão quando diferencia


o conceito de poiesis do conceito de práxis.

Esse autor considera a poiesis como uma forma de saber fazer não
reflexivo, ao contrário do conceito de práxis, que é eminentemente uma ação
reflexiva. Assim, realça que a prática educativa não se fará inteligível, como
forma de poiesis, cuja ação será regida por fins pré-fixados e governada por
regras pré-determinadas.

Para o autor, a prática educativa só adquirirá inteligibilidade “à medida


que for regida por critérios éticos imanentes à mesma prática educativa” (CARR,
1996, p. 102), os quais, segundo ele, servem para distinguir uma boa prática de
uma prática indiferente ou má.

Portanto, uma aula só se torna uma prática pedagógica quando ela se


organiza em torno: de intencionalidades, de práticas que dão sentido às
intencionalidades; de reflexão contínua para avaliar se a intencionalidade está
atingindo todos; de acertos contínuos de rota e de meios para se atingir os fins
propostos pelas intencionalidades.

Configura-se sempre como uma ação consciente e participativa.

Interessante especificar os princípios que organizam uma prática


pedagógica:

a) As práticas pedagógicas organizam-se em torno de intencionalidades


previamente estabelecidas e tais intencionalidades serão perseguidas ao
longo do processo didático, de formas e meios variados.

Na práxis, a intencionalidade rege os processos.

21
Para a filosofia marxista, a práxis é entendida como a relação dialética
entre homem e natureza, na qual o homem, ao transformar a natureza
com seu trabalho, transforma a si mesmo. Marx (1994) afirma, na
oitava tese sobre Feuerbach: Práticas pedagógicas de ensinar-
aprender: por entre resistências e resignações [...] que toda vida social
é essencialmente prática. Todos os mistérios que dirigem a teoria para
o misticismo encontram sua solução na práxis humana e na
compreensão dessa práxis.

A compreensão dessa práxis é tarefa pedagógica. Kosik (1995, p. 222)


realça que a práxis é a esfera do ser humano, portanto, não é uma
atividade prática contraposta à teoria, mas práxis “é determinação da
existência como elaboração da realidade”.

Uma intervenção pedagógica como instrumento de emancipação


considera a práxis como uma forma de ação reflexiva que pode transformar
a teoria que a determina, bem como transformar a prática que a concretiza.

Uma característica importante da práxis, analisada por Vásquez (1968,


p. 240), é o caráter finalista da práxis, antecipador dos resultados que
se quer atingir, e esse mesmo aspecto é enfatizado por Kosik (1995,
p. 221) ao afirmar que na práxis a “realidade humano- -social se
desvenda como o oposto ao ser dado, isto é, como formadora e ao
mesmo tempo forma específica do ser humano”.

Talvez seja por isso que o autor diz que a práxis tanto é objetivação
do homem e domínio da natureza, como realização da liberdade humana.
Realce-se, portanto, que a práxis permite ao homem conformar suas
condições de existência, transcendê-las e reorganizá-las.

Só a dialética do próprio movimento transforma o futuro e essa


dialética carrega a essencialidade do ato educativo: intencionalidade
coletivamente organizada e em contínuo ajuste de caminhos e práticas.
Talvez o termo mais adequado seja o da insistência.

O professor não pode desistir do aluno. Há que insistir, ouvir, refazer,


fazer de outro jeito, acompanhar a lógica do aluno, descobrir e compreender
as relações que ele estabelece com o saber, mudar o enfoque didático, as
abordagens de interação e os caminhos do diálogo.

22
b) As práticas pedagógicas caminham por entre resistências e desistências,
em uma perspectiva dialética, pulsional, totalizante. Quando o professor
chega a um momento de produzir um ensino em sala de aula, muitas
circunstâncias estão presentes: desejos; formação; conhecimento do
conteúdo; conhecimento das técnicas didáticas; ambiente institucional;
práticas de gestão; clima e perspectiva da equipe pedagógica;
organização espaço-temporal das atividades; infraestrutura;
equipamentos; quantidade de alunos; organização e interesse dos
alunos; conhecimentos prévios, vivências, experiências anteriores; enfim,
muitas variáveis.

Muitas dessas variáveis induzem a uma boa interação, a um bom


interesse e diálogo entre as variáveis do processo-aluno, professor e
conhecimento -, vistas na perspectiva de Houssaye (1995) como o triângulo
pedagógico. Como atua o professor? Como aproveita os condicionantes
favoráveis e anula os que não ajudarão na hora? Tudo exige do professor
reflexão e ação. Tudo exige dele um comportamento compromissado e
atuante. Tudo nele precisa de empoderamento.

As práticas impõem posicionamento, atitude, força e decisão.


Fundamentalmente, é exigido do professor trabalhar com as contradições.
Como está o professor preparado para tal?

A ausência da reflexão, o tecnicismo exagerado, as desconsiderações


aos processos de contradição e de diálogo podem resultar em espaços de
engessamento das capacidades de discutir/ propor/mediar concepções
didáticas.

A ausência do espaço pedagógico pode significar o crescimento de


espaço de dificuldade ao diálogo.

Sabe-se que o diálogo só ocorre na práxis (FREIRE, 1979), a qual


requer e promove a ultrapassagem e superação da consciência ingênua em
consciência crítica.

Assim, concordando com Freire (1979), posso acreditar que a


superação da contradição “é o parto que traz ao mundo este homem
novo, não mais opressor, não mais oprimido, mas o homem libertando-

23
se.” Talvez a prática pedagógica, absorvendo, compreendendo e
transformando as resistências e resignações, possa mediar a
superação dessas, em processos de emancipação e aprendizagens.

Sempre quando ele realça a distinção entre prática e práxis, ao


reafirmar o que venho enaltecendo neste texto e atentando para a autonomia
e para a perspectiva emancipatória, inerente ao sentido de práxis: Distinguir
práxis e prática permite uma demarcação das características do
empreendimento pedagógico.

Há, ou não, lugar na escola para uma práxis? Ou será que, na maioria
das vezes, são, sobretudo, simples práticas que nela se desenvolvem, ou
seja, um fazer que ocupa o tempo e o espaço, visa a um efeito, produz um
objeto (aprendizagem, saberes) e um sujeito-objeto (um escolar que recebe
esse saber e sofre essas aprendizagens), mas que em nenhum momento é
portador de autonomia. (IMBERT, 2003, p. 15).

Portanto, só a ação docente, realizada como prática social, pode


produzir saberes, saberes disciplinares, saberes referentes a conteúdos e
sua abrangência social, ou mesmo saberes didáticos, referentes às
diferentes formas de gestão de conteúdos, de dinâmicas da aprendizagem,
de valores e projetos de ensino.

Tenho realçado o sentido de saberes pedagógicos como sendo


aqueles que permitem ao professor a leitura e a compreensão das práticas.
Ao mesmo tempo, permitem ao sujeito colocar-se em condição de dialogar
com as circunstâncias dessa prática, dando-lhe possibilidade de perceber e
auscultar as contradições. Assim, ele pode articular teoria e prática.

É possível, portanto, falar em saberes pedagógicos como sendo


saberes que possibilitam aos sujeitos construir conhecimentos sobre a
condução, a criação e a transformação dessas mesmas práticas.

O saber pedagógico só pode se constituir a partir do próprio sujeito,


que deverá ser formado como alguém capaz de construção e de mobilização
de saberes.

24
A grande dificuldade em relação à formação de professores é que, se
quisermos ter bons professores, teremos de formá-los como sujeitos capazes
de produzir conhecimentos, ações e saberes sobre a prática.

Não basta fazer uma aula; é preciso saber porque tal aula se
desenvolveu daquele jeito e naquelas condições: ou seja, é preciso a
compreensão e leitura da práxis.

Quando um professor é formado de modo não reflexivo, não dialógico,


desconhecendo os mecanismos e movimentos da práxis, ele não saberá
potencializar as circunstâncias que estão postas à prática. Ele desistirá e
replicará fazeres.

O sujeito professor precisa ser dialogante, crítico e reflexivo. Ter


consciência das intencionalidades que presidem sua prática.
Sintetizando com a afirmativa de Imbert (2003): “o movimento em
direção ao saber e à consciência do formador não é outro senão o
movimento de apropriação de si mesmo”.

c) As práticas pedagógicas trabalham com e na historicidade; implicam


tomadas de decisões; de posições e se transformam pelas contradições.
Por que assim se fazem? Por que tais práticas não podem ser
congeladas, reificadas e realizarem-se linearmente? Não podem porque
são práticas que se exercem na interação de sujeitos, de práticas e de
intencionalidades.

À medida que o professor desconsiderar as especificidades dos


processos pedagógicos e tratar a educação como produto e resultados, numa
concepção ingênua da realidade, o pedagógico teima em não se instalar,
porque, nesses processos em que se pasteurizam a vida e a existência, não
há espaço para o imprevisível, para o emergente, para as interferências
culturais, para o novo.

As práticas pedagógicas estruturam-se em mecanismos paralelos e


divergentes de rupturas e conservação.

25
À medida que diretrizes de políticas públicas consideram a prática
pedagógica como mero exercício reprodutor de fazeres e ações externas aos
sujeitos, essas se perdem e muitos se perguntam: por que não conseguimos
mudar a prática? A prática não muda por decretos ou por imposições.

A prática pode mudar quando por entre resistências e resignações


houver o envolvimento crítico e reflexivo dos sujeitos da prática (FRANCO,
2006). Sabe-se que a educação é uma prática social humana; é um processo
histórico inconcluso, que emerge da dialética entre homem, mundo, história
e circunstâncias. Sendo um processo histórico, a educação não poderá ser
vivenciada por meio de práticas que desconsideram sua especificidade.

Os sujeitos sempre têm resistências para lidar com imposições que


não abrem espaço ao diálogo e à participação.

Como nos alerta Freire (1983, p. 27): O conhecimento, pelo contrário,


exige uma presença curiosa do sujeito face ao mundo. Requer sua
ação transformadora sobre a realidade.

Demanda uma busca constante. Implica em invenção e em


reinvenção. Reclama a reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de
conhecer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim,
percebe o “como” de seu conhecer e os condicionamentos a que está
submetido seu ato. Sabe-se que a educação, como prática social histórica,
transforma-se pela ação dos homens e produz transformações nos que dela
participam. Dessa forma, é fundamental que o professor esteja sensibilizado
em reconhecer que, ao lado das características observáveis do fenômeno,
existe um processo de transformação subjetiva, que não apenas modifica as
representações dos envolvidos, mas produz uma ressignificação na
interpretação do fenômeno vivido, o que produzirá uma reorientação nas
ações futuras.

Assim, é importante que o professor compreenda as transformações


dos alunos, das práticas, das circunstâncias em processo. Realço a
necessidade da consideração do caráter dialético das práticas pedagógicas,
no sentido de considerar que a subjetividade constrói a realidade e essa se
modifica por meio da interpretação coletiva.

26
A educação permite sempre uma polissemia em sua função semiótica,
ou seja, nunca existe uma relação direta entre o significante observável e o
significado. Assim, as práticas pedagógicas serão, a cada momento,
expressão do momento e das circunstâncias atuais. Serão sínteses
provisórias que se organizam no processo de ensino.

As situações de educação estão sempre sujeitas a circunstâncias


imprevistas, não planejadas e, dessa forma, os imprevistos acabam
redirecionando o processo e, muitas vezes, permitindo uma reconfiguração da
situação educativa.

Portanto, o trabalho pedagógico requer espaço de ação sobre e de análise


do não planejado, do imprevisto, da desordem aparente. Isso deve pressupor a
ação coletiva, dialógica e emancipatória entre alunos e professores.

Toda ação educativa tem em seu fazer uma carga de intencionalidade que
integra e organiza sua práxis, confluindo, de maneira dinâmica e histórica, tanto
as características do contexto sociocultural como as necessidades e
possibilidades do momento as concepções teóricas e a consciência das ações
cotidianas, em um amalgamar provisório que não permite que uma parte seja
analisada sem referência ao todo, nem que este seja visto como síntese
provisória das circunstâncias parciais do momento. É por isso que reafirmo que
práticas pedagógicas requerem do professor adentrar na dinâmica e significado
da práxis, de forma a poder compreender as teorias implícitas que permeiam as
ações do coletivo de alunos.

A prática precisa ser tecida e construída a cada momento e a cada


circunstância, pois, como Certeau (1994), acredito que a vida sempre nos
escapa e se inventa de mil maneiras não autorizadas, com movimentos táticos
e estratégicos.

As práticas pedagógicas incluem desde planejar e sistematizar a dinâmica


dos processos de aprendizagem até caminhar no meio de processos que
ocorrem para além dela, de forma a garantir o ensino de conteúdos e de
atividades que são considerados fundamentais para aquele estágio de formação
do aluno, e, através desse processo, criar nos alunos mecanismos de

27
mobilização de seus saberes anteriores construídos em outros espaços
educativos.

O professor, em sua prática pedagogicamente estruturada, deverá saber


recolher como ingredientes do ensino essas aprendizagens de outras fontes, de
outros mundos, de outras lógicas, para incorporar na qualidade de seu processo
de ensino e na ampliação daquilo que se considera necessário para o momento
pedagógico do aluno.

A resistência estabelece-se naturalmente nas práticas pedagógicas,


porque as lógicas de ensinar e de aprender não são lógicas lineares, nem lógicas
paralelas. São, antes de tudo, lógicas que se embatem, que se contradizem e
que se fundem em alguns momentos.

O ensino implica: o planejamento das metas; a organização dos


conteúdos de aprendizagem; os recortes daquele que ensina; a posição social e
acadêmica do professor que supostamente sabe e do aluno que está ali para
aprender com o professor. Já a aprendizagem implica especialmente o
envolvimento, a adesão, a participação, a vontade e o desejo de aprender.

Na maioria das vezes, o professor quer ensinar e o aluno quer aprender;


mas nem sempre entram em acordo.

O aluno, muitas vezes, não aprende aquilo que o professor quer ensinar,
mas aquilo que a vida e suas experiências disponibilizam.

O professor quer ter a certeza de que o aluno aprendeu o saber ensinado;


mas, muitas vezes, o aluno aprendeu outras coisas do saber ensinado. Como
disse, não há uma correlação imediata entre ensinar e aprender.

Sabe-se e muito enfatiza Charlot (2005) que, para aprender o aluno


precisa envolver-se intelectual e emocionalmente, além de mobilizar
sua atividade intelectual.

Essa mobilização só ocorre quando o aluno dá sentido àquilo que


querem ensinar-lhe. Freire (1979) realça com insistência, bem como
Meirieu (1997), que, de alguma forma, precisamos da autorização da
pessoa do aluno para entrar em sua lógica e assim configurar um
processo de mútuo ensino-aprendizagem.

28
O ensino sem sentido, imposto de fora para dentro e de cima para baixo
não cria condições de aprendizagem.

As aprendizagens ocorrem na densidade das práticas pedagógicas,


tecidas com o outro, no diálogo (FREIRE, 1979), na participação; na parceria, na
compreensão das relações dos sujeitos com o saber (CHARLOT, 2005). Nessa
tensão primordial do processo de ensinar-aprender é que a pedagogia como
ciência encontra seu espaço: será preciso compreender o que as práxis
expressam e, conhecendo-as, adentrando em seu âmago, reconhecê-las,
transformá-las, enriquecê-las com as vivências dos múltiplos sujeitos.

Assim, reafirmo que as práticas são da ordem da práxis, permeadas pela


contradição, interpostas pelos movimentos de ruptura e conservação. Somente
as práticas vivenciadas no coletivo e pedagogicamente estruturadas podem dar
sentido aos processos de ensinar-aprender.

As práticas, para operarem, precisam do diálogo fecundo, crítico e


reflexivo que se estabelece entre intencionalidades e ações. A retirada dessa
esfera de reflexão, crítica e diálogo com as intencionalidades da educação
implica o empobrecimento e, talvez, a anulação do sentido da prática educativa.

Aulas que se revestem apenas de reprodução de discursos áridos, de


manipulação de textos prontos, de ausência de diálogo criativo e de reflexão em
processo deixam de ser práticas pedagógicas, perdem o sentido e a razão de
ser para os alunos.

Assim, proponho que os princípios fundadores da pesquisa-ação crítica,


que tenho chamado de pesquisa-ação pedagógica (FRANCO, 2012), possam
nortear e organizar os princípios didáticos das práticas escolares. E assim repito:
por entre resistências, desistências e insistências a pedagogia se faz prática e
habita entre nós.

29
O PAPEL DO PEDAGOGO NA CONSTRUÇÃO DO FAZER
PEDAGÓGICO
Partindo do pressuposto de que se faz necessária uma (re) definição no
papel do professor pedagogo, é impossível não se discutir a relação entre
sociedade, educação e trabalho.

As mudanças nas formas de organização do trabalho e das relações


sociais ocorridas no final do século passado propuseram novas demandas de
mercado, estabelecendo assim novos rumos para a educação.

Os modos de produção que se baseavam em tecnologias rígidas –


Taylorismo/fordismo, substituída pela tecnologia de base microeletrônica -
toyotismo, com a globalização da economia, que gerou na realidade a
mundialização do capital, causaram grandes impactos nos processos de
produção, trazendo assim, necessidades de grandes mudanças dos processos
pedagógicos no interior das escolas.

Dentro deste processo de reestruturação produtiva, passou-se a exigir um


novo perfil para o trabalhador, exigindo-se assim, entre outros, maior
responsabilidade, capacidade de argumentação, capacidade para trabalho em
equipe, iniciativa, autonomia etc., e como nos esclarece Alves (2007), esse
processo provocou mudanças estruturais tanto no mercado de trabalho, quanto
nas demandas formuladas à escola.

Assim, os trabalhadores precisaram adaptar-se às novas exigências e


considerando que mudanças econômicas, políticas e sociais refletem também
na educação, fez-se necessário buscar também para os educadores um novo
perfil e nova postura frente a esta realidade.

Encontramos em Kuenzer (1998), a defesa para a construção deste novo


perfil, visto que a sociedade capitalista, da forma que se apresenta, traz em seus
discursos e práticas processos de exclusão social que precisam ser
compreendidos para que, através de um trabalho pedagógico com propostas
alternativas, possamos como ponto de partida nos perguntar: Queremos uma
educação que mantenha a realidade em que vivemos ou uma educação que
contribua para a transformação desta mesma realidade?

30
O papel do pedagogo surge paralelo a essas novas exigências e dentro
dos princípios de uma gestão democrática, buscando-se um profissional que
tenha como referências a ética profissional, atitude investigativa e a flexibilidade,
pois em sua prática pedagógica deve considerar a questão cultural que compõe
o universo a ser trabalhado, pois poderá assim dar ênfase na dimensão social e
humana que o universo escolar está contextualizado, organizando melhor a
escola enquanto ambiente educativo.

A formalização de complexas tarefas pode ser vista nas Diretrizes


Curriculares para o Curso de Pedagogia, aprovado em 16 de maio de 2006, pelo
Conselho Nacional de Educação.

Como nos coloca Kuenzer (2002), há de se considerar que, sendo a


flexibilidade, um dos quesitos no novo perfil desse profissional da
educação, resta-nos analisar, se a recomposição da unidade no
trabalho pedagógico se constitui de fato em tomada do processo como
totalidade - politecnia- ou apenas em ampliação de tarefa, portanto,
polivalência (Kuenzer, 2002. p. 61).

Nessa concepção, algumas evidências podem ser observadas: de um


lado temos o discurso pela formação de trabalhadores flexíveis, estendido
também ao professor pedagogo, com poder de decisão, autonomia, etc.; e, por
outro lado, o poder de criar e de intervir nos processos educacionais fica distante
de se tornarem realidade, uma vez que esses profissionais não tiveram formação
acadêmica para tal e ao longo de sua carreira, não tiveram ainda a capacitação
continuada necessária, dentre outros fatores.

Pelas práticas e resultados de pesquisas realizadas por Zibas (2003),


encontram-se atreladas também a outros problemas, as dificuldades de
interação entre os docentes e professores pedagogos para a organização do
fazer pedagógico, devido ao tempo escasso para reuniões pedagógicas, e estas
quando acontecem, há muita falta de professores, pelo fato de estarem
conciliando o horário estabelecido em calendário escolar, com outros
estabelecimentos de ensino, em vista ao seu vínculo em mais de uma instituição.

Percebemos assim, que a educação, como o próprio contexto econômico,


social, político e cultural, apresenta permanentes contradições, contradições

31
estas, que provocam constantemente, necessidades de um novo olhar, um novo
caminhar e um novo fazer.

Politecnia significa o domínio intelectual da técnica e a possibilidade de


exercer trabalhos flexíveis, recompondo as tarefas de forma criativa. É mais que
a soma de partes fragmentadas.

Cria a possibilidade de construção do novo, permitindo aproximações


sucessivas da verdade, que nunca se dá a conhecer plenamente; por isso o
conhecimento resulta do processo de construção da totalidade, que nunca se
encerra, pois há sempre algo novo para conhecer. Nessa concepção evidencia-
se que conhecer a totalidade não é dominar todos os fatos, mas as relações
entre eles, sempre reconstruídas no movimento da história. (Kuenzer 2000, pp.
86-87).

Assim, independente do termo que se aplica hoje, ao profissional


pedagogo, ou seja, Supervisor Educacional, Orientador Educacional ou
Professor Pedagogo, a sua prática e a sua visão de mundo, de sociedade, de
trabalho, de política e de economia é que fará a diferença.

Garcia (1995), quando aborda a importância do trabalho do pedagogo,


ao estabelecer metas e construir de forma investigativa e satisfatória o
processo educacional juntamente com os educadores, salienta que
para cumprir esse papel é preciso segurança ao transmitir esse saber
e para saber é preciso estudar. Há ainda que considerar o despertar
da criticidade entre professores e alunos, no sentido de desestabilizá-
los, apresentando em seguida, sugestões.

Nesta perspectiva, o trabalho na escola deverá ser desenvolvido no


sentido de explicitar para toda a comunidade escolar o porquê das mudanças,
bem como as contradições que podem ser encontradas nessa sociedade, de
modo a construir uma escola de qualidade, sendo esta a nossa pretensão ao
pensar no aluno e na classe trabalhadora.

Ao romper com a figura do Orientador Educacional e do Supervisor de


Ensino, abrindo espaço para um novo tipo de profissional da educação,
conceituado como professor pedagogo percebe-se a importância em organizar,
dentro de um espaço possível, momentos de discussão, onde possa ser
oportunizado a todos os envolvidos no processo educacional o conhecimento e

32
a sistematização dessa nova forma de trabalho, de modo a articular e não
fragmentar os processos educativos.

A este respeito, Libâneo (2006) tece algumas críticas. Com suas


palavras destaca: ”...é preciso reconhecer que os reais problemas
estão em outro lugar, eles estão nas escolas mal organizadas e
geridas, na precária formação do professorado, no baixo desempenho
escolar dos alunos.

A pesquisa da formação profissional tem uma ferida aberta que é o


descompasso entre a definição de dispositivos legais e a realidade cotidiana das
escolas.

Todos sabemos que nossa escola padece de muitas carências e de


muitos problemas crônicos – a pobreza das famílias, o baixo salário dos
professores, a desvalorização social da profissão de professor, as precárias
condições físicas e materiais das escolas, a repetência, a defasagem idade-série
escolar, as dificuldades de aprendizagem dos alunos, fatores esses que
contribuem para o rebaixamento da qualidade de ensino.

Há outras incidências do contexto sociocultural da escola tais como a


intensificação da urbanização que, junto a outros fatores, provocam a ampliação
da diversidade social e cultural dentro da escola; o impacto dos meios de
comunicação na vida escolar e na aprendizagem dos alunos; mudanças nos
processos internos do aprender dos alunos; fragilidade das formas de
organização e gestão da escola em meio a mudanças abruptas na organização
curricular como os ciclos e integração de portadores de necessidades especiais;
dificuldades do professorado em adequar-se a essas mudanças, acentuadas
com a falta de domínio de conteúdos e metodologias das disciplinas,
perplexidade frente a problemas ligados à violência, ao uso de drogas, à
sexualidade precoce dos alunos, ao controle da disciplina na classe”.

Ainda, segundo o autor, não é a reformulação legal do curso de pedagogia


que trará a solução para esses problemas, segundo ele: “... uma sensibilidade
maior às demandas e exigências formativas vindas da escola poderá favorecer
uma melhor formação profissional, pois é disto que se trata.

33
Parte das confusões da legislação e das dificuldades em se obter
consenso sobre os currículos decorrem da falta de realismo em captar
necessidades e demandas das escolas e dos professores.

Penso que não estamos sabendo subordinar as políticas de formação de


professores às políticas para a escola e para a aprendizagem dos alunos, e uma
das razões disso está no distanciamento de alguns segmentos de educadores
das questões concretas que envolvem o funcionamento da escola e o trabalho
dos professores”.

Mais uma vez, evidencia-se a importância de compreendermos a escola


no contexto social, econômico, político e educacional, para podermos, por meio
de ações, provocar mudanças.

Precisamos conhecer também a realidade e as necessidades da


comunidade escolar, principalmente do aluno trabalhador do período noturno,
para direcioná-la ao entendimento desse contexto maior, não só preparando
para o mercado de trabalho, para a cidadania ou para o prosseguimento de
estudos, mas prepará-los para prosseguir para qualquer uma dessas dimensões,
com espírito crítico, conhecimento científico e histórico cultural suficiente para
atuar na sociedade de forma não-alienada e desumana.

Observamos que os alunos ao se matricularem no ensino médio noturno,


em sua maioria, o fazem por ter nesse período a única opção de prosseguimento
de estudos e um espaço para aquisição de uma educação formal, pelo fato de
que para manter a sua sobrevivência, precisam de um trabalho durante o dia.

Mas, esse fato não justifica práticas pedagógicas não planejadas e muito
menos um ensino reducionista, ao que se refere à aprendizagem. Pelo contrário,
a escola tem que usar de sua autonomia, para que na construção de seu projeto
político pedagógico, possa relacionar a situação desses alunos com um contexto
social mais amplo.

Com todas as contradições, é possível uma formação digna para os


alunos trabalhadores, que lhes permita compreender essas relações de trabalho
por vezes competitivas e excludentes, dando-lhes assim condições de se
organizarem para combatê-las?

34
ALTERNATIVAS PARA O PROCESSO ENSINO-
APRENDIZAGEM
Que direcionamento metodológico utilizar? Considerando a discussão
anterior, cabe salientar que nossa preocupação também se centra na busca de
elementos que possam ser identificados como facilitadores da aprendizagem
dos alunos do ensino médio noturno.

A pretensão não é apontar um modelo ou receita de estratégias de ensino


a serem repetidas, mas sim abordar aspectos metodológicos, pesquisados com
base em autores contemporâneos e que se debruçam sobre essa temática, para
que possam contribuir para uma reflexão, visando a possibilitar mudanças na
prática do professor pedagogo e, consequentemente na sala de aula, auxiliando
o aluno a engajar-se na sociedade de forma consciente, crítica e reflexiva.

Zibas (2003), ao tratar da reforma curricular do ensino médio, ocorrida no


final da década de 90 e início do novo século, a partir da análise desta
modalidade e retomando a Resolução no 03/98 do Conselho Nacional de
Educação, registra algumas questões sobre o contexto da virada do século,
apontando a necessidade de um profundo repensar do currículo do Ensino
Médio, em vista de algumas constatações e análise sobre os itens abaixo:

a) explosão da demanda por matrículas;

b) requisitos do novo contexto produtivo;

c) exigência de desenvolvimento de conhecimentos e valores para construção


de uma cidadania democrática;

d) exigência de aproximação entre currículo e cultura juvenil.

Podemos concluir, conforme a exposição da autora, que em se tratando


do aumento explosivo de matrículas, significando, em 2003, mais de nove
milhões de jovens frequentando o Ensino Médio, comparados aos cinco milhões
do ano de 1994, que esses números indicam maior democratização do acesso
e uma maior heterogeneidade do alunado que reforça a crítica a conteúdos
enciclopédicos e descontextualizados, bem como os métodos tradicionais de
ensino, exigindo-se uma reforma que torne a escola média realmente inclusiva.

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Devemos considerar ainda que, com essa ampliação da oferta aliada a
essa heterogeneidade, criou-se grande dificuldade por parte do professor de
lidar com essa nova demanda que apresenta também novas perspectivas de
ensino.

No segundo item, a autora esclarece a respeito do discurso que há mais


de uma década é difundido em toda a sociedade, acerca da necessidade de
formação de jovens, com base em novos conhecimentos e competências, de
modo que possam interagir com as profundas mudanças tecnológicas,
socioeconômicas e culturais da contemporaneidade.

Em relação a essa formação da juventude para enfrentar essa nova


realidade, impõe-se como um desafio, que tal formação resguarde uma
compreensão muito mais ampla e profunda do que aquela demandada pela
produção.

Quando a autora se refere às exigências de desenvolvimento de


conhecimentos e valores para a construção de uma cidadania democrática,
reforça a importância da não submissão passiva à racionalidade econômica.
Assim, esclarece: “... a par da inevitável instrumentação dos jovens, para que
sobrevivam no mundo real, torna-se fundamental que a escola ensine a “leitura
desse mundo” ou, em outras palavras, que desenvolva a cidadania democrática,
aqui entendida como compreensão histórica das relações estruturantes do
mundo econômico e social, de forma que a sociedade seja percebida como
passível de ser transformada”.

Zibas (2003), coloca essa questão como a mais complexa das


demandas sobre a escola e acrescenta: “há divergentes
posicionamentos sobre as possibilidades de que a escola – em vista
de suas determinações históricas e sociais – possa exercer esse papel.
Entretanto, o atual contexto – de aumento das desigualdades, de
anomia social generalizada, de violência social, de crise de valores e
de colapso ou perda de importância dos veículos tradicionais de
socialização da juventude – pode facilitar a compreensão do currículo
desse ângulo político-pedagógico”.

Em seu último posicionamento, destaca a grande dificuldade que os


professores encontram ao se aproximarem da cultura do adolescente,

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argumentando que: “esse distanciamento afunila a cultura da escola, empobrece
as trocas entre os sujeitos do mundo escolar e converte, muitas vezes, o
conteúdo das disciplinas em elemento aversivo aos alunos. Além disso, está
muito evidente que, mesmo para aqueles jovens que conseguem terminar o
Ensino Médio, o baixo crescimento econômico do país e, em alguma proporção,
as novas estruturas produtivas já automatizadas tornam as oportunidades de
trabalho muito escassas”.

Para finalizar, Zibas (2003) adverte que: “... os caminhos para


desenvolver os pré-requisitos para uma aprendizagem significativa são
conhecidos e rejeitam a permanência de uma escola pobremente
equipada (do ponto de vista material, cultural e técnico) destinada aos
pobres. Ao contrário, são complexas e não pouco custosas as
exigências para uma escola média inclusiva.

A vinculação dos docentes a uma só instituição e a maior permanência


dos jovens na escola (entendendo-se aqui por “maior tempo qualificado, e não
mais um ano de escolaridade precária) são apenas dois dos inúmeros aspectos
a serem considerados”.

São oportunas ainda, as colocações de Machado, que após pesquisa,


realizada com os alunos do curso de pedagogia noturno, enfatiza alguns
elementos da prática pedagógica que foram evidenciados como essenciais pelos
pesquisadores e alunos.

Machado (2000) aponta assim, entre outros, alguns dos principais


elementos que contribuem para o processo ensino-aprendizagem, os
que dizem respeito à motivação e interesse dos alunos para as aulas;
à opção metodológica associada à lógica do conteúdo/conhecimento a
ser trabalhado, que está associado aos objetivos de ensino, os quais
definirão o nível da abordagem a ser efetivada, e a estratégia a ser
escolhida, sendo essencial o conhecimento da realidade do aluno.

O elemento afetivo também apareceu como um dos grandes motivadores


da aprendizagem, à medida que o professor, através de gestos de sensibilidade
e palavras de incentivo, produz efeito positivo sobre a aprendizagem do aluno,
pois como destaca a autora, a criação de um clima de parceria e construção
coletiva, o respeito e a valorização das ideias do aluno, por parte do professor,
facilita a construção de uma relação interpessoal e comunicação construtiva.

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Para a autora é de suma importância ainda, o domínio do conteúdo, aliado
à compreensão das teorias da aprendizagem, pelo professor, pois orienta e
intervém nos momentos em que opta por determinada metodologia da qual
decorrerá a estratégia de ensino e de aprendizagem.

Ao considerar as práticas acima e levando-as de forma específica aos


alunos trabalhadores que frequentam o ensino médio noturno, evidencia-se que
a melhor metodologia é aquela que motiva e envolve o aluno nas aulas, que leva
em conta sua realidade, suas necessidades e que está ligada a fatos do cotidiano
e da atualidade, além de ter como fio condutor, o envolvimento coletivo na
construção do saber escolar, a fim de torná-los agentes de seu próprio
pensamento, pela interação e pelo conhecimento.

Nesta perspectiva, para formarmos alunos capazes de reelaborarem o


pensamento de forma significativa, caminhar na construção de uma escola
média noturna inclusiva, faz-se necessário enfrentar o desafio da complexidade,
isto é, repensar as teorias da educação dentro de um contexto mais abrangente,
com visões e entendimentos de perspectivas globais, buscando dentro do
contexto histórico, compreender qual a melhor metodologia de ensino a ser
utilizada, traçar metas identificando que tipo de alunos queremos formar e para
que tipo de sociedade, isso porque para trabalhar com as classes populares, os
enfoques não podem ser simplificadores, mas sim ricos e diversificados.

Neste sentido, Zibas (2003), nos alerta: “... a maior dificuldade é


reconhecer que a imprescindível valorização da cultura popular não
nos exime da necessidade de tornar significativo, principalmente para
os filhos das camadas populares, o conhecimento historicamente
acumulado. Caso contrário, continuaremos com um sistema
educacional irremediavelmente cindido entre a escola para a classe
média e a escola dos pobres, em que a aprendizagem de conteúdos
significativos se torna uma farsa...”.

Considerando ainda, nossa realidade educacional, para a construção


dessa formação almejada, reforçamos a necessidade do engajamento coletivo
da escola, envolvendo os professores, a direção, a equipe pedagógica, pais,
alunos, funcionários em geral e os órgãos colegiados, a fim de construir-se um

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Projeto Político Pedagógico que abra a possibilidade de elaboração de um novo
currículo para aqueles que vivem do trabalho.

Kuenzer (2000), desenvolveu algumas considerações voltadas para a


Educação de Jovens e Adultos, o que não impede que as tragamos
para nossa reflexão, considerando a realidade do ensino noturno.
Conforme a autora: “a educação deve voltar-se para uma formação na
qual os educandos – trabalhadores possam aprender
permanentemente, refletir criticamente, agir com responsabilidade
individual e coletiva, participar do trabalho e da vida coletiva,
comportar-se de forma solidária, acompanhar a dinamicidade das
mudanças sociais, enfrentar problemas novos construindo soluções
originais com agilidade e rapidez, a partir da utilização
metodologicamente adequada de conhecimentos científicos,
tecnológicos e históricos.(kuenzer, 2000, p.40)”.

Pelas colocações da autora, podemos perceber ainda, a importância do


nosso caminhar e do nosso fazer pedagógico construídos de forma adequada, e
analisando a forma de como a educação deve ser construída, podemos perceber
ainda a amplitude de conhecimentos e valores os quais os educadores devem
buscar ou procurar aperfeiçoar, para que se construa um currículo adequado, a
todos os alunos, principalmente à classe trabalhadora.

Diante dessas considerações, concordamos com Sapelli (2003), que


ao discutir currículo, faz as seguintes colocações: “Discutir currículo
não é restringir-se a discussões meramente técnicas ou estratégicas.”

Discutir currículo é discutir vida, concepção de homem e de mundo,


projetos de sociedade. É compreender, talvez relembrar, repensar, redefinir a
função da escola e de cada profissional da educação.

Definir que currículo é um ato político tenhamos nós consciência ou não


dele. Portanto, discutir currículo é um ato complexo, pois representa desvelar
relações de poder que ocorrem na escola e para além dela.

Exige a compreensão das concepções que sustentam a organização dos


tempos e espaços escolares; a explicitação dos interesses que definem as
políticas educacionais, a compreensão do que seja método, dentre outros
aspectos.”

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Ressaltamos ainda, as afirmações de Carvalho (2001) acerca da
construção de um projeto de escola, onde sejam consideradas práticas
metodológicas alternativas, voltadas aos alunos dos cursos noturnos.
Segundo a autora: “... faz-se necessário a sua elaboração, se
fundamentando em investigação sobre a especificidade do ensino
noturno, dos integrantes da Escola nesse período e das relações entre
o saber escolar e os outros saberes. Exige trabalho coletivo, onde o
objetivo comum, bem-definido, arme e articule os objetivos individuais
de cada elemento do grupo.

Requer também empenho dos professores na apresentação e


colaboração com professores especialistas (de Universidade, por exemplo),
registro das reflexões e do resultado das ações planejadas e realizadas.

Da análise e divulgação em formato acessível a professores interessados,


espera-se a "contaminação" que provoque modificações transformadoras"
(Carvalho 2001).

Reportando-nos para as palavras da autora, mais uma vez podemos


perceber a importância da elaboração coletiva, reflexiva e sistematizada do
projeto político pedagógico dirigido aos alunos do ensino médio noturno.

A realidade desse alunado, que fazem parte, em sua maioria, da classe


trabalhadora, não pode ser ignorada visto que essa situação diferenciada acaba
refletindo o papel que a escola deve desempenhar para a formação desses
jovens trabalhadores.

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: AMBIGUIDADES E NOVOS


SENTIDOS
Afinal de contas, o que é uma prática pedagógica? Talvez essa pergunta
seja muito frequente entre alunos e professores.

Percebe-se, em suas falas, certa tendência em considerar como


pedagógico apenas o roteiro didático de apresentação de aula, ou seja, apenas
o visível dos comportamentos utilizados pelo professor durante uma aula. Dessa
situação, decorrem alguns questionamentos:

1) Prática docente é sempre uma prática pedagógica?

2) Existe prática pedagógica fora das escolas, além das salas de aula?

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3) O que é, afinal de contas, o pedagógico?

4) O que caracteriza uma prática pedagógica?

Essas similaridades são mais bem compreendidas a partir da


diferenciação proposta por entre o conceito de poiesis e o de práxis.

O autor considera que a primeira é uma forma de saber fazer não


reflexivo, ao contrário da última, que é, eminentemente, uma ação reflexiva.
Nessa perspectiva, a prática docente não se fará inteligível como forma
de poiesis, ou seja, como ação regida por fins prefixados e governada por regras
predeterminadas. A prática educativa, de modo amplo, só adquirirá
inteligibilidade quando for regida por critérios éticos imanentes, que, segundo,
servem para distinguir uma boa prática de uma prática indiferente ou má.

É preferível considerar esses critérios éticos, a fim de distinguir uma


prática tecida pedagogicamente - vista como práxis - de outra apenas
tecnologicamente tecida - identificada como poiesis.

Assim, realça-se o pressuposto que será o fio condutor do texto: há


práticas docentes construídas pedagogicamente e há práticas docentes
construídas sem a perspectiva pedagógica, num agir mecânico que
desconsidera a construção do humano. Esse aspecto é destacado por, ao
abordar a técnica como produto do humano, diferente da técnica como produtora
do humano. Isso remete a uma possível mistificação da técnica no campo
pedagógico, supervalorizando-a como produtora das práticas.

Considera-se que, nas práticas pedagogicamente construídas, há a


mediação do humano e não a submissão do humano a um artefato técnico
previamente construído.

Assim, uma aula ou um encontro educativo tornar-se-á uma prática


pedagógica quando se organizar em torno de intencionalidades, bem como na
construção de práticas que conferem sentido às intencionalidades. Será prática
pedagógica quando incorporar a reflexão contínua e coletiva, de forma a
assegurar que a intencionalidade proposta é disponibilizada a todos; será
pedagógica à medida que buscar a construção de práticas que garantam que os
encaminhamentos propostos pelas intencionalidades possam ser realizados.

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Nesse aspecto, uma prática pedagógica, em seu sentido de práxis,
configura-se sempre como uma ação consciente e participativa, que emerge da
multidimensionalidade que cerca o ato educativo. Como conceito, entende-se
que ela se aproxima da afirmação que a prática educativa é algo mais do
que expressão do ofício dos professores; é algo que não pertence por inteiro aos
professores, uma vez que há traços culturais compartilhados que formam o que
pode ser designado por subjetividades pedagógicas.

No entanto, destaca-se que o conceito de prática pedagógica poderá


variar dependendo da compreensão de pedagogia e até mesmo do sentido que
se atribui a prática.

Serão analisadas algumas ambiguidades que parecem ter produzido


equívocos no discurso pedagógico, acarretando entendimentos dúbios acerca
do sentido de práticas pedagógicas.

PRÁTICAS EDUCATIVAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS


É comum considerar que práticas pedagógicas e práticas educativas
sejam termos sinônimos e, portanto, unívocos. No entanto, quando se fala de
práticas educativas, faz-se referência a práticas que ocorrem para a
concretização de processos educacionais, ao passo que as práticas
pedagógicas se referem a práticas sociais que são exercidas com a finalidade
de concretizar processos pedagógicos. Fala-se, então, de práticas da Educação
e práticas da Pedagogia. Contudo, Pedagogia e Educação são conceitos e
práticas distintas?

Segundo o ponto de vista adotado neste artigo, trata-se de conceitos


mutuamente articulados, porém, com especificidades diferentes. Pode-se
afirmar que a educação, numa perspectiva epistemológica, é o objeto de estudo
da Pedagogia, enquanto, numa perspectiva ontológica, é um conjunto de
práticas sociais que atuam e influenciam a vida dos sujeitos, de modo amplo,
difuso e imprevisível.

Por sua vez, a Pedagogia pode ser considerada uma prática social que
procura organizar/compreender/transformar as práticas sociais educativas que

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dão sentido e direção às práticas educacionais. Pode-se dizer que a Pedagogia
impõe um filtro de significado à multiplicidade de práticas que ocorrem na vida
das pessoas. A diferença é de foco, abrangência e significado, ou seja, a
Pedagogia realiza um filtro nas influências sociais que, em totalidade, atuam
sobre uma geração. Essa filtragem, que é o mecanismo utilizado pela ação
pedagógica, é, na realidade, um processo de regulação e, como tal, um processo
educativo.

Reitera-se, assim, Pedagogia como prática social, que


oferece/impõe/propõe/indica uma direção de sentido às práticas que ocorrem na
sociedade, realçando seu caráter eminentemente político. No entanto, essa
direção de sentido está cada vez mais complexa e difusa na sociedade atual.
Processos vinculados a mídias como TV, internet e redes sociais on-line passam
a ter, no século atual, grande influência educacional sobre as novas gerações,
competindo com as escolas, que ficam em desigualdade de condições.

A escola e suas práticas pedagógicas têm tido dificuldades em mediar e


potencializar as tecnologias da informação e comunicação. Como pode a
Pedagogia mediar tais influências? Como transformá-las em processos
pedagógicos numa perspectiva emancipadora? Como educar/formar mediando
tantas influências educacionais? São questões que impõem um grande desafio
às práticas pedagógicas e à Pedagogia: como incorporar nas práticas escolares
essa multiplicidade de influências e trabalhar pedagogicamente a partir delas?

DIFERENTES CONCEPÇÕES DE PEDAGOGIA; DIFERENTES


CONCEPÇÕES DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
Em pesquisa teórica realizada sobre a epistemologia da Pedagogia,
observou-se que, desde o século 19, quando Herbart preconiza o princípio de
uma cientificidade rígida à Pedagogia, ele também impõe um fechamento
epistemológico a essa ciência, de tal forma que, para ser ciência, teve que deixar
de ser Pedagogia, em seu sentido lato, pois seu objeto - a educação - foi se
restringindo à instrução, ao visível, ao aparente, ao observável do ensino, e,
assim, foi apreendida pela racionalidade científica da época.

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Essa associação da Pedagogia às tarefas apenas instrucionais tem
marcado um caminho de impossibilidades à prática pedagógica. Como teoria da
instrução, a Pedagogia contenta-se com a organização da transmissão de
informações, e, dessa forma, a prática pedagógica - pressuposta a essa
perspectiva teórica - será voltada à transmissão de conteúdos instrucionais.

A partir de diferentes configurações, essa Pedagogia, de base técnico-


científica, alastrou-se pelo mundo com variadas interpretações.

Quando se afirma que as práticas pedagógicas são práticas que se


realizam para organizar/potencializar/interpretar as intencionalidades de um
projeto educativo, argumenta-se a favor de outra epistemologia da Pedagogia:
uma epistemologia crítico-emancipatória, que considera ser a Pedagogia uma
prática social conduzida por um pensamento reflexivo sobre o que ocorre nas
práticas educativas, bem como por um pensamento crítico do que pode ser a
prática educativa.

A grande diferença é a perspectiva de ser crítica e não normativa; de ser


práxis e não treinamento; de ser dialética e não linear. Nessa perspectiva, as
práticas pedagógicas realizam-se como sustentáculos à prática docente, num
diálogo contínuo entre os sujeitos e suas circunstâncias, e não como armaduras
à prática, que fariam com que esta perdesse sua capacidade de construção de
sujeitos.

No entanto, constata-se que essa epistemologia crítica da Pedagogia tem


estado cada vez mais distante das práticas educativas contemporâneas.
Segundo essa perspectiva, é possível falar em esgotamento da racionalidade
pedagógica.

A esfera da reflexão, do diálogo e da crítica parece cada vez mais ausente


das práticas educativas contemporâneas, as quais estão sendo substituídas por
pacotes instrucionais prontos, cuja finalidade é, cada vez mais, preparar crianças
e jovens para as avaliações externas, a fim de galgarem um lugar nos
vestibulares universitários.

A educação, rendendo-se à racionalidade econômica, não mais consegue


dar conta de suas possibilidades de formação e humanização das pessoas.

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