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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA __ª VARA

CÍVEL DO FORO ______ DA COMARCA DE _____________

Autos do processo nº ________________________________


Autor:

NOME (qualificaçã o), residente e domiciliado na __________, pelo Defensor


Pú blico do Estado de Sã o Paulo que esta subscreve, vem à presença de V. Exa. apresentar
sua CONTESTAÇÃO com fundamento nos artigos 300 e seguintes do Có digo de Processo
Civil, de acordo com as razõ es de fato e de Direito aduzidas a seguir:

DOS FATOS

Trata-se de açã o ordiná ria de obrigaçã o de fazer, cumulada com indenizaçã o


por danos morais, alegando-se na petiçã o inicial ter o réu publicado em seu “blog”,
denominado www.infanciaurgente.blogspot.com e hospedado pela Google Brasil
Internet Ltda., “carta apó crifa, de conteú do calunioso e difamató rio, que fere de morte a
honra do autor e de outros diretores de unidades”.

A referida carta era intitulada “Excelência precisamos de sua atençã o” e foi


publicada sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundaçã o Casa 161.

Em razã o disso, pleiteia a retirada da referida carta do conteú do do “blog


infanciaurgente” e, também, a retirada do pró prio blog do ar, sob pena de multa diá ria,
tudo a ser determinado judicialmente em face da corré Google Brasil Internet Ltda.

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Especificamente no que tange ao presente réu, a isso se soma pedido de
condenaçã o em danos morais, em valores a serem arbitrados por V. Exa.

Feito pedido de tutela antecipada para o fim de ver liminarmente


determinada a retirada do blog da referida missiva, foi aquela concedida, inaudita altera
pars”, tendo o provedor do serviço, e aqui correu, Google Brasil cumprido a ordem
judicial.

Tais pedidos, porém, nã o encontram respaldo no Direito, como se


demonstrará .

PRELIMINARMENTE: INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO

Como destacado na Exceçã o de Incompetência formulada em


apartado, a propositura da açã o no foro de domicílio do autor fere a regra geral de
competência territorial, prevista no artigo 94 do Có digo de Processo Civil, no sentido de
que a açã o fundada em direito pessoal será proposta no foro do domicílio do réu.

Assim, serve a presente preliminar para reiterar expressamente os


termos da referida Exceçã o e requerer o deslocamento da competência para a Comarca
de domicílio do réu.

DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO: INEXISTÊNCIA DE DANO


MORAL
Ao contrá rio do que sustenta o autor, que chega, em seus excessos, a requerer
a retirada do “BLOG INFANCIAURGENTE” da internet, no Brasil contemporâ neo nã o há mais
lugar para a censura das idéias.

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Deveras, a Constituiçã o Federal de 1988 consagrou a liberdade de expressã o
do pensamento e a liberdade de crítica, conforme os preceitos inscritos nos incisos IV, V,
IX e X do art. 5º, e no art. 220, §§ 1º e 2º da Carta Maior, liberdades essas que, aliadas à
possibilidade de utilizaçã o do direito de resposta, sã o os mecanismos que permitem o
livre trâ nsito de idéias em nossa sociedade, permitindo à s pessoas que formem sua
convicçã o sobre os mais variados temas, tudo a fim de garantir o pluralismo
democrá tico, base de nossa Repú blica.

Dizem os preceitos constitucionais invocados:

Artigo 5º. Todos sã o iguais perante a lei, sem distinçã o de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestaçã o do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenizaçã o por dano material, moral ou à imagem;
IX - é livre a expressã o da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicaçã o, independentemente de censura ou licença;
X - sã o inviolá veis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenizaçã o pelo dano material ou
moral decorrente de sua violaçã o;

E ainda:

Art. 220. A manifestaçã o do pensamento, a criaçã o, a expressã o e a


informaçã o, sob qualquer forma, processo ou veículo nã o sofrerã o
qualquer restriçã o, observado o disposto nesta Constituiçã o.

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§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à
plena liberdade de informaçã o jornalística em qualquer veículo de
comunicaçã o social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideoló gica
e artística.

Tais sã o as normas que regem a questã o, à s quais a doutrina e a


jurisprudência dã o interpretaçã o conforme, no sentido de que a eventual contrariedade
causada pela veiculaçã o de informaçã o jornalística deve ser enfrentada, nã o pela via
cerceadora do dano moral, mas pela via democrá tica do pleno exercício do direito de
resposta.

A Constituiçã o Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos IV e IX, inserido no


Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, consagra os princípios da liberdade de
informaçã o, pensamento e expressã o, sendo inegá vel que a liberdade de expressã o,
informaçã o e pensamento é um dos pilares sobre o qual se assenta a democracia, sendo
de vital importâ ncia para o pleno desenvolvimento dos cidadã os, da sociedade. Nesse
sentido, pondera ALEXANDRE DE MORAES:

"A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de


uma sociedade democrática e compreende não somente as informações
consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também
aquelas que podem causar transtornos, resistência, inquietar pessoas,
pois a Democracia existe a partir da consagração do pluralismo de idéias
e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo.
Proibir a livre manifestação de pensamento é pretender alcançar a
proibição do pensamento e, conseqüentemente, obter a unanimidade
autoritária, arbitrária e irreal."1 (g.n.)
1
In: Direitos Humanos Fundamentais, Ed. Atlas, 2ª ed., 1998, p. 118.

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A jurisprudência de nossas Altas Cortes já se posicionou sobre o tema, em
julgados histó ricos, eis que instada por figuras pú blicas, como o presidente da
Confederaçã o Brasileira de Futebol, e políticos de renome, que pleiteavam, tal como aqui
pretendido, o cerceamento da liberdade de imprensa pela via judicial. E, ao fazê-lo,
consagraram a prevalência da liberdade de expressã o e de crítica, do que ora se cuida.

Assim é que o C. Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades,


ressaltou o primado da liberdade de expressão do pensamento sobre os direitos
da personalidade, notadamente no caso de pessoas que exercem funções públicas,
cuja modulação deve se dar pelo exercício do direito de resposta, não pelo
cerceamento da palavra.

Preciso exemplo advém do acó rdã o exarado no Agravo de Instrumento nº


505.595 / RJ (j. em 11.11.2009), em que o D. Relator, Ministro Celso de Mello, bem
destacou:

“Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases


democrá ticas, mostra-se intolerá vel a repressã o estatal ao pensamento,
ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada
pelo interesse coletivo e decorra da prá tica legítima, como sucede na
espécie, de uma liberdade pú blica de extraçã o eminentemente
constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Nã o se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeçã o
da liberdade de manifestaçã o de pensamento e de comunicaçã o, reveste-se
de conteú do abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas
relevantes que lhe sã o inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de
buscar a informaçã o, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.

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A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de
qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem
qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o
interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a
eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas.
É por tal razã o que a crítica que os meios de comunicação social
dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que
possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as
limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da
personalidade.” (g.n.)

E prossegue Sua Excelência, em trecho que, em tudo, se aplica ao presente


caso:

“É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de


responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo
conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou,
então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até,
impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem
dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de
autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica
qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito
doloso de ofender.
Com efeito, a exposiçã o de fatos e a veiculaçã o de conceitos, utilizadas
como elementos materializadores da prá tica concreta do direito de crítica,
descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, assim,
em plenitude, o exercício dessa particular expressã o da liberdade de
imprensa.” (g.n.)

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Ora, a publicaçã o da carta anô nima recebida pelo réu, cujo conteú do
procurava expor os problemas gerados por atos administrativos
indevidos praticados pelo autor na gestã o de Unidade da Fundaçã o Casa,
tinha o evidente intuito de expor à sociedade situação do mais amplo
interesse público, sobretudo porque tais fatos estariam ocorrendo no
seio de instituição fechada (estabelecimento de internação de
jovens), cujo histórico de abusos e violações da dignidade dos
internos é tão recorrente em nosso país que já foi objeto, até mesmo,
de duas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.2
A respeito, vem a calhar o seminal voto proferido pelo Ministro Celso de
Mello, ao discorrer magistralmente sobre o direito de crítica jornalística,
cujo texto tornou-se referência sobre o tema no país, o qual pede-se
licença para transcrever por aplicar-se integralmente ao presente caso:
“Entendo relevante destacar, no ponto, analisada a questã o sob a
perspectiva do direito de crítica – cuja prática se mostra apta a
descaracterizar o “animus injuriandi vel diffamandi” (CLÁ UDIO LUIZ
BUENO DE GODOY, “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da
Personalidade”, p. 100/101, item n. 4.2.4, 2001, Atlas; VIDAL SERRANO
NUNES JÚ NIOR, “A Proteção Constitucional da Informação e o Direito à
Crítica Jornalística”, p. 88/89, 1997, Editora FTD; RENÉ ARIEL DOTTI,
“Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação”, p. 207/210,
item n. 33, 1980, RT, v.g.) -, que essa prerrogativa dos profissionais de
imprensa revela-se particularmente expressiva, quando a crítica,
exercida pelos “mass media” e justificada pela prevalência do interesse

2
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 25 de fevereiro de 2011. Medidas provisórias
a respeito do Brasil. Assunto da Unidade de Internação Socioeducativa (disponível em
http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/socioeducativa_Se_01_portugues.pdf) e Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 25 de novembro de 2008. Medidas Provisórias a respeito do Brasil.
Assunto das crianças e adolescentes privados de liberdade no “Complexo do Tatuapé” da Fundação CASA
(disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/febem_se_06_por.pdf). Acesso em 26 de maio de 2011.

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geral da coletividade, dirige-se a figuras notórias ou a pessoas
públicas, independentemente de sua condiçã o oficial.
Daí a existência de diversos julgamentos, que, proferidos por Tribunais
judiciá rios, referem-se à legitimidade da atuaçã o jornalística,
considerada, para tanto, a necessidade do permanente escrutínio
social a que se acham sujeitos aqueles que, exercentes, ou não, de cargos
oficiais, qualificam-se como figuras pú blicas:
“Responsabilidade civil - Imprensa - Declarações que não extrapolam
os limites do direito de informar e da liberdade de expressão, em
virtude do contexto a que se reportava e por relacionar-se à pessoa
pública - Inadmissibilidade de se cogitar do dever de indenizar – Não
provimento.” (Apelação nº 502.243-4/3, Rel. Des. Ê NIO SANTARELLI
ZULIANI – TJSP - grifei)
“Indenização por dano moral. Matéria publicada, apesar de
deselegante, não afrontou a dignidade da pessoa humana, tampouco
colocou a autora em situação vexatória. Apelante era vereadora,
portanto, pessoa pública sujeita a críticas mais contundentes. Termos
deseducados utilizados pelo réu são insuficientes para caracterizar o
dano moral pleiteado. Suscetibilidade exacerbada do pólo ativo não dá
supedâneo à verba reparatória pretendida. Apelo desprovido.” (Apelação
Cível nº 355.443-4/0-00, Rel. Des. NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA –
TJSP - grifei)
“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. MATÉRIA QUE TRADUZ CRÍTICA JORNALÍSTICA.
AUTORA QUE, NO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO, NÃO PODE SE
FURTAR A CRÍTICAS QUE SE LHE DIRIGEM. CASO EM QUE FERIDA MERA
SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO
COMPORTAMENTO DOS RÉUS. DIREITO DE CRÍTICA QUE É INERENTE À
LIBERDADE DE IMPRENSA. VERBA INDEVIDA. AÇÃO JULGADA

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IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO,
PREJUDICADO O APELO ADESIVO. (...).” (Apelação Cível nº 614.912.4/9-
00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP - grifei)
“INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL.
INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. PUBLICAÇÃO DE ARTIGO EM
REVISTA COM REFERÊNCIAS À PESSOA DO AUTOR. INFORMAÇÕES
COLETADAS EM OUTRAS FONTES JORNALÍSTICAS DEVIDAMENTE
INDICADAS. AUSÊNCIA DE CONOTAÇÃO OFENSIVA. TEOR CRÍTICO QUE É
PRÓPRIO DA ATIVIDADE DO ARTICULISTA. AUTOR, ADEMAIS, QUE É
PESSOA PÚBLICA E QUE ATUOU EM FATOS DE INTERESSE PÚBLICO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.”
(Apelação Cível nº 638.155.4/9-00, Rel. Des. VITO GUGLIELMI – TJSP -
grifei)
“(...) 03. Sendo o envolvido pessoa de vida pública, uma autoridade, eleito
para o cargo de Senador da República após haver exercido o cargo de
Prefeito do Município de Ariquemes/RO, condição que o expõe à crítica da
sociedade quanto ao seu comportamento, e levando-se em conta que não
restou provado o ‘animus’ de ofender, tenho que o Jornal não pode ser
condenado ao pagamento de indenização por danos morais. 04. Deu-se
provimento ao recurso. Unânime.” (Apelação Cível nº
2008.01.5.003792-6, Rel. Des. ROMEU GONZAGA NEIVA – TJDF - grifei)
“A notoriedade do artista, granjeada particularmente em telenovela de
receptividade popular acentuada, opera por forma a limitar sua
intimidade pessoal, erigindo-a em personalidade de projeção pública,
ao menos num determinado momento. Nessa linha de pensamento,
inocorreu iliceidade ou o propósito de locupletamento para,
enriquecendo o texto, incrementar a venda da revista. (...) cuida-se de um
ônus natural, que suportam quantos, em seu desempenho exposto ao
público, vêm a sofrer na área de sua privacidade, sem que se aviste, no fato,

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um gravame à reserva pessoal da reclamante.” (JTJ/Lex 153/196-200,
197/198, Rel. Des. NEY ALMADA – TJSP - grifei)
Vê-se, pois – tal como tive o ensejo de assinalar (Pet 3.486/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 398/2005) -, que a crítica
jornalística, quando inspirada pelo interesse pú blico, não importando a
acrimô nia e a contundência da opiniã o manifestada, ainda mais quando
dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na
conduçã o dos interesses de certos grupos da coletividade, não traduz
nem se reduz, em sua expressã o concreta, à dimensão do abuso da
liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em
situações de caráter ordinário, de sofrer qualquer repressã o estatal ou
de se expor a qualquer reaçã o hostil do ordenamento positivo.
É certo que o direito de crítica não assume cará ter absoluto, eis que
inexistem, em nosso sistema constitucional, como reiteradamente
proclamado por esta Suprema Corte (RTJ 173/805-810, 807-808, v.g.),
direitos e garantias revestidos de natureza absoluta.
Não é menos exato afirmar-se, no entanto, que o direito de crítica
encontra suporte legitimador no pluralismo político, que representa
um dos fundamentos em que se apó ia, constitucionalmente, o pró prio
Estado Democrá tico de Direito (CF, art. 1º, V). É por tal razão, como
assinala VIDAL SERRANO NUNES JÚ NIOR (“A Proteção Constitucional
da Informação e o Direito à Crítica Jornalística”, p. 87/88, 1997,
Editora FTD), que o reconhecimento da legitimidade do direito de
crítica - que constitui “pressuposto do sistema democrático” – qualifica-
se, por efeito de sua natureza mesma, como verdadeira “garantia
institucional da opinião pública”:
“(...) o direito de crítica em nenhuma circunstância é ilimitável, porém
adquire um caráter preferencial, desde que a crítica veiculada se refira a
assunto de interesse geral, ou que tenha relevância pública, e guarde

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pertinência com o objeto da notícia, pois tais aspectos é que fazem a
importância da crítica na formação da opinião pública.” (grifei)
Não foi por outra razão – e aqui rememoro anterior decisã o por mim
proferida nesta Suprema Corte (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE
MELLO) - que o Tribunal Constitucional espanhol, ao veicular as
Sentenças nº 6/1981 (Rel. Juiz FRANCISCO RUBIO LLORENTE), nº
12/1982 (Rel. Juiz LUIS DÍEZ-PICAZO), nº 104/1986 (Rel. Juiz
FRANCISCO TOMÁ S Y VALIENTE) e nº 171/1990 (Rel. Juiz BRAVO-
FERRER), pôs em destaque a necessidade essencial de preservar-se a
prá tica da liberdade de informaçã o, inclusive o direito de crítica que
dela emana, como um dos suportes axiológicos que informam e que
conferem legitimaçã o material à própria concepçã o do regime
democrá tico.
É relevante observar, ainda, que o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH), em mais de uma ocasiã o, também advertiu que a
limitação do direito à informaçã o e do direito (dever) de informar,
mediante (inadmissível) redução de sua prá tica “ao relato puro, objetivo
e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem
compatível com o pluralismo, a tolerância (...), sem os quais não há
sociedade democrática (...)” (Caso Handyside, Sentença do TEDH, de
07/12/1976).

Em suma, da vasta e respeitá vel jurisprudência colecionada pelo Voto do E.


Ministro Celso de Mello, vê-se que a suscetibilidade da pessoa pú blica, ao ver-se exposta
em matéria de cunho jornalístico, notadamente quando críticas lhe sã o endereçadas,
perde importâ ncia ante a prevalência do interesse pú blico à informaçã o e ao livre
trâ nsito de idéias numa sociedade democrá tica.

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Da mesma forma, em casos aná logos concluiu-se que o dissabor de ver
publicamente expostas críticas, ainda que severas, é o ô nus natural pelo qual deve
passar todos os que ocupam cargos ou funçõ es pú blicas, efeito natural do controle social
de suas atividades, o que decorre dos princípios constitucionais estampados no artigo
37 da Lei Maior.

Por fim, sendo certo que o direito à crítica e à informaçã o, embora


prevalecente, nã o é ilimitado, a construçã o doutriná ria e jurisprudencial uníssona indica
seu cará ter preferencial, sempre que o assunto for de interesse geral, tenha relevâ ncia
pú blica e o escrito com ele guarde pertinência.

E isso, Exa., é exatamente o que ocorreu no caso presente. Vejamos.

DO CONTEÚDO DA CARTA E DE SEU INTERESSE PÚBLICO

A carta publicada, longe de visar a atingir pessoalmente o autor, denunciava


irregularidades que ele teria praticado no exercício de função pública e em
decorrência dos poderes que a sociedade lhe conferiu para bem cuidar de
instituição pública de tratamento de jovens.

E tal intençã o era manifesta, o que se comprova pela leitura objetiva daquilo
que na carta estava contido, que se traduz em fatos de alta relevâ ncia pú blica, dando
conta de que o autor :

 Persegue funcioná rios da Unidade por ele dirigida e da ONG GAPA, que ali atua,
ao tempo em que protege seus “pupilos”, omitindo ou ignorando seus erros ou
faltas;
 Valeu-se da condiçã o de funcioná rio pú blico para repreender e ameaçar a mã e de
uma criança que teria lhe derrubado os ó culos, na cidade de Iaras;

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 Deixou de apurar casos de violência perpetrados contra um interno da “Casa III”
da Unidade de Cerqueira César, constantemente agredido por outros internos;
 Coagiu uma funcioná ria da ONG GAPA a assinar documentos que, ante sua recusa,
foi dispensada;
 Manteve na Instituiçã o outra funcioná ria, a senhora Ana Barbin, apesar de
existirem suspeitas que ela teria depositado valor excessivo na conta corrente do
professor de educaçã o física;
 Estaria envolvido no assassinato do Juiz de Direito de Presidente Prudente, Dr.
Antonio José Machado Dias;
 Usaria gratuitamente o pasto da propriedade de um vereador para uso de seus
cavalos, em troca de favores custeados pelos recursos da Fundaçã o Casa, sob seus
cuidados;
 Contratou como agentes externos dois filhos de um amigo da cidade de Manduri
em troca do uso de pastagem para seus cavalos;
 Deixou de tomar as medidas administrativas relacionadas a um tumulto e briga
de jovens na “Casa I” de Cerqueira César (08/04/2010), deixando mesmo de
lavrar boletim de ocorrência, a fim de nã o manchar a imagem da Fundaçã o CASA;
 Ter descurado da boa administraçã o da Unidade da Fundaçã o CASA a ponto de
nã o ter havido socorro médico a um adolescente da Casa III, cujo ouvido foi
perfurado por caneta, no dia 06/04/2010, além de nã o tomar medidas para a
proteçã o dos funcioná rios das Casas I, II e III, que se sentem ameaçados, e mesmo
para conter as brigas entre internos; e
 Ter deixado de apurar as denú ncias que a ele foram encaminhadas por relató rio,
em suas mã os desde janeiro de 2010.

Ora, sobre os fatos denunciados na carta publicada nã o se pode dizer que


sejam exemplos de boa gestã o da coisa pú blica.

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Logo, cumpriu a publicaçã o o requisito da “relevâ ncia pú blica” ao dar
visibilidade a fatos havidos em estabelecimento pú blico e destinado a cuidar das novas
geraçõ es deste Estado.

Neste ponto, clara é a vinculaçã o do interesse geral da publicaçã o da carta


com os valores nutridos pela Constituiçã o da Repú blica, no já citado artigo 37, que reza:

Art. 37. A administraçã o pú blica direta e indireta de qualquer dos


Poderes da Uniã o, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...).

Portanto, é flagrante a vinculaçã o dos fatos narrados com a suposta


ilegalidade da conduta do autor, em vá rios pontos, como a perseguiçã o a funcioná rios,
uso do cargo para obter vantagem pessoal, omissã o na apuraçã o de fatos relevantes,
falta de socorro a adolescente ferido por outros internos etc.

A respeito da impessoalidade, é tudo o que parece nã o ocorrer na Unidade,


dado o cará ter centralizador e mesmo autoritá rio do comportamento do autor, dando as
denú ncias conta de que o autor parece ter perdido a noçã o de que se tratava de mero
gestor de bens e serviços do Estado, tratando-os como se seus fossem.

O mesmo se pode dizer dos demais princípios constitucionais da boa


administraçã o, sendo prova cabal de seu ferimento a veemência com que o autor se
insurgiu contra o réu, pelo simples fato de ver tornada pú blica denú ncia de má
administraçã o, a ponto de pretender sua exclusã o permanente da internet e abrindo
mã o dos meios democrá ticos de debate, como o uso do direito de resposta (do que se
tratará adiante).

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Quanto ao predicado do “interesse geral”, este também é manifesto.

Isso porque o futuro de nossos jovens é do interesse de todos, o que


novamente decorre de expressa manifestaçã o constitucional, a teor do que dispõ e o
artigo 227 da Carta:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saú de, à alimentaçã o, à educaçã o, ao lazer, à profissionalizaçã o, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitá ria, além de colocá -los a salvo de toda forma de negligência,
discriminaçã o, exploraçã o, violência, crueldade e opressã o. (g.n.)”

Sendo prioritá rias as políticas estatais voltadas à criança, a publicaçã o


veiculada no blog do réu cumpriu manifesto interesse pú blico, pois a populaçã o em
geral, e o pú blico especializado, têm o direito de saber se a Constituiçã o está sendo
cumprida naquilo que tem de mais relevante, a saber, o cuidado com as crianças
brasileiras.

Por fim, a pertinência temá tica é inegá vel.

Por mais que a carta contivesse crítica acerba e utilizasse termos veementes,
seu conteú do sempre se ateve à sua essência, a denú ncia das graves irregularidades
praticadas por gestores da Unidade da Fundaçã o CASA.

E, mesmo fatos supostamente relacionados à vida privada do autor (ser dono


de cavalos ou propriedades, p. ex.) sempre manteve algum vínculo com fatos
supostamente irregulares por ele praticados ou por sua suposta proximidade com
grupos e facçõ es que agem em estabelecimentos fechados como unidades prisionais e de
internaçã o de jovens.

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Portanto, embora duros e veementes, os fatos apresentados e a crítica
decorrente sempre guardaram estrita vinculaçã o com o â mbito geral da carta, assim
preenchendo o terceiro requisito para sua admissibilidade e o conseqü ente afastamento
do dano moral, na forma da supra citada doutrina e jurisprudência dominantes.

Aqui, Exa., nã o se pode perder de vista que o tom veemente da missiva parece
decorrer do alto grau de estresse, indignaçã o e temor dos que trabalham diariamente
sob tã o temerá ria gestã o, que já teriam feito outras gestõ es no sentido de solucionar os
problemas, sendo este seu ú ltimo recurso.

Portanto, certo é que inexistiu qualquer violaçã o ao Direito com a publicaçã o


da carta, cujo escopo foi, exclusivamente, o de tornar pú blicas as propaladas
irregularidades havidas na gestã o de Unidade da Fundaçã o Casa, nunca a de vilipendiar
pessoalmente a honra do autor.

Ressalte-se que, de sua parte, o réu nada tem de pessoal contra o autor, que
nã o conhece pessoalmente e com quem nunca travou relaçõ es.

Clara, pois, a ú nica intençã o do réu ao veicular a carta, a de trazer à luz


denú ncia atinente à suposta violaçã o dos direitos humanos dos internos e funcioná rios
de Unidade da Fundaçã o CASA, o que nã o destoa das demais publicaçõ es que veicula,
cotidianamente.

Desta forma, afastada a hipótese de ataque pessoal do réu à pessoa do


autor, e presente o interesse público dos fatos narrados, nada de ilegal houve na
publicação da referida carta no blog do réu.

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E, neste ponto, agiu o réu dentro do espaço de liberdade que lhe confere a
Constituiçã o Federal, segundo a interpretaçã o que lhe deu o C. Superior Tribunal de
Justiça, em caso referido pelo paradigmá tico voto do E. Ministro Celso de Mello:
“RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – (...) -
DIREITO DE INFORMAÇÃO – ‘ANIMUS NARRANDI’ – EXCESSO NÃO
CONFIGURADO (...).
......................................................
3. No que pertine à honra, a responsabilidade pelo dano cometido através
da imprensa tem lugar tão-somente ante a ocorrência deliberada de
injúria, difamação e calúnia, perfazendo-se imperioso demonstrar que o
ofensor agiu com o intuito específico de agredir moralmente a vítima. Se
a matéria jornalística se ateve a tecer críticas prudentes (‘animus
criticandi’) ou a narrar fatos de interesse coletivo (‘animus narrandi’),
está sob o pálio das ‘excludentes de ilicitude’ (...), não se falando em
responsabilização civil por ofensa à honra, mas em exercício regular do
direito de informação.” (g.n.) (REsp 719.592/AL, Rel. Min. JORGE
SCARTEZZINI)

Neste passo, nã o tendo demonstrado o autor o â nimo deliberado do réu em


atingir sua honra, afasta-se completamente a possibilidade de alegaçã o de dano moral,
pois, como fartamente demonstrado, havia interesse pú blico em veicular denú ncias de
irregularidades decorrentes de suposto mal uso de cargo pú blico.

DO CARÁTER JORNALÍSTICO DA PUBLICAÇÃO EM BLOG

Apenas para afastar qualquer alegaçã o de que a publicaçã o de que cuida o


presente feito nã o tivesse cará ter jornalístico, vale discorrer, brevemente, sobre esse
novo meio de comunicaçã o, decorrente da recente explosã o das possibilidades atuais
oferecidas pela rede mundial de computadores, também denominada “internet”.

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Se até pouco tempo as informaçõ es somente podiam ser difundidas em larga
escala por quem detivesse substanciosos meios econô micos, no mundo contemporâ neo
qualquer pessoa pode contribuir para o livre trâ nsito de informaçõ es, bastando acessar
um computador conectado à internet.

Desta forma, a qualidade jornalística (informativa e opinativa) deixou de ser


prerrogativa dos veículos tradicionais, sendo tal atributo atualmente estendido aos
chamados “blogs”, na verdade uma contraçã o do termo inglês “Web log”, ou seja, diá rio
da web, havendo vá rios provedores que os hospedam gratuitamente (“wordpress”,
“blogspot” etc.).

Segundo indica a Wikipédia (ela mesma uma enciclopédia construída


inteiramente na internet), um blog “é um site cuja estrutura permite a atualizaçã o rá pida
a partir de acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes sã o, em geral, organizados
de forma cronoló gica inversa, tendo como foco a temá tica proposta do blog, podendo ser
escritos por um nú mero variá vel de pessoas, de acordo com a política do blog.”

E prossegue:

“Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um


assunto em particular; outros funcionam mais como diá rios online.
Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs,
pá ginas da Web e mídias relacionadas a seu tema. A capacidade de
leitores deixarem comentá rios de forma a interagir com o autor e
outros leitores é uma parte importante de muitos blogs.” (g.n.)3
Notá vel, portanto, o caráter jornalístico dos blogs, sendo pó lo considerá vel
de difusão de informações e comentários, cuja importâ ncia chegou ao ponto de
influenciar fatos de repercussã o mundial (como a recente eleiçã o presidencial norte-
3
http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog. Acesso em 25.05.2011.

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americana) ou em manifestaçõ es populares de cunho democrá tico (como as que levaram
à deposiçã o de ditadores ao redor do mundo).

Pois bem.

O “BLOG INFANCIAURGENTE” nã o foge à regra. Trata-se de veículo de difusã o de


informaçõ es e de idéias relacionadas aos direitos humanos, com foco particular na
situaçã o das crianças e adolescentes do país.

Para comprovar tal alegaçã o, basta acessar o referido blog e verificar as


“postagens” ali existentes, o que se fez, a título de exemplo, no dia 26 de maio de 2011,
em que se encontravam os seguintes títulos:

 “NOTA DE MORTE ANUNCIADA: A histó ria se repete!” (sobre o assassinato de


dois líderes camponeses no Pará );
 SUICÍDIO ADOLESCENTE ENTRE INDÍGENAS É TEMA DE INFORME DO UNICEF
(sobre relató rio emitido por ó rgã o da ONU);
 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL (noticiando seminá rio sobre o tema);
 “POR QUE NÃ O UMA COMISSÃ O DA VERDADE E JUSTIÇA?” (noticiando mesa de
debates com esse título, realizada no consagrado IBCCrim);
 18 DE MAIO - DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E EXPLORAÇÃ O SEXUAL
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (trazendo artigo informativo e opinativo sobre
essa grave questã o nacional);
 COPA, OLIMPIADAS E MEGAPROJETOS:“QUEM VAI PAGAR A CONTA É A CLASSE
TRABALHADORA, O POVO BRASILEIRO” (entrevista ao perió dico Contraponto
sobre questã o de interesse nacional);
 QUANTO VALEM OS DIREITOS HUMANOS? (a respeito dos impactos sobre os
direitos humanos da indú stria da mineraçã o e da siderurgia em Açailâ ndia); etc.

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Inegá vel, portanto, o cará ter informativo e opinativo do “BLOG
INFANCIAURGENTE”, inserindo-se no que se pode chamar, sem dú vida, de jornalismo
contemporâ neo.

Ainda, a respeito do réu, importa destacar que possui formaçã o profissional


na á rea de educaçã o e, por isso, mostra-se cotidianamente preocupado com o absoluto
respeito aos direitos humanos. Agindo como cidadã o participativo e consciente, procura
oferecer ao pú blico informaçõ es relevantes, com especial atençã o aos nossos jovens, em
quem depositamos as esperanças de um país mais justo, solidá rio e desenvolvido.

Como dizia o saudoso Herbert de Souza (Betinho), referência de humanismo


no país:

“A criança é o princípio sem fim. O fim da criança é o princípio do fim.


Quando uma sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu
suicídio como sociedade. Quando nã o as ama é porque deixou de se
reconhecer como humanidade.
Afinal, a criança é o que fui em mim e em meus filhos enquanto eu e
humanidade. Ela, como princípio, é a promessa de tudo. É minha obra
livre de mim.
Se nã o vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes,
e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Diante dela, o
mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a
criança é o princípio sem fim e seu fim é o fim de todos nó s.”

Indisputá vel, portanto, que o réu exerce atividade jornalística nã o


profissional, ao ser proprietá rio de um blog que difunde informaçõ es e críticas sobre
fatos da atualidade, tal como o fazem os jornais e revistas de grande circulaçã o.

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Aliá s, encontra-se o réu em idêntica situaçã o (guardadas as devidas
proporçõ es) à dos “jornalistas” Roberto Marinho e Octá vio Frias de Oliveira, em verdade
meros proprietá rios de meios de comunicaçã o que jamais obtiveram o título decorrente
de formaçã o universitá ria em jornalismo.

DO DIREITO DE RESPOSTA: FACULDADE DISPERDIÇADA PELO AUTOR

De tudo o que até agora se viu, resta demonstrado que no Brasil


contemporâ neo, democrá tico e republicano, a liberdade de expressã o do pensamento e
de crítica possui cará ter preferencial, nã o se justificando a demanda por dano moral
supostamente sofrido, notadamente por quem exerce cargo pú blico.

Mas isso nã o significa que inexista um mecanismo para afastar supostas


inverdades ou críticas descabidas veiculadas em meios de comunicaçã o. A liberdade de
uns enfrenta-se com a liberdade de todos, nã o com a censura. Para isso existe o “direito
de resposta”, previsto no artigo 5º, inciso V, da Constituiçã o da Repú blica.

Discorrendo a respeito do tema, a tratadista Ana Marina Nicolodi, apó s


fornecer um apanhado do tratamento do tema na doutrina européia, arremata, com
maestria:

“Daí que, constitui o direito de resposta também “uma forma de


liberdade de expressã o e de acesso individual aos meios de informaçã o
(...). Compreende-se por isso que a Lei de imprensa inclua o direito de
resposta entre as garantias do direito dos cidadã os a serem informados
(art. 1–4), visto que ele proporciona a publicaçã o de versõ es
alternativas, facultando assim aos leitores uma perspectiva
suplementar sobre a mesma questã o”3.

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Com efeito, por um lado, o direito de resposta constitui uma medida de
garantia dos direitos de personalidade, por outro, constitui um direito
individual de acesso aos meios de comunicaçã o social e de participaçã o
na formaçã o da opiniã o pú blica. Ou seja, reconhece-se a este direito o
duplo cará ter de garantia institucional (direito do pú blico à informaçã o
veraz), assegurando-se a sua dimensã o individual, e de direito subjetivo
(direito individual de defesa dos bens da personalidade ofendidos).
Com isto, o direito de resposta, que inclui no seu â mbito o direito de
retificaçã o, cumpriria dois objetivos: “(...) o de proporcionar a quem se
sinta afectado pela imprensa de fazer valer a sua verdade; (...) o de
permitir a difusã o de versõ es alternativas, facultando ao pú blico o
acesso a pontos de vista contraditó rios sobre o mesmo assunto, no que
constitui uma verdadeira garantia do direito à informaçã o”4.” (O Direito
de resposta. Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 12 de outubro de 2007.
http://jusvi.com/artigos/29029. Acesso em 30 de maio de 2011) 4

Desta forma, tivesse o réu se negado a publicar artigo do autor em seu blog,
com o mesmo destaque e nas mesmas proporçõ es, aí sim, com maioria de razã o teria ele
por que protestar.

Mas, nã o.

Jamais houve solicitaçã o do autor para que o réu veiculasse, em mesmo


espaço e com o mesmo destaque, a sua versã o sobre os fatos, de modo a privilegiar a
4
3 Vital Moreira, O direito de resposta entre a Constituição e a realidade, in Actas do Congresso Internacional
organizado pelo Instituto Jurídico da Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra- 25 a
27 de nov./1993, Coimbra, 1996, p. 157.

4 J.M. Coutinho Ribeiro, Lei de imprensa e legislação conexa. Lisboa: Quid Iuris-Sociedade Editora, 2001, p.
59.

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soluçã o constitucional para o tema, o que o réu certamente faria, como o fez ao ter dado
voz à senhora Ana Raquel, igualmente citada na publicaçã o, que pô de apor a sua versã o
no que dizia respeito aos fatos narrados e à s críticas veiculadas.

Aliá s, nã o passa despercebida a tentativa do autor de dar sua versã o dos


fatos, como faz ao longo de toda a petiçã o inicial, como se o presente processo se
prestasse a uma espécie de “exceçã o da verdade”, totalmente descabida em sede de açã o
indenizató ria.

A respeito, vem bem a calhar a observaçã o da doutrinadora acima referida,


que alerta:

“Antes de mais, importa sublinhar que, apesar de ser gradativa a


afirmaçã o do direito de resposta perante a doutrina e a jurisprudência,
ainda é prá tica comum dos titulares de direitos de personalidade
lesados pelos medias se absterem de exercê-lo. O que nã o podemos
deixar de lamentar, pois seu exercício pronto e eficaz, frente à s ofensas
causadas aos direitos de personalidade, tais como a honra, imagem e
vida privada, pode, em casos específicos, representar economia da
má quina judiciá ria, apaziguando-se os â nimos e evitando, muitas vezes,
uma disputa judicial.”5

Além disso, é nítida a tentativa de intimidaçã o do réu, dado o cará ter


sancionató rio da condenaçã o pretendida, cujo valor, aliá s, é o que menos lhe importa,
tanto que deixou ao alvedrio judicial.

Pretende a puniçã o e a censura, nã o o livre embate de idéias e versõ es.

5
http://jusvi.com/artigos/29029.

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Mas nã o é a isso que se presta a Justiça.

Justiça é dar plena vazã o aos valores e ditames da “Constituiçã o Cidadã ”, na


consagrada alcunha dada pelo saudoso Ulysses Guimarã es, à Carta que trouxe a
democracia de volta ao país.

Justiça é garantir o exercício da liberdade de comunicaçã o e de crítica,


notadamente quando estã o em jogo os interesses de crianças e adolescentes e a boa
administraçã o da coisa pú blica.

Justiça é proteger quem, em nome de ideais democrá ticos e do interesse


pú blico, se expõ e para que a informaçã o seja plural e acessível, para que a populaçã o
possa formar seu convencimento, para que a res publica seja de todos e nã o dos que
receberam poderes para geri-la.

Em conclusã o, restou evidenciado que:


1. A Constituiçã o da Repú blica, na interpretaçã o que lhe deu o C.
Supremo Tribunal Federal e a Doutrina nacional, privilegia o exercício
da liberdade de expressã o e da crítica, como valores pú blicos
fundamentais à democracia;
2. Respeitados os limites do interesse geral, relevâ ncia pú blica e
pertinência temá tica do escrito jornalístico, este nã o pode ser causa de
indenizaçã o por dano moral;
3. Especialmente em se tratando de pessoas que exercem cargos ou
funçõ es pú blicas, nã o se reconhece como dano moral a suscetibilidade
à s críticas, valor menor ante o interesse pú blico de garantir o livre
trâ nsito de idéias;
4. O incô modo causado por artigos jornalísticos deve ser enfrentado pelo
pleno exercício do direito de resposta, garantido constitucionalmente;

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5. A carta publicada respeitou os limites e condiçõ es elencados no item
2, supra, de modo que descabe pensar em condenaçã o do réu, que a
ela deu espaço em seu veículo de comunicaçã o;
6. O autor jamais solicitou o exercício do direito de resposta, visando
apenas cercear a liberdade de expressã o do pensamento, comunicaçã o
e crítica em nosso país, o que nã o é garantido pelo Direito.

DO PEDIDO:
Ante o exposto, é a presente contestaçã o para requerer:

A. Sejam contados em dobro os prazos processuais, visto tratar-se de réu assistido


pela Defensoria Pú blica do Estado de Sã o Paulo, nos termos do que dispõ e o
artigo 128, inciso I, da Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994,
com a redaçã o dada pela Lei Complementar Federal nº 132, de 7 de outubro de
2009;

B. Sejam todas as intimaçõ es de atos processuais realizadas na pessoa do Defensor


Pú blico subscrito, nos termos do que dispõ e a norma invocada no item anterior,
indicando como endereço para intimaçã o a sede do
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx;

C. Seja concedido ao réu o benefício da justiça gratuita, tendo em vista que o réu é
hipossuficiente na acepçã o constitucional e legal do termo, na forma da lei nº
1060, de 5 de fevereiro de 1950;

D. Preliminarmente, seja deslocada a competência para uma das Varas Cíveis da


Comarca da Capital, na forma a exceçã o de incompetência formulada
separadamente para tal fim, a qual ora reitera; e

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E. Quanto ao mérito, seja decretada a COMPLETA IMPROCEDÊ NCIA dos pedidos,
especificamente para:

a. Declarar a inocorrência de dano moral decorrente da publicaçã o da


missiva intitulada “Excelencia precisamos de sua atençã o”, que foi
publicada no blog Infanciaurgente (www.infanciaurgente.blogspot.com)
sob o título “Velha/Nova Febem/ Fundaçã o Casa 161;

b. Afastar hipó tese de retirada do referido blog do ar, assim como do pleito
de inserçã o de informaçã o quanto à pretendida condenaçã o judicial; e

c. Permitir seja recolocada no ar a carta intitulada “Excelencia precisamos de


sua atençã o”, postada no blog do réu, cassando-se a decisã o proferida em
sede de tutela antecipada, como decorrência ló gica do reconhecimento da
inexistência de dano moral pelos motivos expostos nesta peça processual.

F. Seja o autor condenado em custas processuais e em honorá rios advocatícios


arbitrados à razã o de 20% (vinte por cento) do valor da causa, a serem revertidos
para o Fundo Especial de Despesa da Escola da Defensoria Pú blica do Estado –
FUNDEPE, CNPJ nº 08.036.157/0001-89 na forma do que dispõ e a Lei Estadual nº
12.793, de 4 de janeiro de 2008.

Protesta provar o alegado por todas as provas em direito admitidas,


especialmente pela requisiçã o dos arquivos armazenados pelo Google Brasil Internet
Ltda. relativos ao “BLOG INFANCIAURGENTE”, notadamente aqueles em que consta a
publicaçã o da carta “Excelencia precisamos de sua atencao” e de todos os comentá rios a
ela agregados e dos eventuais links para aquela postagem, conforme as ferramentas
específicas localizadas no rodapé de cada artigo veiculado. Requer, ainda, informe a

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hospedeira do Blog quantos acessos teve ele no período em que a referida carta ficou no
ar.

É O QUE SE ESPERA, COMO MEDIDA DE JUSTIÇA!

Sã o Paulo, xxxxxxxxxxxxxxxxxxx

Defensor(a) Pú blico(a)
Unidade de XXXXXXXXX

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