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LOMBARDO, G. L’esthétique antique. Paris: Klincksieck, 2011.

(collection 50
questions).

ORIGENS DA ESTÉTICA

Se é verdade que a estética como disciplina autônoma não aparece senão no século
XVIII, como falar de uma “estética antiga”?

A antiguidade clássica não reconhece nenhuma autonomia teórica à disciplina. É


apenas na primeira metade do século XVIII que o filósofo Alexander Gottlieb
Baumgarten (1714-1762) batiza como o nome estética a doutrina do conhecimento
sensível e sua perfeita realização pela beleza: “a ciência do modo de conhecimento e de
exposição sensível é a estética (lógica da faculdade de conhecimento inferior, filosofia
das graças e das musas, gnosologia inferior, arte da beleza do pensar, arte do analagon
da razão”( Eshétique : § 533). Mas se é verdade que os Gregos e Latinos não tinham
uma teoria estética no sentido moderno do texto, sua importância para a história das
reflexões sobre a beleza e sobre a arte não é entretanto indiscutível.

Quais são as diferenças mais notáveis entre a estética antiga e a estética


moderna? Para os modernos, a beleza se encontra, sobretudo na obra de arte: livre de
toda função moral e utilitária, ela é concebida uma experiência desinteressada. Para os
antigos, a arte é ao contrário apenas uma competência técnica, um trabalho artesanal
cujos produtos são destinados (sobretudo no caso da poesia) a uma recepção pública –
por ocasião, por exemplo, de banquetes, festas e cerimônias religiosas. Os antigos
mantinham o campo do belo separado daquele da arte e conferem à beleza um
fundamento ontológico, buscando suas manifestações na natureza e particularmente no
corpo humano, o mais nobre dos seres naturais (Most, 1992: 1343-51)

Graças a esta primazia, o homem pode expressar sua beleza não apenas na
proporção de suas formas físicas, mas também na dignidade de suas condutas: daí a
força do laço entre a beleza e a bondade que encontra sua tradução mais bem realizada
no ideal educativo da kalokagathía, ou seja, na condição do homem jovem que sabe se
mostrar belo (kálos) e, ao mesmo tempo, bom (agathós): “Bom, agathós, é o aspecto
moral, essencial, [...] com as nuances sociais e mundanas que provêm das origens. Belo,
kalós, é a beleza física, com a inevitável aura erótica que a acompanha” (Marrou, 1982:
I, 79, ver também infra § 22). O adjetivo grego kálos pode significar tanto a beleza
física quanto a beleza moral; e o adjetivo latino bellus (de onde deriva o termo moderno
“belo”) se revela, em seu étimo, um diminutivo do adjetivo bonus (benlos > bellus;
DELL: 131-32, s.v. bonus). E, no entanto, estas diferenças não impedem de identificar
algumas antecipações da estética moderna na Poética de Aristóteles ou ainda na
concepção de sublime de Longino.

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Em que medida a ideia de kosmos intervém na produção de uma obra de arte? E qual é
o papel da imitação?

A necessidade de educar o homem para a contemplação e para a reprodução


artística do kosmos se expressa nos cincos princípios teóricos que dirigem o trabalho
dos poetas dos artistas desde as origens épicas da cultura grega: 1. a forma; 2. a
habilidade técnica ; 3. a autoridade ; 4. a inspiração; 5. Contemplação (Verdenius,
1983; ver também Lombardo, 2003a). Estes cinco princípios rendem, com efeito,
homenagem à ideia de uma ordem universal enquanto forma sobrenatural cuja
composição se transmite à techné humana, cuja verdade se torna um critério de
autoridade, cuja energia se transforma em fonte de inspiração e cuja beleza desperta a
imitação.

O termo grego kosmos designa, ao mesmo tempo, a boa ordem do universo e a


boa ordem de toda construção artística que se quer análoga à ordem do universo. Ainda
que a definição da poesia como kosmos epéon, “universo de palavras” seja atestada
apenas a partir da lírica do século VI a.C., a aplicação do kosmos à linguagem já
pertence à epopéia. Em Homero, falar katà kosmon, “com boa ordem”, ou katà
moîran,”de acordo com a parte atribuída”, significa expressar-se ao mesmo tempo com
uma pertinência formal e moral: significa dizer o que é necessário, quando for
necessário, e da maneira necessária. Eis porque o kosmos pode constituir o critério de
julgamento estético: de um Aedo, pode-se dizer que ele executa kálon “muito bem”,
seus canto, se ele o construiu katà kosmon, “segundo a ordem” o melhor capaz de
traduzir a sucessão dos acontecimentos na sucessão das palavras (Hom., Od. 8.266,489,
496).

O valor estético do kosmos é confirmado pelo sentido de “ornamento”, implícito


na “ordem”, como torna evidente, em latim, o laço etimológico entre ordo e ornare, que
tem por raiz *ar-, “adaptar” (DELL: 467, s.v. ordior). Daí a possibilidade de uma
sinonímia entre kosmos e daídalon, o “objeto artístico”, fundado sobre a força
expressiva e o efeito da fascinação (Lombardo, 2003ª: 23-24; Frontisi-Ducroux, 1975:
64-82). A composição de um kosmos toma sua origem deste impulso mimético que
caracteriza o homem enquanto animal conduzido ao conhecimento, como nota
Aristóteles na sua Poética (4.1, 1448b). É por isso que a antiga noção de mímesis,
“imitação”, “representação”, podia se aplicar não apenas aos processos da poesia, das
artes visuais e da música, mas também à mímica vocal ou gestual, à dança, à recitação
teatral, a todos os tipos de condutas práticas exemplares ou ainda aos laços entre as
palavras e as coisas, às relações entre o ser e o devir e, finalmente, à contemplação das
formas ideais (Halliwel 2002: 15-22).

Se se coloca à parte o êxtase místico do filósofo neoplatônico, inteiramente


absorvido pela Beleza eterna do Um, o afastamento entre a realidade e suas
representações parece inevitável: em relação ao representado, o que representa nos
aparece sempre alius et idem, outro e idêntico. Ora, quando se considera apenas a
afinidade entre o modelo e seus simulacros, a experiência da mímesis é julgada
positivamente; quando, ao contrário, considera-se apenas a diferença, a experiência da
mímesis é julgada negativamente. Na filosofia de Platão, a tensão entre a Ideia (eîdos) e
a imagem (eidolon) é empregada, como veremos, seja para encorajar a subida das almas
às Essências, ou para condenar o empobrecimento ontológico das reproduções artísticas.

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