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RESUMO
Há um consenso de que a seleção de suínos para a produção de carcaças magras provocou um efeito
negativo sobre a qualidade da carne. As alterações de qualidade se referem às carnes PSE, RSE e DFD.
Carnes PSE representam o problema mais sério para a indústria, porque prejudicam seu uso na fabricação
de produtos cárneos e causam insatisfação nos consumidores. Os defeitos de qualidade da carne suína
resultam de fatores genéticos, não atendimento de condições de bem estar animal ante mortem, e
tratamento inadequado das carcaças no processo de abate e resfriamento. Esses fatores afetam a
velocidade e extensão dos eventos bioquímicos post mortem, que por sua vez determinam a qualidade da
carne. O objetivo desse artigo é traçar um breve histórico sobre as condições PSE/DFD, definir o
mecanismo de seu estabelecimento, as possíveis causas e fatores relacionados, e as principais
características e implicações no processamento, bem como oferecer algumas recomendações para
minimizar os prejuízos decorrentes dessas anomalias.
Palavras-chave: qualidade de carne , metabolismo post mortem, processamento.
INTRODUÇÃO
A qualidade da carne fresca e processada pode ser definida como a resultante de
suas diferentes propriedades, que envolvem tanto a aceitação pelo consumidor quanto
os aspectos tecnológicos, e que são: cor, firmeza, capacidade de retenção de água,
perda por cozimento e textura.
As siglas PSE e DFD referem-se a duas principais anomalias das características
da carne, especialmente a suína. PSE refere-se à carne pálida, flácida e exsudativa
(“pale, soft, and exudative”), enquanto DFD refere-se à carne escura, firme e pouco
úmida na superfície de corte (“dark, firm, and dry”).
A presença de uma dessas anomalias, além de alterar a qualidade da carne
fresca, afeta as propriedades funcionais do músculo destinado ao processamento, bem
como a aparência do produto final, prejudicando, assim, a industrialização e a
comercialização da carne.
Estima-se que as anomalias PSE/DFD atinjam de 10% a 30% da carne de suínos
abatidos em diversos países. No Brasil não existem estatísticas sobre a incidência de
carnes PSE ou DFD, tampouco sobre os prejuízos que o problema possa estar
acarretando. Em anos recentes, houve um visível progresso na genética suína, que
1
Este artigo é uma atualização do trabalho “O ABC do PSE/DFD”, publicado por P.E. de Felício na revista
Alimentos e Tecnologia, v. 2, n.10, p. 54, 1986 Alimentos e Tecnologia, v. 2, n.10, p. 54, 1986.
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Docente (adjunto nível I) do programa de Mestrado em Ciência e Tecnologia do Leite da Universidade Norte do
Paraná (UNOPAR). Email: marcela2@unopar.br.
3
Docente (professor titular) da Faculdade de Enga. de Alimentos/UNICAMP: Email: efelicio@fea.unicamp.br.
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teor de gordura intramuscular. Aumenta a preocupação com o bem estar animal e sua
relação com a qualidade da carne, mas ainda é reduzido o número de estudos nessa
área.
Pesquisas têm sido feitas a respeito de marcadores genéticos e genes
candidatos, para composição da carcaça e características de qualidade da carne suína,
tais como: descobrir como os genes principais Hal e RN- são segregados na
população; mapeamento genético, para mapear regiões do genoma associadas com
características de qualidade de carne; pesquisas sobre genes candidatos e uso de
genes associados com certas funções fisiológicas.
DESENVOLVIMENTO DO PSE/DFD
Em condições normais, sob refrigeração, o pH da carne de suíno fica entre 5,5 e
5,8 após 8 horas, e entre 5,3 e 5,7 após 24 horas do abate. Na carne PSE, a glicólise
é mais rápida e o pH cai a valores próximos de 5,3-5,5 já na primeira hora pós-abate.
Porém, isso não significa que o pH final dessa carne atinja valores abaixo do pH da
carne normal, pois a quantidade de glicogênio do músculo é limitada. Portanto, para
que se possa diferenciar uma carne potencialmente PSE de outra normal, através de
medidas de pH, é necessário que a medida seja feita 45 - 60 minutos após sangria.
A taxa e a extensão da acidificação post mortem dos músculos suínos têm um
profundo efeito sobre sua palidez, flacidez e exsudação, devido à influência sobre a
desnaturação das proteínas miofibrilares e sarcoplasmáticas (BENDALL &
SWATLAND, 1988; OFFER & KNIGHT, 1988). A queda brusca de pH da carne PSE,
que ocorre antes da dissipação de calor da massa muscular, causa uma desnaturação
das proteínas musculares. O grau desnaturação depende da temperatura do músculo e
do valor de pH que é atingido logo após o abate. Isto é, quanto mais alta a temperatura
do músculo e menor o pH, maior será a desnaturação.
A desnaturação causa uma redução na solubilidade das proteínas, uma perda na
capacidade de reter água, e uma aparente descoloração do músculo. Alterações essas
que são altamente indesejáveis tanto para a comercialização e degustação da carne,
como para a fabricação de produtos (HEDRICK et al., 1994).
Uma situação inversa se verifica quando os animais são submetidos a exercícios
físicos ou agressões de meio ambiente causadoras de estresse, como transporte,
movimentação e contato com outros animais que lhes são desconhecidos, e
permanência em jejum no frigorífico por um tempo prolongado. Nessa situação, o
músculo consome suas reservas de glicogênio, o ácido lático formado é retirado pela
corrente sanguínea, mas não há tempo para recomposição das suas reservas
energéticas. Quando esses animais são abatidos, a glicólise é lenta por falta de
glicogênio no músculo. O pH cai ligeiramente nas primeiras horas e depois se
estabiliza, permanecendo em níveis superiores a 6,0 ao final. É a carne DFD.
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(A)
(B)
Figura 1. Avaliação da coloração da carne suína: (A) padrões do NPPC; (B) padrão japonês.
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Além do padrão fotográfico de cor, a carne suína pode ser classificada através de medidas,
realizadas no lombo, de pH 45 minutos e 24 horas (pH final) post mortem, luminosidade e perda
por exsudação (KAUFFMAN et al., 1993; WARNER et al., 1997), conforme a Tabela 3.
L* LH pH45 pHF PE
PSE > 50 > 58 < 5,8 < 6,0 > 5%
RSE 42-50 52-58 < 5,8 < 6,0 > 5%
RFN 42-50 52-58 5,8-6,2 < 6,0 < 5%
DFD < 42 < 52 ≥ 6,3 ≥ 6,0 < 5%
L* luminosidade, medida com colorímetro Minolta 200b (0ºde ângulo de observação, iluminação
difusa, 8mm de abertura).
LH luminosidade, medida com colorímetro Hunter Labscan (10º de ângulo de observação,
iluminante D65, 30mm de abertura).
PE: perda por exsudação durante 48 horas a 4ºC
IMPLICAÇOES NO PROCESSAMENTO
Além da água existente no próprio tecido muscular, é comum na indústria a
incorporação de água nos embutidos e nos presuntos cozidos. A retenção dessa água
pelas proteínas da carne depende do pH. Na faixa de pH de 5,0 a 7,0 quanto mais
próximo de 5,0, menor a capacidade das proteínas para reter água.
Nos salames e presuntos crus, não se incorpora água durante o processamento, e
é necessário que haja perda de água da própria carne. Por outro lado, nos demais
produtos, é desejável que haja uma boa retenção de água. A conclusão lógica é que se
recomende o uso da carne PSE em embutidos secos e presuntos crus, e o da carne
DFD em embutidos e presuntos cozidos. Entretanto, WIRTH (1985) recomenda que
essas carnes sejam empregadas com certo critério e dentro de determinados limites
para não comprometer o rendimento do processo e qualidade do produto final.
Algumas propriedades, características durante o processamento e recomendações de
uso das carnes PSE e DFD estão resumidas nas Tabelas 4 e 5.
RECOMENDAÇÕES
Medidas que visam atender o bem estar animal, desde a granja até o abatedouro,
e a aplicação correta de tecnologias de abate e resfriamento podem contribuir para
minimizar a ocorrência de carne PSE/DFD, e de outros problemas como hematomas,
salpicamento, e fraturas ósseas, que provocam redução na qualidade, e causam
prejuízo a indústria processadora da carne. Algumas dessas medidas estão
relacionadas a seguir:
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Jejum pré-abate. Esse período deve ser de 12 a 18 horas, abaixo disso pode
aumentar a incidência de carne PSE, e acima pode predispor o aparecimento da
condição DFD.
Embarque, transporte e desembarque. Devem ocorrer, preferencialmente, a noite ou
pelo menos se evitar horas de calor intenso, para prevenir estresse térmico. Os
animais devem ser conduzidos com calma e sem atitudes bruscas. A mistura de
lotes não é recomendada.
Espera na pocilga do abatedouro. Lotes diferentes não devem ser misturados, os
animais devem ter acesso à água para beber e a permanência na pocilga deve ser,
preferencialmente de 2 a 4 horas.
Condução até a área de insensibilização. O ideal é conduzi-los com o auxílio de
pranchas de alumínio sem movimentos estressantes em fila indiana através de
corredores duplos, onde um animal possa ver o outro que está no corredor ao lado.
Insensibilização. Independente do método aplicado, uma prática adequada colabora
com a manutenção da qualidade da carne. Deve-se respeitar as recomendações
quanto ao tempo de aplicação do método; voltagem e amperagem, no caso da
insensibilização elétrica; concentração do gás e número de animais por vez, no caso
da insensibilização com CO2. A sangria deve ser feita imediatamente (dentro de 15
segundos) após a insensibilização.
Resfriamento. As carcaças devem começar a ser resfriadas em 30 a 45 minutos
após a sangria, visando reduzir o mais rápido possível a temperatura muscular e
evitar uma queda acentuada de pH com a carcaça ainda quente.
Avaliação da carne. Pode ser feita através de medidas de pH 45 minutos e 24 horas
post mortem, mas a maneira mais prática seria a avaliação da cor por um
funcionário treinado através de padrões fotográficos.
Rastreabilidade. Fazer um acompanhamento estatístico da incidência de PSE e
DFD, procurando relacionar os resultados à raça e procedência, época do ano, e
manejo a que foi submetido o lote antes do abate.
Genética. A completa eliminação do gene Halotano pode não ser vantajosa, pois
teria uma profunda influência negativa no conteúdo de carne da carcaça. Portanto, o
melhoramento genético e a seleção devem visar a melhor relação custo-benefício
entre as características quantitativas e qualitativas.
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CONCLUSÃO
A indústria de carnes implanta tecnologias avançadas e desenvolve novos
produtos em ritmo acelerado para atender um mercado cada vez mais exigente e
competitivo e melhorar sua lucratividade, agregando valor à carne. Isso requer um
rigoroso controle de qualidade das matérias-primas, dos insumos e dos produtos
acabados, para que suas estratégias de marketing tenham sucesso. Para tanto, a
indústria não pode correr riscos desnecessários, como de má qualidade da carne
afetada pelo PSE ou DFD. Daí a necessidade de selecionar a carne seja pelo pH
medido no na primeira hora, para encontrar e dar outro destino à carne PSE, seja pelo
pH na segunda hora post mortem, ou após o resfriamento das carcaças, para fazer o
mesmo com a carne DFD. A seleção ainda pode ser feita subjetivamente para detectar
visualmente tais problemas, sob iluminação adequada, com base em padrões
fotográficos. Até que as condições PSE/RSE/DFD em suínos sejam eliminadas pela
seleção genética, manejo pré-abate e boas técnicas de abate, haverá uma contínua
necessidade de detectá-las precocemente em condições comerciais com o objetivo de
utilizar adequadamente esse tipo de carne e contribuir para minimizar as perdas
econômicas na indústria e fornecer uma carne de boa qualidade ao consumidor.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Dr. Expedito Tadeu Facco Silveira pela colaboração nesse
trabalho com o fornecimento de informações e na correção final do artigo.
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