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Antropologia

Material Teórico
O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências Sociais
no Ocidente

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Edson Alencar Silva

Revisão Textual:
Prof. Ms. Claudio Brites
O Desenvolvimento da Antropologia e
das Ciências Sociais no Ocidente

• O Desenvolvimento das Ciências Humanas e Sociais


• A Antropologia como Ciência Social e seus Campos de Atuação
• O Homem como Objeto de Estudo na Antropologia
• Ciências Afins
• A Origem e o Tratamento dos Dados em Antropologia
• O Conceito de Evolução Aplicado à Antropologia
• A Antropologia Rácica e seu Fracasso Explicativo
• Relativismo Cultural

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· O objetivo desta unidade é apresentar os elementos-chave que
nos permitem entender o desenvolvimento da Antropologia e das
Ciências Sociais no Ocidente, tendo como foco a Antropologia. Para
tanto, faremos um resgate do contexto sócio histórico e também
das principais preocupações que fundamentaram as pesquisas
antropológicas. Assim, a ideia é introduzir você educando ao universo
de estudo científico dos grupos humanos e suas peculiaridades.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

O Desenvolvimento das Ciências Humanas


e Sociais
As Ciências Humanas e Sociais distinguem-se das ciências formais e das ciências
da natureza por elegerem o Homem como objeto central de suas investigações. Ou
seja, não é o indivíduo o objeto de estudo primordial das Ciências Naturais ou da
Natureza, torna-se necessário utilizar estudos mais abrangentes sobre o homem,
remetendo-se às Ciências Humanas e Sociais.

Verificam-se três formas básicas de realizar essas investigações, para três


períodos distintos, que são assim designados:

Designação Período Características


Período de transição entre a Idade Média e o Renascimento. Valorização do
ser humano. O indivíduo começou a ser o centro de tudo, diferenciando-se
Humanismo Séc. XV
por ser racional e livre. Deus não mais controlava essa “liberdade” de criação e
investigação.
O progresso humano era tributado ao progresso das ciências. O mesmo grau de
empirismo que gozava as ciências formais e da natureza poderia ser empreendido
para o estudo do Homem e das sociedades como fato. Sendo assim, passam a
ser objetos de investigação científica: família, trabalho, religião, Estado, etc.
O positivismo foi uma corrente filosófica, sociológica e política que surgiu na
Positivismo Séc. XIX
França no começo do século XIX. Representantes dessa corrente, como Auguste
Comte e Jonh Stuart, desmistificaram superstições, religiões e ensinos teológicos.
Agora, de fato, o empirismo que antes era exclusivo das Ciências Naturais começa
a permear estudos científicos sobre família, trabalho, religião, ou seja, sobre o
Homem como ser Social.
No fim do século XIX, o filósofo alemão Wilhelm Dilthey, estabeleceu diferenças
entre o homem e a natureza e entre as ciências naturais e as ciências humanas.
Final do séc. XIX e Observou que o estudo do progresso humano só seria possível com a criação
Historicismo
início do XX de um método que compreendesse o sentido dos fatos humanos, levando em
conta que esses fatos são históricos e temporais, ou seja, conceituados como
causalidade histórica.

Verificamos no quadro que as áreas de conhecimento, no início do século XIX,


que tiveram como foco de suas investigações o Homem tenderam ao cientificismo
que impregnava a perspectiva positivista. Decorre daí a segmentação ou a
compartimentação das ciências em áreas que se preocupavam com uma dimensão
restrita do Homem. Essa segmentação ordenou a organização de distintas áreas
de saber científico e, por conseguinte, de diferentes disciplinas que passaram a
compor o repertório das Ciências Sociais:

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Estudo das relações interindivíduos conformando grupos sociais e instituições, bem como as
relações entre grupos e instituições entre si. Estudo da divisão da sociedade em segmentos: da
mobilidade social, dos processos de cooperação, competição e conflito, etc. É uma ciência que
pertence ao grupo das ciências sociais e humanas. Surgida no século XVIII como disciplina de
estudo sobre as consequências de dois grandes eventos, a revolução Industrial e a Revolução
Sociologia Francesa, tem por objeto de estudo a análise de fenômenos de interação dos indivíduos, as
formas internas de estrutura (as camadas sociais, a mobilidade social, os valores, as normas,
leis), conflitos e as formas de cooperação geradas através das relações sociais. O termo sociologia
só foi utilizado primeiramente com o filósofo francês Auguste Comte no seu Curso de Filosofia
Positiva, em 1838.

Economia é uma palavra que tem origem no grego oikonomos, onde oikos = casa e monos =
lei, regra, costume. Etimologicamente a palavra é associada à administração do lar ou da casa.
Atualmente, é uma ciência que estuda as relações interindivíduais, conformando grupos sociais
Economia e instituições, bem como as relações entre grupos e instituições entre si, divindo, para tanto, a
sociedade em segmentos, como:
mobilidade social, processos de cooperação, competição e conflito, além de muitos outros.

Estudo do Homem e suas obras, sendo assim, suas manifestações materiais e imateriais de
cultura. Estudo dos tipos de organização familiar, religiões, matrimônio e o que quer que se
refira a práticas culturais. É um termo de origem grega, formado por antropos (homem, ser
Antropologia humano) e logos (conhecimento). É uma ciência que se dedica ao estudo aprofundado do ser
humano. Somente no século XVII é que ela se desenvolveu como Ciência Social, graças ao
movimento iluminista.

O termo tem origem no grego politiká, uma derivação da polis que designa aquilo que é público.
Política E é justamente a coisa pública que permite essa ligação e interação do homem, estudo dessa
relação.

A Antropologia como Ciência Social e seus


Campos de Atuação
Vários autores concordam que a Antropologia teria
nascido no séc. V a.C., no berço da civilização grega,
quando Heródoto (considerado também o “pai da
História”) passou a descrever as culturas dos povos
circundantes à Grécia, tornando-se então, também, o
“pai da Antropologia”.

Houve, posteriormente, contribuições consubstan-


ciais de cronistas, viajantes, soldados e mercadores
que, com seus relatos sobre outras culturas, co-
operaram com o estudo do Homem e de sua cultura.

Se faz pertinente explicar que a idade de um fóssil


Figura 1 – Heródoto possuí duas formas de datação: relativa e absoluta. A
Fonte: Wikimedia/Commons relativa ocorre desde o século XVII – observando ainda
que, para fins de integração do estudo do homem no
campo das ciências social e humana, vale datar meados do século XVII.

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

Interessante esclarecer que o estudo dos fósseis é da Paleontologia, ciência


natural que estuda a vida do passado da Terra e o seu desenvolvimento ao longo do
tempo geológico, isto é, a formação dos fósseis antropológicos, culminando na sua
sistematização como ciência após a apresentação da teoria evolucionista de Charles
Darwin, no livro A origem das espécies, publicado em 1859.

Apesar de ter alcançado status de ciência há apro-


ximadamente um século, a Antropologia, até muito
pouco tempo, estava limitada ao estudo somente dos
aspectos evolutivos do Homem, como mensuração e
estudo de fósseis, por exemplo, passando a abranger
mais recentemente outros aspectos, como seu com-
portamento coletivo e estrutura social.

Com base na própria origem etimológica da palavra


antropologia (em que antropo significa Homem
e logos significa conhecimento), podemos defini-
la como a área de estudo do Homem, procurando
investigá-lo desde sua dimensão física e biológica até
Figura 2 – Charles Darwin o seu papel como membro de grupos organizados,
Fonte: Istock/Getty Images
como se situa e interage no convívio social.

Assim, a Antropologia tem a finalidade de entender cientificamente o ser


humano a partir das seguintes abordagens:
·· Ciência social:
·· compreende o Homem como ser social, vivendo em grupos;
·· Ciência humana:
·· aborda os aspectos gerais do Homem, como sua história, hábitos e
demais aspectos;
·· Ciência natural:
·· dirigi seus estudos para os aspectos evolutivos do Ser Humano.

A disciplina tem como objeto o Homem e suas obras e como objetivo


compreender toda a humanidade. Ela se torna uma ciência extremamente ampla
e abrangente e, em razão disso, além de estudar aspectos evolutivos e anatômicos
do Homem, vê-se obrigada naturalmente a estudar suas diferentes organizações
sociais, bem como o seu papel dentro dessas organizações.

O objeto de estudo da Antropologia pode ser definido então como o Homem e


suas obras. Dessa forma, sua atuação não está limitada no tempo, pode ir desde
as organizações sociais primitivas e ágrafas até as mais complexas e recentes.
Há um notável interesse de antropólogos por grupos sociais mais simples e suas
dinâmicas de preservação cultural, como as comunidades rurais que não tenham
sofrido efeitos de culturas dominantes a ponto de descaracterizar sua constituição
cultural; porém, os estudos antropológicos não se limitam a apenas um tipo de
organização social.

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O antropólogo se lança à pesquisa de campo no intuito de estudar o indivíduo e
seus diferentes grupos e organizações sociais, estando aí as principais colaborações
de antropólogos no estudo do Homem através do tempo. Aliás, nunca nenhuma
outra ciência teve um objetivo tão abrangente: compreender a humanidade como
um todo. Ou seja, toda a história do Homem, sua cultura, estrutura social e obras
são de interesse do antropólogo.

Tratando-se de uma ciência com um campo vasto de estudo no tempo e no


espaço. A antropologia possui divisões e subdivisões em seus diferentes campos de
interesse. Pode-se definir esse campo como sendo: de aspecto biológico – como
Antropologia Física ou Biológica –, de aspecto sociocultural – como a Antropologia
Social e Cultural – e de aspecto filosófico – como a Antropologia Filosófica.

Dentro da Antropologia, segundo seus dois principais campos de atuação,


encontramos duas distinções fundamentais:
· Antropologia Física ou Biológica:

Preocupa-se em estudar o Ser humano a partir de seus aspectos físicos e


evolutivos, buscando entender suas diferenças raciais, aspectos fisiológicos e
estrutura anatômica. Desenvolveram-se dentro desse campo de interesse dife-
rentes subáreas:
· Paleontologia humana: estudo da origem e da evolução humana
através da análise de fósseis intermediários entre os primatas e o Ser
Humano moderno;
· Somatologia: trata da diferença de aspectos físicos e sexuais do
Homem (metabolismo, adaptação, etc.);
· Estudos comparativos do crescimento: ramo mais abrangente
da Somatologia que estuda as diferenças físicas em razão de
fatores externos, como: alimentação, exercícios físicos, maturidade
sexual, etc.;
· Raciologia: estuda as diferentes raças dos seres humanos e suas
miscigenações, características físicas, classificando-as.
· Antropometria: procede com a mensuração de medidas do corpo
humano e seus diferentes estágios evolutivos.
· Antropologia Social e Cultural:

É o campo mais abrangente da Antropologia e estuda as diferentes manifestações


culturais do Homem sob distintos aspectos, cultura essa adquirida por processos de
aprendizagem que constituem também objeto de estudo desse campo. Seu objetivo
foca na relação problemática entre o comportamento instintivo (hereditário e que
se opõe ao conceito de cultura) e o adquirido (por aprendizagem). Subdivide-se em:
· Arqueologia: Preocupa-se primordialmente com o estudo de
sociedades antigas que não deixaram registro na forma escrita,
mas que podem ser recuperadas por meio de artefatos. Trata-se da

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

reconstituição de culturas por meio da recuperação de artefatos que


tenham resistido à ação do tempo. Cabe ao arqueólogo proceder
e desenvolver métodos de escavação para a recuperação desses
artefatos. Por sua vez, a Arqueologia se divide em:
·· Arqueologia Clássica: trabalha na reconstituição de civilizações
letradas;
·· Antropologia arqueológica: estuda civilizações extintas, dos
primórdios da cultura;
·· Etnografia – foca seus estudos nas comunidades primitivas ou ágrafas,
de organização simples, procurando distanciar-se de estudos sobre
grupos complexos e tecnologicamente desenvolvidos; podendo, porém,
ainda nos dias de hoje, estudar sociedades e grupos rurais, de certa forma
isolados e que ainda não sofreram mudanças que viessem a adequá-los a
essas sociedades complexas;
·· Etnologia – estuda as diferenças culturais e os processos de funcionamento
e de mudança dessas culturas. Enfatiza a relação do Homem com o meio-
ambiente, essa como fator determinante de certos tipos de cultura;
·· Linguística – é o ramo da Antropologia mais independente dos demais.
Trata-se do estudo das línguas e seu acompanhamento com uma grande
variedade de culturas;
·· Folclore – estuda a cultura material e espiritual espontânea e de dimensão
temporal e espacial limitada, ou seja, restrita ao seio de determinada
organização cultural. É de aparecimento espontâneo e se verifica tanto em
sociedades rurais quanto em urbanizadas, tanto em sociedades simples
quanto em complexas;
·· Antropologia Social – estuda as diferentes formas de organização social
e de grupos sociais, preocupando-se, entre outros aspectos, em identificar
os fatores que as regem na vida social (família, economia, política, religião,
jurídico, etc.);
·· Cultura e personalidade - estuda as relações entre cultura e a persona-
lidade dos indivíduos. Toma como ponto de partida que o Homem não
seria somente receptor e produtor de cultura; mas elemento determinante
de mudança dessa mesma cultura.

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O Homem como Objeto de Estudo
na Antropologia
O Homem é não só um ser vivo mas também um ser social; isto é, existe
não tão somente no ambiente físico, mas fundamentalmente no ambiente social,
cercado por outros indivíduos que, assim como ele, detêm não apenas necessidades
biológicas, mas necessidades sociais.

A vida humana, como acontece em grupos, está eivada de relações sociais,


produto da interação interindivíduos, competindo ou colaborando pelos mesmos
bens em natureza ou em sociedade. Dessas relações, derivam práticas e estruturas:
econômicas, políticas, religiosas, educacionais, familiares, etc.

Relações Sociais:

- Econômicas
Ser vivo - Políticas
- Religiosas
- Educacionais
Sociedade - Familiares
Homem

Ser Social
Figura 3
Fonte: Adaptado de Istock/Getty Images

O Homem é tomado, portanto, na sua dimensão de vida coletiva, em socie-


dade. Por sua vez, essas sociedades se dividem entre simples (povos indígenas,
sociedades tribais, etc.) e complexas (tecnologicamente avançadas, politicamente
estruturadas etc.).

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

Tipo de sociedade Características


·· Numericamente pequenas;
·· Economia natural (coleta, pesca, caça);
Simples ·· Sistema de parentesco (família);
·· Tecnologia simples (força física: humana ou animais domésticos);
·· Religião complexa ou simples.
·· Industrializadas;
·· Predominantemente urbanas;
Complexas ·· Politicamente centralizadas e complexas;
·· Regidas pelo direito positivo;
·· Economia de mercado.

Ciências Afins
Como vimos, o objeto de estudo da Antropologia assume a dimensão do Sujeito
em sua vida coletiva. Essa, por sua vez, subdivide-se em várias dimensões, isso
porque a vida social cotidiana é tanto política quanto econômica, religiosa, familiar
e educacional.

Atividade Atividade
Política Econômica

Família Educação

Atividade
Religiosa

Figura 4

Essa variedade e diversidade de aspectos faz com que a Antropologia necessite


da colaboração de outras áreas de saber e de outras ciências que possam
corroborar com seus estudos. Sendo assim, não é possível à Antropologia, sozinha,
compreender fenômenos que são, por natureza, pertencentes a outras áreas de
conhecimento, como:
·· Ciências Sociais:
Sociologia, História, Psicologia, Geografia, Economia, Ciência Política, etc;
·· Ciências Biológicas ou Naturais:
Biologia, Genética, Anatomia, Fisiologia, Embriologia, Medicina, etc.;

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· Demais Ciências que contribuem à Antropologia:
Geologia, Zoologia, Botânica, Química, Física, Economia Política,
Geografia Humana e Direito.

Passemos, então, a tratar das principais interações que a Antropologia mantém


com ciências afins, para que não se confundam e que estejam nítidas suas
especificidades no tratamento, por vezes, do mesmo objeto. Primeiramente com
a Psicologia.

Ambas as ciências têm um objeto comum: o comportamento humano; porém,


a Antropologia estuda o comportamento grupal, enquanto que a Psicologia estuda
primordialmente o comportamento do indivíduo. Ambas colaboram entre si na
identificação dos fatores variantes do comportamento.

Em relação às interações mantidas com a Economia Política, é fundamental levar


em consideração que todo grupo social, do mais simples ao mais complexo, tem sua
própria estrutura econômica e política, sendo, portanto, essencial a colaboração
entre essas ciências para o completo entendimento de diferentes estruturas sociais.

Também a História auxilia, permitindo a reconstituição de culturas já extintas,


servindo de base para estudos antropológicos. Ainda anotamos a Geografia Humana
que estuda a mudança do meio ambiente por influência direta do Homem e de suas
inovações culturais – além do estudo do meio físico tribal. E temos a Biologia, que
contribui sobremaneira com a Antropologia Física, ajudando a compreender os
aspectos evolutivos sob o prisma genético e anatômico, entre outros.

A Origem e o Tratamento dos Dados


em Antropologia
O conhecimento científico depende essencialmente de dados e informações
para que seja analisado com rigor metodológico e constitua conhecimento
empírico. Como dados e informações precisam ter precisão e serem dotados de
confiabilidade, todas as ciências elaboram procedimentos complexos e rigorosos
com a finalidade de obter informações interpretando-as e analisando-as de forma
organizada, sistemática e sempre tornando possível a comprovação das afirmações
feitas a respeito de qualquer assunto.

As possibilidades de bases informativas que contenham dados consubstanciais


para as análises em Antropologia são variadas: desde suportes tridimensionais,
objetos, documentos escritos, oralidade, até rituais, danças e costumes estão
no universo de possibilidades de análise do antropólogo. Fazem parte ainda do
seu cotidiano de pesquisa duas etapas primordiais do método de análise de suas
bases informativas:

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

·· Observar: definir as características do fenômeno pesquisado;


·· Classificar: situar no tempo e no espaço e determinar os aspectos essenciais
do fenômeno.

Na qualidade de Ciência Social e Humana, a Antropologia, em seus dois


campos de estudo – físico e social –, lança mão de métodos e técnicas de trabalho
para o tratamento e a análise dos dados coletados, muitas vezes utilizados
concomitantemente. Dentre esses métodos, destacamos os mais recorrentes:
·· Método histórico
Consiste na investigação de eventos do passado para compreender o
modo de vida do presente;
·· Método estatístico
Consiste, a partir dos dados coletados, em sua transposição para termos
quantitativos, exibidos em gráficos, tabelas e quadros explicativos.
Pode ser utilizado tanto no campo físico quanto social;
·· Método etnográfico
Consiste no levantamento de dados descritivos de comunidades ágrafas
ou rurais e de pequena escala; refere-se, primordialmente, a aspectos
culturais de formações sociais de tipo simples;
·· Método comparativo ou etnográfico
É amplamente utilizado tanto pela Antropologia Física como Cultural e
consiste na comparação de dados para a situação temporal e espacial
de determinado dado físico ou cultural;
·· Método monográfico ou estudo de caso
É um método de estudo aprofundado de determinado caso ou grupo
social sob todos os aspectos. Permite o estudo de instituições, processos
culturais e de todos os setores da cultura;
·· Método genealógico
Consiste no estudo da estrutura social por meio do sistema de
parentescos, de estrutura familiar e matrimonial, a partir da reconstituição
genealógica de determinado indivíduo ou grupo, situando-o dentro de
uma estrutura social;
·· Método funcionalista
Procura agrupar um aspecto funcional de determinada cultura estudada.

No aspecto físico, as técnicas de pesquisa da Antropologia são: mensuração


e datação. Já na Antropologia Cultural, o antropólogo desenvolve técnicas de
observação de campo: observação direta, entrevista e formulários.

Na técnica de observação direta, o pesquisador, valendo-se de todos os seus


sentidos, pode empreendê-la de forma:

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· Sistemática: observada sistematicamente em determinado espaço de
tempo. Divide-se em:
· Direta – pessoalmente no local de investigação;
· Indireta – por meio de outras pessoas.
· Participante: o antropólogo deve permanecer no local de investigação o
tempo necessário para a compreensão total da cultura sob estudo. Deve
utilizar um diário de campo e valer-se de todos os meios de registro das
informações coletadas (fotografias, vídeos, etc.);

Na técnica de entrevista, há o contato direto entre o pesquisador e o entrevistado,


portador das informações que deverão ser coletadas para depois serem investigadas.

A entrevista pode ser:


· Dirigida: segue um roteiro pré-estabelecido;
· Não dirigida ou livre: não há um roteiro pré-estabelecido e o entrevistado
é levado a manifestar suas ideias espontaneamente.

O formulário é uma técnica de coleta de dados em que o pesquisado preenche


de próprio punho as informações pretendidas pelo pesquisador. Trata-se de um
instrumento muito mais dinâmico e que privilegia informações quantitativas, ou
cuja qualidade possa ser expressa ou assinalada de forma rápida, facilitando a
quantificação dos resultados.

O Conceito de Evolução Aplicado à


Antropologia
Em ciência, nada é definitivo. Aquilo que se pensa verdade hoje pode ser
desconstruído por uma teoria científica futura que imponha outra verdade, de
igual forma passível de desconstrução. Não que a ciência não produza saberes
exatos sobre os seus objetos de investigação, a questão é que nenhum desses
conhecimentos é absoluto.

O conceito de evolução, que já foi tomado como verdade absoluta até extremos
inimagináveis, também se insere nessa categoria. É largamente aplicado à
Antropologia e é produto do impacto da publicação das teses de Charles Darwin, em
especial, a da perpetuação dos mais aptos – amplamente difundida no séc. XIX e que
teve imensa influência nas ciências sociais durante todo o séc. XIX e início do XX.

A concepção darwinista de evolução nunca apregoou que o Homem fosse


descendente dos macacos (como é dito no senso comum); mas que os primatas
mamíferos (chipanzé, gorila, orangotango e o Homem) possuem o mesmo
descendente comum. Sendo assim, o Homem seria também um primata; mas
dentre os mencionados, o único que teria sofrido um processo de humanização.

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Sociais no ocidente

Figura 5 – A Evolução do Homem


Fonte: Istock/Getty Images

Esse processo teria assistido às seguintes etapas evolutivas:

PITECANTROPOS ERECTO
(homem-macaco em pé) 6 milhões de anos
NEANDERTAL
CRO-MAGNON
HOMO SAPIENS SAPIENS
40 mil anos

Essas datações foram obtidas por meio de restos esqueletais localizados em sítios
arqueológicos e submetidos às técnicas de datação de fósseis por C14 (carbono
quatorze), cujo grau de confiabilidade oscila entre 5700 anos, e o processo de
datação com Argônio-Potássio, com precisão de até milhões de anos.

A Antropologia Rácica e seu Fracasso explicativo


A Antropologia possui uma dimensão teórica e uma dimensão prática, sendo
a teórica o estudo puro de todo o conhecimento passível à compreensão da
humanidade. No campo prático, é necessário para o antropólogo o conhecimento
das posições teóricas que fundamentam e orientam sua atuação na compreensão
de problemas.

Ocorre que, desde o século XIX, quando a Antropologia foi sistematizada como
ciência; até hoje, diferentes nortes teóricos deram a essa ciência formas distintas
de ver o Homem e de fazer a própria Antropologia.

O séc. XIX, com a difusão da teoria darwinista de perpetuação dos mais aptos
na evolução das espécies, emprestou da Biologia à Antropologia, do darwinismo
biológico para o darwinismo social, a falsa convicção de que o Homem estaria
dividido em raças, o que permitiria dizer que, qualificando-as, seria possível dizer
de raças superiores e inferiores e, pior, dotar a medicina de meios seletivos para ou
aniquilar aqueles entendidos como inferiores ou inviabilizar sua reprodução.

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A Antropologia rácica está no contexto também do chamado darwinismo
social, que emprestou para regimes de terror como o nazismo, na primeira metade
do séc. XX, argumentos pseudocientíficos para os assassinatos em massa que
empreenderam de 1933 a 1945.

Estudiosos da questão, como a historiadora Anita Novinsky, identificam que


não há fronteiras rácicas entre os homens, senão geográficas e culturais; e que
valores, comportamentos e morais são socialmente construídos, não dados
hereditariamente. Há, portanto, uma só raça entre os homens: a raça humana.

Figura 6 – Anita Novinsky


Fonte: Jornal da USP (2015), Ano XXI nº 747, http://www.usp.br
Mas o ponto de inflexão dessa Antropologia rácica,
que nascia no contexto de validação científica da própria
Antropologia, foi a publicação da obra de Franz-Boas
e a difusão de sua nova teoria: a do relativismo; em
dois de seus textos fundamentais: A Mente do Homem
Primitivo, publicado em 1938, e Raça, Linguagem e
Cultura, de 1940.

Boas critica duramente a percepção da Antropologia


rácica de que diferenças culturais seriam determinadas
biologicamente e que seria possível escalonar culturas
entre mais evoluídas e menos evoluídas; entre melhores Figura 7 – Franz-Boas
Fonte: Wikimedia/Commons
e piores; entre belo e feio. Demonstrou que se trata
de sistemas culturais construídos socialmente, sem obedecer a critérios como
hereditariedade. Isso para dizer que irmãos gêmeos, separados quando bebês e
criados em culturas completamente distintas, incorporariam os valores, morais,
hábitos e costumes relativos aos grupos nos quais estivessem inseridos, jamais
adotariam um sistema cultural diverso por haver alguma programação biológica
para isso.

Mais do que isso, de Franz-Boas a Antropologia incorporou a ideia de relativis-


mo cultural.

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

Relativismo Cultural
A relatividade cultural ensina que o Ser Humano e sua cultura devem ser
estudados sob o aspecto de sua própria cultura; ou seja, que os padrões de bem e
de mal, moral e imoral, belo e feio, certo e errado, justo e injusto não devem ser
estudados sob o ponto de vista da cultura do antropólogo ou de qualquer outra
cultura dominante, mas sim do prisma daquela cultura que está sendo estudada.

Desses pressupostos resultam outros três:


·· Direito à autonomia tribal
Os seres humanos têm o direito de manter sua cultura preservada e
desenvolvê-la, sem influência nenhuma externa; mesmo se tratando de
sociedades tribais, rurais, isoladas ou ágrafas;
·· Valores culturais
Os valores de determinados grupos não devem ser julgados e modificados
por outra sociedade dominante sob a pena de agredir desmedidamente
a cultura dominada; devendo-se analisar os valores de determinada
cultura sob o ponto de vista dos integrantes dessa cultura;
·· Etnocentrismo
Segundo a Antropologia, não existem grupos ou culturas inferiores
ou superiores a outras, mesmo que algumas detenham mais recursos
tecnológicos e outras sejam consideradas primitivas, elas são
simplesmente diferentes. Seria um erro adotar uma postura etnocêntrica
e julgar uma cultura como superior ou inferior à outra.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Vídeo: História: História e Antropologia – Lilia Schwarcz
Trata-se de uma entrevista com a professora do Departamento de Antropologia da
USP Lilia Schwarcz, em que a autora expõe algumas ideias interessantes sobre as
fronteiras entre História e a Antropologia, apresentando ainda considerações sobre
Antropologia no Brasil:
https://youtu.be/r1HVy9XHxw0

Leitura
Resgate histórico das ideias que fomentaram os estudos de comunidade no País
OLIVEIRA, Nemuel da Silva; MAIO, Marcos Chor. Estudos de Comunidade e ciências
sociais no Brasil. Soc. estado., Brasília , v. 26, n. 3, p. 521-550, dez. 2011.
https://goo.gl/71c3XJ
Ótima resenha sobre o livro Antropologia Cultural, de autoria de Franz Boas
REIS, Nicole Isabel dos. Antropologia cultural. Horiz. antropol., Porto Alegre , v. 10,
n. 22, p. 355-357, dez. 2004.
https://goo.gl/ZYpg8f
O artigo trata de como as ideias rácicas ganharam repercussão no contexto da educação no Brasil
BOLSANELLO, Maria Augusta. Darwinismo social, eugenia e racismo “científico”:
sua repercussão na sociedade e na educação brasileira. Educ. rev., Curitiba, n. 12, p.
153-165, dez. 1996.
https://goo.gl/xrKLsN

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UNIDADE O Desenvolvimento da Antropologia e das Ciências
Sociais no ocidente

Referências
BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BOLSANELLO, Maria Augusta. Darwinismo social, eugenia e racismo “científico”:


sua repercussão na sociedade e na educação brasileira. Educ. rev., Curitiba , n.
12, p. 153-165, dez. 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0104-40601996000100014&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em: 06 Jan. 2017.

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