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Filosofia da Linguagem e do

Atomismo Lógico
Bertrand Russell
• A filosofia analítica é uma das correntes
filosóficas de maior impacto e influência na
filosofia contemporânea. Em sua fase inicial foi
predominante uma análise conceitual entendida
como análise de problemas filosóficos por meio
do esclarecimento dos conceitos envolvidos nestes
problemas. Neste sentido a análise privilegiava a
decomposição do complexo em suas partes mais
simples para uma maior clareza conceitual .
Russell
• Posteriormente outro sentido de análise, também
complementar ao primeiro, apontou para análise
tendo como função evitar a confusão que há
entre a gramática da linguagem natural e sua
estrutura lógica profunda. Encontramos, de
forma brilhante, essa posição em Bertrand
Russell e particularmente em sua teoria das
descrições.
Teoria das Descrições Definidas
• A teoria das descrições elaborada por Bertrand Russell e
apresentada no seu artigo Da denotação, publicado em 1905,
tem sido considerada por muitos o mais famoso artigo de
filosofia analítica escrito na primeira metade do século XX.
• A teoria diz, basicamente, como devemos formalizar frases
expressas em linguagem natural para que revelem sua
verdadeira estrutura ou forma lógica.
• A questão da denotação, embora muito difícil, é
relevante não só para a lógica, para a matemática,
mas também para a lingüística e a teoria do
conhecimento. Ela corresponde ao conhecimento
por descrição, em que não temos acesso direto ao
objeto, devendo nos contentar apenas com sua
descrição.
• O ponto de partida de Russell em sua teoria é formado
pelo problema da denotação e pelo confronto de teorias
alternativas anteriormente citadas. No artigo Da
denotação, Russel responde a duas destas teorias, a teoria
de Gottlob Frege (1848-1925) e a de Alexius Von Meinong
(1853-1920). Frege trata, em sua teoria, da distinção entre
o sentido e a referência dos nomes próprios e também dos
enunciados. Meinong, em sua Teoria dos Objetos, afirma a
existência de diversos tipos de objetos não existentes .
• Meinong
• Ficou conhecido como o criador da Teoria dos Objetos.
Meinong ([1904], 2005) defende a tese de que o ato de
pensar possui um objeto determinado, seja ele existente ou
não existente. Propõe a distinção entre este objeto e seu
conteúdo. Quando pensamos em algo existente, temos o
objeto e também o seu conteúdo. No caso de pensarmos em
algo não existente, teríamos apenas o objeto determinado,
mas não o seu conteúdo. De todo modo, teríamos sempre a
referência a um objeto determinado no ato de pensar, seja ele
existente ou não existente.
Localização no Espaço e no Tempo dos
Objetos
• Partindo deste princípio, sua teoria distingue e admite duas
formas de ser: aqueles que existem e aqueles que apenas
subsistem. Os objetos que existem estão localizados no
espaço e no tempo possuem conteúdo no ato do pensamento;
os demais apenas subsistem e são, portanto, desprovidos de
conteúdo no ato do pensamento. Por exemplo, a diferença
entre o azul e o vermelho não é algo que exista no tempo e
no espaço, não tem conteúdo, portanto, apenas subsiste. Do
mesmo modo o número PI ou o atual rei do Brasil também
subsistem.
• Como conseqüência, Meinong ([1904], 2005) afirma que o ser
de um objeto é distinto de suas propriedades, ou seja, o ser de
um objeto é independente de todas suas características. Por
exemplo, um “quadrado redondo” possui tanto as propriedades
de ser um quadrado quanto às propriedades de ser um redondo.
Trata-se de um objeto impossível por ter propriedades
contraditórias. Neste caso, este objeto não existe e nem
subsiste. Entretanto objetos como Pégaso, subsistem, pois
mesmo não sendo objetos espaço-temporais, suas propriedades
não são contraditórias. Portanto são objetos possíveis.
• Outra conseqüência decorrente de sua teoria é que a totalidade das
coisas existentes é menor em comparação com a totalidade dos objetos
de conhecimento, pois estes objetos formam o conjunto de tudo o que
pode ser pensado, sem importar se são reais ou ideais, possíveis ou
impossíveis, existentes ou imaginários. Para Meinong:
• […] a totalidade do que existe, incluindo aí o que existiu e o que
existirá, é infinitamente pequena em relação à totalidade dos objetos do
conhecimento; e que se tenha negligenciado isto tão facilmente tem,
bem entendido, o seu fundamento no fato que o interesse vivo pelo
efetivo, que está em nossa natureza, favorece esse excesso que consiste
em tratar o não efetivo como um simples nada, mais precisamente, a
tratá-lo como algo que não oferece ao conhecimento nenhum ponto de
apreensão ou nenhum que seja digno de interesse. […] Não há, então,
CONHECIMENTO POR DESCRIÇÃO

• Conhecer algo por descrição é apenas saber que certa afirmação sobre algo é
verdadeira. Por exemplo, saber que Roma é uma cidade da Itália, sem nunca
ter estado em Roma, é um conhecimento por descrição. Conhecemos
Aristóteles por descrição, porque sabemos várias verdades sobre Aristóteles,
mas não o conhecemos por contato. O mesmo se dá com objetos físicos como,
por exemplo, uma mesa. Da mesa só conhecemos por contato os dados dos
sentidos que este objeto nos causa, mas não conhecemos por contato a própria
mesa. Apenas descrevemos a mesa por meio destes dados dos sentidos, ou seja,
nosso conhecimento da mesa é um conhecimento por descrição. Estes dados
dos sentidos têm sua causa no mundo exterior. Só temos contato com eles, mas
não com as coisas que os causam. Nas próprias palavras de Russell:
• […] todo nosso conhecimento da mesa é realmente um
conhecimento de verdades, e a coisa mesma que constitui a
mesa não nos é, estritamente falando, conhecida. Conhecemos
uma descrição e sabemos que há um objeto ao qual esta
descrição se aplica exatamente, embora o próprio objeto não nos
seja diretamente conhecido. (RUSSELL, [1912], 2008. p. 108).
• Podemos duvidar da existência do objeto que nos causa os
dados dos sentidos, mas não podemos duvidar dos próprios
dados dos sentidos. Segundo Penco (2006), o conhecimento por
descrição identifica um objeto enquanto se caracteriza por certas
propriedades.
• Todo o conhecimento por descrição se fundamenta no
conhecimento de verdades e todo conhecimento de verdades se
fundamenta no conhecimento por contato. O principal é que o
conhecimento por descrição nos possibilita ir além de nossa
experiência privada e restrita que nos é dada pelos dados dos
sentidos. Mesmo não conhecendo verdades que não sejam
originadas de conhecimento direto, podemos, entretanto, ter
conhecimento por descrição de coisas que nunca tivemos um
contato direto. Já que nossa experiência imediata é limitada,
“[…] este resultado é vital, e enquanto não for compreendido,
muito do nosso conhecimento continuará forçosamente
• Algo é conhecido por descrição quando sabemos que é “o
isto ou aquilo”, isto é, quando sabemos que há um único
objeto que tem esta determinada propriedade, mesmo não o
conhecendo diretamente por contato. Russell ([1912], 2008)
afirma que sabemos que o homem da máscara de ferro
existiu, e conhecemos muitas proposições a seu respeito, mas
não sabemos quem ele era. Quando afirmamos que “o isto ou
aquilo existe”, estamos dizendo que há um único objeto que é
“o isto ou aquilo”, e nada mais é.
A TEORIA DAS DESCRIÇÕES

• A noção de conhecimento por descrição de Russell, que vimos acima, tem


como fruto, em sua filosofia da linguagem, a famosa Teoria das Descrições.
Como se disse antes, esta teoria foi publicada no artigo Da denotação em
1905. Esta Teoria trata sobre a questão de saber qual a verdadeira forma lógica
de expressões que contém descrições definidas.
• É importante distinguir três tipos de descrições: a) descrições que não
denotam nada, por exemplo, “o atual rei da França”; b) descrições que
denotam um objeto definido, por exemplo, “o atual presidente do Brasil”; e c)
descrições que denotam ambigüidade: por exemplo, “um homem” não denota
muitos indivíduos, mas sim um homem ambíguo.
Exemplos de Descrições
• Russell inicia Da denotação dando exemplos de descrições. Ele
afirma que por descrição devemos entender uma expressão como
qualquer uma das seguintes:
• […] um homem, algum homem, qualquer homem, todos os homens,
o atual rei da Inglaterra, o atual rei da França, o centro de massa do
sistema solar no primeiro instante do século XX, a revolução da
terra em torno do sol, a revolução do sol em torno da terra. Assim,
uma expressão é denotativa em virtude apenas de sua forma.
(RUSSEL, [1905], 1978, p. 3).
Descrições Definidas
• As descrições definidas são sempre no singular, porque no
plural não referem a um só particular, mas a vários, ou
seja, são descrições gerais, não definidas, que podem ser
ambíguas. O artigo definido “o/a” envolve unicidade.
Podemos falar de “a filha de João” mesmo quando João
tem varias filhas, mas o certo seria falar “uma filha de
João”. Russell assume em sua Teoria que o artigo definido
implica unicidade, assim sua Teoria das Descrições deve
ser entendida como a teoria das descrições definidas.
Atomismo Lógico
• “Segundo o atomismo lógico, todas as
sentenças de nossa linguagem, quando
devidamente analisadas, se revelariam
como sendo compostas de signos atômicos,
nomes referentes aos elementos simples da
realidade” (COSTA, 1992, p. 47).
Atomismo Lógico
• Para Russell, o significado de um nome deriva do fato de ele apontar para um
objeto. Assim, o significado de um nome ou frase faz sentido por descrever uma
estrutura semelhante no mundo:
• Se a linguagem pode, no entanto, referir-se à realidade, é porque ela contém
palavras que só possuem significação porque existe alguma coisa que elas
significam, ou seja, palavras que representam diretamente alguma coisa, palavras
que se referem a objetos conhecidos por contato (por familiaridade, by
acquaintance) ou a dados sensíveis [sense data]. Logo, no início de ‘On Denoting’,
Russell estabelece uma distinção entre immediate acquaintance [o conhecimento
imediato ou direto das coisas] – o conhecimento por contato, o conhecimento de
coisas com as quais somos imediatamente postos em contato ou daquilo que é
diretamente experienciado – e knowledge about [o conhecimento indireto ou
obtido por frases denotativas] e afirma que todo conhecimento enraíza-se no
conhecimento direto e se desenvolve nas descrições de coisas em relação às
• A teoria das descrições de Russell irá partir de um
princípio que, a esta altura, já se mostra claro: uma
sentença não demonstra facilmente sua forma lógica,
a não ser que submetida a uma análise.
• Para deixar claro como a gramática pode confundir,
Russell utiliza a seguinte sentença S: “O atual rei da
França é calvo”. Aparentemente, temos uma sentença
que pode ser considerada coerente. Imaginamos que
o rei pode ser calvo ou não, dependendo da
concordância da frase com os fatos.
• Não existe, no entanto, um rei da França. A sentença então não é
verdadeira, pois o rei não é calvo. Tampouco é falsa, visto que o rei
não é dotado de longas madeixas. Estamos lidando com uma frase
aparentemente clara, mas num impasse teórico que fere a lei lógica
do terceiro excluído (ou o rei é calvo ou não, a frase deve ser
verdadeira ou falsa, não há outra opção). A análise surge, então, para
dissecar a sentença e descobrir exatamente onde está o problema. A
conclusão é que a sentença S na verdade é composta por nada menos
que três sentenças diferentes, cada uma dotada de seu critério
próprio de validade. A teoria das descrições ignora as formas
gramaticais e identifica cada uma das sentenças da seguinte maneira:
• • S1: Existe um objeto H (homem) tal que H é atualmente o rei da
França.
• • S2: Não existe outro objeto H que seja atualmente o rei da França.
• • S3: H é calvo.
• A teoria das descrições funciona decompondo uma sentença em seus
elementos básicos. Uma vez explicitada a forma lógica da sentença,
podemos estabelecer a relação da mesma com o mundo. Como
afirma Marcondes: “a análise lógica fornece critérios para se justificar
a determinação da relação verdadeira, correta, entre a linguagem e a
realidade” (MARCONDES, 1998, p.29).
• Aplicada a teoria de Russell, vemos que o problema
se encontra na sentença S1, que é falsa, invalidando
as outras sentenças numa reação em cadeia, visto
serem interdependentes. Novamente nas palavras de
Marcondes: Uma das consequências do método de
análise encontrado na teoria das descrições é que
apenas objetos existentes podem ter propriedades. A
existência não é, por sua vez, um predicado, uma
propriedade, mas um operador lógico... só posso
• Podemos concluir então que Russell nega que os
nomes próprios possam designar algo simples.
Sempre que a situação se apresentar, devemos
abandonar a linguagem ordinária e lançar mão
da análise para resolver os problemas de
compreensão. Concluímos também que existe,
por trás da forma superficial das sentenças, uma
lógica profunda, atingível através de uma
análise. Essa conclusão é, segundo Margutti, o
• Sua abordagem foi chamada de atomismo lógico
, uma vez que acredita que o mundo é composto
de fatos lógicos que se refletem na linguagem e que
podem ser separados e divididos até que se constate
valores de verdade ou falsidade em uma
proposição.
• Assim, uma proposição, para ser
verdadeira, deve conter apenas argumentos
válidos em suas “parte atômicas” constituintes. Um
valor de falsidade na proposição significa que
Importante:
• Por exemplo: a proposição “O atual Rei da França é
careca”. Ao analisarmos a primeira parte da
proposição, “O atual Rei da França”, percebemos que
ela é falsa, pois não existe um atual Rei da
França. Logo, não importa mais avaliar se o rei é careca
ou não, pois toda a proposição já é falsa, uma vez que
uma de suas partes constituintes é inválida.
• Aplicada a uma pequena proposição, parece
simples. Mas uma determinada filosofia é formada por
várias proposições, que são seus argumentos encadeados à
uma conclusão.
Importante:
• Então, se acreditarmos na lógica e sua relação
com a linguagem e o mundo, conforme afirma
Russel, todo um sistema filosófico deverá ser
considerado duvidoso se apenas uma de suas
proposições estiver falsa.
• Sendo o Bertrand Russel um empirista, ele
aconselha ainda que ao considerar qualquer
filosofia devemos nos remeter tão somente aos
fatos.

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