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2. A ATENÇÃO PLENA ENTRA NA ÁREA DA SAÚDE
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2.1 A Atenção Plena na Neurociência
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Com o desenvolvimento e disponibilidade maior dos aparelhos de IRM
(Imagem por Ressonância Magnética) e de Imagem por Ressonância
Magnética Funcional a partir da década 90, houve uma explosão de interesse
nas pesquisas sobre a meditação e seus efeitos no cérebro e na fisiologia.
Estudos documentaram melhoras nas várias habilidades, como
atenção sustentada, capacidade para automonitoramento (perceber a distração
mental, ou “mind wandering”), capacidade de se desligar de um objeto que
causaria distração, atenção seletiva, diminuição das “lacunas da atenção”
(attentional blink) e diminuição na perda cognitiva relacionada à idade
(BOCCIA; PICCARDI; GUARIGLIA, 2015).
Mudanças na estrutura do cérebro foram descobertas. De acordo com
um artigo publicado no jornal The New York Times (CAREY, 2008), a
neurocientista da Escola de Medicina de Harvard, Sara Lazar, publicou os
resultados de uma pesquisa no Psychiatry Research, relatando diferenças no
volume em cinco regiões do cérebro nos participantes depois de oito semanas
de prática de redução de estresse baseada em atenção plena. Foram
encontrados aumentos em quatro regiões: o córtex cingulado posterior
(relacionado com o fenômeno chamado de mente divagante (“mind wandering”)
e auto-relevância. (“self-relevance”); o hipocampo esquerdo (relacionado a
aprendizagem, cognição, memória e regulação emocional); a junção tempo
parietal, ou TPJ, (associada à alteridade, empatia e compaixão); e na ponte,
uma área do “tronco encefálico” (onde muitos dos neurotransmissores
regulatórios são produzidos). Ao mesmo tempo, houve uma redução do
tamanho da amigdala (a parte do cérebro da “luta ou fuga”), que é importante
no controle da ansiedade, medo e estresse em geral.
No Brasil, um dos pesquisadores mais conhecidos, de renome
internacional, é a Dra. Elisa Kozasa, que realiza pesquisas na área de
Neurociência e Comportamento no Hospital Albert Einstein em São Paulo.
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Os autores do artigo Meditation and the Neuroscience of
Consciousness (publicado no The Cambridge Handbook of Consciousness,
mas também disponível na Internet) levantam críticas em relação à situação
atual da pesquisa científica da meditação. Baseiam-se no fato que ainda não
existe um consenso sobre como definir “meditação”, uma vez que existem
inúmeras técnicas e métodos de meditação, desde as danças rituais de
algumas tribos africanas, os exercícios espirituais dos padres do deserto, o
zazen do Zen Budismo, até as práticas tântricas no Budismo Tibetano, para
citar alguns exemplos. Isto cria situações onde tentativas de reproduzir os
resultados de uma pesquisa encontram dificuldades, erros de interpretação e
confusão sobre os verdadeiros efeitos de uma determinada técnica de
meditação, pois os diferentes tipos de meditação ativam ou acalmam variadas
partes do cérebro e produzem diversos efeitos fisiológicos.
Também há críticas em relação ao rigor científico insuficiente de muitas
das pesquisas e a falta de considerações para os possíveis efeitos negativos
da meditação para algumas pessoas também são problemas que
comprometem os resultados de muitas das pesquisas (HEUMAN, 2014).
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De acordo com o monge zen budista e psicanalista Paul C. Cooper, ao
falar do livro de W. Parsons “The Enigma of the Oceanic Feeling”, Freud
contava exclusivamente com informações de segunda mão através de cartas
do poeta e místico francês Romaine Rolland, discípulo de um guru Indiano.
(PARSONS, 1999 apud COOPER, 2010, p. 59).
Apesar desta influência negativa, outros estudiosos desenvolveram
uma compreensão melhor. No início do século 20, William James comentou
para seus alunos em Harvard: “Esta psicologia [psicologia Budista] é a
psicologia que todos estarão estudando daqui 25 anos” (EPSTEIN, 2001 p. 1).
Finalmente, alimentada pelo rompimento de Jung com Freud e a
popularização do Zen nas décadas de 60 e 70, o pensamento oriental começou
a entrar na consciência psicológica do Ocidente. De acordo com o professor de
meditação budista e psiquiatra norte-americano Mark Epstein, a influência
deste pensamento pode ser vista no trabalho do psicólogo Abraham Maslow e
no desenvolvimento da vertente humanística da psicologia moderna.
O autor D.T. Suzuki, controvertido divulgador japonês do Zen no
Ocidente, dialogou com Erich Fromm e Karen Horney e influenciou numerosos
visionários e artistas, além de muitos terapeutas jovens, como o Fritz Perls,
entre outros, que foram atraídos pela filosofia e meditação orientais durante
este período.
Na década de 90, com a popularização do programa de Redução de
Estresse Baseada na Atenção Plena (Mindfulness-Based Stress Reduction),
criado pelo médico Jon Kabat-Zinn, e o número crescente de estudos
científicos comprovando a eficácia da meditação para a redução de estresse e
ansiedade, o uso da prática de Mindfulness (Atenção Plena) passou a ser cada
vez mais aceita como uma técnica complementar na psicoterapia, e vários
métodos foram desenvolvidos.
Algumas das principais psicoterapias baseadas em Mindfulness são:
Terapia Cognitivo-Comportamental Baseada em Mindfulness (MBCT/MiCBT);
Prevenção de Recaída de Depressão Baseada em Mindfulness; Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT), Terapia Comportamental Dialética ou Terapia
de Aceitação Radical, Terapia Focada na Compaixão. Assim, a prática de
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Mindfulness vem sendo incorporada nos tratamentos de vários tipos de
transtorno, incluindo transtorno bipolar, transtorno de estresse pós-traumático,
transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros.
Há basicamente duas abordagens do uso de Atenção Plena na
psicoterapia:
a) o terapeuta pratica a Atenção Plena para melhor atender seus
pacientes (Terapia Informada pela Atenção Plena) e;
b) o terapeuta, além de cultivar a sua própria prática da Atenção
Plena, ensina o paciente a desenvolver a prática e,
eventualmente, dedica uma parte da própria sessão à meditação
focando a respiração (Terapia Baseada na Atenção Plena).
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ele fala para simplesmente “não dirigir o reparo para algo específico e em
manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ (como a denominei) em
face de tudo o que se escuta.” (FREUD, 1969, p. 149-150).
Karen Horney, que pesquisou o Zen no Japão, e Wilfred Bion também
deram instruções sobre a escuta terapêutica que lembram a atenção que é
desenvolvida com a prática de Mindfulness.
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pessoas com adicção ou menos de um ano em recuperação da adicção,
tendência a suicídio, psicose, Estresse Pós-traumático ou qualquer tipo de
transtorno que dificulte atividade de grupo. Também alerta sobre a necessidade
de cuidados em relação a pessoas que podem ser vulneráveis à perda do ego
numa prática de atenção aberta, autocrítica relacionada a performance, desejo
de agradar o terapeuta ou que necessitam de mais recursos para lidar com a
sua experiência.
De acordo com Simon Young (2011), a prática da Atenção Plena pode
ajudar a diminuir o risco da recaída depressiva e até possivelmente prevenir
um primeiro episódio numa pessoa suscetível. Mas, de acordo com os autores
Williams, Teasdale, Segal e Kabat-Zinn (2007) na Introdução do livro “The
Mindful Way through Depression”, a prática de Mindfulness pode não ser
recomendável durante uma crise de depressão aguda. Passada a fase aguda,
que seria tratada pelos métodos convencionais da psicoterapia e
medicamentos, a prática de Atenção Plena pode ser de grande ajuda na
prevenção de recaída.
O psiquiatra Antonio Pinto (2009), no capítulo “Mindfulness and
Psychosis” do livro Clinical Handbook of Mindfulness fala sobre cuidados
especiais em relação aos pacientes psicóticos, alertando que nem todos os
pacientes psicóticos seriam indicados para os protocolos de mindfulness,
apesar do fato que, com adaptações, alguns pacientes possam ser
beneficiados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Para o analisando, quando não existe nenhuma contraindicação, a
técnica de Mindfulness, ou a Atenção Plena, corretamente supervisionada,
pode ser um fator propulsor para a comunicação com o material do
inconsciente, permitindo um acesso mais permeável ao conteúdo reprimido
desenvolvendo um "centramento" e melhora na sensopercepção.
Mais ainda, a meditação pode ajudar o praticante a desenvolver um
“centramento” e melhor sensopercepção. Com o tempo, ele pode desenvolver
uma habilidade de perceber, no seu dia-a-dia, quando está “fora do centro” e
fortalece a sua capacidade de “voltar ao centro”, chegando a um equilíbrio
emocional.
Da mesma forma que é imprescindível que um psicanalista passe pela
sua própria análise como parte de seu treinamento, é extremamente importante
que o terapeuta que deseja incorporar a técnica da Atenção Plena no seu
atendimento clínico cultive a sua própria prática de Atenção Plena. Um monge
plenamente formado numa tradição budista terá passado por milhares de horas
de prática de meditação, realizadas durante anos de treinamento, dando a ele
uma compreensão desta prática que nenhum cursinho de final de semana pode
dar. Alguns monges e freiras franciscanos, beneditinos e trapistas também têm
grande experiência com a meditação. Consequentemente, para orientar uma
prática de Atenção Plena no contexto clínico, além de cultivar sua própria
prática, é importante não somente buscar o melhor treinamento possível, mas
também ter consciência de suas próprias limitações como profissional.
Alguns pacientes podem se aprofundar espontaneamente na
experiência meditativa, possivelmente passando a ter “experiências místicas”,
mesmo com esta prática básica de Atenção Plena. Por isso, será importante
saber quando consultar-se com os especialistas (geralmente os Professores de
Darma Budista) e quando encaminhar o seu paciente para uma prática
religiosa, de acordo com a religião dele, mesmo continuando o atendimento
terapêutico. As tradições religiosas-místicas conhecem bem os diferentes
estágios e dificuldades da caminhada espiritual e tem suas próprias técnicas
para facilitar a integração dos vários tipos de experiências.
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Nos casos envolvendo um analisando com um histórico de trauma
grave, a prática de Atenção Plena deve ser limitada a períodos curtos, por volta
de 10 minutos de 3 a 5 vezes por semana, para minimizar o risco de um
rompimento do material reprimido além da capacidade do analisando suportar.
Desta forma, a Atenção Plena servirá para reduzir a ansiedade e ajuda na
desidentificação com os pensamentos sem permitir uma abertura grande
demais para a mente inconsciente, como pode acontecer com os períodos
mais longos de meditação ou nos retiros de meditação intensivo, quando, sem
a devida preparação e orientação, pode haver riscos de uma desorganização
psíquica devido ao excesso de material reprimido surgindo à consciência de
uma vez.
Para o paciente “normalmente neurótico”, uma prática envolvendo
períodos mais longos de até 40 minutos duas vezes por dia pode ser cultivada,
como nos programas de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness. Mas,
apesar de não existirem ainda muitos estudos científicos a respeito, existem
relatos de pessoas sofrendo efeitos negativos graves e incapacitantes das
práticas de Mindfulness. Por este motivo, o acompanhamento da prática é
muito importante e o terapeuta deve saber reconhecer os vários tipos de sinais
de dificuldade, pois os sintomas iniciais de um surto psicótico e os sinais de
uma “emergência espiritual” podem parecer bastante semelhantes, mas
requerem tratamentos totalmente diferentes.
Como todo medicação, deve-se fornecer uma “bula”, ajudando o
paciente a saber o que esperar, quais os desconfortos normais da prática e
quando ele deve pedir ajuda e/ou suspender as práticas até consultar com o
seu terapeuta.
No caso do analista estar atendendo um analisando que já vem
mantendo algum tipo de prática de meditação, é importante saber QUAL tipo
de meditação estaria sendo cultivado, uma vez que os tipos de meditação
baseados nos ensinamentos da Teravada e do Zen (no Budismo) servem muito
bem como técnicas de redução de estresse devido ao fato que levam ao
relaxamento profundo com a mente alerta (ativação do sistema
parassimpático), enquanto que outros tipos de meditação, como os da Tantra
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Vajrayana e Hindu geram uma maior ativação do sistema simpático, o que
pode representar problemas para uma pessoa que sofre altos níveis de
estresse ou ansiedade. Neste segundo caso, a própria prática de meditação
pode estar exacerbando o estresse ou ansiedade deste paciente. Mais estudos
são necessários para avaliar outros tipos de meditação (Cristã, Taoísta, Sufi,
etc.).
Também é muito importante acompanhar e verificar constantemente a
regularidade da prática de Atenção Plena do analisando, pois, não é incomum
descobrir, talvez tarde demais, que ele ou ela relaxou-se e deixou de praticar a
meditação corretamente sem comunicar este fato ao terapeuta. Se for
questionado superficialmente e não diretamente, pode até induzir o terapeuta a
acreditar que ainda mantem a prática normalmente, conforme tenha sido
orientado. Infelizmente, é muito comum que os praticantes de meditação
relaxem e deixem de manter a regularidade da prática na medida em que vão
se sentindo melhores. Mas, o abandono da prática facilmente leva à recaída –
ou até uma piora – da ansiedade ou outros sintomas iniciais. Assim sendo, se,
num dado momento, o analisando reporta uma piora no seu estado, com um
aumento de sua ansiedade ou insônia, talvez a primeira pergunta deva ser um
questionamento direto para saber se ele vem mantendo a regularidade na sua
prática de meditação.
Outros tópicos que o terapeuta que deseja adotar a técnica de Atenção
Plena no seu atendimento deve investigar incluem a Emergência Espiritual e
Atalho Espiritual (Spiritual By-pass, também traduzida como Desvio Espiritual).
É extremamente gratificante acompanhar a mudanças – e até autocura
– que a prática de meditação pode proporcionar.
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REFERÊNCIAS
CAREY, B. Lotus Therapy. The New York Times, section Health, May 27,
2008. Disponível em:
<http://www.nytimes.com/2008/05/27/health/research/27budd.html?
pagewanted=all&_r=1&>. Acesso em: 9 ago. 2015.
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<http://docslide.us/health-medicine/mindfulness-in-clinical-practice-rick-hanson-
phd.html>. Acesso em: 3 nov. 2015.
HEUMAN, L. Meditation Nation. Tricycle, New York, April 25, 2014. Disponível
em: <http://www.tricycle.com/blog/meditation-nation>. Acesso em: 3 nov. 2015.
LUTZ, A.; DUNNE, J. D.; DAVIDSON, R. J.; Meditation and the Neuroscience
of Consciousness. 2005. No prelo em: ZELAZO, P.; MOSCOVITCH, M.;
THOMPSON, E. (Eds.) Cambridge Handbook of Consciousness. Disponível
em:
<http://media.rickhanson.net/Papers/Meditation_Neuroscience_2005_AL_JDD_
RJD_2.pdf>. Acesso em: 19 abril 2015.
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NATIONAL CENTER FOR COMPLEMENTARY AND INTEGRATIVE HEALTH.
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<https://nccih.nih.gov/health/meditation/overview.htm>. Acesso em: 29 set.
2015.
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Through Depression: Freeing Yourself from Chronic Unhappiness. New York:
The Guilford Press, 2007.
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Levine. Disponivel em: <https://www.psychotherapy.net/interview/interview-
peter-levine>. Acesso em: 06 nov. 2015.
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