Você está na página 1de 6

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E OS ACIDENTES DE TRABALHO

Camila Bounassar - Psicóloga pela Universidade Filadélfia de Londrina (CRP 08/09569) . Consultora da Comportamento -
Psicologia do Trabalho. Possui especialização em Gestão Contemporânea de Recursos Humanos pela UEL-PR.

Avaliações Psicológicas são comumente utilizadas nos diversos meios organizacionais para avaliar traços de personalidade, perfil de
candidatos a uma vaga e diagnóstico de aspectos psicológicos.
A procura dos profissionais de segurança e de recursos humanos às avaliações psicológicas com a finalidade de verificar o perfil de
trabalhadores com propensão a sofrerem acidentes de trabalho tem crescido muito nos últimos tempos.
Por esta razão este artigo traz à luz os problemas éticos e técnicos que envolvem o uso de testes psicológicos na prevenção de acidentes de
trabalho.

Avaliação Psicológica

A avaliação psicológica é uma atividade profissional questionada e controvertida na Psicologia, levando a discussões da cientificidade de
testes psicológicos e sua padronização.
O Conselho Federal de Psicologia determina que os testes psicológicos devem ser avaliados segundo parâmetros específicos, com revisão
periódica de condições, métodos e técnicas utilizadas para avaliação.
O Conselho tem, inclusive, baixado normas orientando sobre a utilização dos testes psicológicos.
Os Testes Psicológicos são de uso privativo do Psicólogo, que o utiliza como instrumento de trabalho e estes por sua vez devem ser
fundamentados cientificamente e aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia.
O uso de testes em avaliação psicológica, como instrumento de trabalho, serve para orientar uma ação mais segura e adequada do
psicólogo em seu trabalho, não somente utilizá-lo como diagnóstico final para traçar perfil, características de personalidade nem mesmo
detectar se um indivíduo possui perfil acidentário.
Outras técnicas devem ser utilizadas em conjunto para uma melhor análise do indivíduo que está sendo avaliado. Destacam-se como
ferramentas complementares, o uso de entrevistas focais, observação, dinâmicas de grupo, provas situacionais e avaliações periódicas.

O Fator Humano como Causa nos Acidentes de Trabalho

Muitos dos acidentes são comumente atribuídos a falhas humanas ou ao fator humano representado por desatenção, descuido, brincadeira,
despreparo, incapacidade de quem se acidentou.
Autores estudiosos do comportamento humano nos acidentes de trabalho, mostram que para haver negligência ou desatenção de um
trabalhador, houve anteriormente uma série de decisões, atitudes, comportamentos organizacionais que criaram condições para que o
acidente ocorresse.
Os acidentes, portanto, não são atribuídos a uma única causa, este fenômeno é multicausal, determinado por fatores que influenciam os
indivíduos, alterando assim sua conduta frente às situações do dia – a – dia.
Entender as causas dos acidentes é entender com maior clareza o comportamento de quem se acidenta, pois o comportamento é
determinado tanto pela relação do homem com o meio como por suas características internas.
O aspecto cognitivo incide na questão da segurança de uma pessoa. Quando, por exemplo, características exigidas pela tarefa a ser
executada não são de conhecimento da pessoa que a realizará, ela não terá todas as informações dos perigos, riscos, procedimentos,
controles a adotar para realizar a atividade de forma produtiva e segura para si e para os colegas.
Acidentes também são decorrência de fatores como máquinas inadequadas, ambientes desfavoráveis.
Doenças na família e problemas financeiros, evidentemente influenciam o comportamento das pessoas.
Para entender o processo dos acidentes, é importante ressaltar que o erro humano resulta na interação homem – trabalho ou homem –
ambiente onde estão implícitos três elementos: uma ação variável, uma transformação do ambiente ou máquina que não atenda a
determinados critérios e o julgamento da ação humana frente a esses critérios (Ilda, 2003 p.30).
O erro humano acontece quando este percebe o ambiente de forma distorcida da realidade, seja ele por falta de informação do ambiente,
percepção baixa dos perigos e riscos envolvidos na atividade e no ambiente, omissão dos fatos e de incidentes, falha em sua memória, erro
em sua avaliação, falta de conhecimento de um procedimento, excesso de confiança e erro em seu processo de escolha.
A experiência nas empresas mostra que muitos dos acidentados conhecem os perigos, riscos e procedimentos corretos a adotar, mas por
alguma razão escolhem comportarem-se de forma inadequada.
O repertório de comportamentos dos indivíduos é determinado por escolhas deles mesmos e isso é que vai expô-los aos riscos em seu
ambiente de trabalho.
Alguns estudiosos argumentam que os acidentes de trabalho não estão associados a características de personalidade, não podendo desta
forma, serem as pessoas submetidas a avaliações psicológicas para serem avaliadas se possuem ou não propensão a sofrerem acidentes de
trabalho.
Ilda (2003) em seus estudos procura demonstrar que existem pessoas com maior propensão a se acidentarem, porém a teoria mais aceita
atualmente, é que as pessoas mais propensas a sofrerem acidentes existem de fato, porém não são dotadas de características permanentes
que as tornam mais susceptíveis a sofrerem acidentes de trabalho.
Dela Coleta (1991) menciona o fato de que muitos autores têm defendido opiniões que realçam a importância dos fatores ou traços de
personalidade na determinação de acidentes, mas isto não foi ainda plenamente determinado. Quando se avalia a personalidade de um
indivíduo, está sendo avaliada a organização dinâmica de seus aspectos biológicos, físicos, psíquicos, sociais, mentais e espirituais de sua
interação com o meio externo.
Considerando que o comportamento de um indivíduo pode ser alterado mediante as situações que ele enfrenta no dia – a – dia e, testes
psicológicos não têm condições de detectar todos esses aspectos.

Prevenindo Acidentes de Trabalho

As condições que podem favorecer um comportamento mais seguro e adequado envolvem um processo educativo em segurança e saúde
tornando dessa forma o ambiente mais seguro e saudável, para prevenir acidentes no ambiente de trabalho.
Considerando que os acidentes são causados por inúmeros fatores, descritos ao longo deste artigo, ressalta-se a importância de um trabalho
preventivo envolvendo todos os fatores influenciadores na ocorrência de um acidente.
As atividades de prevenção poderão envolver modificação no ambiente de trabalho, desde a manutenção e inspeção dos equipamentos e
máquinas, de forma sistemática, investimento em equipamentos de proteção individual e coletivo adequados e em boas condições de uso
para as diversas atividades e, uma melhor gestão do sistema de segurança, clima, cultura e qualidade de vida dos trabalhadores.
É necessária uma revisão nos processos de contratação de funcionários a fim de selecionar os profissionais mais adequados para o nível e
tipo de trabalho a que se destinam seus serviços, bem como uma boa capacitação do funcionário quando inicia na empresa, através de
participação em treinamentos específicos e gerais, para melhorar sua formação.
Outra contribuição para minimizar os riscos de acidentes no ambiente de trabalho é poder investir na qualidade de vida das pessoas,
através de campanhas, ações ocupacionais envolvendo o trabalhador e seus familiares para resolução e prevenção nos aspectos sociais,
psicológicos, médicos e econômicos.
O sistema de gestão da empresa também é um ponto a ser considerado como influenciador, a forma como são geridas as pessoas, sua
relação com colegas de trabalho, relação com lideranças, produção versus segurança, pontos de insalubridade.
Trabalhar estes aspectos é melhorar o ambiente físico, social e organizacional, pois o objetivo é a satisfação pessoal e profissional do
trabalhador e sua melhor saúde laboral.

Conclusão

O uso de testes em avaliação psicológica deve ser de uso privativo do Psicólogo, servindo como um instrumento orientador em sua prática
de atuação.
Este por sua vez deve ter aprovação do Conselho Federal de Psicologia mediante revisão periódica de suas condições, métodos e técnicas
para uma atuação mais segura e adequada.
O uso de testes psicológicos para se detectar perfil acidentário é comumente requisitado por profissionais de segurança e recursos
humanos, porém não existe relação simples e linear entre características de personalidade e os acidentes de trabalho.
A personalidade de um indivíduo é determinada pela relação que ele estabelece com seu meio. Pode-se dizer que seu comportamento pode
ser alterado mediante as situações que ele enfrenta em sua rotina de trabalho e, um teste psicológico não tem condições de poder detectar
todos esses aspectos.
As condições que podem favorecer um comportamento mais seguro e adequado envolve um processo educativo em segurança e saúde
tornando desta forma o ambiente mais seguro e saudável para prevenir acidentes no ambiente de trabalho.
Nos acidentes de trabalho deve-se identificar todas as variáveis envolvidas no comportamento para poder introduzir ações corretivas e
evitar conseqüências futuras e ações repetitivas.
Melhorando o ambiente, o clima, a qualidade de vida, os procedimentos, o conhecimento, o acompanhamento periódico, estão sendo
oferecidas condições para que os trabalhadores possam atuar de forma mais produtiva e segura minimizando a ocorrência dos acidentes de
trabalho.
Motivação para Segurança - Abr/2009

Lucille Fanini - Psicóloga pela PUCPR (CRP 08/09122). Consultora da Comportamento - Psicologia do Trabalho. Formada em
Terapia Familiar Sistêmica pela INTERCEF e em Terapia Comunitária de Orientação Sistêmica pela UFPR. E-mail:
lucille@comportamento.com.br

Motivar as pessoas para adquirir hábitos saudáveis não é uma tarefa fácil para nenhuma área de atuação. Por exemplo, trabalhando com
dependência química uma das aprendizagens que certamente você terá é que, nem sempre, as pessoas estão dispostas a mudar hábitos, por
mais destrutivos que eles possam ser. Muitas pessoas vão para tratamento porque seus familiares os obrigam e não porque eles percebem
que têm um problema e é preciso fazer algo.
Situações como estas também podem ser encontradas nas organizações na área de Segurança. Existem pessoas que possuem hábitos de
trabalho arriscados, que sempre realizaram suas atividades de determinada maneira (fora dos padrões e procedimentos) e que nada
aconteceu. Para estes trabalhadores não existe problema nenhum em trabalhar desta maneira. Existem ainda aqueles trabalhadores que
acham que sua maneira de trabalhar é arriscada, acreditam que podem se machucar se continuarem trabalhando desta maneira, mas isto
ainda não é suficiente para que ele efetivamente mude seu comportamento. Já outros trabalhadores consideram seriamente a possibilidade
de mudar sua forma de trabalhar e até planejam estratégia para isso, mas não colocam em prática, ou se colocam, é por um curto período
de tempo.
O que explicaria esses diferentes comportamentos? Existem diferentes motivações para adquirir hábitos mais saudáveis? Será que todos os
trabalhadores têm o mesmo nível de motivação para mudar seus hábitos arriscados de trabalho? A motivação para Segurança é constante?
Com o objetivo de compreender como as pessoas mudam e porque mudam, os psicólogos Prochaska e DiClemente (1982) descreveram um
modelo Transteórico de Motivação para mudança que é baseado na premissa de que a mudança comportamental é um processo e que as
pessoas têm diferentes níveis de motivação e prontidão para mudar. Esta disposição e prontidão para mudança não é constante, ela oscila
de tempos em tempos, de uma situação para outra e pode ser influenciado pelo contexto, aumentado ou diminuindo. Segundo esses
autores, as pessoas podem estar em diferentes estagio de motivação para mudança e a abordagem para cada estágio de mudança deve ser
diferente. Isso garantia o sucesso da intervenção.
A representação gráfica inicial deste modelo foi feita utilizando-se a figura de um círculo. As fases de motivação para mudança são dividas
em: Pré-ponderação, Ponderação, Preparação para Ação, Ação, Manutenção e Recaída. A figura do círculo foi escolhida por que os autores
entendem que em qualquer processo de mudança é possível que as pessoas circulem diversas vezes antes de alcançar uma mudança
estável. Isso significa que antes que a pessoa se comporte de maneira segura de forma estável é possível que ele ainda tenha
comportamentos de risco. Esse processo é definido como uma “recaída”, mas que não deve ser entendido como uma falha no processo de
mudança e sim como uma etapa que também faz parte do processo de mudança. Uma nova representação foi feita através da figura da
espiral para dar a idéia de que o indivíduo não caminha nos estágios de forma linear-causal, as pessoas podem progredir ou regredir sem
ordenação lógica, contrariando a forma como anteriormente se pensava (Prochaska, DiClemente e Norcross, 1999).
Segundo o modelo, o estágio inicial de mudança é definido como Pré-ponderação. Neste ponto não há intenção de mudança e nem mesmo
uma crítica a respeito do conflito envolvendo o comportamento e o problema. No caso da segurança, o trabalhador que executa suas
atividades de forma arriscada ainda não percebe isso como um problema. Para ele trabalhar de maneira arriscada faz parte do seu
repertório e é considerado como normal, pois afinal de contas ele sempre fez dessa maneira. Se um trabalhador que está nesta fase for
abordado sobre questões de segurança ficará mais surpreso do que na defensiva. O trabalhador que está neste estágio raramente procura
ajuda ou orientação sobre segurança, pois acredita que a forma com que executa a atividade é a maneira correta.
Uma vez percebido pelo trabalhador que sua maneira de trabalhar pode ter conseqüências negativas para si e para os outros ele entra
estágio de Ponderação, que é caracterizado pela ambivalência. O trabalhador que está neste estágio tem percepção de que se continuar
trabalhar dessa maneira pode se acidentar e tanto considera importante a mudança como também a rejeita. Ele está dividido entre os
motivos para se preocupar e as justificativas para não se preocupar e fica no vaivém entre as razões para mudar e as razões para
permanecer trabalhando da mesma maneira.
Quando a balança se inclina a favor da mudança, passa-se para o estágio de Preparação para Ação. Este estágio pode ser considerado como
uma oportunidade para a mudança pois o trabalhador pretende seriamente mudar e já começar a emitir alguns novos comportamentos. Se
durante este tempo o trabalhador passa para a Ação, o processo de mudança continua, do contrário, ele volta para a Ponderação. No estágio
de Preparação para Ação o trabalhador afirma que precisa mudar, que seus comportamento pode ter serias conseqüência para si e para os
outro.
O próximo estágio é a Ação. Neste momento o trabalhador busca realizar suas atividades de forma segura, usa seus EPI porque entende a
importância deles, segue normas e procedimento para garantir sua segurança e ainda contribui para a melhoria da segurança dando
sugestões e opiniões. Ele está treinando as novas maneiras de se comportar de forma segura no seu trabalho. Porém fazer uma mudança
não garante que ela será mantida. Segundo Prochaska e DiClemente (2001) as experiências humanas são cheias de boas intenções e
mudanças iniciais mas podem ser seguidas de pequenos deslizes ou até mesmo grande “passos para trás”.
O estágio de Manutenção é o que garantiria a mudança duradoura de comportamento, pois o trabalhador continua sustentando seu
compromisso em trabalhar de forma segura. Este estágio pode dar a impressão de ser estático, porém, trata-se de uma fase dinâmica, pois
se trata da continuidade de um novo comportamento e que isto pode demorar algum tempo para se estabelecer (Jungerman & Laranjeira,
1999). Não é tão difícil interromper um comportamento inseguro quanto manter as pessoas trabalhando de forma segura. É nesta fase que
nós poderíamos falar que as questões de segurança estão sendo internalizadas, pois o trabalhador começa a entender quais são suas
responsabilidade nesse processo e pratica segurança porque isso é importante para a sua vida e não porque a empresa, o líder ou a área de
segurança está exigindo.
Existe ainda a possibilidade de “recaída”. A “recaída” pode ser entendida por alguma situação que ocorre com o trabalhador que faz com
que ele questione as questões de segurança e se valem a pena realmente continuar seguindo. Por exemplo, quando o trabalhador está
buscando trabalhar de forma segura e algum líder solicita que ele realize uma manobra fora das normas ou procedimentos.
A importância de se entender a mudança do comportamento a partir do modelo Transteórico é por ele nos dar a possibilidade de pensar a
aquisição de melhores modelos de trabalho a partir de uma perceptiva interativa e com possibilidades reais de mudança. Desta maneira o
sucesso das intervenções em Segurança dependeria da abordagem adequada para cada estágio que se encontra o trabalhador ou os
trabalhadores.
No estágio de Pré-ponderação, é preciso fazer questionamentos sobre a percepção que o trabalhador tem da sua atividade, dos perigos e
riscos numa tentativa de desenvolver maior consciência sobre a forma de trabalho e as conseqüências possíveis do seu comportamento.
Incentive-o avaliar o seu comportamento atual e ajude o a personalizar o risco perguntando de exemplo de situações que podem acontecer
com ele caso ele mantenha este comportamento.
Passando para a fase de Ponderação sua tarefa é junto com o trabalhador inclinar a balança em favor da mudança, discutindo com o
trabalhador os prós e contras da mudança de comportamento. Discuta quais os resultados positivos ele poderia consegui com a mudança de
comportamento
Já no estágio de Preparação para Ação, a conversa deve ser direcionada para discutir quais possíveis obstáculos ele teria caso opte por
trabalhar de forma mais segura e o que ele poderia fazer caso estes obstáculos apareçam. Ajude a mapear pessoas chaves que possam o
ajudar caso ele tenha dúvidas.
No estágio de Ação, a abordagem deve ser direcionada para reforçar as mudanças de comportamento assim como sua capacidade para lidar
com os obstáculos que surgem. É importante discutir com o trabalhador possíveis perdas que podem ocorrer caso mude seu
comportamento, mas também reforçar os benefícios a longo prazo que ele terá caso continue a trabalhar de forma segura.
No estágio de Manutenção o foco deve ser dado nos ganhos que o trabalhador tem com a mudança de comportamento. Não é uma tarefa
fácil, segundo Geller (1942), trabalhar de forma arriscada também traz ganhos como o conforto, a conveniência e reconhecimento.
Esses estágios mostram que nem todos os trabalhadores possuem a mesma motivação para segurança, o que ajuda a compreender porque
existem comportamentos diferentes nesta área. Desta maneira, nossa tarefa deve ser identificar em que estágio de motivação encontra-se o
trabalhador e utilizar a abordagem mais adequada para cada fase. Uma abordagem com foco diferente ao estágio em que se o trabalhador
encontra possivelmente provocará mais resistência do que motivação. Também é preciso lembra que a motivação não é constante, ela pode
oscilar de tempo em tempo ou de situações para situações.
ACIDENTE DE TRABALHO: O QUE O PSICÓLOGO TEM A VER COM ISSO?*

*Resenha publicada na Revista Psicologia Argumento, do Curso de Psicologia da PUCPR, Curitiba, n.34 p. 65-66, jul./set.2003.
Juliana Zilli Bley - Psicóloga. Mestre do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, linha de
pesquisa “Processos organizacionais, trabalho e aprendizagem”.
Olga Mitsue Kubo - Psicóloga. Professora-orientadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa
Catarina.

Responda rápido: qual a explicação mais comum sobre as causas de um acidente sofrido por um trabalhador? “Falha humana” (claro). Em
alguns casos pode ser também: “falta de atenção”. E em outros ainda: “pessoa problemática, não é a primeira vez”. Ora, se grande parte
das análises de “causas” e investigações de acidentes de trabalho remetem à aspectos humanos do processo de trabalho como atenção,
concentração, personalidade, conhecimento, delineia-se um campo de atuação profícuo para o psicólogo no que refere ao acidente de
trabalho e uma área de conhecimento a ser desenvolvida. Demonstrar a importância da psicologia aplicada ao acidente de trabalho é uma
das características da obra “Acidentes de trabalho – fator humano, contribuições da psicologia do trabalho, atividades de prevenção”, do
psicólogo José Augusto Dela Coleta, publicada pela Editora Atlas em 1991. Num exercício de articulação entre a sua experiência
profissional e significativa produção como pesquisador, Dela Coleta sistematiza descobertas realizadas sobre os fatores que influenciam na
ocorrência de fatalidades em outros países e em outros momentos históricos até o período no qual a sua obra foi publicada. No que refere a
natureza do fenômeno acidente de trabalho, um dos conceitos utilizados para defini-lo é postulado por Zocchio em 1971, citado por Dela
Coleta (1991, p.16), que afirma que o acidente pode ser definido por “todas as ocorrências não programadas, estranhas ao andamento
normal do trabalho, das quais poderão resultar danos físicos e/ou funcionais ou morte ao trabalhador e danos materiais e econômicos à
empresa”. Por meio dessa conceituação é possível perceber que o acidente de trabalho é um fenômeno multideterminado e caracteriza-se
como um evento súbito, inesperado e, até certo ponto, imprevisível. Uma das características do estudo deste fenômeno é o fato de que o
pesquisador raramente é o observador e, se o é, acaba por tornar-se também um participante do ponto de vista afetivo, tendo sua percepção
influenciada por emoções e imagens decorrentes da experiência. Isso, somado a sua complexidade, define a necessidade de redobrar
cuidados metodológicos no seu estudo de modo a garantir níveis máximos de confiabilidade e generalidade das descobertas sobre ele. O
principal meio proposto por Dela Coleta para minimizar as dificuldades metodológicas do estudo do acidente é estimular o volume de
pesquisas sobre esse fenômeno, para que a riqueza do conhecimento produzido auxilie na análise dos fatores envolvidos na ocorrência de
um acidente de trabalho e nas suas conseqüências. Ele demonstra ter tomado “ao pé-da-letra” essa sua proposta uma vez que seu livro é
ilustrado por referências de pesquisas de sua autoria (nos mais diversos segmentos de análise do fenômeno) e por comentários de
encerramento dos capítulos nos quais, sem exceção, o autor recomenda o estudo de aspectos explorados, convidando o leitor a empreender
descobertas nesse campo. O teor das pesquisas produzidas e apresentadas pelo autor e a forma como discute os temas relacionados ao
acidente e a contribuição da Psicologia para a sua prevenção demonstra a importância do profissional da Psicologia vivenciar o campo da
segurança industrial e conhecer, para além dos textos, a sua concretude. Conhecer com profundidade a realidade dos acidentes amplia as
perspectivas do pesquisador sobre os aspectos humanos envolvidos e contribui para a melhor articulação do conhecimento produzido com
as propostas de intervenção para sua prevenção. Estudos como os de Schorn (1925), Dunbar (1944), Ombredane e Faverge (1955), Davis e
Mahoney (1957), Hersey (1936), Kerr (1957), Dela Coleta (1979) e outros citados pelo autor, apresentam a Psicologia como uma das áreas
produtoras de conhecimento sobre a ocorrência de acidentes desde as primeiras descobertas científicas relacionadas ao trabalho. Estudiosos
e teóricos como Freud (1948) e Adler (1941) já discutiam as características de “personalidade” envolvidas na produção das fatalidades. A
importância da participação da Psicologia, como área de conhecimento, se dá também pelo fato de que as intervenções para a prevenção da
ocorrência dos acidentes requerem humanização do trabalho e valorização do trabalhador, campos reconhecidos histórica e cientificamente
como de atuação do psicólogo nas organizações de trabalho. Dela Coleta sistematiza, além do investimento na apresentação e discussão do
conhecimento produzido, sugestões de ações para a prevenção, princípios importantes em saúde e segurança e as contribuições da
psicologia do trabalho para a prevenção dos acidentes demonstrando, ao articular as linhas de análise apresentadas, a amplitude da
aplicabilidade daqueles conhecimentos à serviço da prevenção dos acidentes de trabalho. A obra de Dela Coleta é um raro esforço da
Psicologia brasileira em três sentidos: 1) o de demonstrar sua importância no cenário da produção científica e nas investigações sobre o
fenômeno do acidente de trabalho; 2) o de demonstrar para os psicólogos do país a necessidade de produzir conhecimento científico sobre
o fenômeno; 3) e o de reafirmar presença do profissional da psicologia neste campo de atuação profissional, ocupado de forma tão tímida.
Em última análise, a obra de Dela Coleta proporciona ao leitor argumentos suficientes para que este conclua a leitura entendendo o que o
psicólogo e os acidentes de trabalho podem e tem em comum e a vislumbrar o quanto ainda precisa ser feito. Apesar de ter sido publicada
em 1991, é indiscutível a atualidade da obra como referencial de conhecimento científico nacional e internacional sobre acidentes de
trabalho. Ao apresentar sua produção e sistematizar conhecimentos, Dela Coleta oferece ao aluno e ao profissional da psicologia que
estiver iniciando ou aprofundando sua jornada na área da Psicologia da Segurança no Trabalho, a origem dos estudos científicos, a
problemática da investigação do fenômeno e as principais aplicações desses conhecimentos na prática da prevenção dos acidentes de
trabalho. É um passeio indispensável para aqueles que desejam conhecer e aventurar-se pela luta diária contra o inesperado que, ao ser
examinado com alguma profundidade, se mostra cada vez mais previsível e passível de ser evitado.
O SUJEITO RESILIENTE E OS VALORES DA EMPRESA

Leticia Lorga - Psicóloga pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (CRP 08/13899). Consultora da Comportamento -
Psicologia do Trabalho. Especializanda em Gestão de Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas pela PUC-PR.

Na década de 90 ocorreu uma reestruturação do sistema de produção no Brasil, a produção flexível, superando os sistemas tayloristas e
fordistas. Este novo tipo de produção passa a exigir um novo tipo de trabalhador, também flexível, multifuncional, engajado no processo e
na cultura da empresa, e não mais aquele que simplesmente vende a sua força de trabalho.
Neste novo cenário, a subjetividade do colaborador é apropriada pelas exigências físicas e mentais impostas para um bom desempenho
num ambiente de trabalho flexibilizado, o que pode muitas vezes acabar por trazer diversos danos à saúde deste profissional. O ser humano
não consegue desvincular sua vida cotidiana pessoal e profissional. As condições adversas do ambiente laboral, entre elas a pressão do
ritmo de trabalho e o medo de demissão, faz com que os trabalhadores se sintam extremamente responsáveis, gerando um padrão de
obediência, que se transforma em resiliência.
A resiliência é a capacidade humana para enfrentar, vencer e se fortalecer com as experiências adversas, procurando achar um lado
positivo em tudo. Esta característica da atitude resiliente vai de encontro com o desejado “novo perfil de trabalhador” das atuais empresas,
pois denota rapidez em se adaptar ao novo, resolver a crise e transformar a situação.
A produção flexível supõe uma intensificação da exploração do trabalho, causando grande sofrimento ao colaborador, que encontra na
atitude resiliente um mecanismo de defesa, uma forma de enfrentamento. A questão a se perguntar é até que ponto o sujeito consegue se
proteger, sendo que mesmo os materiais resilientes, elásticos, fazendo uma ligação com o termo da física, um dia podem se romper devido
à fadiga.
Dentro deste contexto, em que o trabalhador se sente cada vez mais responsável pelo processo de produção, a segurança dentro de muitas
empresas hoje seria um valor, ou uma prioridade?
Para responder a esta pergunta, faz-se necessário uma melhor explicação sobre tais conceitos. Scott Geller, autor do livro The psychology
of Safety, cita um exemplo bastante simples para entendermos a diferença entre estes dois termos. Todos as manhãs, antes de sairmos para
o trabalho, cada um de nós têm uma rotina matinal própria. Alguns de nós tomam banho, um bom café da manha, lêem o jornal. Outros
acordam cedo o suficiente para uma caminhada. Se um dia acordamos atrasados, o que todos nós fazemos em comum? Se você tem apenas
15 minutos para estar ao trabalho, pode ser que não tome o café da manhã, ou o banho, ou deixe de fazer a barba. Mas a algo que nenhum
de nós deixaria de fazer – nos vestir. Isto porque o vestir-se antes de sair de casa é um valor, e não uma prioridade, que pode ser mudada de
acordo com as circunstâncias do momento. Cabe aqui a questão: na empresa em que você trabalha, segurança é um valor, ou uma
prioridade que pode ser mudada em nome da produção ou algum outro motivo que pode parecer mais emergencial aos olhos da cultura
organizacional em que você está inserido?
O ambiente de trabalho, que deveria ser cenário para a realização do sujeito, espaço para a criatividade, acaba se tornando via de
sofrimento, exigindo cada vez mais do individuo e se apropriando de sua subjetividade, fazendo com que este se torne resiliente para se
proteger de retaliações, tolerando, muitas vezes, o intolerável, no novo sistema de produção flexível. Por isso a importância do papel dos
lideres de uma empresa, na confirmação diária da segurança enquanto valor dentro da organização. Valor que deve ser tão intrínseco
quanto o vestir-se antes de sair de casa.
Viver sem risco é uma condição utópica, porém a minimização destes é possível dentro de uma cultura organizacional que privilegia
segurança em detrimento a qualquer outra prioridade, reconhecendo o capital humano como o maior bem da organização.

Você também pode gostar