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101 Hstórias Zen

Parte 1 do livro Histórias Zen: Uma Coleção de Escritos Zen e Pré-Zen, compiladas por Paul
Reps, publicado pela Editora Teosófica, Brasília, em 1999.

1. Uma xícara de chá

Na-in, um mestre japonês da era Meiji (1868-1912) recebeu um professor de universidade que
veio lhe indagar sobre o Zen.Nan-in serviu chá. Encheu a xícara de seu visitante até a borda; e
então continuou servindo.

O professor observou o transbordar da xícara até que não pode mais se conter. "Já está mais
do que cheio. Não vai mais nada aí!

"Como esta xícara" disse Nan-in, "você está cheio de suas próprias opiniões e especulações.
Como posso te apresentar o Zen a menos que esvazie sua xícara primeiro?"

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2. Encontrando um Diamante em uma Estrada Lamacenta

GUDO era o instrutor do imperador de sua época. Apesar disso, ele costumava viajar sozinho
como um mendicante andarilho. Uma vez, quando dirigia-se a Edo, o centro cultural e político
do xogunato, ele aproximou-se de uma pequena aldeia chamada Takenaka. Era de noite e
chovia muito. Gudo estava completamente molhado. Suas sandálias de palha estavam em
pedaços. Numa casa de fazenda próxima a aldeia ele viu quatro pares de sandálias na janela e
decidiu comprar algumas sandálias secas.

A mulher que lhe ofereceu as sandálias, vendo que ele estava todo molhado, o convidou para
passar a noite em sua casa. Gudo aceitou e lhe agradeceu. Ele entrou e recitou um sutra diante
do santuário da família. Depois foi apresentado à mãe da mulher e aos seus filhos. Notando
que toda a família estava deprimida, Gudo perguntou o que havia de errado.

“Meu marido é um jogador e um bêbado”, disse-lhe a dona de casa “Quando ganha, ele bebe e
torna-se agressivo. Quando perde, ele pede dinheiro emprestado a outras pessoas. Às vezes
quando fica completamente bêbado, ele nem vem para casa. O que posso fazer?

“Eu vou ajudá-lo”, disse Gudo. “Aqui está algum dinheiro. Consiga-me um litro de um bom
vinho e algo bom para comer. Depois você pode se recolher. Eu vou meditar diante do
santuário”.

Quando o chefe da casa retornou por volta da meia-noite, completamente bêbado ele gritou:
“Ei mulher, cheguei. Você tem alguma coisa para eu comer?”

“Tenho algo para você” disse Gudo. “Fui apanhado pela chuva e sua esposa gentilmente me
pediu para passar a noite aqui. Em troca comprei um pouco de vinho e peixe; você pode ficar
com eles”

O homem ficou encantado. Ele bebeu o vinho imediatamente e deitou-se no chão. Gudo
sentou-se em meditação ao seu lado.

De manhã quando acordou o marido tinha esquecido sobre o acontecido na noite anterior.
“Quem é você? De onde você vem?”, ele perguntou a Gudo, que ainda estava meditando.

“Eu sou Gudo, de Kyoto, e estou indo para Edio” respondeu o mestre Zen.
O homem ficou completamente envergonhado. Ele se desculpou copiosamente ao instrutor
de seu imperador.

Gudo sorriu. “Tudo nesta vida é impermanente”, ele explicou. “A vida é muito breve. Se você
continuar a jogar e a beber, você não terá tempo para fazer mais nada e fará com que sua
família também sofra”

A percepção do marido despertou como se de um sonho. “Você tem razão”, declarou. “Como
poderei jamais retribuir-lhe por este maravilhoso ensinamento! Deixe-me acompanhá-lo e
carregar suas coisas por um pequeno trecho”.

“Se você quiser”, concordou Gudo.

Os dois começaram a caminhar. Após terem percorrido quatro quilômetros, Gudo lhe disse
para voltar. “Só mais sete quilômetros” implorou ele a Gudo. Eles prosseguiram.

“Você pode voltar agora”, sugeriu Gudo.

“Depois de mais quinze quilômetros” respondeu o homem.

“Volte agora” disse Gudo quando tinham transcorrido os quinze quilômetros.

“Eu vou segui-lo pelo resto de minha vida” declarou o homem.

Os modernos instrutores Zen no Japão surgem da linhagem de um famoso mestre que foi
sucessor de Gudo. O seu nome era Mu-nan, o homem que nunca voltou.

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3. É mesmo?

O mestre zen Hakuin era elogiado por seus vizinhos como alguém que vivia uma vida pura.

Uma bela menina japonesa, cujos pais possuíam um armazém, morava perto de sua casa. De
repente, sem nhum aviso, seus pais descobriram que ela estava grávida.

Isto deixou seus pais com raiva. Ela não confessava quem era o homem, mas depois de ser
muito atormentada ela finalmente disse que tinha sido Hakuin.

Cheios de raiva, os pais foram até o mestre . “É mesmo?” foi tudo o que ele disse.

Depois que a criança nasceu, ela foi levada para Hakuin. A esta altura , ele tinha perdido sua
reputação, o que não o preocupava, mas ele cuidava muito bem da criança. Ele conseguia leite
com os vizinhos e tudo o mais que o bebê necessitava.

Passado um ano, a mãe-menina não pode mais aguentar. Ela contou a verdade a seus pais –
que o verdadeiro pai da criança era um jovem que trabalhava no mercado de peixes. A mãe e o
pai da menina foram imediatamente a Hakuin para pedir o seu perdão, desculparam-se
longamente e oberam a criança de volta.

Hakuin consentiu. Ao entregar a criança tudo o que ele disse foi: “É mesmo?”

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4- Obediência
As palestras do mestre Zen Bankei eram assistidas não apenas por estudantes de Zen mas por
pessoas de todas as classes sociais e de todas as seitas. Ele nunca citava os sutras nem era
dado a dissertações escolásticas. Ao contrário, suas palavras eram faladas diretamente de seu
coração aos corações de seus ouvintes.

Suas amplas audiências irritaram um sacerdote da seita Nichiren porque os seguidores tinham
partido para irem ouvir sobre o Zen. O egocêntrico sacerdote Nichiren chegou ao templo,
determinado a debater com Bankei.

“Ei instrutor Zen!” disse ele em voz alta. “Espere um momento. Aqueles que respeitam você
obedecerão o que você diz, mas um homem como eu não respeita você. Você pode fazer com
que eu o obedeça?”

“Venha cá e sente-se ao meu lado e eu o mostrarei” disse Bankei.

Orgulhosamente o sacerdote atravessou a multidão até chegar ao instrutor.

Bankei sorriu. “Venha para meu lado esquerdo”

O sacerdote obedeceu.

“Não” disse Bankei, “podemos conversar melhor se você ficar no lado direito. Venha para cá”.

O sacerdote orgulhosamente passou para o lado direito.

“Vê” observou Bankei, “você está me obedecendo e penso que você é uma pessoa muito
gentil. Agora sente-se e escute”.

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5. Se você Ama, Ame Abertamente

Vinte monges e uma monja, cujo nome era Eshun, estavam praticando meditação com um
certo mestre Zen. Eshun era muito bonita, embora sua cabeça estivesse raspada e sua
vestimenta fosse simples. Vários monges apaixonaram-se secretamente por ela. Um deles
escreveu a ela uma carta de amor, insistindo em um encontro reservado.

Eshun não respondeu. No dia seguinte, o mestre deu uma palestra para o grupo, e quando a
palestra terminou Eshun levantou-se. Dirigindo-se àquele que tinha lhe escrito ela disse: “Se
você realmente me ama tanto, venha e me abrace agora.”

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6. Sem compaixão

Havia uma velha mulher na China que tinha ajudado um monge por mais de vinte anos. Ela
havia construído uma pequena cabana para ele e o alimentado quanto ele estava meditando.
Finalmente ela perguntou a si mesma que progresso ele tinha feito durante todo este tempo.

Para descobrir isso ela obteve a ajuda de uma jovem cheia de desejo. “Vá lá e o abrace”, disse
ela à moça, “e depois pergunte a ele, de repente: E agora?”. A jovem visitou o monge e sem
muitas delongas ela o acariciou, perguntando-lhe o que ele iria fazer a respeito.

“Uma velha árvore cresce numa rocha fria de inverno” respondeu o monge de uma forma um
tanto poética. “Não há calor em lugar algum”.
A jovem voltou e relatou o que ele tinha dito.

“E pensar que eu alimentei essa pessoa por vinte anos!”, exclamou a velha mulher com raiva.
“Ele não demonstrou nenhuma consideração por sua necessidade, nenhuma disposição de
explicar sua condição. Ele não precisava ter respondido a paixão, mas pelo menos deveria ter
mostrado alguma compaixão”.

Ela foi imediatamante à cabana do monge e a queimou completamente.

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7 Anúncio

Tanzan escreveu sessenta cartões postais no último dia de sua vida, e pediu a um empregado
que os postasse. Depois ele morreu.

Os cartões diziam:
Estou deixando este mundo.
Este é meu último anúncio.
Tanzan
27 de julho de 1892.

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8. Grandes Ondas

No começo do período Meiji havia um lutador bem conhecido como O-nami, “Grandes
Ondas”.

O-nami era muito forte e conhecia a arte de lutar. Em seus treinamentos, ele derrotava até
mesmo seu instrutor, mas em publico ele era tão envergonhado que seus próprios alunos o
venciam.

O-nami sentiu que deveria visitar um mestre Zen para obter auxílio. Como Hakuju, um
instrutor andarilho, estava residindo temporariamente em um pequeno templo nas cercanias,
O-nami foi vê-lo e lhe contou sobre seu problema.

“O seu nome é Grandes Ondas”, disse o instrutor, “portanto fique no templo esta noite.
Imagine que você é aqueles vagalhões. Você não é mais um lutador que está com medo. Você
é aquelas ondas enormes que varrem tudo o que está diante delas, engolfando tudo o que
está em seu caminho. Faça isto e você será o maior lutador do país.”

O instrutor se recolheu. O-nami sentou-se em meditação tentando imaginar-se como se fosse


ondas. Pensou em muitas coisas diferentes. Então ele gradualmente voltou-se, cada vez mais,
ao sentimento das ondas. À medida que a noite avançava, as ondas se tornavam cada vez
maiores. Elas varreram as flores em seus vasos. Até mesmo o Buda no santuário foi inundado.
Antes de amanhecer o templo não era nada mais do que o fluxo e o refluxo de um imenso mar.

De manhã, o instrutor encontrou O-nami meditando, com um leve sorriso em sua face. Ele
tocou no ombro do lutador. “Agora nada pode perturbá-lo”, disse ele. “Você é aquelas ondas.
Você varrerá tudo diante de você.

Naquele mesmo dia O-nami ingressou nos campeonatos de lutas e venceu. Depois daquilo,
ninguém no Japão era capaz de derrota-lo.
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