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MICHEL FOUCAULT

As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas

Três estratos históricos ou períodos históricos, organizados todos como se fossem camadas num
mesmo solo epistemológico, assim fazem-se as escavações arqueológicas: Renascimento (século
XVI/XVII); Época Clássica (século XVII/XVIII); Modernidade (século XVIII/XIX). Neste solo,
Foucault organizou essas três sedimentações em torno do qual o conhecimento sobre o homem se
organizou.

Renascimento (séc. XVI-XVII): a prosa do mundo e as quatro similitudes


- Simpatia, Convenientia, Aemulatio e Analogia indicam as quatro figuras principais que
articulavam o saber da semelhança:
a) A Simpatia atua livremente nas profundezas do mundo, percorre os espaços mais vastos (do
planeta ao homem), desaba de longe e pode nascer de um simples contato, suscita o movimento
das coisas no mundo e provoca aproximações das mais distantes. É o princípio da mobilidade.
b) A Conveniência é designada pela vizinhança que as coisas se dispõem. Convenientes são as
coisas que se aproximam e se emparelham, tocando nas bordas, misturando as suas “franjas”, a
extremidade de uma designa o começo da outra. A conveniência pertence mais ao mundo
(conveniência universal das coisas) onde as coisas se encontram.
c) A Aemulatio está liberada da lei do lugar e atua imóvel na distância, sem deixar de ser um tipo
de conveniência. A emulação é um tipo de geminação natural, pela qual os dois lados se
defrontam. Há aqui uma espécie de reflexo e espelho, onde as coisas dispersas se correspondem
no mundo e se imitam sem encadeamento nem proximidade. Apresenta-se como um simples
espelho e reflexo.
d) A Analogia assegura o afrontamento das semelhanças, os ajustamentos, os liames e a junção,
mas uma analogia pode voltar sobre si mesma sem ser contestada. Por uma polivalência
universal, a analogia possui um campo de aplicação universal em que todas as figuras podem se
aproximar. Neste espaço sulcado em todas as direções, o homem representa um ponto
privilegiado e saturado de analogia, por onde passam as relações sem se alterar nem se inverter.
Época Clássica (séc. XVII-XVIII), trata-se das três empiricidades (a vida, o trabalho, a
linguagem).
- Se as ciências humanas se endereçam ao homem, na medida em que ele vive, fala e produz, é
como ser vivo que ele cresce e que tem funções, necessidades. Em geral é na existência corporal
que fez dele um entrecruzamento com o ser vivo. Mas ao produzir objetos e utensílios ou
organizar uma rede de circulação ao longo da qual ele pode consumir e, principalmente, ele
próprio pode se achar definido como elemento de troca - é do trabalho o que se refere. Por
possuir uma linguagem, o homem pode imediatamente construir alguma coisa com um saber
(que tem de si mesmo e do qual as ciências humanas desenham uma das formas possíveis).

Na Modernidade (séc. XVIII-XIX) – o triedro dos saberes: as ciências humanas (vida-


biologia/psicologia, trabalho-economia/sociologia, linguagem-filologia/literatura etc.).
- O domínio de conhecimento das ciências humanas é recoberto por três regiões epistemológicas,
regiões estas que se tocam, que se entrecruzam, regiões que mantêm a relação das ciências
humanas com a biologia (ciência da vida), a economia (ciência do trabalho, da produção e das
riquezas) e a filologia (da linguagem). Há uma região psicológica, uma região sociológica e outra
região ligada ao estudo das literaturas e dos mitos. Não seria surpreendente referirmo-nos que a
região psicológica se ligue à biologia. A região sociológica se ligue onde o indivíduo que
trabalha, produz e consome, se dê a sombra de uma economia. E, finalmente, a região das
literaturas e dos mitos nasce das leis e formas de uma linguagem.

Concluiu-se que o homem estava fora do campo do saber, de modo que as ciências humanas
analisavam as empiricidades humanas. Além disso, tentamos chegar também a essa outra
afirmativa: o saber é estratificado entre o que se diz (palavras) e o que se faz (coisas). Mas a
interrogação que se promove gira em torno da articulação entre esses estratos, o que ou qual
elemento é capaz de fornecer as estratégias que ligam as palavras às coisas? Este elemento é o
poder, cuja arqueologia das ciências humanas somente iluminava as suas sombras.

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