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IMAGENS DE NATUREZA,
IMAGENS DE CI~NCIA
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,p A P I R US E D I TO R A
4
AS CIÊNCIAS E A REVOLUÇÃO FRANCESA
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3. Reconhecimento da importância da educação científica em a colocar aF~ança na liderança científica mundial no início do·século
todos os níveis. XIX. Como foi possível, após tanta instabilidade, essa reconstrução?
4. Apropriação ideológica do conhecimento científico para le- Como se alterou o perfil do pesquisador e a orientação geral da "política
gitimar concepções de .homem e de sociedade. científica"? ' '
" A tentativa de compreender alguns desses fatos contrastantes nos
conduzirá não s6 a uma análise da conjuntura 'política, mas também a
o período correspondente à Revolução Francesa e o que imedia-
uma investigação das imagens de natureza e de ciência que se confron-
tamente se seguiu a ela ilustram uma situação extrema de perda de
taram ao longo do século XVIII, e de como se deu sua apropriação
autonomia da atividade científica com respeito à dinâmica social e às
injunções políticas. ideológica pelos diversos atores políticos.
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o entusiasmo pelos vÔos aerostáticos imprimiu a importância da ciência
entre os franceses comuns de uma forma que jamais os relatórios de
Lavoisier à Academia de Ciências teriam conseguido. [...] A ciência
havia convertido o homem num deus. A capacidade do cientista de
dominar as forças da natureza inspirou aos franceses uma reverência, Um
entusiasmo quase religioso, que ultrapassava as entidades científicas de
Paris, as fronteiras da alfabetização e, no que se referia a questões
literárias, os limites da prosa. (Darnton 1988, p. 27)
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';.,
o Ministério Turgot tinha: uma diretriz explícita de envolver ai artesãos, inventores, engenheiros e pequenos empresários contra ajuris-
comunidade eientífica nas questões de Estado. Lavoisier, por exemplo, dição que a Academia exe~cia sobre suas atividades. Essa revolta atinge
foi designado por Turgot para administrar a produção de pólvora e sua máxima intensidade durante a Revolução. Associações são criadas,
munições (Régie des Poudres, criada em 1775). após 1789, ,para defender os interesses desses setores, visando à criação
Às vésperas da Revolução, o poder e os privilégios associados ao de uma instância de julgamento independente da Academia, e na qual
envolvimento da Academia com a administração, no Antigo Regime, não tivessem participação. Essa defesa de interesses corporativistas est~ve
foram bem-vistos por diversas categorias e setores da sociedade~ constantemente associada a uma imagem de ciência que desqualificava
O papel da Academia de controlar -toda a publicação científica a ciência teórica e especulativa, estabelecendo a utilidade como o único
fortaleceu-se ao longo do século XVIII. Além disso, devido à inexistên- critério do verdadeiro conhecimento.
cia de uma legislação sobre patentes, a Academia tornou-se a instituição Um trecho extraído do jornal do Point Central des Arts et Métiers,
que decidia, de fato, a respeito da concessão de recursos governamentais associação criada em 1791, é bastante representativo dessa imagem de
a projetos de desenvolvimento industrial, ou do exercício de monopólio ciência:
na produção e comercialização de produtos. Essa atribuição correspondia
à intenção original de Colbert, que esperava da Academia uma contri- As artes. são mais seguras, e seu caráter benéfico é mais certo! O quanto
não estavam, portanto, culpadas essas fonnas abusivas e tirânicas que,
buição para o desenvolvimento da manufatura.
violando a mais santa, a primeira das propriedades, a do pensamento, a
A Academia era extremamente elitizada e hierarquizada (se compa- do gênio inventivo ou aperfeiçoador, submetiam os Privilegiados da
rada, por exemplo, com a Royal Society de Londres). O número de seus natureza, _os Artistas, a essas Leis incÔmodas, a essas duras provas, a
esses censores inquietos e duros; cuja ignorância ou inveja inquisitorial
membros -era --mantido -reduzido (54), de forma a garantir uma elevada
-tinha por finalidade humilhar ou repudiar o verdadeiro talento! O quanto
competitividade no ingresso. A Academia talvez tenha representado o não er~ cruéis e vexat6rias essas pretensões exageradas dos corpos
primeiro esforço de profissionalização da atividade científica, com tudo o ·acadêmicos? O quanto não era revoltante.esse império tirânico e destrui-
que isso comporta, em especial a administração, por uma-elite científica, .l dor da indOstria, que a riqueza concedia a esses vampiros da usura, a
esses déspotas e sanguessugas, sempre prontos a devorar o mel trabalha-
dos pádrões de excelência e de competência. Isso, evidentemente, gerou
do pelas abelhas, aproveitando-se de sua fortuna ou de seu poder, seja
frustrações por parte de inúmeros aspirantes a acadêmicos, desencadeando para se-apropriar das Colméias, seja para reduzir os Artistas a composi-
acusações de elitismo, favoritismo, corporativismo e outras. ~õesaviltaittes e arruinadas" expropriando70s mesmo da honra ligada a
seus trabalhos, usuIl?ando shas invenções ...
É nesse contexto que se deve compreender a f~rmação, após 1789,
de sociedades científicas paralelas, como a Société Linnéenne de Paris,
Em outro trecho lê-se: :'... somente os conhecimentos úteis podem
a Société Philomatique, a Sociétéd'Histoire Naturelle, entre outras, que
absorveram aqueles que foram frustrados em sua aspiração a tomar-se ser chamados de ciências [... t (apud Gillispie 1959, p. ~71).
"acadêmicos". Assim, a Academia perdeu, gradualmente, o controle O ressentimento desses setores em parte se justificava, sobretudo
absoluto sobre a atividade científica e seus produtos. se considerarmos as exigências -descabidas que os. Acadêmicos impu-
nham aos "inventores", como a de se submeter a uma prova de geometria
A revolta dos artesãos (por iniciativa dé Laplace, em 1789).
A -Academia tentou aÇlaptar-se aos novos- tempos passando, em
Para completar o quadro, junte-se à insatisfação -daqueles que 1791, apenas a fazer recomendações aos projetos apresentados, já não
pretendiam ter assento na prestigiosa instituição científica, a revolta dos os aprovando ou rejeitando. Nesse mesmo ano, a Convenção retira da
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Academia as atribuições de julgamento de invenções e de concessão de do decreto e, mesmo após a decisão, ainda acreditav21 que a Academia
brevets e as atribui a um recém-criado Bureau de Consultatíon des Arts seJ;i.a de alguma forma poupada e poderia dar continuidade a seus
et Métiers; no qual metade dos assentos são destinados a representantes trabalhos. Mas eles estavanl isolados no Comitê. Lavoi.sier ainda tentou
das sociedades de artesãos. A outra metade mantém-se ~cupada por garantir arilanutenção das atividades, pela proposta de formação de uma
membros da Academia. Société libre etfratemeUe pour l'avancement des sciences, uma inicia-
Essa reação contra a Academia de ciências era somente um lado tiva que seguramente foi percebida como um estratagema para mant~r
da reação contra todas as academias, e a primeira era associada, injusta- os "privilégios" e os poderes das "elites científicas" (Barthélemy 1988).
mente, às demais, pois os cientistas afinal desempenhavam inúmeras Até mesmo o projeto de criação de um novo sistema métrico, que
funções atribuídas pelo governo, mesmo após 1789, não podendo ser , estava prestes a ser concl1.!-ídoquando da dissolução da Academia, é
acusados de "inúteis". . afetado. Criou-se uma comissão temporária para dar continuidade a ele,
De toda forma, o surgimento, em 1791, do Point Central des Arts já que era considerado prioritário também pelos.revolucionários. Mas
et Métiers,' consolida a tendência ao utilitarismo e reforça os ataques à vários membros dessa comissão - como Borda, Coulomb, Brisson,
Academia. As artes, e não mais as ciências, são colocadas na base de Delambre, Lavoisier e Laplace - foram demitidos por suspeita de coni-
uma nova educação, que se implantou efetivamente no Lycée des Arts. vência com as "forças contra-revolucionárias".
. A tentativa de reorganizara ciência, após o desmantelamento das
Lavoisier, pelo seu imenso prestígio como químico, foi escolhido
por. seu.s. pares para defender a Académie des Sciences . Num texto Instituições do Antigo Regime, orientou-se por princípios utilitaristas,
como demonstra o estatuto da Société d'Inventions et Découvertes:
dirigido aos eciiiveiidoriãis'em 17 dejulho de 1793, ele tenta distingui-Ia
das outras academias, ressaltando sua função social. Em resposta ao o govemp sódeve encor'ajar as ciências em sua relação com as artes, e
utilitarismo reinante, Lavoisier afirma em dado ponto: " ... a.indústria, '.~ sempre que se pretenda solicitar dinheiro ao povo para esse encoraja-
mento, é preciso que se possa perceber facilmente sua utilidade; de outro
que dá movimento a tudo, que vivifica tudo, empresta ela mesma sua
modo. ele poderia ver o produto como visando à satisfação de uma· vã
força de um impulso primeiro, e são as ciências que ofornecem." . curiosidade. (ApudGillispie 1959. nota 82) ,
Lavoisier tentou também dissociara Academia do despotismo do
".'....
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Lavoisier e outros acadêmicósse opuseram a esse utilitarismo
Antigo Regime, mostrando que as ciências já erám"organizadas em ;'if
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república" antes mesmo que a sociedade o fizesse; e que o trabalho
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em tom desafiador: "A Convenção Nacional deseja interromper na Marat e o rriesmerismJ radical
República francesa o movimento progressivo das ciências e das artes ?~'
(apud ~hombres e Dhombres 1989, pp. 15-16). Muitodesgastantes p~a a imagem da Academia foram os episó-
Esses esforços foram em vão. Em 8 de agosto de 1793, "todas as dios de julg'amento de charlàtanismo envolvendo as supostas curas de
academias e sociedades literárias subvencionadas pela nação" são dis- Mesmer; com base em sua teoria do "magnetismo animal", e o questio-
solvidas, sem exceção, pela Convenção, com base num relatório namento das teorias e dos experimentos de Marat.
apresentado por Grégoire, em nome do Comitê de Instrução Pública. Em 1784,'foi formadà uma comissão para julgar as pretensões
Grégoire, como LaIcanal, havia tentado excluir a Academia de Ciências científicas do mesmerismo, composta por médicos da Faculdade de
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Medicina e por cinco membros da' Academia de Ciências, incluindo Em contraste com essa irada proposta de "democratização" da
Bailly, Lavoi,sier e Benjamin Franklin(Darnton 1988, p. 63). O resultado "república da ciência", vemos Condorcet - que viria a se suicidardurante
da investigação foi definitivo: o fluido magnético de Mesmer era uma o Terror - defendendo a autoridade baseada na competência. O trecho
ficção e suas supostas curas, resultado da sugestão dos pacientes. que se segue foi retirado d'e um ensaio - escrito provavelmente entre
1784 e 1785, mas não publicado - com o título sugestivo "Razões que
Darnton analisa com riqueza de detalhes as reações indignadas dos me impediram até aqui de crer no magnetismo animal":
adeptos do mesmerismo. O caso Mesmer mobilizou até membros da
nobreza, que solicitaram à Academia uma atitude mais tolerante e .' As únicas .testemunhas em que se deve acreditar a respeito dos fatos
receptiva para com a "prática clínica" com base no magnetismo animal. ,
.~ extraordinários são os que são seus juízes competentes. [Existe], diz-se,
um fluido universal, cujos efeitos se estendem desde os astros mais
A vulgarização da ciência, na década que precedeu a Revolução, acabara· ",.
".
distantes até a Terra. Bem,. s6 posso acreditar nisso com a autoridade dos
por eliminar totalmente "a linha divisória entre ciência e ficção" (ibid., físicos. Esse fluido age sobre o corpo humano. Então exijo que esses
p. 36), favorecendo a aceitação de hipóteses, as mais fantásticas, como físicos unam a filosofia aos seus conhecimentos, porque devo desconfiar
a da existência do "fluido mesmérico". A ficção parecia se mesclar com agora da imaginação e da impostura. Esse fluido cura os doentes sem
a realidade: tocá-Ios ou tocando-os; então preciso que os médicos me atestem a
doença e a cura. Mas o magnetismo animal foi admirado, empregado por
físicos ou médicos. Concordo, mas trata-se de me decidir a crer numa
(...) o público leitor daquela época estava intoxicado com o poder da autoridade; isso é difícil para a razão humana. Assim, não entendo
ciência e desnorteado pelas forças reais e imaginárias com que os' absolutamente por físico ou médico alguém que escreveu livros de físiça
cientistas povoavam o universo. Por não poder distinguir entre o real e ou foi recebido como doutor em alguma faculdade. Entendo alguém que,
o imaginário,-' o -público .aceitava qualquer fluido invisível, qualquer antes que o magnetismo estivesse em questão, gozava na França, e
hipótese com ressonâncias científicas que prometesse explicar as mara- mesmo na Europa, de uma reputação bem estabelecida. Eis o tipo de
vilhas da natureza. (lbid., p. 28) testemuntió que me é necessário para acreditar num fato extraordinário
; de físÍCaou medicina. Mas é necessário ainda que esse testemunho não
. seja contrabalançado por testemunhos contrários, com' igualdade de
Apesar do juízo negativo da Academia e da Faculdade de Medi- mérito e autoridade. Um único homem que, admitido para ver os mesmos
cina, o mesmerismo continuou se expandindo e adquiriu cqntomos fatos, não vê neles o maravilhoso que aí se quer ver, contrabalançará os
que viram. Pois a circunspecção. que não vê, raramente se engana, e o
políticos radicais às vésperas da Revolução. O alvo privilegiado dos
eritusiasmoque quer crer engana-se freqUentemente. (Apud Darnton
discípulos de Mesmer eram os acadêmicos. Um desses mesmeristas
1988,pp.188-189)
radicais, Jacques-Pierre Brissot, publicou um manifesto com o título
"Uma palavra ao pé do ouvido dos acadêmicos de Paris", em que Uma tal defesa do controle que uma elite deve exercer sobre os
denunciava o "despotismo" da Academia. Em um livro publicado em critérios de cieritificidade, de verdade, de objetividade e a autonomia dos
1782, renovou ataques semelhantes: critérios de julgamento científico com respeito à 'iopinião pública" eram
valores denunciados cada vez inais como um privilégio inadmissível; em
o império das ciências não deve conhecer déspotas, aristocratas ou última análise, decorriam do~ privilégios da aristocracia e do clero na
privilegiados com direito a voto. Ele oferece a imagem de uma república
França do Anciim.Régime.
perfeita. Lá, o mérito é o único título para se receberem honras. Admitir
um déspota, ou aristocratas, ou privilegiados com direito a voto s Marat, como Brissot, foi um dos que fustigaráfú. o:; ~c:a.dêm;:cs
violar a natureza das coises, a liberdade do espírito humano; é .'kt<ii·
antes e, com mais intensidadé, depois da queda da Basi'iL;" ;:)e fOl ;(.
contra a opinião pública, qCIi'. é, a única que tem o oireito a coroar ')
é introduzir um despotismo tevoltante. (ApudDamton 1988, p. 83) desses dentistas amadores, tão comuns no século XVIE, aspira v âúl
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. . . .
a um reconhecimento institucionaI .•..o que significava um assento na ' . . Darnfon, aoteferlr,.se à "carreira revolucionária" de Marat, avalia
Academia. Marat submeteu à Academia, a partir .de 1779, um grande ... 'qu~ "~s.·ressenwn~nt()s provocados pela frustração de suas ambições
número de "descobertas sobre ofogo; a eletricidade e aluz", que foram literári~s e.êientíficas. nos anos 1780 forneceram o elemento fundamental
rejeitadas. Um dos relatórios rejeitando suas "descobertas" foi redigido dessa carreira,eproy'avelmentede muitas outras carreiras semelhantes"
por ninguém menos do que Condorcet, secretário da Academia à época. (Darnton 1988,p. 85).
<;ondorcet alega, contra as experiências apresentadas por Marat, que " ... Dhonibrese Dhombres (1989, p. 35) não vêem como uma mera
são em número muito grande [...] e que nós não pudemos verificá-Ias ....coinciq'ênciaaproxirnidade deqatas entre o assassinato de Marat (13 de
todas ...", e usa o argumento de autoridade: " ... elas são contrárias, em
julhôde 1793)/que gerou uma~orte comoçãopopular,eo fechamento
geral, ao que há de mais conhecido eIn óptica" (apud Barthélemy 1988, daAc.adémiede &;iences. j
p. 169). A candidatura de Marat à Academia, apresentada entre 1778 e
·.Osentimentoderevo1ta~()r parte dos artesãos, mes~la~o àfrus-
1780, não foi, tampouco, apreciada. Marat se conSiderava um grande
tração de Ciel1tiStasamadores, c~mo Marate Brissot, const;ltuIU o pano
cientista, tendo traduzido para o francês, a Opticci de Newton, embora
atacasse sua teoria das cores. . de. fundo para as investidis dós jacobinos contra,a Aca~emla;
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No século XVIII, o preformismo cede lugar à epigênese, que acessível a todos, e não s6 aos especialistas. ~a França, laboratórios.
constitui um real desenvolvimento dó ser vivo- um embrião por exemplo herbários e coleções de borboleta"s são montados nos castelos. Buffon e
- a partir de uma massa homogênea inicial que se diferencia gradual- o Abade N:ollet são os grandes representantes dessa ciência. cujo propó-
mente. Em Systeme de ia Nature, de 1751, Maupertuis aborda a origem sito era o de estabelecer uma comunhão entre o homem e a natureza.
da vida, defendendo uma posição estritamente materialista: a geração
No verbete Chimie da Encyclopédie, Venel opõe uma física "su-
espontânea com base em poderes ~tivos presentes na própria matéria.
perficial" a uma química "profunda" (que visaria a essência·dos corpos).
Diderot é, entre os philosophes, o porta-voz dessa concepção de A uma física abstrata e quantitativa. Venel opõe uma química manipu-
natureza que Gillispie descreve como um "romantismo biológico"; "[...] latória, empírica, que nos colocaria verdadeiramente em contato direto
uma tentativa para construir um relato das operações da natureza em termos com a "vida da natureza". Essa química seria acessível a todos, por usar
das categorias de organismo e consciência, e não em termos de uma matéria. uma linguagem ao mesmo tempo científica e inteligível para o leigo. Ela
impessoal em movimento inanimado" (Gi1lispie 1970, v. 4, p. 88). reintroduz as qualidades secundárias que a física do século XVII havia
Essa imagem de natureza é também tributária dó estoicismo, na extirpado da natureza- por serem "subjetivas" - em nome da "objetivi-
medida em que possibilita ver a Natureza (com "n" maiúsculo!) corno fonte dade" das qualidades primárias, mecânicas e matematizáveis.
de virtude. Segundo essa imagem, a experiência humana integra-se numa Evidentemente, essa química sonhada por Venel não era a química
finalidade universal imanente à natureza: há urna continuidade· entre o de Lavoisier e que se elabora na colaboração dest~ com Laplace (ver capítulo
homem e a natureza, entre a esfera moral e o mundo físico ..Essa concepção :~
.~..
." 5). Era a química de um Rouelle: dos artesãos farmacêuticos, que viam na
veio a tornar-se um traço característico do movimento romântico. 3
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nova nomenclatura química, intrpduzida por Lavoisier, uma manobra para
A essa imagem de natureza associou-se, na França do século ../ criar uma".dependência d~s artes~os em relação aos cienti~tas (? líder dos
XVIII, uma imagem de ciência que tomava a química e a hist6ria natural· farmacêuttcos.Machy, fOIo po~-voz dessa versãoconsprrat6na).
corno paradigmas, e não a física newtoniana. Essa imagem de ciência É ih1portante assinalar a p~esença detais temas vários textos de
e.t:D
valorizava os sentidos corno fonte de conhecimento, em lugar da razão Diderot: a mesma desconfiança com respeito à conceituação abstrata e ao
"fria", que abstrai, que uniformiza, que exclui da natureza as qualidades emprego da matemática no estudo da natureza. A matemática é vista como
secundárias, ou seja, tudo o que é percebido pelos sentidos. um obstáculo que se interpõe entre o homem e a natureza, corrompendo sua
sensibilidade. Uma matemática' que é ·"arrogante", "orgulhosa", porque
Já fizemos menção. anteriormente. à popularidade da ciência no
elitista. que afasta o conhecimento científico do homem comum; Sua Da
século XVIII. que fez da natureza palco de um grande espetáculo.
Interpretação da Natureza, publicada no mesmo ano do tomo III da
,
Encyclopédie, já selava as diferenças entre Diderot e d' Alembert, não só
para que se introduzisSe a temporalidade na ordem natural, em autores como Buffon e Lamarck, que
I;Odem ser considerados, nesse aspecto, como precursores da hipótese evolucionista.
quanto às imagens de natureza, mas também quanto às imagens de ciência.
3. E tentador notar as semelhanças entre as funções conceituais do pneUflUl est6ico e as do fluido Diderot denunciou a matematização do programa newtonianono qual
magnético de Mesmer: promover uma simpatia universal, servir de causa única aos diversos
trabalhava d' Alembert: "Estamos quase chegando ao momento de uma
f~nômenos naturais (inclusive abrangendo o homem), fundamentar urna ética; para Bergasse, um
discfpulo de Mesmer, é possfvel descobrir ''urna moral emanada da física geral do mundo" (Damton grande revolução nas ciências. 'Pela tendência que os espíritos me parecem
1988, p. 1(0). Damton percebe ecos entre o mesmerismo e "a ciência vitalista romântica da natureza ter para a moral, para as belas-letras, para a história da natureza e para a
que inspirava os sonhos de Diderot e d' Alembert" (ibid" p. 60; a referência a d'Alembett nesse
contexto me parece, contudo, equivocada). A aproximação com a cosmologia est6ica, para ser
física experimental. eu quase ousaria assegurar que 'antes de cem anos não
fundamentada, exige, contudo, uma extensa pesquisa histórica. Fiz algumas indicaçbes no capítulo se contará três grandes geômetras na Europa. Essa ciência acabará sem mais
3.
ninguém" (Diderot 1989, p. 32).
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continuamente, novas razões para amá-Ia".4 Esse é o ponto de vista que
Para Diderot, a utilidade era o antídoto contra a "arrogância" da
ciência abstrata. A utilidade era o critério para decidir aquilo que deve Guerlac chama, sugestivamente, de "ecoI6gico".
ser conhecido. Ciência e técnica iluminam-se mutuamente, a primeira O trabalho de Darnton sobre o mesmerismo também tende a
permite uma "racionalização" da segunda, e esta define o âmbito e a reforçar a hip6tese da influência de Rousseau ao demonstrar que a
finalidade da primeira. vertente radical dO mesmerismo veiculou concepções políticas e sociais
de corte rousseauísta: .
A Encyclopédie, pela pluma de Diderot, veicula predominante-
mente essa preocupação com o desenvolvimento das artes: A idéia mística que os mesmeristas faziam da natureza evocava Rous-
seau, principalmente na medida em que freqUentemente comparavam a
A Enciclopédia assimila o conjunto .da ciência às suas aplicações, natureza primitiva à decadência da sociedade moderna ..(Darnton 1988,
tornando-a somente a racionalização da tecnologia e prpcura, na prática, p.102)
ser fiel à injunção de Diderot de colocar o homem no centro, não somente
o homem, mas todo homem. Ela propõe o sonho de uma ciência dos O mesmerismo teria, segundo o mesmo autor, estabelecido uma
cidadãos, que a Revolução traduziu em medidas concretas. (GiIlispie ponte entre a era iluminista da razão e a era do romantismo (ibid., pp.
1959, p. 270) . 137, 141). .
Robespierre, nos seus· discursos aos convencionais, freqüente- .
Para Gillispie, a conjugação· entrê interesses políticos e essas mente mencionava temas rousseauÍstas: .
imagens de natureza e de ciência explicaria a hostilidade dos jacobinos I
à Aca~~mia de Ciências. Imagens que podem ser detectadas nos discur- o homem é bom saindo das mãos da natureza: quem negar o princípio
sos de líderescómoMarat; nos seguintes temas: 1) rejeição da nova não pode sonhar em instituir III homem. Se o homem é corrompido, é '
.portanto aos vícios das institUições sociais que é preciso imputar a .
química e ataques a LavoisieÍ'; 2) entusiasmo pela história natural; 3)
des?rdem.(ApudDhombres e ~hombres 1989, p.30)
ataques à ciência oficial como sendo não-democrática, tirânica, inútil, e
um bastião da aristocracia.
Gillispie(1959) é ambíg~o ao avaliar a influência de Rousseau.
Historiadores como Guerlac (1959), Williams (1959) e Dhombres A tendência de sua análise é a de considerá-Ia não preponderante, apesar
e Dhombres (1989) tendem a enfatizar não a influência eventual das da ligação de diversos naturalistas com Rousseau. Para Gillispie, Rous-
especulações de Diderot, mas, sim, a de Rousseau. Este último teria sido seau teria, no máximo, diminuído li importância da ciência, atacando-a
o primeiro a denunciar o "ídolo da ciência acadêmica" e teria inspirado. ocasionalmente. Mas, na avalilição desse historiador. ele não pretendia
uma série de discípulos, como Marat, Brissot de Warville e Bernardin alterar a "estrutura da .ciência", como era o objetivo de Diderot.
de Saint-Pierre (este nomeado; como vimos, para presidir o Muséum Fa:tos como as execuções de Lavoisier e de Bailly não podem,
d'Histoire Naturelle). evídentemente, ser vistos como uma simples decorrência de conflitos em
torno de imagens de natureza e de ciência. Nesses casos, e em muitos
Bernardin e Brissot teriam divulgado o sonho de Rousseau: "um
outros (como a prisão de. Condorcet), o envolvimento político desses
tipo de ciência primitivista, em que o homem trabalha melhor solitaria-
membros da Academia com Antigo Regime foi, sem dúvida, o fator
<;>
sociedade provavelmente condicionou várias decisões tomadas nos mo~ que eram ensinadas.metafísica, fj)osofia moral e matemática avançada. No
. mentos de maior radicalização política. Os debates em torno de uma último ano de filosofia, espaço cada vez maior veio a ser dedicado ao ensino
política educacional fornecem mais evidências em favor dessa hipótese. de física no final do Antigo Regime. Uma evidência de que havia um
'~.
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.:, estímulo explícito nesse sentida foi a criação, em 1753, por iniciativa
governamental, de uma cátedrà de "física experimental" ocupàda pelo
Imagens de ciência e educação científica
Abade Nollet - a quem já me referi anterionnente - no College Navarre,
em Paris. Essas aulas de física não eram restritas aos alunos regulares do
Williams (1953, 1956, 1959), com base numa análise da política
colégio e eram abertas para um público amplo. As aulas públicas do Abáde
educacional durante e após a Revolução, contesta a associação que
Nollet eram dadas num auditório com lugar para 600 pessoas. De um total
estabelece Gillispie entre o jacobinismoe uma imagem antinewtoniana
de mais de 347 colégios, às vésperas da Revolução, em 1861, havia 85 com
de ciência. Williams tenta mostrar·que não havia unidade ideológica no ".::
.....' professores de física (Palmer 1985, p. 18).
partido jacobino: as incertezas em torno de uma política educacional '.,
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compulsória. Os jovens cidadãos de todos os estratos sociais deveriam rejeitou a filosofia da educação que fundamentava o projeto das Écoles.
ser afastados dos pais (cujos valores os corromperiam, reproduzindo a Os liceus napoleônicos podem ser considerados como sua antítese. O que
estratificação social existente) e seriam submetidos a uma éducation se manteve desta última expériência foi a ênfase no ensino de ciências,
commune, enquadrados em Maisons d'Égalité, caracterizada por simpli- embora seu peso no currículo viesse a ser muito inferior ao concedido
cidade e austeridade espartanas. nas Ecoles Cent~ales. Os liceus visavam, em última instân~ia, formar
quadros para a carreira militar.
A Convenção tampouco aprovou o plano Lepeletier, em virtude
do impasse gerado pelo conflito das filosofias que fundamentavam as
diferentes propostas e das circunstâncias. políticas dramáticas daquele A reorganização do ensino superior científico sob o Diret~rio
período. Nenhum plano foi efetivamente.implantado até os tempos do
Diretório, quando são criadas as Écoles Centrales, inspiradas naqueles . As "faculdades de artes", como disse anteriormente, compreen-
ideais iluministas que haviam sido defendidos por Condorcet, bem como diam os Colleges, que se ocupavam de algo próximo ao que hoje
nas concepções de Condillac e dos Idéologues.8 chamaríamos de um ensino secundário. O ensino superior nas universi-
dades - que estavam em decadência no século xvm - tinha lugar nas
As Écolçs Centrales foram criadas em 26 de outubro de 1795, e
faculdades de teologia, de direito e de medicina. Havia também, na
seu currículo era dividido em três seções: latim, desenho e história
França, várias escolas independentes de engenharia, minas, estradas e
natural (dois anos); ciências físicas e matemáticas (dois anos); princípios
escolas militares, financiadas pela Coroa.
da "Ideologia". Esse currículo refletia, por um lado, a importância
formativa que o Iluminismo cQncediaàs ciências e, por outro lado, o Antes da Revolução, um ensino superior avançado em ciências só
predomínio dos princípios da Ideologia, que eram baseados na psicologia era oferecido basicamente no College Royal, que já tinha uma longa ~
sensualista de Condillac. Uma das suas teses centrais era a de que a conturbada história desde sua fundação em 1530 (mais tarde passou a ser
origem dos erros estaria no mau uso da linguagem, justificaIldo uma chamadô de College de France). Em 1772, passou com sucesso por uma
ênfase no ensino de gramática e no estudo de línguas. Williams sintetiza refonnulação, na qual se ampliou o número de cadeiras dedicadas à física,
do seguinte modo a filosofia educacional das Écoles Centrales: I reduzindo-se o número de cadeiras mais tradiçionais, como latim, direito,
filosofia grega e latina. Não havia exames e o College Royal não fornecia
A eliminação do erro pela correlação mais próxima entre os significados i diplomas. As aulas eram gratuitas e abertas a um público adulto. Havia
das palavras e aS sensações que constituem seus fundamentos; a destrui- também uma prestigiosa instituição privada de ensino superior, o Lycée des
ção de preconceitos e superstições pela revelação da ordem física (e
j
I Arts, fundado em 1781, e que, após a Revolução, passou ase chamar Lycée
sensível) do universo; a criação de uma ordem moral e social baseada
num conceito materialista e utilitãrio de homem e de sociedade [...].
1
, Républicain, não tendo tido, aparentemente, descontinuidade em suas ati-
(Williams 1953, p. 314) 1 vidades nem mesmo durante o Te1To~(Palmer 1985, pp. 35-36).
i Com o Diret6rio, a fonnação científica se reorganiza na França e
A experiência das Écoles Centrales foi, em muitos aspectos, um i adquire um lugar de relevo compatível com o ideário 'iluminista. São
I
frac~sso. Quando do golpe de estado de Napoleão, em 1799, o sistema 'I criadas a École Normale e a École .centrale des Travaux Publiques em
de Ecoles Centrales já se encontrava em franca decadência. Napoleão 1794. Também,são criadas novas faculdades de medicina (Paris, Estras-
I
burgo, Montpellier) e o Conservatoire des Arts et Métiers. O Muséum
8. Os chamados ldéologues incluíam Cabanis, Destutt de Tracy, Malne de Biran, Volney, entre outros, 1
1':l'i
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Bonaparte dotava-se de um corpo destinado a mudar a face do país que ele
Ia Côte-d' ar (engenheiros), bem como os matemáticos Gaspard M~nge conquistaria. e destinado a ir além de um inventário de curiosidades. Ele não
e Vandermonde (Dhombres e Dhombres 1989, p. 693). preparava um novo Estado, fruto das Luzes do século XVIll, da ciência
aplicada e da Revolução democrática? A conquista militar, num território
A grande mobilização de guerra exigiu o desenvolvimento de tão afastado da metrópole, devia encontrar uma consolidação pennanente
novas tecnologias para a fundição de canhões, a produção de pólvora, no estabelecimento de uma civilização esclarecida, graças a rea!izaçÚs
de soda artificial e a fabricação de aço para armas de diverSos tipos. decididamente modernas bem como a princípios políticos revolucionários.
Em outros tennos, o governo a ser estabelecido poderia prefigurar um outro
Cientistas e engenheiros foram também chamados para resolver pro-
governo, o da própria França. A este título, a experiência egípcia constituía
blemas gerenciais, colocados pela escala necessária de produção. uma démarche preparatória, como um laboratório. Que cientistas e enge-
Chaptal dirigiu indústrias bélicas em Paris, a partir de março de nheiros fossem a esseponto associados, permite medir o papel que Bonaparte
pretendia atribuif a eles. (1989, p. 104) ,
1794, s~pervisio?an~o em especial a fabricação de pólvora (ibid., p.
703). DIversos cIentIstas deram aulas" nos "cursos revolucionários":
Monge sobre a fabricação de canhões; Berthollet, Fourcroy e Guyton Um dos resultados da "conquista" científica - que sofria as vicis-
sobre técnicas de fabricação de pólvora. Fourcroy, em seu relatório situdes da conquista militar - foi a criação do Instituto do Egito, tendo
apresentado na Convenção, em 1795, elogiou a "mobilização dos como modelo o bistitut de Paris, pouco depois do desembarque em
cientistas do ano lI", que aumentou consideravelmente a fabricação Alexandria. Além do trabalho de pesquisa, o Instituto do Egito tinha um
de pólvora e de armas, de navios de guerra, e revolucionou a organi- claro objetivo de transmitir as "luzes~', abrindo suas seções ao público,
zação das empresas bélicas pela introdução de novos métodos; além de incentivar a aplicação dos conhecimentos; com o fim de melho-
rar as condições de vida das populações locais (ibid., p. 114). A
Após o Terror, além do engajamento educacional, a que me
publicação, em 1822, da Descrição do Egito - obra que reunia as
referi na seção anterior, talvez o evento mais significativo do envol-
vimento da comunidade cieIUífica com as políticas do Estado foi a pesquisas realizadas nas mais diversas frentes - concentrou os esforços
de todos os participantes da expedição. a prefácio foi escrito, em 1809,
expedição ao Egito. a Diretório, em 12 de abril de 1798, decidiu-se
por Jean-Baptiste Joseph Fourier, professor na Escola Politécnica e que
pela conquista militar do Egito, e Napoleão incluiu na expedição uma
se destacara na expedição; sim, o mesmo Fourier que, 13 anos-depois,
"Comissão de Ciências e qe Artes" com 142 membros da comunidade
científica das mais diversas áreas. Monge e Berthollet, membros do viria a ganhar o prêmio da Academia com a sua teoria analítica do calor
Institut recém~criado, foram encarregados de recrutar cientistas e (ver capítulo 5). . ' "
No Estado napoleônico, diversos cientistas tiveram posições po-
engenhei~os, especialmente na Escola Politécnica (dirigi da por Mon-
ge a partu de outubro de 1797) e no Museu de História Natural. ].1 líticasde destaque, no Senado e mesmo no Ministério. Laplace foi
Geoffroy de Saint- Hilaire aderiu com entusiasmo a essa estranha nomeado, em 12 de novembro.de 1799, ministro do Interior do governo
combinação de expedição militar e científica, ao lado de cientistas provisório, tendo tido posteriormente posições no Senado até o final do
como Fourier. Império. Chaptal tam~ém foi ministro do Interior, tendo aparentemente
tido sucesso na aplicação de seus conhecimentos científicos à adminis-
Dhombres e Dhombres avaliam que, a despeito dos objetivos
tração (ibid., p. 752). Berthollet, Monge, Cousin, Lacépêde e Cabanis
propagandístioos e colonialistas, a expedi'ção encarnava o "espírito de
também foram senadores ..Lazare Carnot foi chamado por Napoleão a
Condorcet" e foi, além disso, um laboratório para um projeto político,
ocupar diversos cargos, tendo chegado a ministro da Guerra em 1800.
no qual os cientistas estavam destinados a ter um papel de destaque:
Founer foi prefeito de Isere entre 1802 e 1815. Esses são sn~>nenteaj:UlS
exemplos da estreita relação que a comunidade cientíricil teve c~m o
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poder nesse período. Isso se explica, em parte, pela influência que o Com base em considerações análogas, Gillispie defende que, tanto
pensamento enciclopedista' exerceu sobre Napoleão no que se refere à aqueles que se apropriaram da ciência "newtoniana' numa cruzad,,"
crença na contribuição que o conhecimento científico dgn~ para o reformista quanto os que a ela se opuseram numa CruZ"ciB.
tevolucionári.
desenvolvimento da técnica e para o progresso sociaI.9 - não compreenderam a atividade científica em sua especiflcidade e ern
suas limitações. O conhecimento científico (e as instituições que o
geravam e administravam) era visto ora de uma perspectiva milenarista
Filosofia natural efilosofia moral
- apontando para uma soéiedade próspera e justa - ora associado a uma
ordem social e políti,ca particular, como ado Antigo Regime.
A tese de que a ciência do século XVIII estava tendendo para uma A tendência a vincular uma imagem de natureza a uma moral, e a
neutralidade com respeito a valores, tese que encontramos em historia- conceber a ciência em conformidade com ambas, é particularmente clara
dores como P. Gay (1966-1969), não é compatível com o uso que os em Diderot. Só que a sua imagem de natureza, como vimos, não é
philosophes fizeram da ciência para fundamentar concepções de homem mecanicista, e tampouco a sua imagem de ciência é newtoniana. Mas, ao
e de sociedade.
reeditar uma imagem de natureza inspirada nos estóicos, e ao tomar como
A imagem de natureza-mecanismo - na qual não se percebe paradigmas as ciências baconianas, Diderot foi muito mais consistente,
qualquer hierarquia na natureza (se a compararmos, por exemplo, com nesse projeto, do que os seus pares mecanicistas e newtonianos. As
o cosmos aristotélico), a ordem sendo presidida pelo mesmo conjunto de conseqüências desse radicalismo nostálgico, se aceitarmos as evidências
leis físicas -evocava, para filósofos como Voltaire, uma ordem social. fornecidas neste capítulo, foram muito sérias para a cultura científica que
igualitária, em que não haveria lugar para privilégios. conhecimento o iniciara sua história no século XVII.
científico, em sua positividade, deveria, por conseguinte, servir de eixo Se for legítimo tirar algumensinamento das vicissituves por que
L
a uma educação voltada para a eliminação 'da superstição e do precon- passou a atividade científica nesse conturbado período, ele seria o de que
; I
ceito, atuando como um instrumento privilegiado de progresso social e a atividl'lde científica pressupõe uma autonomia para que possa desen-
cultural. volver-se. É seguramente equivocado e perigoso fazer us,o do
conhecimento científico para fundamentar uma concepção de homem e
Lenoble ressaltou muito bem essa ambivalência da herança ilumi-
nista: de sociedade. A ciência, entretanto, pressupõe determinadas concepções
de homem e de sociedade para que possa existir como atividade.
À hora, portanto, em que a natureza se desagrega em fenômenos impon- As conseqüências do cientificismo como ideologia podem ser tão
deráveis agrupados sob leis aparentes, essa mecânica sem alma e sem
nefastas quanto a ideologia anticientífica. As relações ciência-sociedade
valor próprio retoma, por um paradoxo curioso, seu papel de mestra de
consciências. O século XVIII perdeu, em física e parcialmente na arte, na França do século XVIII constituem um precioso precedente de dis-
o sentido da natureza, mas da natureza ele faz um consumo prodigioso cussões que mantêm sUa atualidade.
em moral. Ela s6, contra a ordem social e a religião, nos dá a virtude,
contra as mesmas forças "tenebrosas" ela nos dá a felicidade. Voltaire,
d' Alembert, Fontenelle vivem desse paradoxo, sem mesmo o percebe-
rem. (Lenob1e 1969, p. 356) .
9. ~apoleão foi, contudo, ll\Illbém influenciado pelas correntes "newtoniana" e "rousseauísta", segundo \ .
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