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CICLO CARDÍACO

Semiologia cardiovascular
• CASO CLÍNICO

Paciente sexo masculino, 54 anos, comparece ao departamento de emergência


do hospital universitário com queixas de “palpitação” de início há 30 minutos.
Ao exame, apresenta-se dispneico, com crepitações pulmonares, taquicárdico
(FC 168 bpm), hipotenso (PA 88 x 56 mmHg) e com sinais de má perfusão
periférica (enchimento capilar maior que 3 segundos, pele fria e pulsos finos). O
que justifica os sintomas apresentados pelo paciente?

• INTRODUÇÃO

O coração tem a função básica de bombear sangue para todo o corpo. Para que
isso seja realizado efetivamente, ele deve passar por uma série de passos, que
formam o ciclo cardíaco. Tudo se inicia com o enchimento dos átrios com
sangue que retorna dos pulmões (átrio esquerdo) ou do resto do corpo (átrio
direito). Para esse enchimento, os átrios devem estar relaxados (diástole atrial)
e as valvas atrioventriculares devem estar fechadas, para evitar que o sangue
caia diretamente nos ventrículos. Então há um estímulo para a dilatação
(diástole) ventricular, o que leva à abertura das valvas mitral e tricúspide, com
início da fase de enchimento ventricular. Esse enchimento é intensificado com
contração dos átrios no final da sístole atrial. Após repletos de sangue, os
ventrículos iniciam sua contração para bombeá-lo para os pulmões (ventrículo
direito) ou para o resto do corpo (ventrículo esquerdo). Logo no início dessa
nova fase (sístole ventricular) há o fechamento das valvas atrioventriculares,
seguida por uma contração isovolumétrica, quando o músculo cardíaco se con-
trai, mas sem reduzir a quantidade de sangue no ventrículo, já que todas suas
vias de saída estão fechadas, o que resulta em um aumento da pressão em seu
interior. Esse aumento pressórico leva à abertura das valvas semilunares. Ag-
ora, com uma válvula de escape para o sangue, os ventrículos conseguem se
contrair ainda mais, chegando à fase de ejeção ventricular, com o sangue flu-
indo dos ventrículos para as artérias aorta e pulmonar. Ao fim da ejeção, os
ventrículos retornam à fase de relaxamento (diástole) e, com a queda na
pressão, as valvas aórtica e pulmonar se fecham. Da mesma forma que na
sístole, há inicialmente uma fase de relaxamento isovolumétrico, quando as
atrioventriculares ainda não se abriram e não há sangue chegando aos
ventrículos. Finalmente, com maior redução na pressão nessas câmaras, ocorre
abertura das valvas atrioventriculares e o sangue flui dos átrios para os
ventrículos. Essas fases ocorrem contínua e simultaneamente, geralmente entre
60 e 100 vezes por minuto. A sístole atrial é concomitante à diástole ventricu-
lar, e vice-versa. Para fins didáticos, as fases do ciclo cardíaco seguem a nomi-
nação dos ventrículos.

Para que essas movimentações cardíacas ocorram, são necessários estímulos


elétricos, que surgem e são conduzidos por um sistema específico desse órgão,
autônomo e independente. Em condições fisiológicas, o estímulo para a con-
tração surge no nó sinoatrial, localizado no átrio direito, e progride inicialmente
pelos feixes internodais e de Bachmann entre as fibras musculares atriais
(gerando a sístole atrial), até chegar ao nó atrioventricular, onde sofre um pe-
queno atraso em sua transmissão (durante a diástole ventricular). Finalmente,
ele é conduzido pelo feixe de His até as fibras de Purkinje em todo o ventrículo,
levando à contração dessas câmaras.

• SEMIOTÉCNICA

É necessário um bom conhecimento sobre as fases do ciclo cardíaco para que


se entenda os achados semiológicos e as alterações encontradas no exame
deste órgão.

1) Inspeção

É possível estimar as fases do ciclo cardíaco pela inspeção do impulso do ápice


do ventrículo esquerdo (ictus cordis) contra a parede torácica, geralmente local-
izado no 5º espaço intercostal, na linha hemiclavicular esquerda. Esse impulso
ocorre no início da contração ventricular, quando o coração ganha uma forma
mais ovalada e seu ápice é anteriorizado, marcando, então, o início da sístole.
Na inspeção ainda é possível fazer essa delimitação é pela análise do pulso
venoso jugular. Observado na base do pescoço à direita, entre as cabeças do
músculo esternocleidomastóideo, ele é composto por duas ondas e duas
depressões. O primeiro pulso ocorre imediatamente antes do impulso apical,
decorrente da contração atrial no fim da diástole ventricular, sendo a depressão
que a segue um marcador do início da sístole ventricular. Já a segunda onda
positiva perceptível é decorrente do aumento pressórico atrial que ocorre no fi-
nal da sístole, pelo enchimento sanguíneo dessa câmara, sendo seu término um
indício que o sangue está saindo do átrio e indo para o ventrículo (diástole ven-
tricular).

2) Palpação

Da mesma forma que na visualização do ictus cordis, o início da sístole também


pode ser percebido por sua palpação em mesmo local ou pela palpação do
pulso carotídeo, na região cervical, na borda anterior do músculo esternocleido-
mastóideo, a nível da cartilagem tireóidea. Por sua proximidade com o coração,
a onda de pulso nesta artéria tem boa correlação com a contração ventricular.
Já a diástole não possui um bom equivalente palpatório.

3) Ausculta

Forma mais fidedigna de delimitação das fases do ciclo cardíaco pelo exame
físico. Feita com auxílio de um estetoscópio, deve ser realizada em todo o tórax,
com ênfase nos focos mitral, tricúspide, aórtico e pulmonar. O início da sístole é
marcado pela ausculta da primeira bulha (TUM), que corresponde ao fecha-
mento das valvas atrioventriculares. Já a diástole se inicia com a segunda bulha
(TÁ), formada pelo fechamento das valvas semilunares. É importante analisar a
frequência em que essas bulhas aparecem, seu ritmo (se o intervalo entre as
bulhas é regular ou não), intensidade e se existem sons anormais (sopros,
bulhas acessórias, desdobramentos).

PRINCIPAIS ERROS

A. Delimitar a sístole pela palpação de pulsos periféricos. O impulso


sistólico demora algum tempo até atingir vasos mais distantes, sendo
pior correlacionado à fase do coração do que pulsos mais próximos
deste órgão.

B. Confundir a primeira com a segunda bulha. Uma forma fácil de evitar


essa confusão é fazendo a ausculta simultaneamente à palpação arterial,
sendo que B1 coincide com o pico de pulso nesses vasos.

• ACHADOS E CORRELAÇÕES CLÍNICAS

Apesar de alguns componentes do ciclo conseguirem ser devidamente exam-


inados clinicamente, detalhes mais específicos das fases não têm boa cor-
relação externa e dependem de exames complementares para sua análise,
geralmente solicitados quando se nota alguma alteração ao exame físico. Os
mais utilizados são o eletrocardiograma, que representa esquematicamente a
sequência de estímulos elétricos no coração, e o ecocardiograma, que permite
ver as contraturas musculares cardíacas por meio de ondas ultrassonográficas.
Exemplos de alterações que podem indicar a necessidade de um destes ex-
ames são:

1) Bradicardia e taquicardia

São alterações na frequência de ciclos cardíacos que ocorrem em uma fração


de tempo. A bradicardia é definida como uma frequência menor que 60 bati-
mentos por minuto, enquanto a taquicardia é uma frequência maior do que 100
bpm. Podem ser fisiológicos (como a bradicardia de repouso em atletas e a taq-
uicardia após levar um susto) ou indicar patologias como hipo/hipertireoidismo
ou disfunção do nó sinoatrial.

2) Arritmias

São alterações no ritmo do ciclo cardíaco secundárias a um defeito de formação


ou de condução elétrica. Ao exame pode-se notar uma assincronia entre as
bulhas cardíacas e o pulso carotídeo, alterações de intensidade de bulhas,
intervalo irregular entre os ciclos, tempo prolongado de uma das fases ou
sintomas que denotam alterações de débito cardíaco. Pode ser divididas entre
arritmias com redução da frequência cardíaca (bradiarritmias) ou com seu au-
mento (taquiarritmias). Geralmente as primeiras são secundárias a defeitos de
condução no impulso, como é o caso dos bloqueios atrioventriculares (alteração
na condução no nó atrioventricular, podendo levar até a uma gênese de novo
impulso neste local, com dissociação atrioventricular). Já nas taquiarritmias há
uma geração maior que a esperada de impulsos elétricos, que pode se dar no
próprio nó sinoatrial, em focos acessórios ou desordenadamente nas vias de
condução.

3) Desdobramento de bulhas

Fisiologicamente, uma das valvas se fecha pouco antes de outra (a mitral antes
da tricúspide e a aórtica antes da pulmonar), mas com uma diferença tão pe-
quena que é imperceptível à nossa audição. Algumas alterações no ciclo
cardíaco podem levar a um atraso ou adiantamento de um dos componentes,
gerando um maior intervalo entre os sons e permitindo sua diferenciação à aus-
culta. Uma patologia que pode levar ao desdobramento de B1, por exemplo, é o
bloqueio de ramo direito, quando impulso elétrico sofre um atraso nas vias de
condução do ventrículo direito, levando a um atraso em sua sístole em relação
ao esquerdo. Já o desdobramento de B2 pode ocorrer fisiologicamente na in-
spiração, quando a redução da pressão intratorácica aumenta o retorno venoso
para as câmaras direitas e o tempo de ejeção desse ventrículo, o que atrasa o
fechamento da valva pulmonar.

4) B4

É uma bulha extra, que pode estar presente em casos patológicos, logo antes
de B1. É formada pela contração atrial vigorosa, no final da diástole ventricular
e está relacionada à hipertrofia atrial ou a obstruções à passagem de sangue do
átrio para o ventrículo (hipertrofia ventricular, hipertensão).
5) Parada cardiorrespiratória (PCR)

É uma falha completa na função de bomba do coração. Ao contrário do que


muitos pensam, nem sempre essa parada é resultado de uma cessação com-
pleta de movimentos cardíacos. Na verdade, existem quatro ritmos de PCR, dos
quais em três o coração ainda recebe impulsos elétricos. Ao exame, o paciente
encontra-se totalmente arresponsivo, sem movimentos, sem respiração (ou
gaspeando – respiração de peixe fora d´água) e sem pulso.

• DESFECHO DO CASO CLÍNICO

O paciente em questão apresenta uma taquiarritmia com frequência tão ele-


vada que não permite o funcionamento correto de cada fase do ciclo cardíaco.
Com isso o sangue não é ejetado efetivamente pelos ventrículos (baixo débito,
má perfusão periférica e hipotensão) e se acumula nos átrios e nas veias (sinais
de congestão pulmonar). Como ele apresenta sinais de instabilidade hemod-
inâmica, é necessário realizar uma ressincronização nas vias de condução
cardíacas, por meio de uma cardioversão elétrica.

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