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ATENÇÃO PLENA E PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA

1 CONTEXTO HISTÓRICO E DEFINIÇÃO DOS TERMOS “MEDITAÇÃO” E


“ATENÇÃO PLENA”

A palavra “meditar” vem do latim medatio e, de acordo com o Dicionário


Aulete Digital, significa “1. Ação ou resultado de meditar, de refletir em
profundidade sobre um assunto; reflexão” e “2. Rel. Processo e circunstância
de (alguém) se concentrar espiritualmente para desligar-se gradualmente das
preocupações do mundo material”. O Michaelis Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa nos informa: “1. Ato ou efeito de meditar; reflexão. 2. Oração
mental. 3. Contemplação religiosa. sf pl Pensamentos, estudos, reflexões.”
De acordo com achados de história e literatura, a meditação já existia
há uns 5.500 anos, quando a escrita foi inventada. Foram descobertos moldes
de argila na Vale dos Ganges de 3.000 a 2.500 A.C. mostrando figuras em
posturas de ioga e de meditação (WALLACE, 2011, p. 24).
Encontramos variados tipos de meditação em praticamente todas as
religiões do mundo. Até recentemente, porém, a meditação era tratada como
pertencendo exclusivamente à esfera das religiões, não fazendo parte da vida
“normal” e certamente não cabendo nos laboratórios do mundo científico.
Existe a Meditação Cristã (que data da época dos Padres do Deserto do século
III, recollectio e hesychia); Judaica (kavana ou devekut, Kabbalah, Chabad,
hitbodedut), Islâmica (dhikr, ou zikr, e a contemplação tafakkur), Taoista
(shŏuyí), Confucionismo (jìngzuò), Hindu (samādhi e dhyāna) e Budista
(samādhi e dhyāna), além da meditação praticada em outras religiões e em
culturas indígenas.
Acredita-se que a meditação já era conhecida na Índia por volta de
5.000 A.C. Descrições de meditação são encontradas na literatura indiana de
3.000 A.C.
É no Budismo, religião-filosofia fundada por Sidarta Gautama, o Buda
(o Ser Desperto, c.563-483 A.C.), que encontramos um legado riquíssima de
aproximadamente 40 tipos de meditação e contemplação, com o uso de
visualizações, focalização em imagens, recitação de mantras e reflexão sobre
variados temas. Uma das escolas budistas mais divulgadas no ocidente é o
Budismo Zen, que se desenvolveu na China e se expandiu para a Coreia,
Japão, Vietnã, entre outros países.
A técnica principal do Budismo é a meditação com atenção na
respiração, que leva a um aquietamento da mente e pode levar a vários
estados de absorção meditativa chamados jhanas. Uma outra prática, bastante
importante no Budismo, é a prática da Atenção Plena, o sati, que pode ser
traduzido como “lembrança”, a prática de lembrar-se dos ensinamentos básicos
do Budismo: a insatisfatoriedade da vida, a transitoriedade e a ausência de um
eu separado e permanente, além de lembrar-se daquilo que se tenha feito, as
consequências de suas ações e a moralidade. Lembramos que, para Fromm, o
Budismo é uma religião humanista e não-autoritária (FROMM, 1962).
No Budismo, o termo que temos traduzido como “meditação” vem de
uma palavra sânscrita, bhāvanā, que significa literalmente “cultivar,
desenvolver, treinar”. Desta forma, no Budismo, uma das funções da meditação
é treinar e disciplinar a mente, que, sem treinamento, pode ser comparada a
um bando de macacos bêbados, que ficam pulando de galho em galho, nos
levando loucamente para lá e para cá. Para o Budismo, os pensamentos são
considerados “funções mentais” da consciência, que é considerada um sentido
semelhante aos cinco sentidos conhecidos no Ocidente. Mas nós nos
identificamos com os nossos pensamentos – fusão cognitiva – e os tratamos
como coisas concretas, a serem levados “a sério”. Assim, eles controlam as
nossas vidas, nos causando ansiedade e aflições.
O cultivo da mente através da bhāvanā facilita a desidentificação
(desfusão cognitiva) com os pensamentos e a manutenção da atenção no Aqui
e Agora. Mas, é muito importante lembrar que a meditação budista,
especialmente a Atenção Plena budista (sati) também inclui a recolecção, a
lembrança constante dos ensinamentos básicos do budismo e a moralidade.

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2. A ATENÇÃO PLENA ENTRA NA ÁREA DA SAÚDE

Um dos pioneiros ocidentais dos estudos científicos da meditação mais


conhecidos é o Dr. Herbert Benson, que escreveu um livro, “A Resposta de
Relaxamento” (The Relaxation Response), publicado em 1975, baseado nas
suas pesquisas e apresentando uma versão simplificada de um sistema de
meditação indiana chamado Meditação Transcendental.
O médico norte-americano Jon Kabat-Zinn aprendeu a meditação
budista e, a partir desta experiência, em 1979, desenvolveu um sistema de
prática de meditação sem qualquer vínculo religioso ou filosófico com a
finalidade de levar a redução de estresse para o mundo médico. O seu
sistema, chamado de Redução de Estresse Baseado na Atenção Plena
(Mindfulness-Based Stress Reduction, ou MBSR), colocou a meditação em
hospitais, clínicas médicas, consultórios de psicoterapia e nos laboratórios
científicos. Deu início ao “Mindfulness Movement”.
A prática principal da MBSR é uma meditação básica que toma a
atenção na respiração como meio de convidar a mente a se aquietar
naturalmente. Adiciona uma meditação de escaneamento do corpo (outra
técnica baseada numa prática budista), algumas meditações orientadas e
certos exercícios de Ioga que são ensinados num curso de oito semanas, no
qual o aluno frequenta uma aula semanal de prática em grupo e tem suas
tarefas diárias para fazer em casa.
Kabat-Zinn (2009) definiu a Atenção Plena como “A consciência que
surge ao prestar atenção intencionalmente no momento presente, sem
julgamento”.
Ao desvincular a Atenção Plena, ou Mindfulness, das suas raízes
filosóficas e espirituais, possibilitou a entrada da forma básica da meditação
nos laboratórios científicos bem como nos consultórios médicos e salas de
atendimento de psicoterapia – trazendo muitos benefícios, mas também
apresentando certos riscos e limitações.

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2.1 A Atenção Plena na Neurociência

Os primeiros estudos na área da neurociência da meditação foram


realizados na década de 1950 na Índia e no Japão. (LUTZ; DUNNE;
DAVIDSON, 2005).
O primeiro estudo bem controlado do eletroencefalograma (EEG) e a
Meditação foi realizado por Fenwick, em 1960 (Computer analysis of the EEG
during mantra meditation) (WEST, 1980).
Um outro pioneiro das pesquisas é um médico-psiquiatra japonês
pouco conhecido no ocidente, o Dr. Tomio Hirai do Departamento de
Neuropsiquiatria da Universidade de Tokyo e autor de vários livros, entre eles
“Zen and Psychotherapy”. Em 1966, publicou, junto com o Dr. Akira Kasamatsu
um artigo na revista Psychiatry and Clinical Neurosciences, relatando os
resultados de dez anos de pesquisa e finaliza apresentando a sua conclusão
afirmando que foram confirmados o padrão de redução da velocidade do EEG
e a desabituação do bloqueio de alfa, demonstrando uma mudança específica
de consciência. (HIRAI; KASAMATSU, 1966, p. 335).
Um artigo publicado no site da Enabling Support Foundation: Maximize
the potential of everyone com o título “Buddhist Meditation and Science” explica
o significado deste achado ao descrever uma pessoa lendo, tranquilamente e
produzindo ondas alfa num EEG, quando ocorre um barulho forte, que desvia
sua atenção brevemente, interrompendo as ondas alfa do EEG. Se o barulho
se repetir de novo, sua atenção se desvia novamente, mas durante menos
tempo. Se o barulho continuar a se repetir em intervalos regulares, depois de
algumas repetições, a pessoa acaba se habituando e mantem a produção das
ondas alfa no EEG sem interrupção. Sua atenção deixou de se desviar como
resposta àquele estímulo.
Num mestre Zen, porém, esta habituação não acontece. Ele produz um
bloqueio de alfa com menos tempo de duração que a pessoa no exemplo
anterior, mas continua produzindo o mesmo bloqueio sem variações, o que
mostra que mantem uma consciência maior de seu meio ambiente, no Aqui e
Agora.

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Com o desenvolvimento e disponibilidade maior dos aparelhos de IRM
(Imagem por Ressonância Magnética) e de Imagem por Ressonância
Magnética Funcional a partir da década 90, houve uma explosão de interesse
nas pesquisas sobre a meditação e seus efeitos no cérebro e na fisiologia.
Estudos documentaram melhoras nas várias habilidades, como
atenção sustentada, capacidade para automonitoramento (perceber a distração
mental, ou “mind wandering”), capacidade de se desligar de um objeto que
causaria distração, atenção seletiva, diminuição das “lacunas da atenção”
(attentional blink) e diminuição na perda cognitiva relacionada à idade
(BOCCIA; PICCARDI; GUARIGLIA, 2015).
Mudanças na estrutura do cérebro foram descobertas. De acordo com
um artigo publicado no jornal The New York Times (CAREY, 2008), a
neurocientista da Escola de Medicina de Harvard, Sara Lazar, publicou os
resultados de uma pesquisa no Psychiatry Research, relatando diferenças no
volume em cinco regiões do cérebro nos participantes depois de oito semanas
de prática de redução de estresse baseada em atenção plena. Foram
encontrados aumentos em quatro regiões: o córtex cingulado posterior
(relacionado com o fenômeno chamado de mente divagante (“mind wandering”)
e auto-relevância. (“self-relevance”); o hipocampo esquerdo (relacionado a
aprendizagem, cognição, memória e regulação emocional); a junção tempo
parietal, ou TPJ, (associada à alteridade, empatia e compaixão); e na ponte,
uma área do “tronco encefálico” (onde muitos dos neurotransmissores
regulatórios são produzidos). Ao mesmo tempo, houve uma redução do
tamanho da amigdala (a parte do cérebro da “luta ou fuga”), que é importante
no controle da ansiedade, medo e estresse em geral.
No Brasil, um dos pesquisadores mais conhecidos, de renome
internacional, é a Dra. Elisa Kozasa, que realiza pesquisas na área de
Neurociência e Comportamento no Hospital Albert Einstein em São Paulo.

2.2 Críticas às Pesquisas Científicas da Meditação

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Os autores do artigo Meditation and the Neuroscience of
Consciousness (publicado no The Cambridge Handbook of Consciousness,
mas também disponível na Internet) levantam críticas em relação à situação
atual da pesquisa científica da meditação. Baseiam-se no fato que ainda não
existe um consenso sobre como definir “meditação”, uma vez que existem
inúmeras técnicas e métodos de meditação, desde as danças rituais de
algumas tribos africanas, os exercícios espirituais dos padres do deserto, o
zazen do Zen Budismo, até as práticas tântricas no Budismo Tibetano, para
citar alguns exemplos. Isto cria situações onde tentativas de reproduzir os
resultados de uma pesquisa encontram dificuldades, erros de interpretação e
confusão sobre os verdadeiros efeitos de uma determinada técnica de
meditação, pois os diferentes tipos de meditação ativam ou acalmam variadas
partes do cérebro e produzem diversos efeitos fisiológicos.
Também há críticas em relação ao rigor científico insuficiente de muitas
das pesquisas e a falta de considerações para os possíveis efeitos negativos
da meditação para algumas pessoas também são problemas que
comprometem os resultados de muitas das pesquisas (HEUMAN, 2014).

2.3 A Atenção Plena na Psicoterapia

O psicanalista didata e monge zen budista norte-americano Paul C.


Cooper dedica um capítulo de seu livro The Zen Impulse and the
Psychoanalytic Encounter às consequências negativas dos primeiros contatos
de ocidentais com o Zen Budismo a partir do século 16. Os relatos críticos dos
missionários Jesuítas baseados na sua má-compreensão do Zen Budismo no
Japão influenciaram uma resposta inicial patologizante da meditação entre os
psicanalistas (COOPER, 2010, p. 55).
Estes relatos, que foram repetidos em segunda e terceira voz pelos
intelectuais europeus, levaram o fundador da psicanálise, Sigmund Freud, a um
entendimento errôneo das práticas meditativas orientais, apesar de seu
interesse sincero no assunto.

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De acordo com o monge zen budista e psicanalista Paul C. Cooper, ao
falar do livro de W. Parsons “The Enigma of the Oceanic Feeling”, Freud
contava exclusivamente com informações de segunda mão através de cartas
do poeta e místico francês Romaine Rolland, discípulo de um guru Indiano.
(PARSONS, 1999 apud COOPER, 2010, p. 59).
Apesar desta influência negativa, outros estudiosos desenvolveram
uma compreensão melhor. No início do século 20, William James comentou
para seus alunos em Harvard: “Esta psicologia [psicologia Budista] é a
psicologia que todos estarão estudando daqui 25 anos” (EPSTEIN, 2001 p. 1).
Finalmente, alimentada pelo rompimento de Jung com Freud e a
popularização do Zen nas décadas de 60 e 70, o pensamento oriental começou
a entrar na consciência psicológica do Ocidente. De acordo com o professor de
meditação budista e psiquiatra norte-americano Mark Epstein, a influência
deste pensamento pode ser vista no trabalho do psicólogo Abraham Maslow e
no desenvolvimento da vertente humanística da psicologia moderna.
O autor D.T. Suzuki, controvertido divulgador japonês do Zen no
Ocidente, dialogou com Erich Fromm e Karen Horney e influenciou numerosos
visionários e artistas, além de muitos terapeutas jovens, como o Fritz Perls,
entre outros, que foram atraídos pela filosofia e meditação orientais durante
este período.
Na década de 90, com a popularização do programa de Redução de
Estresse Baseada na Atenção Plena (Mindfulness-Based Stress Reduction),
criado pelo médico Jon Kabat-Zinn, e o número crescente de estudos
científicos comprovando a eficácia da meditação para a redução de estresse e
ansiedade, o uso da prática de Mindfulness (Atenção Plena) passou a ser cada
vez mais aceita como uma técnica complementar na psicoterapia, e vários
métodos foram desenvolvidos.
Algumas das principais psicoterapias baseadas em Mindfulness são:
Terapia Cognitivo-Comportamental Baseada em Mindfulness (MBCT/MiCBT);
Prevenção de Recaída de Depressão Baseada em Mindfulness; Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT), Terapia Comportamental Dialética ou Terapia
de Aceitação Radical, Terapia Focada na Compaixão. Assim, a prática de

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Mindfulness vem sendo incorporada nos tratamentos de vários tipos de
transtorno, incluindo transtorno bipolar, transtorno de estresse pós-traumático,
transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros.
Há basicamente duas abordagens do uso de Atenção Plena na
psicoterapia:
a) o terapeuta pratica a Atenção Plena para melhor atender seus
pacientes (Terapia Informada pela Atenção Plena) e;
b) o terapeuta, além de cultivar a sua própria prática da Atenção
Plena, ensina o paciente a desenvolver a prática e,
eventualmente, dedica uma parte da própria sessão à meditação
focando a respiração (Terapia Baseada na Atenção Plena).

3. A ATENÇÃO PLENA NA PSICANÁLISE

Apesar do início confuso, devido à interpretação do Freud da


meditação como uma patologia, com o tempo, a meditação foi conquistando
espaço dentro da comunidade psicanalítica através de psicanalistas-autores-
praticantes budistas, como Dr. Jeffrey B. Rubin, o monge Zen Budista Dr. Paul
Cooper, o professor de meditação Dr. Mark Epstein, a monja budista holandesa
Enko Else Heynekamp, o inglês Dale Mathers, a holandesa Adeline van
Waning e o monge Zen Budista Genjo Marinello, entre numerosos outros.
Na linha da Psicanálise Humanista, vemos que o próprio Erich Fromm
deu instruções, à sua maneira, sobre a meditação no livro A Arte de Amar onde
escreveu frases que poderiam ter saído da boca de um mestre zen e deu
instruções básicas, simplificadas, sobre como fazer a meditação.
No livro “Zen Budismo e Psicanálise”, Fromm ainda fala como o Zen
poderá aprofundar e ampliar os horizontes do psicanalista, enriquecendo a
teoria e técnica da Psicanálise, apesar das diferenças entre os dois métodos:
Em relação à escuta terapêutica, temos primeiramente a instrução de
Freud sobre a Atenção Uniformemente Suspensa (Gleichschwebende
Aufmerksamkeit), frequentemente traduzida como Atenção Flutuante, quando

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ele fala para simplesmente “não dirigir o reparo para algo específico e em
manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ (como a denominei) em
face de tudo o que se escuta.” (FREUD, 1969, p. 149-150).
Karen Horney, que pesquisou o Zen no Japão, e Wilfred Bion também
deram instruções sobre a escuta terapêutica que lembram a atenção que é
desenvolvida com a prática de Mindfulness.

4. LIMITAÇÕES DA APLICAÇÃO DA ATENÇÃO PLENA NA PSICOTERAPIA

Apesar do fato de que há pouca informação disponível sobre os efeitos


colaterais, limitações e contraindicações para a aplicação da técnica de
Atenção Plena na psicoterapia, já existe material suficiente para chamar a
atenção para a importância de evitar um excesso de otimismo e a necessidade
de certos cuidados.
Peter Levine diz, numa entrevista disponível na Internet, que a
meditação ajuda com alguns tipos de trauma, mas problemas podem aparecer
quando a pessoa despreparada e sem orientação entra no seu mundo interior e
acaba entrando em contato com o trauma. Pode ser esmagada, pode criar um
meio de se afastar do trauma ou pode entrar num tipo de estado extático sem
chão como maneira de evitar o trauma. (YALOM; YALOM, 2010).
Ele ainda fala do “Problema da Medusa”, no qual um retiro de
meditação intensivo pode retraumatizar uma pessoa traumatizada devido ao
medo associado à imobilidade durante a situação traumática e a imobilidade e
percepção das tensões corporais durante a meditação, reativando a memória
do trauma.
David Treleaven, na palestra Meditation and Trauma: A Hermeneutic
Study of Somatic Experiencing and the Western Vipassana Movement (2012),
avisa que a meditação Vipassana pode, sem se perceber, provocar estados
dissociativos em pessoas com um histórico de trauma.
Rick Hanson, PhD, na apresentação com o título de Mindfulness in
Clinical Practice (2015) alerta que o Center for Mindfulness geralmente exclui

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pessoas com adicção ou menos de um ano em recuperação da adicção,
tendência a suicídio, psicose, Estresse Pós-traumático ou qualquer tipo de
transtorno que dificulte atividade de grupo. Também alerta sobre a necessidade
de cuidados em relação a pessoas que podem ser vulneráveis à perda do ego
numa prática de atenção aberta, autocrítica relacionada a performance, desejo
de agradar o terapeuta ou que necessitam de mais recursos para lidar com a
sua experiência.
De acordo com Simon Young (2011), a prática da Atenção Plena pode
ajudar a diminuir o risco da recaída depressiva e até possivelmente prevenir
um primeiro episódio numa pessoa suscetível. Mas, de acordo com os autores
Williams, Teasdale, Segal e Kabat-Zinn (2007) na Introdução do livro “The
Mindful Way through Depression”, a prática de Mindfulness pode não ser
recomendável durante uma crise de depressão aguda. Passada a fase aguda,
que seria tratada pelos métodos convencionais da psicoterapia e
medicamentos, a prática de Atenção Plena pode ser de grande ajuda na
prevenção de recaída.
O psiquiatra Antonio Pinto (2009), no capítulo “Mindfulness and
Psychosis” do livro Clinical Handbook of Mindfulness fala sobre cuidados
especiais em relação aos pacientes psicóticos, alertando que nem todos os
pacientes psicóticos seriam indicados para os protocolos de mindfulness,
apesar do fato que, com adaptações, alguns pacientes possam ser
beneficiados.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A técnica da Atenção Plena, ou Mindfulness, pode ser uma grande


aliada no atendimento psicanalítico. Mas certos cuidados são necessários.
Para o psicanalista, a prática da Atenção Plena pode aumentar a sua
capacidade de escuta terapêutica, empatia e intuição ao mesmo tempo em que
diminui a fadiga compassiva, ou o estresse de lidar com o sofrimento das
pessoas diariamente.

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Para o analisando, quando não existe nenhuma contraindicação, a
técnica de Mindfulness, ou a Atenção Plena, corretamente supervisionada,
pode ser um fator propulsor para a comunicação com o material do
inconsciente, permitindo um acesso mais permeável ao conteúdo reprimido
desenvolvendo um "centramento" e melhora na sensopercepção.
Mais ainda, a meditação pode ajudar o praticante a desenvolver um
“centramento” e melhor sensopercepção. Com o tempo, ele pode desenvolver
uma habilidade de perceber, no seu dia-a-dia, quando está “fora do centro” e
fortalece a sua capacidade de “voltar ao centro”, chegando a um equilíbrio
emocional.
Da mesma forma que é imprescindível que um psicanalista passe pela
sua própria análise como parte de seu treinamento, é extremamente importante
que o terapeuta que deseja incorporar a técnica da Atenção Plena no seu
atendimento clínico cultive a sua própria prática de Atenção Plena. Um monge
plenamente formado numa tradição budista terá passado por milhares de horas
de prática de meditação, realizadas durante anos de treinamento, dando a ele
uma compreensão desta prática que nenhum cursinho de final de semana pode
dar. Alguns monges e freiras franciscanos, beneditinos e trapistas também têm
grande experiência com a meditação. Consequentemente, para orientar uma
prática de Atenção Plena no contexto clínico, além de cultivar sua própria
prática, é importante não somente buscar o melhor treinamento possível, mas
também ter consciência de suas próprias limitações como profissional.
Alguns pacientes podem se aprofundar espontaneamente na
experiência meditativa, possivelmente passando a ter “experiências místicas”,
mesmo com esta prática básica de Atenção Plena. Por isso, será importante
saber quando consultar-se com os especialistas (geralmente os Professores de
Darma Budista) e quando encaminhar o seu paciente para uma prática
religiosa, de acordo com a religião dele, mesmo continuando o atendimento
terapêutico. As tradições religiosas-místicas conhecem bem os diferentes
estágios e dificuldades da caminhada espiritual e tem suas próprias técnicas
para facilitar a integração dos vários tipos de experiências.

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Nos casos envolvendo um analisando com um histórico de trauma
grave, a prática de Atenção Plena deve ser limitada a períodos curtos, por volta
de 10 minutos de 3 a 5 vezes por semana, para minimizar o risco de um
rompimento do material reprimido além da capacidade do analisando suportar.
Desta forma, a Atenção Plena servirá para reduzir a ansiedade e ajuda na
desidentificação com os pensamentos sem permitir uma abertura grande
demais para a mente inconsciente, como pode acontecer com os períodos
mais longos de meditação ou nos retiros de meditação intensivo, quando, sem
a devida preparação e orientação, pode haver riscos de uma desorganização
psíquica devido ao excesso de material reprimido surgindo à consciência de
uma vez.
Para o paciente “normalmente neurótico”, uma prática envolvendo
períodos mais longos de até 40 minutos duas vezes por dia pode ser cultivada,
como nos programas de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness. Mas,
apesar de não existirem ainda muitos estudos científicos a respeito, existem
relatos de pessoas sofrendo efeitos negativos graves e incapacitantes das
práticas de Mindfulness. Por este motivo, o acompanhamento da prática é
muito importante e o terapeuta deve saber reconhecer os vários tipos de sinais
de dificuldade, pois os sintomas iniciais de um surto psicótico e os sinais de
uma “emergência espiritual” podem parecer bastante semelhantes, mas
requerem tratamentos totalmente diferentes.
Como todo medicação, deve-se fornecer uma “bula”, ajudando o
paciente a saber o que esperar, quais os desconfortos normais da prática e
quando ele deve pedir ajuda e/ou suspender as práticas até consultar com o
seu terapeuta.
No caso do analista estar atendendo um analisando que já vem
mantendo algum tipo de prática de meditação, é importante saber QUAL tipo
de meditação estaria sendo cultivado, uma vez que os tipos de meditação
baseados nos ensinamentos da Teravada e do Zen (no Budismo) servem muito
bem como técnicas de redução de estresse devido ao fato que levam ao
relaxamento profundo com a mente alerta (ativação do sistema
parassimpático), enquanto que outros tipos de meditação, como os da Tantra

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Vajrayana e Hindu geram uma maior ativação do sistema simpático, o que
pode representar problemas para uma pessoa que sofre altos níveis de
estresse ou ansiedade. Neste segundo caso, a própria prática de meditação
pode estar exacerbando o estresse ou ansiedade deste paciente. Mais estudos
são necessários para avaliar outros tipos de meditação (Cristã, Taoísta, Sufi,
etc.).
Também é muito importante acompanhar e verificar constantemente a
regularidade da prática de Atenção Plena do analisando, pois, não é incomum
descobrir, talvez tarde demais, que ele ou ela relaxou-se e deixou de praticar a
meditação corretamente sem comunicar este fato ao terapeuta. Se for
questionado superficialmente e não diretamente, pode até induzir o terapeuta a
acreditar que ainda mantem a prática normalmente, conforme tenha sido
orientado. Infelizmente, é muito comum que os praticantes de meditação
relaxem e deixem de manter a regularidade da prática na medida em que vão
se sentindo melhores. Mas, o abandono da prática facilmente leva à recaída –
ou até uma piora – da ansiedade ou outros sintomas iniciais. Assim sendo, se,
num dado momento, o analisando reporta uma piora no seu estado, com um
aumento de sua ansiedade ou insônia, talvez a primeira pergunta deva ser um
questionamento direto para saber se ele vem mantendo a regularidade na sua
prática de meditação.
Outros tópicos que o terapeuta que deseja adotar a técnica de Atenção
Plena no seu atendimento deve investigar incluem a Emergência Espiritual e
Atalho Espiritual (Spiritual By-pass, também traduzida como Desvio Espiritual).
É extremamente gratificante acompanhar a mudanças – e até autocura
– que a prática de meditação pode proporcionar.

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