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A língua como objeto da

linguística
PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objeto da linguística. In:
FIORIN, J. L. Introdução à Linguística: I objetos teóricos. 4 ed. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 75-94

COSTA, Marcos Antonio. Estruturalismo. In: In: MARTELOTTA, Mário Eduardo


et al (Orgs.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. p.113-126.
Relembrando...
Século XIX : a Linguística tinha como método dominante, o chamado
método histórico-comparativo. Estudava a mudança linguística e
classificava as línguas em grupos de famílias, tratando-as em grau de
parentesco:

Pai: pai (português) padre (espanhol) père (francês) padre


(italiano)

O que todas essas línguas têm em comum? A língua-mãe, o latim.


 Pai: pater (latim) patér (grego) pitar (sânscrito)
O que essas línguas têm em comum? A língua-mãe, a indo-européia.

Como não havia registros do indo-europeu, o trabalho dos linguístas era


a sua reconstrução a partir de vestígios que ela deixou nas línguas que
dela originaram.
Latim Espanhol Português
Clamare llamar chamar
Clave llave chave
Plenu lleno cheio
Plicare llegar chamar
• Século XX: Ferdinand de Saussure contribui para o avanço dos
estudos linguísticos. Ele não foi o “inventor” da Linguística,
mas contribuiu para que a linguística se tornasse uma ciência
autônoma, quando definiu o seu objeto de estudo.

• Saussure afirma que é o ponto de vista que cria o objeto de


estudo:
Nudum (latim) > Nu (português): análise da língua em sua
mudança histórica a partir de semelhanças fônica e de
informação.
Nu: análise fônica, são relevantes informações fonéticas; análise
de expressão de ideias, são pertinentes informações semânticas.

Enfoques diferentes = objetos de estudo diferentes


Dicotomias
O termo dicotomia deriva do grego dichotomía, que quer
dizer “divisão em partes iguais”, porém, em Saussure designa a
divisão lógica de um conceito em dois, de modo que se
obtenha um par opositivo:

1. Sincronia e Diacronia
2. Língua e Fala
3. Significante e Significado
4. Paradigma e Sintagma
Sincronia e Diacronia
DIACRONIA (do grego dia = “através” e chrónos
= “tempo”): mudança que ocorre na língua através
do tempo. Ex:
pane > pãe > pão (do latim ao português)
edere (latim clássico) > cumedere (latim vulgar) >
comer (português)

O cum- = com- (que designa companhia), do


ponto de vista diacrônico, não é um radical, mas
um prefixo.
SINCRONIA (do grego syn = “juntamente” e
chrónos = “tempo”): estado de língua isolado de
suas mudanças através do tempo, que passa a ser
estudado como um sistema de elementos
linguísticos, nas relações que contraem , ao mesmo
tempo, uns com os outros.
Ex:
 “ter” e “haver” = existir : variação de duas formas coexistindo no
português brasileiro contemporâneo.
 “com-”: no português é um radical, já que “comer”, nos demais
contextos morfológicos funciona como um radical, como em
“comilança”, “comilão” e “comida”.
A relação entre sincronia e diacronia é metaforizada
pelo corte do tronco de uma árvore: corte transversal,
revelando a relação dos elementos que o compõem,
sincronia, e pelo corte longitudinal, revelando o
desenvolvimento desses elementos, diacronia.
Fatos sincrônicos: são gerais (princípios de
regularidades), mas não imperativos (podem ser
modificados em uma mudança de língua).
 Ex:
Verbo: morfemas de modo e tempo e de número e pessoa.
Faláramos: fal- = radical; a- = VT de 2ª conjugação; ra- =
morfema de tempo mais-que-perfeito do indicativo; mos-
= morfema de 1ª pessoa do plural.

Substantivos: no latim tinham morfemas de gênero ,


número e caso. Ex: lupum (OD) (Na passagem para o
português essa marca morfológica de caso se perde)
Fatos diacrônicos: são imperativos, visto que se
impõem à língua.
 Ex:
Na passagem do latim para o português as marcas
morfológicas de caso se perderam. No entanto, ela
está presente, no português, mas de outro modo.
Como as línguas têm um caráter sistemático, a
mudança se deu em todo o sistema, i.e., no latim
todos os substantivos tinham marca morfológica
de caso, e no português não. Assim, quando se deu a
mudança, todo o sistema foi recoberto, ou seja, tudo o
que é classificado como substantivo foi afetado.
Entendendo...
Em cada século há um estado de língua. Faz-se um
estudo sincrônico do português do séc. XIII, do português
do séc. XIV, etc. A sucessão dessas sincronias, é o que
se chama de diacronia.

Saussure priorizou o estudo sincrônico sobre o


diacrônico. Para ele, deve-se estudar o sistema de língua,
observando como se configuram as relações internas
entre seus elementos em um determinado momento do
tempo. Esse tipo de estudo é possível porque os falantes
não têm informações acerca da história de sua língua e
não precisam ter informações etimológicas a respeito dos
termos que utilizam no dia a dia.
Analogia entre o sistema linguístico e o jogo de xadrez
Tanto no jogo da língua como numa partida de xadrez estamos diante
de um sistema de valores e assistimos às suas modificações: assim
como ocorre no sistema linguístico, a disposição das peças no tabuleiro
sofre contínuas mudanças. A qualquer momento essa disposição
pode ser descrita conforme a posição das peças naquele momento do
jogo, o mesmo acontece quando se trata de um estado particular de
língua . Não importa o caminho percorrido. Quem acompanhou toda a
partida não tem a menor vantagem sobre o curioso que vem espiar o
estado do jogo no momento crítico. Para descrever a posição é inútil
recordar o que ocorreu dez segundos antes. Embora não sejam muitos
os falantes conhecedores profundos da evolução histórica da língua que
utilizam, todos demonstram dominar ainda na infância, as regras
internas da língua que ouvem à sua volta. A descrição linguística
sincrônica tem por tarefa reformular essas regras sistemáticas conforme
elas operam num momento (estado) específico, independentemente da
combinação particular de movimento (mudança) já ocorrido.
O movimento de uma pedra no tabuleiro repercute em uma
nova sincronia, um vez que repercutirá em todo o sistema. O
conjunto das regras do jogo é mantido. Essas regras situam-se
fora do tempo do jogo e são prévias à sua existência e
realização.

Saussure alerta que a analogia do jogo de xadrez com o sistema


linguístico é falha, no ponto em que a ação do jogador ao
deslocar um pedra e exercer uma alteração no sistema, a faz de
forma intencional. Na língua nada é premeditado, “é
espontâneo o deslocamento de suas peças” .
Língua e Fala
 Língua (langue): é um sistema supraindividual
utilizado como meio de comunicação entre os
membros de uma comunidade. Ou, é um sistema
gramatical depositado virtualmente nos
cérebros de um conjunto de indivíduos
pertencentes a uma mesma comunidade
linguística. Sua existência decorre de uma espécie
de um contrato implícito estabelecido entre os
membros dessa comunidade. Daí ser um dado social
e coletivo.
Fala (parole): uso individual e particular do sistema que
caracteriza a língua. Pessoas que falam a mesma língua,
mesmo que de modo diferente, conseguem se comunicar
porque compartilham do mesmo vocabulário e das mesmas
regras gramaticais.

 Para Saussure, a língua é a condição da fala, uma vez que,


quando falamos, estamos submetidos ao sistema estabelecido
de regras que correspondem à língua.
 O objeto de estudo da linguística é a língua, e não a fala.
Isso porque, primeiramente, a língua é um conhecimento
comum a todos, e a fala é um ato individual, depois porque
toda preocupação extralinguística é abandonada, e a estrutura
da língua é descrita apenas a partir de suas relações internas.
Fatos de língua: uma mudança no sistema pode advir dos
fatos de fala.
Ex: mudanças de produção de sons que ocorrem na fala e
alteram o sistema fônico.
/l/ e /n/ seguidas da semivogal /i/ se palatizavam na fala
/lh/ e /nh/. Essa palatalização passou a fazer parte do
sistema linguístico: filiu > filho; mulier > mulher; vinia >
vinha.
 Em algumas regiões do país, algumas palavras perderam a
palatalização: mulher > mulé. Fato de fala que não afetou
o sistema da língua.
 Língua e Fala não podem ser estudadas
separadamente, uma vez que existe uma estreita relação
entre os dois objetos. A língua só se estabelece a partir das
manifestações concretas de cada ato linguístico. Língua é
instrumento e produto da fala.
Significante e Significado

 Significante: sequência de fonemas, ou imagem acústica, que


não pode ser confundido como o som material, puramente
físico, mas deve ser identificado como a impressão psíquica
desse som.

 Significado: conceito ou sentido que é atribuído ao significante.

 Significante (imagem acústica) + Significado (conceito)= Signo


linguístico = Língua.
Diferenças de princípios de categorização da
realidade, não impedem a tradução de uma língua
em outra.
húngaro francês português malaio
Irmão mais velho bátya frère irmão sudarà
Irmão mais novo occs frère irmão sudarà

Irmã mais velha néne soeur irmã sudarà

Irmã mais nova húg soeur irmã sudarà

Isso quer dizer que essas línguas têm princípios de


classificação diferentes.
Saussure afirma que o signo linguístico é arbitrário,
uma vez que não há uma relação de causa e efeito que
motive a relação que une um significado e um
significante. Arbitrário significa não motivado, i.e., o
significante não é motivado pelo significado.
 Signos arbitrários e signos relativamente não
arbitrários:
Vinte: é arbitrário, pois não é motivado por nenhum
signo. Não há um signo dezedez;
Dezenove: não é arbitrário, pois é relativamente
motivado pelos signos dez e nove;
Laranjeira: não é arbitrário, pois é motivado por laranja.
Paradigma e Sintagma
As relações entre os elementos linguísticos podem ser
estabelecidos em dois domínios:
1. Sintagma: do grego syntagma, quer dizer “coisa posta
em ordem”, ou relações de combinação entre os signos,
que estão presentes em um mesmo contexto sintático.
Por englobar diferentes níveis de análise, a noção de
sintagma deve ser compreendida de uma maneira ampla:
a. Nível sintático: as palavras se combinam para formar
frases.
O menino - gosta de bolo
(SN) (SV)
b. Nível morfológico: os morfemas se unem para formar
a palavra, ou sintagma vocabular. Desse modo prefixos
(antecedem) e sufixos (sucedem) o radical.
Infelizmente: in (prefixo), feliz (radical) e mente
(sufixo)
c. Nível fonológico: as unidades se combinam para
formar as sílabas. Quanto às restrições impostas pelas
regras do sistema, no português não se admite sílaba
sem som vocálico. (ca-sa = CV; bar = CVC)

 Frases como “De gosta bolo menino o”, não são aceitas
no português.
2. Paradigma: do grego paradéigma, que significa “modelo”, ou relações
associativas entre um termo que está presente em um determinado
contexto sintático com outros que estão ausentes desse contexto, mas
que são importantes para a sua caracterização em termos opositivo.

Sintagma Carlos ama a irmã.


Tiago admira o avô.
Francisco odeia a tia. Paradigma

Sintagma fal a re mos


com e ria s
sum i sse is
Paradigma
Sintagma m a t a
l a t a
r a t a
Paradigma

 Os dois eixos estão no domínio da língua.


 Martinet e a dupla articulação da linguagem

O que quer dizer dupla articulação da linguagem?


Unidades são divididas, recortadas e segmentadas em
unidades menores.
Os enunciados da língua se articulam em dois planos:

1º. Unidades dotadas de sentido: Os lobos andavam


(o=artigo; -s=morfema de plural; lob-=radical que significa
“grande mamífero carnívoro; o-=morfema de gênero; s-
=morfema de plural; and-=radical que significa caminha;
a=morfema de conjugação do verbo; -va =morfema que indica
tempo e modo; -m=morfema de número e pessoa).

Nessa articulação as unidades são dotadas de


significante e significado.
2º. Unidades desprovidas de sentidos: os morfemas se dividem
em unidades menores desprovidas de sentido, chamadas
fonemas.
• lob-, pode se articular nos fonemas /l/, /o/ e /b/.
Nessa plano as unidades têm apenas valor distintivo. Assim,
quando se substitui /l/por /b/ se produz bob-, outro radical.
 A dupla articulação da linguagem é um fator de
economia linguística, pois com poucas dezenas de
fonemas, formam-se milhares de morfemas, e com milhares
de morfemas, forma-se um número ilimitado de enunciados.
 Se o homem produzisse um som diferente para expressar
cada uma de suas experiências ou para designar cada
elemento da realidade teriam uma sobrecarga na memória.
O aparelho fonador não emitiria a quantidade de sons
diferentes necessários para isso, nem o ouvido seria capaz de
aprender todas as produções fônicas.
Coseriu e a noção de norma
Coseriu reformulou a dicotomia língua (coletiva) e fala
(individual) de Saussure;
De acordo Coseriu, a fala é realizada de formas que
não são de natureza individual, e nem são realizadas
por todos os falantes de uma mesma língua:
diferentes sotaques; uso de vocabulário próprios
de alguns grupos sociais; presença ou não de
concordâncias verbais e nominais = variantes de
uma mesma língua;
Para descrever essas variantes, propõe-se a tríade
sistema, norma e fala, de modo que as variantes
sejam descritas no domínio da norma.
Na tríade:
 Fala continua individual;
 Língua não é apenas sistema funcional, mas também
normal, ou seja, língua é o sistema articulado com suas
normas, i.e., com suas variantes linguísticas.
 Língua abrange o sistema, domínio de todos os
falantes de uma mesma língua, e as normas, que, como
variantes desse sistema, são do domínio de grupos
sociais, regionais, etc.
Ex: /r/ em final de sílaba, tem três variantes (paulista,
paulistano e carioca);
A consoante /r/ pertence ao sistema da língua
portuguesa, e a suas variantes fonéticas estão no
domínio de três normas regionais diferentes.
Referências

PIETROFORTE, Antonio Vicente. A língua como objeto da linguística. In:


FIORIN, J. L. Introdução à Linguística: I objetos teóricos. 4 ed. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 75-94

COSTA, Marcos Antonio. Estruturalismo. In: In: MARTELOTTA, Mário


Eduardo et al (Orgs.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto,
2008. p.113-126.

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