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Perfil de Competências Empreendedoras dos Investidores Portugueses e Brasileiros: um


estudo comparativo na rede hoteleira do Ceará.

Autoria: Maria Isabel de Barros Mamede, Márcia Zabdiele Moreira

Resumo
É notório o crescimento de empresas portuguesas no estado do Ceará, principalmente no setor
turístico, onde se constata uma gama de opções em termos de hospedagem. Num contexto mais
amplo parece indispensável a compreensão do comportamento do empreendedor relacionados às
competências. Neste sentido, competência pode ser concebida como uma característica que
engloba diferentes traços de personalidade, habilidades e conhecimentos. Este estudo é resultado
de uma pesquisa, cujo objetivo maior foi delinear o perfil de competências de empreendedores
portugueses e cearenses que investem em hotelaria no Ceará, para isso, baseando-se no modelo
de competências proposto por Man e Lau (2000) e as características comportamentais
apresentadas por McClelland (1987). Justifica-se a escolha dos portugueses pelo fato de
representarem um dos maiores investidores no setor turístico do estado, além de demonstrarem
capacidade empresarial. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa e comparativa, segundo
o método do Estudo de Multicaso. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista
semi-estruturada, sendo esta aplicada com os empreendedores dos Hotéis Vila Galé e Hotel Praia
Centro. Com o estudo comparativo pôde-se perceber algumas diferenças, onde o empreendedor
português apresentou uma gestão mais participativa e planejada do que o empreendedor cearense.

Introdução
O fenômeno empreendedorismo é um assunto em debate no cenário organizacional, pois
dispõe de um duplo papel: de desenvolvimento econômico e social. Este de maior importância,
em virtude da função essencial do empreendedor de contribuir com o desenvolvimento da
sociedade, tanto na geração de novos negócios, como na própria ação de desenvolvê-los.
Neste artigo, as ações empreendedoras estão associadas às competências, por
representarem o senso de identificação de oportunidades, a capacidade de relacionamento em
rede, as habilidades conceituais, a capacidade de gestão, a facilidade de leitura, o posicionamento
em cenários conjunturais e o comprometimento com interesses individuais e da organização.
Observa-se uma presença forte de empreendedores na atividade turística, pois na busca de
oportunidade e de mercados promissores, aproveitam o crescimento do setor para investir e
conseqüentemente, lucrar.
Os empreendedores portugueses têm se destacado pelo investimento na rede hoteleira
cearense. São motivos relevantes para o investimento português no Ceará:
1. A reduzida distância geográfica com Portugal, se comparada com outros estados
brasileiros;
2. A excelente opção turística que o Ceará representa, acrescentando-se a isso a
existência de uma identidade cultural entre portugueses e cearenses.
Dessa forma, este estudo tem como principal objetivo delinear o perfil de competências de
empreendedores portugueses e cearenses que investiram em negócios turísticos no Ceará, além
disso, comparar o perfil de competências entre portugueses e cearenses que investiram em
negócios turísticos no Ceará.
Além dos portugueses, os investidores brasileiros também se aventuram na criação de
negócios turísticos, porém ao contrário dos portugueses, a motivação dos brasileiros em abrir um
negócio está mais relacionada à necessidade que à oportunidade, sendo esta apenas uma das
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diferenças que existem entre esses empreendedores. Assim, esta pesquisa pretende, Por meio de
um estudo comparativo, responder a seguinte questão: como se caracteriza o perfil de
competências dos empreendedores portugueses e cearenses que investem em hotelaria no Ceará?
Dessa forma, este estudo tem como principal objetivo delinear o perfil de competências de
empreendedores portugueses e cearenses que investem em negócios turísticos no Ceará,
comparando-os para constatar as diferenças em cada perfil.
A pesquisa se caracteriza como de natureza qualitativa e comparativa com delineamento
exploratório-descritivo, segundo o método do Estudo de Multicaso. O instrumento utilizado para
a coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada, sendo esta aplicada no mês de abril com os
empreendedores dos Hotéis Vila Galé e Hotel Praia Centro localizados em Fortaleza.
O artigo inicia apresentando um breve histórico sobre o empreendedorismo, passando a
explicar mais detalhadamente os seus conceitos relacionados a perfil e comportamento
empreendedor. Posteriormente, é apresentado o conceito de competência e, principalmente, o que
são competências empreendedoras, relacionado-as com as ações ou práticas empreendedoras.
Após a apresentação da Metodologia, estão os resultados de um estudo comparativo entre o perfil
de competências empreendedoras dos gestores de dois hotéis localizados no Ceará, sendo um de
administração portuguesa e o outro cearense, concluindo-se o artigo com sugestões sobre novos
temas de pesquisa.

1. Empreendedorismo: escola comportamental


Para Dollabela (1999) o termo empreendedorismo vem do vocábulo de origem francesa
Entrepreneur que significa empreendedor. Foi utilizado primeiramente no século XII, para
aqueles que estimulavam a briga. No século XVI, esse conceito era aplicado aos indivíduos
responsáveis pela coordenação de ações militares.
No século XX, o tema empreendedorismo passou a ser estudado por várias áreas do
conhecimento: administração, sociologia, psicologia, economia, entre outras. Como conseqüência
dos estudos dessas áreas do conhecimento surgem novas correntes: a comportamentalista e a
social. Para a presente pesquisa, a corrente de maior interesse é a comportamentalista, onde as
características do empreendedor estão ligadas ao seu comportamento. Filion (1991) associa a
criatividade, persistência, controle e liderança como fundamentais desta corrente.
Já na corrente social, tem-se Weber (1967) como importante contribuidor, associando a
religião, experiências, história de vida, entre outros aspectos sociais na composição das
características do empreendedor.
O termo empreendedorismo contém uma gama de conceitos. Entre esses, o conceito dado
por Carton, Hofer e Meeks (1998) apresenta de forma sucinta a definição de empreendedor como
um indivíduo que identifica oportunidade e responde pelo desempenho administrativo. O
empreendedorismo representa o meio pelo qual são formadas empresas novas, criando riquezas
através do trabalho do empreendedor.
Drucker (1987) afirma que o verdadeiro empreendedor é aquele que explora a mudança
como uma oportunidade de negócio ou serviço diferente. Na concepção deste autor a principal
característica é a inovação.

1.1 Características comportamentais empreendedoras


Dentre as definições de empreendedorismo encontradas na literatura, a que mais interessa
para esta pesquisa é a definida por McClelland (1962), pois se encaixa aos objetivos desse estudo.
Este autor aponta que os empreendedores dispõem de muita motivação, e suas características
fundamentais são: traçar objetivos e buscar alcançá-los, analisar os fatores de risco dos negócios
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e verificar o êxito de sua performance. Mais tarde, McClelland (1987) implementou em seu
conceito a persistência e a inovação como características importantes ao empreendedor. Segue o
Quadro 1 com as características do comportamento empreendedor.

CCE: Busca de oportunidades e iniciativa - Comportamentos manifestados:


ƒ Faz as coisas antes de solicitado, ou antes de ser forçado pelas circunstâncias;
ƒ Age para expandir o negócio a novas áreas, produtos ou serviços;
ƒ Aproveita oportunidades fora do comum para começar um negócio, obter financiamentos, equipamentos,
terrenos, local de trabalho ou assistência.
CCE: Exigência de qualidade e eficiência - Comportamentos manifestados:
ƒ Encontra maneiras de fazer as coisas melhor, mais rápido ou mais barato;
ƒ Age de maneira a fazer coisas que satisfazem ou excedem padrões de excelência;
ƒ Desenvolve ou utiliza procedimentos para assegurar que o trabalho seja terminado a tempo ou que o
trabalho atenda a padrões de qualidade previamente combinados.
CCE: Persistência - Comportamentos manifestados:
ƒ Age diante de um obstáculo significativo;
ƒ Age repetidamente ou muda de estratégia, a fim de enfrentar um desafio ou superar um obstáculo;
ƒ Faz um sacrifício pessoal ou desenvolve um esforço extraordinário para completar uma tarefa.
CCE: Independência e autoconfiança - Comportamentos manifestados:
ƒ Busca autonomia em relação a normas e controles de outros;
ƒ Mantém seu ponto de vista mesmo diante da oposição ou de resultados inicialmente desanimadores;
ƒ Expressa confiança na sua própria capacidade de completar uma tarefa difícil ou de enfrentar um desafio.
CCE: Correr riscos calculados - Comportamentos manifestados:
ƒ Avalia alternativas e calcula riscos deliberadamente;
ƒ Age para reduzir os riscos ou controlar os resultados;
ƒ Coloca-se em situações que implicam desafios ou riscos moderados.
CCE: Busca de informações - Comportamentos manifestados:
ƒ Dedica-se pessoalmente a obter informações de clientes, fornecedores e concorrentes;
ƒ Investiga pessoalmente como fabricar um produto ou fornecer um serviço;
ƒ Consulta especialistas para obter assessoria técnica ou comercial.
CCE:Estabelecimento de metas - Comportamentos manifestados:
ƒ Estabelece metas e objetivos que são desafiantes e que têm significado pessoal;
ƒ Define metas de longo prazo, claras e específicas;
ƒ Estabelece objetivos mensuráveis e de curto prazo.
CCE: Planejamento e monitoramento sistemáticos - Comportamentos manifestados:
ƒ Planeja dividindo tarefas de grande porte em subtarefas com prazos definidos;
ƒ Constantemente revisa seus planos, levando em conta os resultados obtidos e mudanças circunstanciais;
ƒ Mantém registros financeiros e utiliza-os para tomar decisões.
CCE: Comprometimento - Comportamentos manifestados:
ƒ Assume responsabilidade pessoal pelo desempenho necessário ao atingimento de metas e objetivos;
ƒ Colabora com os empregados ou se coloca no lugar deles, se necessário, para terminar um trabalho;
ƒ Esmera-se em manter os clientes satisfeitos e coloca em primeiro lugar a boa vontade a longo prazo, acima
do lucro a curto prazo.
CCE: Persuasão e redes de contato - Comportamentos manifestados:
ƒ Utiliza estratégias deliberadas para influenciar ou persuadir os outros;
ƒ Utiliza pessoas-chave como agentes para atingir seus próprios objetivos;
ƒ Age para desenvolver e manter relações comerciais.
Quadro1. Características do Comportamento Empreendedor. Fonte: McClelland (1987).

1.2 Diferenças no empreendedorismo brasileiro e português


Os dados estatísticos retirados da Global Entrepreneurship Monitor – GEM (2002)
possibilitam obter um retrato da situação empreendedora do Brasil e de Portugal. Entre os
resultados da GEM destaca-se que o Brasil é um dos países que mais empreende. Em 2000 ficou
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na primeira colocação, caindo para a quinta, em 2001, para a sétima em 2002 e subindo um para
o sexto em 2003. Já Portugal encontra-se no vigésimo primeiro lugar e entre os paises europeus, é
considerado melhor que a Alemanha e pior que a França.
Outra novidade é a melhoria no ranking de abertura de negócios pela percepção de
oportunidade. Em 2002, o Brasil havia ficado em primeiro lugar em empreendedorismo por
necessidade com um percentual de 56% e a percepção de oportunidade era de 43%. Em 2003
houve uma pequena melhoria passando de 43% para 53% (empreendedores por oportunidade) e
de 56% para 43%(empreendedores por necessidade). Apesar disso, percebe-se a fragilidade das
empresas brasileiras, porque administradores abrem negócios pela falta de emprego e não por
aproveitarem a oportunidade de mercado. Com relação a Portugal o país encontra-se no meio do
ranking dos paises europeus que mais empreende por oportunidade. Observa-se uma visão
estratégica do português em explorar necessidades latentes no mercado.
Nos países desenvolvidos, a taxa de empreendedores por necessidade é bastante baixa.
Em Portugal a taxa é de 1,5%. O Brasil apresenta uma taxa de empreendedorismo por
oportunidade de aproximadamente 6%.
Estas diferenças significativas são explicadas pela GEM, como uma dificuldade
característica dos países em desenvolvimento, onde a necessidade de inserção no mercado de
trabalho aumenta a busca por alternativas.
Outra diferença marcante é com relação à faixa etária. Em Portugal, os empreendedores
possuem uma faixa etária entre 35-64 anos. São profissionais com experiência e maduros para
abrir seus próprios negócios. No Brasil, os empreendedores são mais jovens com idade entre 18-
34 anos e se caracterizam pela falta de visão de mercado.
Verifica-se, através destes dados estatísticos da Global Entrepreneurship Monitor, o
despreparo de empreendedores brasileiros no gerenciamento de seus negócios. Já os
empreendedores portugueses possuem visão acurada das oportunidades de mercado, tornando-os
mais estratégicos.

2. Competências empreendedoras
O conceito de competência é pensado como um conjunto de conhecimentos, habilidades e
atitudes, acreditando-se que os melhores desempenhos estão fundamentados na inteligência e
personalidade das pessoas. Em outras palavras, a competência é percebida como estoque de
recursos que o indivíduo detém. Embora o foco de análise seja o indivíduo, a maioria dos autores
americanos sinaliza a importância de se alinharem as competências às necessidades estabelecidas
pelos cargos, ou posições existentes nas organizações, ou seja, tanto na literatura acadêmica,
como nos textos que fundamentam a prática administrativa, a referência que baliza o conceito de
competência é a tarefa ou o conjunto de tarefas pertinentes a um cargo. A competência
empreendedora pode ser tratada tanto como competência do indivíduo quanto relacionada à
prática administrativa, devido às diferentes tarefas que desempenha.
A competência, segundo McClelland (1962) é uma característica subjacente a uma pessoa
que é casualmente relacionada com desempenho superior na realização de uma tarefa ou em
determinada situação. Diferencia-se, assim, competência de aptidões: talento natural da pessoa,
qual pode vir a ser aprimorado, habilidades, demonstração de um talento particular na prática e
conhecimentos: o que as pessoas precisam saber para desempenhar uma tarefa.
Assumindo que as competências podem ser demonstradas por comportamentos
observáveis de uma pessoa, o foco desse estudo está no processo comportamental que conduz à
competência, em vez de focar nas entradas e conseqüências da competência. Dessa forma, através
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do estudo comparativo, serão analisadas as semelhanças e diferenças entre o comportamento dos


empreendedores brasileiros e portugueses que investem na rede hoteleira cearense.

2.1 Modelos de competências empreendedoras


Existem competências associadas a posturas empreendedoras que auxiliam na compreensão de
atributos geradores de respostas de valor na interação com grupos internos e externos à
organização. Elas se vinculam ao senso de identificação de oportunidades, à capacidade de
relacionamento em rede, às habilidades conceituais, à capacidade de gestão, à facilidade de
leitura, ao posicionamento em cenários conjunturais e ao comprometimento com interesses
individuais e da organização. Esses elementos são básicos no desenvolvimento de artefatos
representativos como expressão de crescimento pessoal e profissional do dirigente de êxito
socialmente reconhecido (Man e Lau, 2000). Competência pode ser concebida como uma
característica que engloba diferentes traços de personalidade, habilidades e conhecimento,
influenciados pela experiência, capacitação, educação, história familiar e aspectos demográficos
peculiares à pessoa (Man e Lau, 2000).
Uma competência empreendedora pode ser considerada como um tipo de característica
superior que destaca os indivíduos denominados competentes, através dos diferentes traços de
personalidade, habilidades e conhecimentos. Além disso, estes traços são influenciados pela
experiência de cada um, o grau de instrução, a educação, a base familiar do empreendedor e por
outras variáveis demográficas.
Em meio a outros fatores internos e externos que afetam o desempenho da empresa, cabe
destacar o dirigente de perfil empreendedor como ser que vincula a competitividade empresarial
com a abordagem da competência no estrato da ação humana. São apresentadas no Quadro 2 as
seis áreas de competências empreendedoras propostas por Man e Lau (2000):

Áreas de competências Foco comportamental


Competências de oportunidade Relacionadas à identificação de oportunidade de mercado
através de vários meios.
Competências de relacionamento Relacionada com as interações entre pessoas e entre pessoas e
grupos.
Competências conceituais Relacionadas a diferentes habilidade conceituais que se
refletem nos comportamentos do empreendedor.
Competências de organização Relacionadas com a organização de diferentes recursos
humanos, físicos, financeiros e tecnológicos, internos e
externos.
Competências estratégica Relacionadas com a definição, avaliação e implementação das
estratégias da empresa.
Competências de compromisso Competências que instigam o empreendedor a seguir em frente
com o negócio.
Quadro 2. Relação áreas de competências e o foco comportamental. Fonte: Man e Lau (2000).

2.1.1 Competências de oportunidade


O reconhecimento de oportunidades de negócio pode ser dividido em três conglomerados:
identificação, avaliação e busca de oportunidade de mercado. Tais aglomerados sugerem que um
empreendedor deve estar apto a identificar os cenários favoráveis aos objetivos organizacionais e
atuar sobre as potenciais chances de negócios por meio da sua avaliação, de modo a transformá-
las em situações positivas.
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2.1.2 Competências de relacionamento


A atração de novos recursos demanda do empreendedor a capacidade de criação e fortalecimento
de uma imagem de confiança, uma boa reputação, capacidades no setor, compromisso e conduta
junto a redes de relacionamentos com parceiros efetivos e potenciais.
2.1.3 Competências conceituais
Ao ponderar que os empreendedores são hábeis observadores tanto das oportunidades do
ambiente externo quanto dos aspectos internos da organização, cabe reconhecer que eles driblam
etapas normais do processo decisório e desenvolvem ações velozes e intuitivas (Man e Lau,
2000). Paralelamente, são capazes de perceber situações por ângulos diferentes ou de forma
positiva, de modo a encontrar alternativas para a mesma questão: quando as outras pessoas estão
vendo o mercado saturado, esses indivíduos podem descobrir nichos para penetrar nesse mercado
e se adaptar a novas situações, não apenas relacionado a novos produtos e tecnologias, como
também à reformulação dos produtos e serviços já existentes ou à entrada em outros mercados.

2.1.4 Competências de organização


A competência administrativa ou de organização se refere à eficiente alocação de talentos,
recursos físicos, financeiros e tecnológicos. Esse processo se desdobra em mecanismos de
planejamento, organização, comando, motivação, delegação e controle (Man e Lau, 2000).

2.1.5 Competências estratégicas


As competências relacionadas à escolha e implementação das estratégias da empresa constituem
uma área especial de comportamento empreendedor. Os empreendedores eficazes tanto
visualizam panoramas de longo prazo como também planejam objetivos e posicionamentos de
médio prazo alcançáveis e realistas. Eles devem estar aptos a perceber tendências emergentes no
ambiente, sintonizar-se com informações diversas e conseguir ajustar suas percepções na direção
das forças ambientais.

2.1.6 Competências de comprometimento


As competências de comprometimento são as que demandam a habilidade de manter a dedicação
do dirigente ao negócio, sobretudo em situações adversas. Tal compromisso pode também ser
ilustrado pela devoção ao trabalho árduo e pelo desejo de alcançar objetivos de longo prazo em
detrimento dos ganhos de curto prazo. Ao lado disso, deve haver a capacidade de recomeçar a
atividade empresarial, mesmo após situações de insucesso, ou a disposição de não abandonar o
negócio no seu período de crescimento mesmo quando da ocorrência de crises setoriais (Man e
Lau, 2000).
As competências empreendedoras propostas por Man e Lau (2000) classificadas nas seis
áreas de competências, representando seis características do comportamento empreendedor, e
definidas por Zarifian (1999) servirão como referencial para o estudo comparativo dessa
pesquisa.

3. Metodologia da pesquisa
Desenvolveu-se uma pesquisa de natureza qualitativa e comparativa segundo o método do
Estudo de Multicaso. O levantamento dos dados compreendeu as seguintes etapas: pesquisa
bibliográfica, levantamento dos hotéis que comporiam o objeto de estudo, realização de
entrevistas semi-estruturadas e finalmente o estudo comparativo entre o perfil de competências
empreendedoras dos gestores do hotel português e do hotel cearense.
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Utilizou-se a pesquisa bibliográfica para o levantamento de informações teóricas sobre


empreendedorismo, comportamento empreendedor e competências empreendedoras contidas em
livros, artigos publicados em revistas, encontros acadêmicos, revistas especializadas, dissertações
e sites da Internet e assim elaborar-se referencial teórico para nortear a pesquisa.
O levantamento dos hotéis portugueses estabelecidos no Ceará foi realizado com base no
banco de dados da Câmara Brasil Portugal situada em Fortaleza. Este levantamento se fez
necessário, pois como se trata de um estudo comparativo, é fundamental que os hotéis em questão
tenham praticamente as mesmas características, como estrutura, qualidade de serviços, dentre
outros, diferenciando-se apenas pelas formas de gestão, sendo uma de origem portuguesa e outra
cearense. Segundo Gil (1999), o método comparativo procede pela investigação de indivíduos,
classes, fenômenos ou fatos, com vista a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles.
A entrevista semi-estruturada baseada na História de Vida foi realizada com o
empreendedor do Hotel Vila Galé que possui administração portuguesa e o empreendedor do
Hotel Praia Centro, cuja administração é cearense e tem características bem parecidas ao hotel
Vila Galé. Para Haguette (1999) a técnica da história de vida serve como referência para avaliar
conceitos e teorias que tratam do mesmo problema cujo propósito é fornecer uma riqueza de
detalhes sobre um “processo em movimento” possibilitando uma compreensão íntima da vida dos
autores. Essa forma de coleta de dados permitiu descrever:
1. O negócio português e cearense;
2. O processo de desenvolvimento do negócio, desde o início e suas ações ou
comportamentos (práticas) ao longo das diferentes áreas funcionais;
3. Prover informações pessoais sobre os empreendedores como – idade, escolaridade,
ocupação prévia, observando os motivos que o levaram a empreender;
4. Prover informações empresariais como – ano de início, estrutura, número de
empregados para referência e comparação.
Posteriormente a esse momento descritivo do empreendimento, a entrevista deteve-se a
analisar que características, conhecimentos, habilidades ou atitudes os empreendedores português
e cearense vêem como necessárias para ser bem sucedido na posição que eles ocupam e verificar
até que ponto suas competências pessoais estão relacionadas ao desempenho de suas empresas.
O estudo comparativo entre o perfil de competências empreendedoras dos gestores dos
hotéis português e cearense baseou-se nas competências empreendedoras propostas por Man e
Lau (2000) as quais estão classificadas em seis áreas de competência, representando seis áreas
características dos comportamentos empreendedores que são: competências de oportunidade,
competências de relacionamento, competências conceituais, competências de organização,
competências estratégicas e competências de compromisso.
Para complementar o estudo, utilizou-se o estudo das características de comportamento
empreendedor propostas por McClelland (1987) as quais são: busca de oportunidades e
iniciativa, exigência de qualidade e eficiência, persistência, independência e autoconfiança, correr
riscos calculados, busca de informações, estabelecimento de metas, planejamento e
monitoramento sistemáticos, comprometimento, persuasão e redes de contato.
A análise dos resultados foi realizada buscando-se perceber as características de
comportamento empreendedor relacionadas às competências empreendedoras a partir de trechos
das narrativas de História de Vida dos empreendedores do Hotel Vila Galé e do Hotel Praia
Centro. Os aspectos analisados estão apresentados no Quadro 3 a seguir:
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MAN e LAU McCLELLAND


Área de Foco Comportamental Características Comportamentais
Competência Empreendedoras
Competências de Relacionadas à identificação de oportunidades de Busca de oportunidades e iniciativa.
oportunidade mercado através de vários meios.
Competências de Relacionadas com interações entre pessoas e grupos. -
relacionamento
Competências Relacionadas a diferentes habilidades conceituais que Busca de informações. Correr riscos
conceituais se refletem nos comportamentos do empreendedor. calculados.

Competências de Relacionadas com a organização de diferentes Exigência de qualidade e eficiência


organização recursos humanos, físicos, financeiros e tecnológicos, Independência e autoconfiança
internos e externos.
Competências Relacionadas com a definição, avaliação e Estabelecimento de metas
estratégicas implementação das estratégias da empresa. planejamento e monitoramento
sistemático.
Competências de Competências que instigam o empreendedor a seguir Persistência e Comprometimento
compromisso em frente com o negócio.
Quadro 3. Modelo de competências. Fonte: Elaborado pelos autores da pesquisa

4. Análise dos Resultados - Perfil de Competências Empreendedoras


Neste tópico serão apresentados trechos das narrativas dos empreendedores do Hotel Praia
Centro e do Hotel Vila Galé. Em seguida, expõe-se a análise final das narrativas baseadas nas
características de comportamento empreendedor para se chegar ao perfil de competências
empreendedoras, utilizando-se para isso, dos conceitos apresentados por Man e Lau (2000) e
McClelland (1987).

4.1 Empreendedor Cearense – Hotel Praia Centro


O Hotel Praia Centro foi inaugurando em 1986 pela família M. Dias Branco, que estava
disposta a investir em turismo no estado por demonstrar ser um mercado promissor. O prédio
tinha instalações de fábrica, por isso foi amplamente reformado para atender de forma satisfatória
seu público. Pensando na qualidade de seus serviços, o hotel, recentemente, reformou sua
recepção e aos poucos seus apartamentos estão sendo redecorados. Como conseqüência, foi
agraciado pelo selo de qualidade internacional ISO 14000. A empresa conta com uma equipe de
trabalho formada por 95 funcionários.
O entrevistado foi o Gerente Geral. O empreendedor tem 52 anos de idade, é graduado em
Ciências Contábeis, possui 18 anos de experiência na área de hotelaria, porém exercidas no
mesmo hotel.

Competências de oportunidade
A família M. Dias Branco tinha uma fábrica de margarina localizada na Monsenhor
Tabosa. Com o deslocamento da fábrica para outra localidade, o prédio, do qual
pertencia, ficou desocupado. (...) Surgiu duas idéias: a de um hospital e a outra de hotel.
Analisando o mercado constatou-se a carência de grande hotéis e de qualidade para
atender os visitantes. Além disso, o turismo na época parecia ser um marcado latente,
uma excelente oportunidade de investimento. (...) Portanto, o resultado foi a reforma da
fábrica que foi transformada em um hotel quatro estrelas.

A identificação, avaliação e busca de oportunidade de mercado surgiu a partir de um


prédio que a empresa dispunha e que ficou desocupado, mostrando-se uma boa oportunidade para
a criação de um novo negócio. Através de análise de mercado o empreendedor identificou os
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cenários favoráveis aos objetivos organizacionais e atuou sobre as potenciais chances de negócios
por meio da sua avaliação de modo a transformá-las em situações positivas. Como havia uma
lacuna não preenchida nos serviços de hotelaria no Ceará e o turismo mostrava-se como uma
ótima oportunidade, o prédio foi reformado e assim surgiu o Hotel Praia Centro.

Competências de relacionamento
O hotel recebeu o certificado de qualidade internacional, que veio reconhecer o padrão, a
excelência da qualidade de nossos serviços. Devido a essa certificação, os responsáveis
por cada setor tem, obrigatoriamente, uma reunião mensal para discutir seu problemas
administrativos. (...) Os colaboradores tem a liberdade de expor sua opinião, respeitamos
todas as sugestões para melhorar nossos serviços. Aqui não chamamos de funcionários e
sim colaboradores, pois trabalham em prol do sucesso da empresa. (...) O hotel deve
funcionar 100% perfeito, não contendo falhas e para isso precisamos da ajuda de todos,
um trabalho em conjunto, uma sinergia.

A criação e fortalecimento de uma imagem de confiança entre funcionários e gestores, se


dá através da importância que a opinião dos colaboradores tem para a administração do
empreendimento, pois estes também lidam diariamente com os problemas da empresa. Já entre o
hotel e os clientes, a confiança se fortalece através do bom serviço prestado e pelo
reconhecimento da excelência da qualidade dos serviços com o certificado de qualidade
internacional, dando ao hotel uma boa reputação e, melhorando assim, o compromisso dos
colaboradores com a empresa que se sentem responsáveis pelo seu crescimento.

Competências conceituais
Costumo dizer sempre que no mercado turístico 50% depende do tino empresarial e 50%
as relações com agências, operadoras, guias.(...) Quando o gerente sai o hotel leva
consigo a maioria dos hóspedes. Isso porque as operadoras e agências geralmente
fecham negócio com o gerente, o qual contém uma certa amizade e de certa forma trocas
de favores.(...) Agora, procuro me atualizar, reciclar para melhorar meu desempenho
como gestor desse hotel, principalmente, por que o turismo é uma atividade muito
dinâmica e devo seguir seus passos.(...) Quanto mais aprendo mais vontade tenho de
aprender.
O hotel Praia Centro procura sempre inovar, até mesmo, porque não é mais um hotel a
sensação, como já foi anos após a inauguração com seu piano bar e happy hour. Tendo
esse lado negativo procuramos inovar e mostra a aquele hóspede fiel que sua estada terá
algo novo proporcionado pelo hotel. (...) Como exemplos de inovação temos a reforma
da recepção, a redecoração de quartos e o salão de evento foi transformado em teatro,
onde acontece shows de humor.
Recentemente assumi um risco alto. (...) Fiz um acordo com a agência de viagem BRA.
Para a transação acontecer tive que cancelar com a CVC, operadora que trabalhava
desde o início da hotel. (...) Como era mais vantajoso fechar negócio com a BRA, não
podendo trabalhar com as duas, optei por aquela que me proporcionaria mais lucro.

Existe o interesse em busca de conhecimentos continuamente. Além disso, percebe-se a


adaptação a novas situações e os riscos calculados através do rompimento de relações entre o
hotel e uma agência que desde o início do hotel trabalhava em parceria, pois dessa forma pôde-se
aumentar os lucros. A reformulação dos produtos e serviços já existentes é apresentada pela
reforma na recepção, redecoração dos quartos e criação de teatro, para proporcionar show de
humor aos hóspedes.
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Competências de organização
Todos os funcionários são antigos, os mais novos tem no mínimo cinco anos de
empresa.(...) Procuramos qualificar esse funcionários para oferecer sempre bons serviços
aos nossos hóspedes.(...) O serviço é um bem intangível, vendemos sonhos, expectativas,
por causa disso investimos em treinamento.(...) O treinamento também é bastante
exigido pelo certificado de qualidade ISO 14000.
Como foi dito o hotel vem passando por reformas na sua estrutura física. Mudamos os
três elevadores do hotel por outros mais eficientes e econômicos. É a velha relação
custo-benefício, gasto hoje para um benefício futuro.
O hotel tenta implantar as inovações tecnológicas.(...) Estamos estudando a possibilidade
de mudar o sistema de reserva por um mais moderno, porém não é nada para agora.
O hotel tem um grande ponto a seu favor, a família M. Dias Branco, que custeia a
maioria de nossas reformas.(...) Passamos, hoje, por dificuldades, mas qual hotel não
vem passando, devido a saturação dos meios de hospedagem no estado. A demanda, na
minha opinião, não cresceu na mesma proporção da rede hoteleira. Hoje, muitos hotéis
estão fechando, pois a briga de preços é intensa entre a concorrência assustadora deste
setor (...).

A alocação de talentos é reforçada pelo treinamento contínuo dado aos funcionários, os


quais permanecem por muito tempo na empresa. Há uma preocupação em melhorar a estrutura do
hotel para reduzir os custos com produtos e equipamentos antigos por outros mais eficientes e
para isso, conta com recursos da Holding. A empresa tem outros planos para melhorar os
serviços, mas para isso, está se organizando para implementação da mudança. Apesar da crise
que o setor enfrenta, a equipe de trabalho se mantém sempre motivada, para assim, continuar
oferecendo serviços de qualidade.

Competências estratégicas
Como disse, a hotelaria vem passando por dificuldades nos últimos anos.(...) Quando a
Anya Ribeiro, secretária de turismo na época, foi para o exterior na tentativa de divulgar
o turismo, para captar turistas. Desde então, empresários investem no setor na tentativa
de lucrar. As conseqüências não poderiam ser outra, a saturação de hotéis na cidade. (...)
A situação da hotelaria está muito complicada. Quando me perguntou quais os planos
futuros da empresa. Eu lhe digo que a meta de 2004 é passar o ano sem dever. Pelo
menos isso pretendo conseguir.
Claro, a pareceria é muito bem vista para mim. Em especial, com os portugueses, que
são grandes investidores no setor turístico.(...) Acabamos de fazer parcerias com o Hotel
Vila Galé, procuramos também a companhia aérea portuguesa - TAP -, mas foi difícil a
negociação. Estamos tentando também formar parcerias com o Resort de Camocim e o
Oásis Praia das Fontes.

O planejamento e monitoramento sistemáticos é demonstrado pela percepção na mudança


de cenário no ramo da hotelaria no Ceará. Percebe-se que, atualmente, há maior demanda do que
oferta devido aos grandes investimentos no setor depois da divulgação do turismo no exterior. O
estabelecimento das metas está em conseguir terminar o ano sem dívidas em aberto. O
empreendedor está buscando formar parcerias para fortalecer o negócio.

Competências de compromisso
Me sinto bem, quando o hotel anda bem. Me satisfaço profissionalmente em ver a
empresa prosperar.(...) Tento motivar meus colaboradores para que eles se
comprometam em desempenhar melhor suas tarefas.(...) A melhor prova da motivação.
dos meus funcionários é a baixa rotatividade entre eles. (...) Tento dar o melhor de mim.
11

Me preocupo em ver a empresa com uma baixa taxa de ocupação e passo noites
acordado pensando em como resolver essa situação.

O dirigente do negócio se mantém dedicado à empresa, sobretudo em situações adversas.


Tal compromisso é ilustrado pela devoção ao trabalho árduo e pela motivação dos funcionários
que também se comprometem em desempenhar melhor suas tarefas. Nos momentos de
dificuldade, existe a preocupação em resolver os problemas, não se esquecendo nem na hora de
dormir, ou seja, há a necessidade de superar as crises.

4.2 Empreendedor Português – Hotel Vila Galé


O Hotel Vila Galé iniciou suas atividades em Fortaleza em outubro de 2001, após reforma
do prédio que foi comprado em agosto de 2000, para melhorar estrutura e proporcionar maior
qualidade e conforto aos hóspedes. O Hotel conta atualmente com 300 apartamentos e é
certificado oficialmente pela Embratur. A empresa conta com uma equipe de trabalho formada
por 175 funcionários.
O empreendedor entrevistado exerce a função de Gerente Geral do Hotel. O
empreendedor tem 44 anos de idade, é graduado em Administração Hoteleira, teve experiências
profissionais sempre relacionadas à Hotelaria e iniciou suas atividades no Hotel Vila Galé em
1995.

Competências de oportunidade
O Vila Galé queria desenvolver o seu negócio em Portugal, já tinha 14 hotéis (...), então
era um mercado que já não estava com muitas possibilidades de crescimento interno,
então o crescimento deveria passar para o lado externo. E daí após várias, muitas
análises de mercado, o Brasil figurava como um mercado preferencial e ademais pela
proximidade, pela língua, por algumas raízes em comum, embora muito poucas. (...)após
alguma procura apareceu-nos visitar vários estados do nordeste, com a nossa expressão
essencialmente turística, o nosso grupo é uma situação ainda muito voltada para o
turismo, apareceu-nos uma oportunidade aqui na Praia do Futuro que, quanto a nós,
consideramos a melhor praia do Ceará. Apareceu-nos essa oportunidade de um prédio já
feito (...).

Alinhando-se às definições de Man e Lau (2000) e McClelland (1987) em relação à busca


de oportunidades e iniciativa, o empreendedor do Hotel Vila Galé percebeu como oportunidade
de crescimento a necessidade de expansão no mercado internacional. Para isso, realizou muitas
análises de mercado para buscar semelhanças e diferenças entre as culturas de ambos os países
até se chegar ao Ceará e à decisão de investir na hotelaria na Praia do Futuro.

Competências de relacionamento
A atitude das pessoas para com o patrão, é uma atitude estranha. Isso com parte dos
nossos funcionários. Não estavam habituados com a maneira como a gente os trata aqui.
É um sistema de co-participação, um sistema de valorização do ser humano, é um
sistema de fazer as coisas, falar as coisas olhos nos olhos, chamar as pessoas pelo nome,
um sistema de portas abertas no escritório. Continuam a encarar o patrão muito como a
alma a destruir, que é rico e que tem dinheiro, então vamos roubar.(...) E então pra mim
isso é um grande sucesso pessoal e da empresa, no sentido que já há pessoas a encarar a
empresa de outro jeito, já há pessoas a encarar o patrão de outra maneira e já há pessoas
que vestem a camiseta da empresa.
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O empreendedor português busca a criação e fortalecimento de uma imagem de


confiança, de boa reputação e conduta junto a redes de relacionamentos com parceiros internos e
externos. Existe a preocupação em ter um bom relacionamento com os colaboradores, onde há a
valorização do ser humano e um sistema de co-participação.

Competências conceituais
Olha, só o fato da gente comprar esse projeto pela primeira vez responde a essa
pergunta. É um risco, é um risco financeiro. E a vontade de aprender é evidente.
Tivemos que aprender tudo de novo aqui, nós (...), a cultura, tudo é diferente na Europa
do que tem aqui. Tanto aí está a vontade de aprender coisas novas e a vontade de
desenvolver coisas novas e de adaptar aqui. Portanto, só a Vila Galé ter vindo aqui para
o Ceará responde completamente a esta pergunta. Tudo isso foi uma vontade (...) da
empresa, foi uma vontade de aprender coisas novas, foi uma vontade de evoluir, porque
a empresa evolui quando aprende coisas novas, né? A gente considera que os novos
resultados não serão brilhantes, porque é uma aprendizagem nova para a empresa estar a
fazer um processo de internacionalização.

Quanto à tendência a correr riscos calculados, o empreendedor português demonstra que


para se correr riscos é necessário a busca de informações, a vontade de aprender coisas novas,
mesmo que para isso tenha que se aprender tudo novamente, justificando que quando a empresa
aprende coisas novas, esta evolui. Ou seja, o empreendedor foi capaz de perceber uma situação
de risco como uma oportunidade e confiou nisso, preparando-se através da aprendizagem.

Competências de organização
Os recursos físicos, a estrutura, é evidente, nós acreditamos como em qualquer empresa,
que o sucesso da empresa passa pela sua instalação e depois pela sua manutenção, e
sobretudo num hotel, se você não mantiver, não cuidar das coisas, diariamente, sem
graves problemas, lhe vão custar muito mais caro a frente. Nós sempre fomos
apologistas de uma melhoria constante, de uma manutenção preventiva eficaz, (...),
existem muitos custos e nós temos que usar recursos financeiros para isso.
Nós hoje, diferentemente do movimento nordestino, temos conseguido nos manter sem
recursos de empréstimo, só com recursos próprios, temos gerado algum dinheiro e temos
conseguido manter o hotel em boas condições de funcionamento, fazendo tudo funcionar
hoje em dia sem recursos externos desde que a gente abriu. Ninguém acredita aqui em
Fortaleza que a gente faz isso, e perguntam sempre se a gente traz dinheiro de fora, e eu
desde que abriu o hotel não foi preciso trazer dinheiro de fora.

A alocação de recursos físicos e financeiros é feita, pelo empreendedor português, com a


utilização de recursos próprios. Para isso, o empreendedor demonstra a necessidade de se
elaborar um planejamento e segui-lo, além de ter controle no momento de despender os recursos
financeiros para que não haja exageros ou desperdício. Quanto à manutenção da estrutura é
ressaltada a importância da prevenção e do cuidado constante para se evitar grandes custos com
reparos. Dessa forma, com independência financeira e autoconfiança, o empreendedor consegue
atingir bons níveis de qualidade e eficiência.

Competências estratégicas
É evidente o negócio em Portugal estava precisando de mercado e essa especialidade no
Ceará na época se falava de 1999 para 2000, as especialidades do Ceará e do Brasil
como um todo eram praticamente positivas não se previu uma oferta tão grande com o
aumento dos flats em Fortaleza, nem o abandono completo da cidade, nem os problemas
que depois houve no Brasil, tanto em federais como em termos estaduais. (...) passamos
13

pela crise na Argentina, (...), ou a uma crise internacional no turismo, um 11 de


setembro, etc que abalaram um pouco a estrutura no princípio.
Nós éramos parceiros do projeto Praia Bela com um empreendedor brasileiro, quer dizer,
sempre que possível fazemos sim parcerias. Se a oportunidade for boa, se for bom para
eles, está feito. Surgiu uma parceria com o moinho M. Dias Branco e parceiros
portugueses. (...)Mas se houver essa possibilidade no futuro, de sermos parceiros de um
empreendedor, como por exemplo, o Yvens, que nos apresenta um bom negócio, um
bom negócio para os dois, não há problema nenhum para a empresa.
Aqui no Ceará, nós temos aqui em frente ao hotel um terreno onde está previsto se fazer
eventualmente um hotel de 200 apartamentos, estamos esperando, aliás, já está
licenciado pela prefeitura, mas os projetos para o Ceará param por aí. Temos projetos
sim, na Bahia, quando compramos um hotel que já gerenciávamos desde março do ano
passado, compramos em janeiro, em março do ano passado compramos um terreno de
200.000 m2 para um resort na praia de Guarajuba, a 70 Km norte de Salvador e nós
vamos iniciar agora em junho a construção desse resort e pronto, estamos abertos a
outras expectativas de negócios, como eu lhe disse, talvez não tanto no Ceará, mas
noutros estados do Brasil.

O planejamento e monitoramento sistemáticos são demonstrado pela percepção na


mudança de cenário comparando-se o momento de criação do empreendimento no Ceará com a
atual situação do estado. Percebe-se alguns fatores que não estavam previstos e que frustraram
um pouco as expectativas, mas que puderam ser contornados. Contudo, devido a essas mudanças,
o estabelecimento das metas está um pouco fora do Ceará, buscando oportunidades em outros
estados brasileiros. O empreendedor está buscando tendências emergentes no ambiente,
sintonizar-se com informações diversas e conseguir ajustar suas percepções na direção das forças
ambientais.

Competências de compromisso
A Vila Galé tem uma própria filosofia de trabalho que nós tentamos implantar aqui. Nós
aqui já fizemos, temos nesse momento, somos qualificados com a ISO 9001-2000,
somos qualificados oficialmente pelas empresas turísticas, com comprometimento da
direção, incubidos de os nossos valores, incubidos da base. Temos reuniões periódicas,
(...), temos uma gestão, como eu disse agora a pouco, muito co-participada, muito aberta.
(...) as características essenciais para o empreendedor eu acho que é uma boa formação
tanto pessoal como profissional, ter uma atitude muito aberta perante a vida e perante o
trabalho. Não ter horas. Eu não tenho muitos problemas, nunca tive para viajar, acho que
até isso é produto da profissão, é questão da vida pessoal, da vida e de todo o resto, para
continuar a exercer a minha profissão. Mas, essencialmente é isso, é muita
disponibilidade, muita aprumação, muita vontade de continuamente estar a aprender e
muito espírito de observação.

A persistência e o comprometimento do empreendedor português com o empreendimento


são percebidos através da dedicação do dirigente ao negócio, sobretudo em situações adversas.
Há o compromisso com os colaboradores, com os clientes, com os resultados e com o
crescimento da empresa. Para isso, não há horas de trabalho. Há, no entanto, muita
disponibilidade, dedicação e responsabilidade.
O resultado encontrado neste estudo comparativo é apresentado no Quadro 4, com um
resumo das principais características dos empreendedores entrevistados.
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Área de Empreendedor Cearense Empreendedor Português


competência Hotel Praia Centro Hotel Vila Galé Fortaleza
(MAN e LAU)
Competências de Diversificação do negócio; Expansão do negócio;
oportunidade Estudo do mercado. Estudo do mercado .
Competências de Imagem de confiança entre colaboradores e Imagem de confiança entre colaboradores e
relacionamento gestores; gestores;
Colaboradores são ouvidos mensalmente em Colaboradores são ouvidos a qualquer hora.
reuniões; Política de “portas abertas”;
Melhoria da qualidade para os clientes. Melhoria da qualidade para os clientes.
Competências Aprendizagem contínua; Aprendizagem contínua;
conceituais Adaptação a novas situações; Adaptação a novas situações;
Assumir riscos calculados. Assumir riscos calculados.
Competências de Treinamento contínuo dos colaboradores; Treinamento contínuo dos colaboradores;
organização Melhoria da estrutura física do hotel; Melhoria da estrutura física do hotel;
Utilização de recursos da Holding; Utilização de recursos próprios;
Motivação da equipe mesmo em tempos de Motivação da equipe mesmo em tempos de crise;
crise; Controle de custos com manutenção preventiva.
Controle de custos com modernização dos
equipamentos.
Competências Percepção na mudança de cenário; Percepção na mudança de cenário;
estratégicas Tem como meta terminar o ano corrente sem Tem como meta a expansão do negócio, com
dívidas; novas filiais em outros estados brasileiros;
Não há planejamento claro das metas; Parcerias estabelecidas, mas com disposição a
Desejo de formar parcerias. formar outras.
Competências de Dedicação, sobretudo em situações adversas; Dedicação, sobretudo em situações adversas;
compromisso Compromisso; Compromisso;
Trabalho árduo. Trabalho árduo.
Quadro 4. Comparação entre os empreendedores. Fonte: Elaborado pelos autores.

Conclusão
O propósito deste artigo foi compreender o perfil de competências empreendedoras entre
portugueses e cearenses nos hotéis localizados em Fortaleza. Para alcançar este propósito seguiu-
se o modelo de competências de Man e Lau (2000) que propõem as competências
empreendedoras em seis categorias, comparando-as com as características de comportamento
empreendedor propostas por McClelland (1987). Dentre estas, contatou-se algumas diferenças e
similaridades entre os dois empreendedores.
A visão de oportunidade foi observada pelos dois empreendedores, com relação aos
investimentos em hotelaria no estado do Ceará. Apesar de considerarem o mercado estanque, na
época, através de um estudo, detectaram uma atividade altamente promissora e um mercado
viável para o investimento.
No relacionamento dos dirigentes com seus colaboradores, percebeu-se que o
empreendedor português realiza uma gestão baseada em “portas abertas”, onde transparece sua
vontade de quebrar barreiras relacionais entre o patrão e empregado. Em sua gestão já conseguiu
romper com paradigmas culturais existente em nosso país. O mesmo resultado não foi obtido com
o empreendedor do Hotel Praia Centro, pois o contado com os colaboradores acontece apenas em
reuniões mensais, obrigatórias devido ao certificado internacional de qualidade.
Com relação às competências conceituais os empreendedores demonstraram vontade de
aprender, sendo esta essencial ao processo de desenvolvimento profissional e pessoal.
15

Apresentam elevada capacidade de inovação e facilidade de assumir riscos em meios aos cenários
obscuros e de incerteza do mercado turístico.
As competências estratégicas são um traço marcante no perfil do empreendedor
português, devido a seus planos de ampliação da rede com a construção de Resort, entre outros
empreendimentos. Contudo, esta característica não foi percebida no empreendedor cearense, por
que não existem estratégias claras e definidas. Procurando planejar-se anualmente baseada em
equilíbrio financeiro.
Finalmente, o comprometimento com os objetivos pessoais, dos dois empreendedores,
atua em conjunto com a vida empresarial. Diante disso, não contém diferenças marcantes. Ambos
dedicam-se inteiramente às atividades profissionais, sendo estas prioridades em suas vidas,
devido ao ramo hoteleiro exigir muito compromisso e dedicação, não se pode pensar em horas
fixas de trabalho.
Como descoberta, detectou-se debilidade nas características do perfil do empreendedor
cearense, onde o mesmo não planeja suas atividades, dificultando uma organização dos processos
administrativos da empresa. Outra diferença é a dificuldade no relacionamento com seus
funcionários. Esta é perfeitamente explicável, visto que a cultura brasileira é moldada sobre os
princípios conservadores de uma administração de comportamentos separatistas e não
participativos dos funcionários nos processos administrativos.
Como resultado, desta investigação empírica, espera-se ter contribuído para a
compreensão do perfil de competências empreendedoras dos investidores cearenses e portugueses
na rede hoteleira do Ceará. O resultado encontrado neste estudo comparativo é apresentado no
quadro abaixo, com um resumo das principais características dos empreendedores entrevistados.
Considera-se que este estudo constitui um trabalho introdutório, diferenciando o perfil de
competências empreendedoras entre os portugueses e cearenses na administração de dois hotéis
em Fortaleza. Contudo pode-se sugerir outras possibilidade de pesquisa. Uma delas é aumentar o
número de empreendedores, podendo com isso generalizar os resultados. Outra alternativa,
igualmente promissora, seria estudar o perfil sob uma perspectiva mais econômica. Seria
interessante também dar continuidade à pesquisa comparando-se outros negócios turísticos, como
pousadas, barracas de praia, flats, de proprietários cearenses e portugueses, ou seja, não se
limitando apenas a hotéis.

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