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A FAMÍLIA EM PROCESSOS DE

MUDANÇAS
MITO FAMILIAR

Dra. Saidy Karolin Maciel


UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA -
UNISUL
FATORES INTERCONECTADOS QUE MANTEM E/OU
ALTERAM PADRÕES FAMILIARES

• OS ESTUDOS ACERCA DA TRANSMISSÃO MÍTICA ENTRE GERAÇÕES DEMONSTRA


QUE A NOÇÃO DO SUJEITO SE DEFINE NO ESPAÇO INTERSUBJETIVO “ ... MAIS
PRECISAMENTE, NO ESPAÇO E NO TEMPO DA GERAÇÃO, DO FAMILIAR E DO
GRUPAL”
• O QUE É QUE ME VEM DO OUTRO, QUE ME É TRANSMITIDO, E QUE EU TRANSMITO
OU TRANSFIRO?
• A QUE ME SUBMETO, DO QUAL ME BENEFICIO, OU QUE ME ARRUÍNA, DO QUAL
POSSO OU NÃO ME CONSTITUIR HERDEIRO?
• E O QUE ME VEM DE ALGUNS OUTROS?
FATORES INTERCONECTADOS QUE MANTEM E/OU
ALTERAM PADRÕES FAMILIARES

•  O QUE SE TRANSFERE E SE TRANSMITE DE UM ESPAÇO INTERSUBJETIVO A

OUTRO SÃO ESSENCIALMENTE OS AFETOS, REPRESENTAÇÕES, FANTASIAS E

SEUS VÍNCULOS.

• ELEMENTOS COMO A VERGONHA, MEDOS, FALTAS, DOENÇAS, LUTOS, ENTRE

OUTROS PROCESSOS DE MUDANÇAS NOS CICLOS FAMILIARES FAZEM PARTE

ESSENCIAL DA TRANSMISSÃO MÍTICA.


COMO SÃO TRANSMITIDOS OS MITOS FAMILIARES?
Pode-se pensar em duas formas de transmissão mítica familiar:

• a intergeracional, que inclui um espaço de organização do


material psíquico transmitido pela geração mais próxima e
que, transformado, passará à seguinte, como missão mítica;

• a transgeracional, que se refere à um material psíquico da


herança genealógica, que atravessa gerações, e que não
transformados e atualizados no tempo se cristalizam
apresentando vazios e lacunas na transmissão mítica, se
originando o que pode ser chamado de maldição mítica.
O • MITO É LINGUAGEM” (2004, P. 22).

MITO… • MITO, DO GREGO MYTHOS, SIGNIFICA ETIMOLOGICAMENTE


PALAVRA; É O QUE É DITO; UMA FORMA PARTICULAR DE
LINGUAGEM ASSOCIADA À UM ACONTECIMENTO (PRADO, 2000A,
P. 20).

• O MITO É UMA FORMA DE PENSAMENTO E LIGA-SE AO PRIMEIRO


CONHECIMENTO QUE O HOMEM TEM DE SI PRÓPRIO E DE SEUS
CONTORNOS, APRESENTANDO-SE COMO UMA ELABORAÇÃO
EXPLICATIVA DO VIVIDO (2000A, P. 45).
O mito é “um mar de signos, que através da linguagem vai
estabelecer uma conexão com nossa realidade e história pessoal”
(Lima, 2004, p. 24), e toda narrativa, desde nossos ancestrais, seria
resultado dessa interação do homem com esse mar mítico.
• Segundo Ferreira (1963), o conceito de mito familiar “se apresenta como um
sistema de crenças que diz respeito aos membros da família, seus papéis e suas
atribuições em suas trocas recíprocas”.

• O mito se constitui, portanto, de crenças compartilhadas, aceitas sem que


ninguém as questione ou desafie. “Se os aspectos de falsidade ou ilusão forem
reconhecidos, tendem a ficar em segredo” (Prado, 2000a, p. 33).
• O mito familiar tem função homeostática que é “manter a concordância
grupal e fortalecer a manutenção de papéis de cada um” (p. 33).

• O mito familiar tem ainda um caráter defensivo, “uma espécie de


proteção à existência, na medida em que promove um triunfo sobre as
angústias, particularmente as de morte” (p. 33), buscando “resolver
contradições e antinomias que dizem respeito ao vivido, às ideias, às
dificuldades familiares, apresentando-se como um enunciado que ajuda a
manter o equilíbrio familiar por compensar as anciloses, as desilusões” (p.
39).
Para Eiguer, “o mito familial é definido como um relato, uma história, implicando um
conjunto de crenças partilhadas por toda a família, eventualmente transmitidas há
gerações” (1995, p. 142); é o que promove a estabilidade e o equilíbrio homeostático do
grupo, sem jamais ser questionado: “quando um mito é posto em dúvida por um dos
membros da família, outra instância mítica se instaura em um movimento de
apropriação da nova situação”.

Dessa forma, podemos compreender que as famílias não vivem sem


seus mitos, já que recusar um mito nada mais é do que negar os
vínculos de dependência e amor filial que existem em seu interior
A família compreende todo o sistema emocional de três ou mais gerações,
sendo responsável pelo apoio emocional dos indivíduos e, também, pelos
seus costumes relacionais

Ela percorre o seu ciclo de vida como um todo orgânico, pois seus membros
interagem, se articulam, se movimentam e se transformam de acordo
com as situações vivenciadas, fazendo com que tenham de se adaptar às
novas exigências e tarefas solicitadas pelo seu modo
de viver
No decorrer do tempo a família passa por estágios de desenvolvimento, previsíveis e
importantes, que ocorrem como resultado das mudanças em sua organização, como o
casamento, o nascimento dos filhos, o ingresso dos filhos na vida escolar, a
adolescência, a saída dos jovens de casa, casamento, a aposentadoria, a velhice e a
morte, que caracterizam as etapas do ciclo vital familiar.

Cada estágio é caracterizado por tarefas específicas de desenvolvimento e por crises


relacionadas com a execução ou não das tarefas próprias de cada etapa do ciclo de vida
familiar, principalmente por ocasião da transição de uma etapa para outra.
Com a formação da nova família pressupõe-se a vinda dos filhos quando então cada
grupo familiar introduz valores e expectativas sobre como o filho deve ser, como deve
comportar-se e elabora sonhos sobre a vida futura da criança.

Neste processo e no decorrer do tempo começam:


• as profecias, como: ele será um grande médico, como o avô;
• os mandatos como: somos uma família de médicos, esperamos que ele siga a
mesma profissão;
• as comparações, ele não é comportado como o irmão;
• as lealdades, meus pais não gostavam de estudar, acho que também não preciso
estudar muito;
• os segredos, omitem ao filho que é adotivo.
Todas estas expectativas podem marcar profundamente o desenvolvimento futuro da
criança impondo-lhe tarefas que estão em desacordo com suas capacidades, aptidões
ou mesmo desejos, pois suas escolhas vão responder às expectativas individuais e
familiares, fortemente determinadas e construídas pelas forças míticas intergeracionais.

Os filhos que rompem e frustram as expectativas construídas pelos pais representam a


perda de sonhos e esperanças, o que os obriga a lidarem com seus mitos, valores e
com suas limitações.
É nos momentos difíceis, em que a estrutura da família fica exposta e tornam-se
visíveis
suas normas e condutas, como também a sua força de sustentação, que se tornam
visíveis seus mitos e a sua força. Neste processo existem vários fatores que fazem parte
da vida familiar, porém não são expressos através da comunicação verbal, mas
influenciam seu modo de viver e podem ser responsáveis pela criação de um ambiente
estressante para todos os seus membros.
Dentre eles, encontramos alguns mitos familiares, os quais podem ser nocivos e
desorganizadores da estrutura harmônica da família, pois possibilitam condições para
aumentar o estresse familiar, provocando ansiedade, rupturas, coalizões,
distanciamentos físicos, condutas depressivas, drogadição, entre outras
• Os mitos familiares são histórias que se perpetuam na família e cumprem
importante função, pois são eles que dão a cada família certa identidade, a
personalidade da família, a cultura da família.
• Eles são transmitidos através do inconsciente, de diversas formas, sendo,
muitas vezes, comunicados de forma sutil e não verbal, o que faz com que as
pessoas nem se dêem conta de sua existência, importância e ação.
• O mito familiar é um sistema de crenças integradas e compartilhadas por
todos os membros da família a respeito de seus papéis mútuos e a natureza
de sua relação, fazendo com que a força do meio familiar esteja sempre viva e
presente em cada um de seus membros.
A família possui diversos mitos; dentre eles temos:
• o mito da união que favorece o pertencimento e a manutenção dos padrões afetivos em que
casar
e viver feliz para sempre faz parte da concepção de família associada à ideia de refúgio, proteção
e amor eterno;
• o mito da propriedade que está vinculado à preservação do patrimônio da família;
• o mito da religião que aparece comumente norteado pela prática de determinada religião por
todos e que têm significados e conotações especiais;
• o mito da conquista e do sucesso que determinam maneiras de conquistar bens que
proporcionam a seus membros status, fazendo-os sobressair em seu meio social;
• o mito da autoridade em que se estabelece uma hierarquia de poder em que seus membros
exercem determinadas funções que asseguram sua autoridade; e o mito do poder encontrado nas
famílias em que há abuso da autoridade, geralmente com histórias de patriarcado e autoritarismo.

O MITO FAMILIAR NA FAMÍLIA DE
LILO
UMA ANÁLISE DO FILME LILO E STITCH SOBRE MITO FAMILIAR ”
O “ohana” foi ensinado pelo pai de Lilo. Foi transmitido a ela e a sua irmã,
poderíamos pensar – em um primeiro momento – de forma intergeracional. Mas
há algo curioso na definição de “ohana” que nos faz especular se haveria um algo
mais aí, talvez de caráter transgeracional. O “nunca mais abandonar ou
esquecer” pressupõe que em algum momento alguém da família teria sido
abandonado ou esquecido. Uma possível perda, que não apenas não é falada,
como também configura-se em um não-dito, repetido em forma de uma palavra,
de um mito que esconde um segredo – talvez nem mesmo sabido
conscientemente –, mas que se repete canonicamente nesse mito familiar,
denunciando um luto não elaborado.
Esse mito expressa um luto não completado por meio de sua perenidade. É um
mito familiar que se fecha para novas possibilidades de criação dos membros da
família em relação à sua própria história.
Sem variações, enrijece e se fixa em uma forma imutável. Torna-se patológico,
pois não permite a diferenciação entre passado e presente.
Se esse “ohana” determina que família é nunca mais abandonar ou esquecer,
não existe a possibilidade de que os membros dessa família exerçam novos
papéis, exigidos pela nova situação familiar após a morte dos pais de Lilo. Assim,
Nani não poderia assumir um papel de cuidadora/mãe da irmã. E isso é
denunciado na fala desta: “prefiro você como irmã do que como mãe”, e em sua
atitude, que de certa forma contribui para que Nani possa perder sua guarda.
Percebemos que existe não apenas um luto não elaborado de Lilo em relação
a seus pais, como possivelmente um luto não elaborado que lhe é transmitido
transgeracionalmente por meio da definição de sua própria família, dada por
seu pai: “ohana”.
A família “incompleta” de que Lilo se queixa, é broken family, no original do
filme. É uma família partida, esfacelada, que ela parece tentar integrar em
torno de um mito canônico, que a faz sentir-se segura, embora estando presa
a ele.
Também é curioso notar os momentos em que o “ohana” é proferido no
filme: quando Stitch entra na casa da família pela primeira vez; quando ele
dá a entender que vai partir e Lilo despede-se dele, e quando Stitch o
enuncia, como que se incorporando àquele mito, podendo assim considerar-
se como um membro daquela família.
Stitch só então torna-se capaz de se atribuir esse nome, negando a anterior
denominação de Experiência 626. Entra na história como um sujeito falante,
que tem um pertencimento. Tem uma família que é incompleta/ partida,
mas que é boa.
Consideramos essa etapa curiosa, pois é no momento em que
ele incorpora-se àquela família – para a qual era antes um
estranho/ alienígena – e é capaz de denunciar que aquela
família era sim incompleta/ partida, mas que ainda assim
poderia ser boa, que se abre a oportunidade para que o
novo surja.
De alguma forma ele percebeu que havia um segredo ali.
Algo de impensável estava sempre presente, “transpirando” ao
longo das gerações. Algo que por meio desse “ohana” denunciava
que aquela família sentia-se broken, esfacelada.
E é depois dessa “denúncia” que, curiosamente, a família pôde assumir uma nova forma de se
relacionar.
• Nani pôde assumir uma função diferente em relação a Lilo, ou seja, um papel de verdadeira
cuidadora da irmã, com o consentimento dela.
• Pôde até mesmo ter um espaço para ser mulher, para ter um companheiro.
• Stitch pôde vivenciar novas possibilidades, ter um novo nome, sem precisar ser uma
experiência programada apenas para destruir.
• Lilo pôde permitir-se novos papéis e funções: cuidar e ser cuidada por sua irmã, construir uma
nova família, sem que isso significasse esquecer aqueles que amava e haviam partido.
• Algo de “ohana” possivelmente permaneceu naquela família, mas de forma não tão repetitiva
e canônica, permitindo que o grupo construísse criativamente sua própria história.
Referências Bibliográficas

Chaui M. Convite à filosofia.12. ed. São Paulo: Ática; 2001.

Morin E, 1921. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO; 2000.

Rivera CV. Los mitos en la terapía de familia. In: www.campogrupal.com/mitos. Acesso em 08/05/05.

Carter B, Mcgoldrick M. As mudanças no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar, Porto Alegre: Artes
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Krom M. Família e Mitos: Prevenção e terapia, resgatando histórias. São Paulo: Summus; 2000.

Ferreira AJ. “Mitos familiares” in interacción familiar. Org. Carlos Sluzki. Buenos Aires: Tiempo Contemporâneo; 1974.

LÉVIS- STRAUSS, Claude. Mito e linguagem social. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970.        [ Links ]

LILO & Stitch. Dirigido por Chris Sanders. EUA: Estúdios Disney, 2002. 85 min, son, cor.        [ Links ]

LIMA, Luis Tenório O. Entre deuses e heróis. (Entrevista a Rose Campos). Revista Viver Psicologia. XII(134): 20-25,
março/2004.        [ Links ]

PRADO, Maria do Carmo A. Destino e mito familiar: uma questão na família psicótica. São Paulo: Vetor, 2000a.        [ Links ]

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