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CASO CLÍNICO 5 - 31/03/2021

Brenda Burack – R2 de Pediatria

Dr Vitor Costa Palazzo


Anamnese
V.E.S.O., 2 anos, sexo masculino.
Procedente de São José dos Pinhais.
Acompanhado da mãe (informante).
Queixa Principal: Sonolência excessiva.
História da moléstia atual: Há 10 dias a mãe relata que
percebeu que o paciente está com sonolência excessiva,
dormindo em média 18 horas/dia, diferente do habitual
quando dormia 10 horas/dia. Notou piora progressiva da
sonolência no período, inicialmente dormia poucas
horas a mais por dia (sonecas mais longas), porém,
atualmente, passa a maior parte do tempo dormindo.
Simultaneamente, percebeu lentificação na fala, perda
do interesse nas atividades habituais e está brincando
pouco.
Anamnese
História da moléstia atual: Embora, em alguns
momentos, a mãe tenha dificuldade para despertar o
paciente, no momento das refeições este acorda com
mais facilidade. Apetite reduzido. Nega febre, traumas,
vômitos, uso de medicações diferentes das de uso
contínuo, mudança de ambiente. Paciente está com
eliminações fisiológicas preservadas (diurese e
evacuações espontâneas em fralda).
Anamnese
Anamnese fisiológica: G4A1 – nega intercorrências na
gestação; relato de abortamento recente - não soube
informar a idade gestacional em que o aborto ocorreu,
tendo sido realizado curetagem. Paciente nascido de
parto normal, 36 semanas. Foi levado para a unidade de
terapia intensiva neonatal, permanecendo por 38 dias.
Diagnóstico de mielomeningocele ao nascimento e
posteriormente de hidrocefalia. Relato de
hipertelorismo mamário, palato ogival, hipotelorismo
facial e pé torto congênito (cariótipo normal – sic).
Anamnese
Desenvolvimento neuropsicomotor: com 8-9 meses
sustento cefálico, 1 ano e 3 meses sentou sem apoio,
engatinhava desde 1 ano e 6 meses. Não deambulava
(mielomeningocele?). Fala iniciou com 1 ano e até
então estava dentro da normalidade, além disso,
atualmente paciente dava tchau e jogava beijos.
Anamnese
História mórbida pregressa: mielomeningocele e
hidrocefalia identificadas logo após o nascimento com
necessidade de correção e derivação ventrículo
peritoneal, abordagens realizadas com 15 dias de vida.
Nega quaisquer complicações ou abordagens
posteriores a colocação da válvula. Apresenta bexiga e
intestinos neurogênicos. Dermatite atópica com
diagnóstico no ultimo ano.
Anamnese
Medicações de uso contínuo: oxibutinina - 0,20
mg/kg/dia, polietilenoglicol em dias alternados
(0,97g/kg/dia).
• Um episódio prévio de infecção de trato urinário por
Citrobacter quando tinha 1 ano e 5 meses, o qual
necessitou de internamento. Nega outros episódios
de infecção urinária.
Nega alergias. Nega outros internamentos ou cirurgias.
Vacinação em dia (sic).
Anamnese
História mórbida familiar: pais e irmãos saudáveis. Nega
quaisquer problemas neurológicos. Família materna com
hipotireoidismo, hipertensão arterial, diabetes melitus
tipo 2. Família do pai com algumas pessoas com
diabetes melitus tipo 2 insulinodependente. Nega
consanguinidade.

Condições e hábitos de vida: reside em casa de


alvenaria, pais trabalham em pizzaria no período
noturno, possuem bom relacionamento com a criança.
Criança possui bom vinculo afetivo com os irmãos.
Exame físico
Peso: 9,7kg; temperatura: 36.4 °C; frequência cardíaca:
145 batimentos por minuto; saturação de oxigênio em
ar ambiente: 98%; pressão arterial: 111 x 73 mmHg.;
frequência respiratória: 28 movimentos
respiratórios/minuto.
Bom estado geral, normocorado, hidratado, acianótico,
anictérico, afebril, hipoativo e hiporeativo, sonolento.
Ptose palpebral bilateral. Fundo de olho: ausência de
edema de papila.
Exame físico
Orofaringe hiperemiada; otoscopia e rinoscopia sem
alterações. Ausência de linfonodomegalias palpáveis.
Aparelho cardiovascular: ritmo regular, dois tempos,
bulhas normofonéticas, sem sopros.
Aparelho respiratório: murmúrio vesicular bilateral e
simétrico, sem ruídos adventícios, sem esforço.
Abdomen: flácido, depressível, ruídos hidroaéreos
presentes, sem sinais de irritação peritoneal. A palpação
da fossa ilíaca esquerda presença de massa -
provavelmente fezes; massa além do rebordo costal
esquerdo, a qual ocupava o espaço de traube,
consistência endurecida e homogênea, bordos
regulares, posteriorizada, sendo aventada a
possibilidade de ser esplenomegalia.
Exame físico
Membros superiores e inferiores: pulsos simétricos e
amplos, sem edemas; tempo de enchimento capilar <
2seg.
Pele: sem alterações.
Exame Neurológico: pupilas isofotorreagentes; sem
sinais meníngeos ou quaisquer déficits focais
perceptíveis. Primeiramente, sonolento no inicio da
visita, após interagindo e brincando no celular. Não
comunicativo na visita
Exame físico
Exame físico
Lista de problemas

• Menino, 2 anos;
• Sonolência; • Ptose palpebral;
• Lentificação na fala; • Massa abaixo do rebordo;
• Apatia; costal esquerdo;
Dúvidas?
Quais as hipóteses
diagnósticas?
Hipóteses diagnósticas
• Cisto de retenção
• Disfunção de derivação
ventrículo peritoneal;
• Hipertensão intracraniana;
• Meningite;
• Encefalite;
• Intoxicação exógena;
• Infecção do trato urinário;
• Síndrome miastênica;
• Síndrome paraneoplásica.
Quais exames poderiam ser
solicitados para prosseguir a
investigação?
Exames
EXAMES RESULTADOS
Hemoglobina 12,2 10 6/μL (9,5 a 13,5 10 6/μL)
Hematócrito 38,3% (28,0 a 42,0%)
Leucócitos 11950/uL (6000 - 17500 /uL)
Neutrófilos 28% (25 - 49%)
Segmentados 28% (25- 38 %)
D1 (Dia 1) Plaquetas 438000 (150.000 a 450.000 /μL)
Laboratoriais Proteína C Reativa 58,3
Transaminase Glutâmico Oxalacética 37 (20-30 U/L)
Transaminase Glutâmico Pirúvica 11U/L (5,0 a 40,0 U/L)
Cálcio total 11,1mg/dL (8,6 a 10,8 mg/dL)
Sódio 137 mmol/L (136,0 a 145,0 mmol/L)
Potássio 3,9 mmol/L (4,1 a 5,3 mmol/L)
Uréia 34 mg/dL (9,5 a 22,7 mg/dL)
Creatinina 0,20 mg/dL( 0,10 a 0,50 mg/dL)
Glicemia 87mg/dL (50,0 a 80,0 mg/dL)
Gasometria venosa: Ph 7,4 (7,320 a 7,430)/ HCO3:
24,8 (22 a 29 mmol/L)/pCO2 40 (35 a 40)
Exames
EXAMES RESULTADOS
Epstein Barr IgM: Não reagente
Epstein Barr IgG: Reagente
Citomegalovírus IgM e IgG: Não reagentes
Toxoplasmose IgM e IgG: Não reagentes
Herpes simples virus IgM e IgG: Não reagente
D1 VDRL: Não reagente
Laboratoriais HIV: Não regante
Hepatite B: Não regante
Ferritina: Normal
Fosfatase alcalina: Normal
Provas de coagulação: normais
Fibrinogênio: normal
Albumina:normal
Desidrogenase lática: aumentada (435)
Ácido urico: normal
Bilirrubinas totais e frações: normais
EXAMES
Exames
RESULTADOS
xantocrômico/ Leucócitos 105 (0 a 5 /mm³)/
D1 Hemácias 115 (ausentes)/ Linfócitos 33% -
Líquor Neutrófilos 1% - Monócitos 66% /
Proteína 149 (12,0 a 60,0 mg/dL)/ Cloreto
123 (115,0 a 130,0 mEq/L)/ Gli 51 (normal)/
Bacterioscopico negativo / Cultura negativa
pH 9/ Nitrito positivo/Leucócitos
D1 78000 /mL/ Hemácias 27000 /mL/
Parcial de urina Bacteriosópico Bacilo Gram Negativo ++ /
Urocultura: Proteus mirabilis >100 000.
Sensivel ceftriaxona. 
D1  Sem alterações
Radiografia de trajeto de
válvula

D1 presença de Derivação ventrículo


Tomografia de crânio peritoneal à esquerda, ventrículos não
visualizados.
D4 Ultrassom de Abdome
Exames
EXAMES RESULTADOS
Massa arredondada, heterogênea,
com cistos internos de dimensões variáveis,
D4 pouco vascularizada ao doppler colorido,
Ultrassom de abdome localizada na topografia da supra-renal
esquerda, medindo aproximadamente 56 x 55
x 72mm, com aparente plano de clivagem
renal. Adjacente à esta imagem
identificamos imagem nodular hipoecóica,
ovalada, medindo 17mm com aparência
linfonodal.
Lesão expansiva na topografia da adrenal
D4 esquerda suspeito para neoplasia. Considerar
Tomografia de abdome e a possibilidade de neuroblastoma e menos
pelve provavelmente carcinoma. Suspeita de
encarceramento da artéria renal esquerda
como fator de risco.
D4  Discretos focos de aprisionamento aéreo
Tomografia de tórax esparsos nos pulmões.
D11 Ressonância de abdome
Exames

EXAMES RESULTADOS
Volumosa lesão na topografia de glândula
D11 adrenal esqueda. Considerar a hipótese de
RM de abdome neuroblastoma
Neuroblastoma
INTRODUÇÃO
• Conjunto de tumores originários de células
nervosas indiferenciadas da crista neural que
dão origem à parte medular da adrenal e a
todos os gânglios e plexos simpáticos.
• Capacidade variável de sintetizar e secretar
catecolaminas.
• Tumores sólidos extracranianos mais
frequentes na infância.
• Sítio primário mais comum na infância é a
adrenal (40%).

Diretrizes oncológicas - tumores pediátricos 2018


Neuroblastoma
INTRODUÇÃO
• 8% a 10% de todas as doenças malignas da
infância.
• A idade média de diagnóstico é de 2 anos.
Quase 90% dos casos estão presentes em
crianças < 5 anos de idade.

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Neuroblastoma
CLÍNICA
• Os sintomas mais comuns são dor abdominal e
desconforto pela presença de massa
abdominal.
• Dores ósseas devido às metástases ósseas
disseminadas.
• Equimose periorbital e proptose com metástase
retrobulbar.
• Metástases hepáticas, especialmente em
lactentes, podem causar distensão abdominal e
problemas respiratórios.
• Deficits neurológicos focais ou paralisias, devido
a extensão direta do tumor para dentro do
canal espinal.
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Neuroblastoma
CLÍNICA
• Tumores cervicais ou na parte superior do
tórax podem causar a síndrome de Horner
 (ptose, miose, anidrose). Também pode
ocorrer síndromes paraneoplásicas, como
ataxia cerebelar, opsoclono-mioclonia, diarreia
aquosa e hipertensão.
• Síndrome Rohhadnet: obesidade de início
rápido com disfunção hipotalâmica,
hipoventilação, desregulação autonômica e
tumores neuroendócrinos.

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Neuroblastoma
CLÍNICA
• Síndrome de Kinsbourne  síndrome opsoclônica-
mioclônica-atáxica ou dos olhos e pés dançantes.
• Desordem neurológica rara que acomete
principalmente crianças hígidas, entre 6 meses e 3
anos de idade, com prevalência de 1/5.000.000
nascimentos.
• Opsoclonia: movimentação rápida, involuntária e
multidirecional (horizontal e vertical) dos olhos.
• Mioclonia.
• Ataxia cerebelar.
• Síndrome paraneoplásica: neuroblastoma,
ganglioneuroblastoma, hepatoblastoma.
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Neuroblastoma
E a ptose está justificada?
Neuroblastoma
Neuroblastoma

A 13-month-old adolescent girl was brought by her parents to the


emergency ward for abdominal pain after a long period of constipation
and for right ocular paresis and somnolence present for about 1 week
according to the parents. The girl slept all through the physical
examination. It was difficult to wake her up during the day. She refused
to stand straight and experienced an extreme weakness of the legs. She
did not react during venous puncture.
Neuroblastoma
DIAGNÓSTICO
• Investigação inicial e estadiamento:
• Avaliações laboratoriais básicas (hemograma,
função renal e hepática, bioquímica,
desidrogenase lática e ferritina).
• Avaliações específicas (dosagens séricas e
urinárias de ácido vanilmandélico e ácido
homovanílico na urina e sangue).
• Exames de imagem.
• O diagnóstico pode ser firmado por meio de
exame histopatológico do tumor
(tradicionalmente) ou, ainda, mediante a
detecção de infiltração metastática em medula
óssea, com elevação concomitante de
catecolaminas ou seus metabólitos.
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Neuroblastoma
ESTADIAMENTO E TRATAMENTO
• Tumores de baixo risco - Correspondem
basicamente a tumores em estádios iniciais
(estádios 1, 2a ou 2b e 4S), sem amplificação de
MYCN, hiperdiploides e de histologia favorável.
Apresentam prognóstico excelente, com
sobrevida livre de eventos (SLE) em cinco anos
superior a 90% e na maior parte das vezes
somente com tratamento cirúrgico (tratamento
padrão-ouro nesses casos).

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Neuroblastoma
ESTADIAMENTO E TRATAMENTO
• Tumores de risco intermediário: inclui
basicamente pacientes estadio 3 e pacientes
abaixo de 18 meses com histologia
desfavorável, tumores diploides e ausência de
amplificação do MYCN. Os princípios
terapêuticos para esses grupos são bastante
parecidos com os de tumores de baixo risco,
sendo baseados em quimioterapia e com
radioterapia restrita a condições específicas
semelhantes ao grupo de baixo risco.

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Neuroblastoma
ESTADIAMENTO E TRATAMENTO
• Tumores de alto risco - prognóstico bastante
limitado, com sobrevida inferior a 20%., apesar
da intensificação maciça da terapia citotóxica
para esse grupo, com inclusão de
quimioterapia. O tratamento-padrão
atualmente aplicado a esse grupo de pacientes
consiste em três etapas: (1) indução
(quimioterapia e cirurgia); (2) consolidação:
quimioterapia em altas doses com resgate de
células tronco hematopoiéticas e radioterapia;
(3) pós-consolidação: imunoterapia e uso de
isotretinoína.
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Neuroblastoma
ESTADIAMENTO E TRATAMENTO

Diretrizes oncológicas - tumores pediátricos 2018


Internamento
• Paciente realizou inicialmente tratamento com cefepime +
vancomicina devido as hipóteses iniciais de ventriculite e
encefalite. Após, no dia 4 de internamento, ambos foram
substituídos por ceftriaxona visando tratar apenas a
infecção de trato urinário, tendo realizado 8 dias de
tratamento.
• No 12º dia de internamento paciente foi transferido para a
enfermaria COVID, devido a sintomas respiratórios.
• Após negatividade do exame, no 14º dia de internamento,
paciente foi submetido a cirurgia de adrenalectomia
esquerda + linfadenectomia retroperitoneal com ressecção
completa da lesão, sem intercorrências. Iniciada
quimioterapia.
Evolução
• Hematologia:
– Neuroblastoma de alto risco.
– Atualmente no 5º ciclo de quimioterapia.
– Plano de realização de transplante de medula óssea
após 5º ciclo de quimioterapia.
• Neurologia:
– Regressão da ptose.
– Questionado encefalite auto-imune anti MA2 a
(sonolência com ptose + crise oculogírica). Em uso de
levetiracetam 30mg/kg/dia.
– Encaminhado à genética.
Crise oculogírica
Encefalite anti MA2
OBRIGADA

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