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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1-) O que é o DIP? É um ramo de Direito que tem por função dirimir os conflitos de leis no espaço. Esses conflitos de
leis no espaço surgem sempre que estejamos perante relações jurídico-privadas, sejam elas absoluta ou relativamente
internacionais.
Assim dir-se-á que, as relações jurídico privadas absoluta ou relativamente internacionais, compõem o verdadeiro objecto
do DIP. As relações privadas internacionais podem então ser de dois tipos (absolutas e relativas) e opõem-se às relações
puramente internas (que não são objecto do DIP):

- Relações jurídicas puramente internas (não fazem parte do estudo do DIP): São aquelas cujos elementos
estruturais (esses elementos são o sujeito, o objecto e o facto, são os chamados elementos materiais) se
encontram, todos eles, situados no seio de uma ordem jurídica. Se essa ordem jurídica for a portuguesa,
designam-se por relações puramente internas nacionais. Se essa ordem jurídica for uma qualquer ordem jurídica
estrangeira, dizem-se puramente internas estrangeiras;

- Relações Jurídicas Privadas Absolutamente Internacionais (fazem parte do estudo do DIP): São aquelas que
se estabelecem entre sujeitos de direito privado (ou mesmo nos casos em que os Estados sejam intervenientes
desde que desprovidos do seu jus imperii) e têm os seus elementos estruturais (sujeito, objecto e facto –
elementos materiais) dispersos por várias ordens jurídicas, sendo que nenhuma dessas ordens jurídicas é a
ordem jurídica portuguesa (e é por isso que são absolutamente internacionais). Ex.: “A”, italiano, morre em
Inglaterra, deixando bens imóveis em Espanha, sendo que a sua sucessão é aberta em Portugal. Neste caso, a
conexão que a relação tem com a ordem jurídica portuguesa é através do elemento “garantia”, porque a questão
está a ser apreciada em tribunais portugueses, não existe nenhuma conexão de ordem substancial e, portanto,
nunca poderá ser aplicado, àquela questão, o direito material português.

- Relações Jurídicas Privadas Relativamente Internacionais (fazem parte do estudo do DIP): São relações
jurídicas que se estabelecem entre sujeitos de direito privado (ou mesmo nos casos em que os Estados sejam
intervenientes desde que desprovidos do seu jus imperii), cujos elementos estruturais (sujeito, objecto e facto –
elementos materiais) se encontram em contacto com mais do que uma ordem jurídica, sendo que uma dessas
ordens jurídicas é a ordem jurídica portuguesa, pelo que, consequentemente, o direito material português é
potencialmente aplicável à questão. Ex.: “A”, portuguesa, casada com “B”, francês, pretende adoptar em
Portugal uma criança mexicana. Neste caso a relação é privada internacional porque está em contacto com três
ordenamentos jurídicos, sendo que um deles é o ordenamento jurídico português, por isso se diz relativamente
internacional.

2-) Normas de conflitos vs normas de DIP stricto sensu: Já se disse que o DIP tem por função dirimir conflitos de leis
no espaço no âmbito de relações jurídico privadas absoluta ou relativamente internacionais. Agora, para desempenhar
essa função, o DIP socorre-se das chamadas “normas de conflitos” (que vêem previstas no CC, desde o artigo 25º ao
65º). Todavia, o DIP é ainda composto pelas normas de DIP stricto sensu (que vêem previstas do artigo 14º ao 24º CC):

- Normas de DIP stricto sensu (artigos 14º a 24º CC): Nestas temos o problema das qualificações (15º CC), o
problema do reenvio (16º a 19º CC), o problema dos ordenamentos plurilegislativos (20º CC), o problema da
interpretação (23º CC) e o problema das excepções à normal aplicabilidade do direito estrangeiro (21º, 22º e 28º
CC).

- Normas de Conflitos (artigos 25º a 65º CC): A norma de conflitos é aquela que tem por função resolver os
conflitos de leis no espaço, indicando, de entre as várias ordens jurídicas potencialmente aplicáveis, qual é que se
vai aplicar ao caso concreto. Ou seja, a função destas normas não é a de dizer a justiça no caso concreto, mas tão
somente determinar, de entre as várias ordens jurídicas que estejam em contacto com a questão (e estão em
contacto com a questão através dos seus elementos estruturais, que são objecto, sujeito e facto), qual é o
ordenamento jurídico que vai ver o seu direito material chamado a resolver o conflito de interesses.
Daí que, estruturalmente, as normas de conflitos sejam constituídas, segundo determinada doutrina, por um
elemento de conexão e por um conceito quadro (e de acordo com outra doutrina, são ainda constituídas por um
terceiro elemento, que é a consequência jurídica, todavia, como a consequência jurídica pressupõe a
intervenção prévia do conceito quadro e do elemento de conexão, ela tende a ser vista como elemento externo
aos elementos das normas de conflitos).

Elemento de Conexão → Reenvio


Estrutura das normas de Conflito Conceito Quadro → Qualificações; interpretação/ aplicação
Consequência Jurídica (lei aplicável)
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2.1-) Estrutura das Normas de conflitos: Já se sabe que, em termos de estrutura, as normas de conflito são compostas
por um elemento de conexão, um conceito quadro e uma consequência jurídica. Mas o que significam tais elementos?

- Elemento de Conexão: É o elemento estrutural da norma de conflitos que visa determinar e individualizar, de
entre as várias ordens jurídicas em contacto com questão, qual é ordem jurídica chamada a regular a questão. O
elemento que conecta/liga a relação jurídica a determinado ordenamento jurídico, diz necessariamente respeito a
um dos elementos estruturais da relação jurídica e é escolhido pelo legislador a propósito de cada tipo de relação
privada internacional, atendendo aos interesses que estão em causa. Vejamos alguns exemplos. Quais os
elementos de conexão nos seguintes artigos do CC?
art. 60.º do CC - é a nacionalidade adoptiva;
art. 62.º do CC - é a nacionalidade do autor ao tempo da sua morte;
art. 41.º do CC – é a autonomia da vontade;
art. 46º do CC – é o lugar onde as coisas se encontram.

- Conceito-Quadro: Consiste no conceito técnico-jurídico de extensão variável que tem por função delimitar o
âmbito de aplicação do direito material da ordem jurídica previamente designada como competente pelo
elemento de conexão. Assim, por exemplo, quando o art. 41º CC determina que é aplicável o ordenamento
jurídico designado como competente pela vontade das partes, naturalmente que o art. 41º CC não vai chamar
toda essa ordem jurídica, mas apenas as normas que, nesse ordenamento jurídico, tratam das obrigações
provenientes da validade substancial do negócio jurídico. Dito de outra forma, o ordenamento jurídico ao qual é
atribuída competência para resolver a questão, vê essa mesma competência reduzida apenas às normas materiais
que tutelem os interesses inerentes à questão em apreço. Refira-se que, de uma forma geral (mas atenção, porque
nem sempre isso se verifica), os conceitos-quadro correspondem à epígrafe dos próprios artigos.

Ou seja: até agora viu-se que, se o elemento de conexão é essencial para individualizar a ordem jurídica aplicável, após
sabermos isso, isto é, após sabermos qual a ordem jurídica indicada para resolver a questão, urge ver, dentro da mesma,
quais as normas aplicáveis ao caso concreto, e isso só é possível por via do conceito-quadro. Logo:

Elemento de conexão – individualiza a ordem jurídica


Conceito-quadro – individualiza, já dentro dessa ordem jurídica, as normas aplicáveis.

Exemplificando: O elemento de conexão é aquela parte da norma de conflitos que nos vai dizer, perante o conflito de leis
no espaço em concreto, qual a ordem jurídica (por exemplo, ordem jurídica A, B e C) mais competente. Suponha-se que é
a “A”, porque é lá que está localizado o elemento estrutural da relação jurídica que nós entendemos como o mais
importante. Suponha-se agora que o ordenamento jurídico “A” é o ordenamento jurídico espanhol. Ora, depois coloca-se
uma segunda questão, que é a de saber se somos remetidos para todo o direito material espanhol, para o direito da família
espanhol, para o direito das sucessões espanhol, para o direito das obrigações espanhol, etc.. Logicamente, somos apenas
remetidos para uma parte do ordenamento jurídico espanhol, porque senão era impossível a tarefa do tribunal. Mas para
que parte? Para a parte que corresponder, precisamente, ao conceito-quadro que a norma de conflitos contém.
Pensemos noutro exemplo que tenha por base o artigo 46º (que tem como elemento de conexão o lugar da situação das
coisas). Se estivermos a falar de um imóvel situado na Bélgica, o art. 46º diz que é competente para tutelar a relação
jurídica (que diz respeito àquele imóvel) o lugar da situação da coisa, logo, se a coisa está na Bélgica, somos remetidos
para o ordenamento jurídico belga. Mas só nos remete, neste caso, para o regime do ordenamento jurídico belga dos
direitos reais: posse, propriedade e demais direitos reais.
Portanto, quando o legislador remete para o lugar da situação das coisas e as coisas estão situadas na Bélgica, remete,
inicialmente, para o direito privado belga, mas não remete para todo o direito privado belga, apenas remete para uma
pequena parte, que é a correspondente aos direitos reais. Podemos sintetizar a relação que se estabelece entre o EC
(elemento de conexão) e o CQ (conceito quadro) da seguinte forma: O EC é “condição” de aplicabilidade da
ordem jurídica, o CQ determina a “medida” de aplicabilidade da ordem jurídica designada como competente pelo
EC. O EC é condição de aplicabilidade porque só se aplica a ordem jurídica onde estiver localizado o elemento de
conexão definido, quanto aos interesses em causa, pelo legislador de conflitos, na norma de conflitos. O CQ é medida de
aplicabilidade porque determina que parte dessa ordem jurídica é que vai ser aplicada.

3-) Classificações dos elementos de conexão das normas de conflito: Os vários elementos de conexão das normas de
conflito são susceptíveis de diversas classificações.

- Quanto à sua natureza, as conexões dividem-se em Conexões subjectivas vs. objectivas: As conexões
subjectivas referem-se aos sujeitos da relação jurídica (ex.: nacionalidade dos sujeitos, residência dos mesmos,
domicílio, vontade dos sujeitos, etc.). As conexões objectivas referem-se ou ao objecto ou aos factos da relação
jurídica (ex.: lugar da celebração do negócio jurídico – patrimoniais – ou lugar da situação da coisa – reais);
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- Quanto à sua estrutura as conexões dividem-se em Conexões de conteúdo jurídico vs. conexões factuais: As
de conteúdo jurídico são, por exemplo, a nacionalidade ou residência;

- Conexões directas vs. indirectas: As directas são as que determinam automática e imediatamente a lei aplicável
à questão (ou seja, verificam-se nos casos em que o elemento de conexão, por si só, indica qual é a lei aplicável
sem ser necessário para o efeito recorrer a qualquer outra norma de conflitos e à respectiva conexão, por exemplo
o lugar da celebração, da vontade das partes, etc.). As indirectas são aquelas em que o elemento de conexão
usado pela norma de conflitos só conduz à aplicabilidade de uma dada lei desde que seja completado pelo
elemento de conexão de uma outra norma de conflitos para cujo conteúdo remete (ou seja, nas indirectas o
elemento de conexão utilizado pela norma de conflitos não indica automaticamente a lei aplicável, mas remete
para o conteúdo do elemento de conexão de uma outra norma de conflitos e só da conjugação de ambas resultará
a determinação da lei competente, por exemplo temos o caso da lei pessoal, artigo 25º n.º 1 remete para o artigo
31º );

- Conexões únicas vs. conexões múltiplas: As únicas são aquelas que apenas utilizam um elemento de conexão
no desempenho da respectiva função, como é o caso do art. 46º e do art. 25º. As múltiplas são aquelas que, no
desempenho da sua função, utilizam mais do que um elemento de conexão. Depois, consoante a relação que se
estabeleça entre esses vários elementos de conexão, a conexão múltipla poderá ser: Subsidiária ou Alternativa;
Combinada ou Cumulativa:

- Conexões múltiplas subsidiárias vs. múltiplas alternativas: As conexões múltiplas subsidiárias são aquelas
em que existe mais do que um elemento de conexão e em que entre os vários elementos de conexão existe uma
relação de hierarquia, no sentido de que, só se pode aplicar o 2º elemento de conexão, na impossibilidade de
aplicar o 1º e assim sucessivamente. Por exemplo, veja-se o caso do art. 52º, onde se estipula que as relações
entre cônjuges devem ser regidas pela lei nacional comum, sendo que, se não tiverem a mesma nacionalidade,
então aplica-se a lei da residência conjunta. E se esta última não for possível vamos aplicar a lei do país com o
qual a vida familiar apresente maior ligação. Imagine-se o seguinte caso: “A”, inglês, casa com B, francesa.
“A” reside em França e B em Inglaterra. Que lei é que regulará um pedido de alimentos? Aplicar-se-ia o art.
52º, manda aplicar 1º a nacionalidade comum, como não era possível, aplicar-se-ia a residência comum, como
também não era possível teríamos de recorrer ao último elemento de conexão (lei do país com o qual a vida
familiar apresente maior ligação). O artigo 53º também se perfila como um bom exemplo de conexões
múltiplas subsidiárias.
As conexões múltiplas alternativas são aquelas em que os vários elementos de conexão se encontram em pé de
igualdade (não existe relação de hierarquia), no sentido em que o julgador pode aplicar um ou outro. Ou seja,
contrariamente às subsidiárias, o tribunal pode optar por qual dos elementos de conexão utilizar. As conexões
múltiplas alternativas são utilizadas como um expediente técnico-jurídico que tem como objectivo facilitar a
constituição das relações jurídicas e a validade dos negócios jurídicos. Daí que, seja possível, aquando da sua
utilização, ao tribunal aplicar o elemento de conexão da norma de conflitos, que aponte para o ordenamento
jurídico que melhor salvaguarde a validade daquele negócio jurídico (veja-se o exemplo dos artigos 36º e 65º);

- Conexões múltiplas cumulativas vs. múltiplas combinadas: As conexões múltiplas cumulativas verificam-
se quando a norma de conflitos desempenha a sua função através de 2 ou mais elementos de conexão,
determinando simultaneamente como competentes duas ou mais ordens jurídicas. Exige-se então que, para
que seja possível a constituição da relação jurídica em apreço, ela tem de ser reconhecida em face de todas
as leis, para as quais apontam os elementos de conexão.
Nas conexões múltiplas cumulativas, cada elemento de conexão refere-se à relação jurídica no seu todo (e
não apenas a aspectos parcelares dessa mesma relação jurídica, como acontece, nomeadamente, com as
conexões múltiplas combinadas).
As conexões múltiplas combinadas são aquelas em que a norma de conflitos utiliza mais que um elemento
de conexão e portanto determina a aplicação de mais que uma lei, mas em que cada um desses elementos de
conexão se refere a um aspecto parcelar da relação jurídica (por exemplo, aos sujeitos, e não à relação
jurídica no seu todo como acontece nas conexões múltiplas cumulativa). Isto é para que a relação jurídica em
causa seja válida é necessário apenas que o seja em face de cada uma das leis em separado e não em face de
ambas em conjunto ( ex. : artigo 49º C. Civil o casamento só é válido se for consentido em relação a cada
cônjuge, pela respectiva lei pessoal. Assim como tem de respeitar os impedimentos prescritos por cada uma
das duas leis nacionais ).
Por exemplo: enquanto que nas combinadas a norma de conflitos usa como elemento de conexão, por
exemplo, a nacionalidade ou a residência, de cada um dos sujeitos da relação jurídica e, relativamente a cada
um deles apenas se terão de verificar os requisitos de validade previstos na respectiva lei pessoal, caso essas
conexões sejam cumulativas cada um dos contraentes deverá respeitar os requisitos de validade do negócio

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previstos na lei pessoal, como deverá ainda respeitar os requisitos de validade previstos na lei pessoal do
outro contraente.
Exemplo de conexão múltipla combinada é o artigo 49º, que se refere à capacidade nupcial.

- Conexões de conteúdo fixo vs. de conteúdo variável: As conexões de conteúdo fixo são aquelas cujo conteúdo
não é susceptível de ser alterado pela vontade das partes, como por exemplo o lugar da situação das coisas
imóveis (ou ainda o elemento de conexão do art. 41º - autonomia da vontade das partes –, que também é fixo,
pois o elemento de conexão só surge após as partes terem manifestado a sua vontade, pelo que, após escolherem
certa lei como competente já não podem alterar isso). Outro exemplo é o do art. 53º n.1 (nacionalidade dos
nubentes ao tempo do casamento).
As de conteúdo variável são aquelas cujo conteúdo da conexão é susceptível de ser alterado pela vontade das
partes (por ex.: residência, nacionalidade, etc.). Ou seja, aqui os sujeitos podem livremente alterar o conteúdo do
respectivo elemento de conexão, desde que não seja para fins ilegítimos, como nos casos de fraude à lei (art.
21º).
Esta classificação surge e é extremamente importante, principalmente quando estudarmos a Fraude à Lei, porque
se constatou que em DIP há conflitos móveis, sendo que, os conflitos móveis podem desencadear dois tipos de
problemas distintos (por um lado podem desencadear o problema de fraude à lei e por outro podem desencadear
o problema da aplicação no tempo das normas de conflitos, sendo que, no tocante à aplicação no tempo das
normas de conflitos, verifica-se uma alteração do elemento de conexão da norma de conflitos, o que significa
que uma norma de conflitos pode ter como elemento de conexão a nacionalidade e esse mesmo elemento de
conexão ser alterado pelo legislador para domicílio. Pelo que, a lei que regularia uma determinada relação
jurídica no momento da sua constituição, poderá não ser a mesma que a regulará no momento actual.
Estes são os dois problemas a que os conflitos móveis podem dar origem, muito embora, no âmbito desta
classificação que distingue conexões de conteúdo fixo das de conteúdo variável, o problema só se possa colocar
na questão da fraude à lei).
O problema de fraude à lei pode surgir relativamente às normas cujas conexões têm um conteúdo variável,
porquanto as partes podem alterar o conteúdo de um elemento de conexão (por ex.: a nacionalidade), por forma a
que lhes seja aplicada uma lei diferente da que lhe seria inicialmente aplicável, e em face da qual, possam
praticar determinados actos ou ver reconhecidos determinadas situações jurídicas que não veriam em face da lei
inicialmente competente. Portanto, na fraude à lei há uma alteração do conteúdo do elemento de conexão e
não do próprio elemento de conexão.
Veja-se já agora, a título de curiosidade, que os elementos da fraude à lei são 4: actividade fraudatória, intenção
fraudatória, norma fraudada (norma de conflitos que viu o conteúdo alterado) e norma instruente (novo direito
material que resulta da actividade fraudatória).
Pensemos no caso dos divórcios, onde o artigo 55º n.1, como elemento de conexão, manda aplicar o art. 52º (o
elemento de conexão é a nacionalidade comum dos cônjuges). Ora, suponhamos que um dos cônjuges era
francês e quer o divórcio. Em face da lei francesa, a dada altura, até meados dos anos 60, as leis eram anti-
divorcistas, e portanto, não se podia divorciar face à sua lei pessoal. Decide alterar a sua nacionalidade e
naturalizar-se belga, para assim conseguir que lhe seja decretado o divórcio, permitido pela lei belga. Ora, aqui o
que é que acontece, o EC da norma de conflitos, que apontava inicialmente para a lei francesa, que é a
nacionalidade, mantém-se, o que foi alterado foi o conteúdo do EC, a própria nacionalidade.
Não se pode mudar de nacionalidade com vista à obtenção do divórcio porque isso constitui fraude à lei à luz do
art. 21º. A mudança de nacionalidade é permitida à mesma, mas aplica-se é a lei da nacionalidade antiga para
regular o divórcio, pelo que este é que não é permitido.

QUALIFICAÇÕES EM DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

O problema das qualificações em D.I.P surge porque há situações que têm os seus elementos estruturais dispersos por
várias ordens jurídicas, tornando-se necessário apurar qual dessas ordens fornece o regime aplicável à situação que esteja
a ser apreciada.
Posto isso, perante uma dada situação jurídica temos de recorrer, em 1º lugar, aos elementos estruturantes da norma de
conflito (conceito quadro e elemento de conexão), na medida em que temos de determinar o âmbito de aplicação da
norma de conflitos (isso é feito através da individualização do instituto ou institutos que integram o respectivo conceito
quadro), para que, de seguida, se procure, no ordenamento indicado pelo elemento de conexão, quais as normas materiais
que definem o regime desses institutos.
Ora, na senda desse processo, parte da doutrina entende estarmos na presença de duas qualificações – a qualificação da
situação material para o seu enquadramento numa norma de conflitos (segundo critérios da lei material do foro) e uma
segunda qualificação (normativa) que é feita no âmbito do direito estrangeiro designado pela norma de conflitos.
Todavia, a doutrina actual defende que somente esta última qualificação é que é necessária.

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Chegando aqui torna-se necessário que se entenda o seguinte: qualificar uma situação jurídica é o mesmo que
classificá-la, ou seja, é fazer o seu enquadramento num determinado conceito. Depois, é igualmente fundamental que se
perceba que os ordenamentos jurídicos da Comunidade Internacional não qualificam/classificam da mesma forma as
questões jurídicas (por exemplo, aquilo que para nós é direito sucessório pode ser um direito real para outro ordenamento
jurídico). Desse modo, sempre que surge uma situação plurilocalizada há que determinar como é que ela é qualificada
pelo direito material dos ordenamentos conectados, sendo que, posteriormente, temos de verificar se essa qualificação
corresponde ao conteúdo do elemento de conexão que liga cada ordenamento à situação jurídica em apreço (dito por
outras palavras, é preciso verificar se o ordenamento designado como competente qualifica a situação tal como ela é
qualificada pela norma de conflitos que para ela remeteu – art. 15º CC). Se existir coincidência esse ordenamento será,
em princípio, competente, mas se não houver coincidência então não haverá competência. Por exemplo:

- Se o direito material de um ordenamento qualificar a situação em apreço como sendo de âmbito pessoal e esse
ordenamento for conectado por um elemento de conexão também pessoal (por exemplo, nacionalidade do
sujeito), em princípio ele será competente para regular a situação;
- Contudo, se o ordenamento qualificar a situação como pessoal (por exemplo, sucessória) mas for conectado por
um elemento de tipo real (exemplo, local da situação dos bens), então ele não poderá ser aplicado ao caso em
questão (por via do art. 15º CC).

Para exemplificar melhor o que acaba de ser dito, vejamos agora aquele que é considerado o caso prático padrão em
matéria de qualificações:

Caso Prático – “A”, inglês e residente em Portugal morre intestado e sem deixar herdeiros. Do seu património ao
tempo da sua morte constam bens imóveis situados em Espanha. À sucessão de “A” concorre o Estado da
localização dos bens, invocando para o efeito ser herdeiro legal de “A”. Tendo em conta que a sucessão é aberta
em Portugal diga que lei ou leis deverão aplicar:

As ordens jurídicas em contacto com a questão são :

- a ordem jurídica inglesa (a título da nacionalidade de “A”);


- a ordem jurídica espanhola (pois os bens estão situados em Espanha);
- a ordem jurídica portuguesa a título de lex fori e porque era cá que “A” viva e foi cá que ele faleceu;

Estamos perante um conflito de leis no espaço porque estamos perante uma relação jurídica privada internacional porque
está em contacto com três ordens jurídicas. É relativamente internacional porque uma dessas ordens jurídicas é a ordem
jurídica portuguesa. Como estamos perante um conflito de leis no espaço vamo-nos socorrer das normas do foro que
resolvem essa questão, nomeadamente as normas de conflito que tratam de matérias sucessórias.
Ou seja, o 1º passo é determinar a norma de conflitos portuguesa utilizável, e que, neste caso, seria o artigo 62º do CC.
Por sua vez, o artigo 62º, conjugado com o artigo 31º, remete para a lei inglesa como lei nacional do de cujus ao tempo da
sua morte. E aí teremos então de ver como é que a ordem jurídica inglesa trata esta questão ao nível do seu direito
material.
Só que, chegados aqui surge-nos um problema: é que a ordem jurídica inglesa não trata esta questão ao nível do
Direito Sucessório. Ou seja, a situação em causa não é qualificada pelo direito material inglês como sucessória
(contrariamente ao que sucede no direito português), na medida em que, para o ordenamento jurídico inglês,
apenas devem ser qualificadas como sucessórias as situações em que o de cujus tenha manifestado a sua vontade
quanto ao destino a dar aos seus bens após a sua morte (o que não foi o caso), bem como as situações em que o de
cujus deixa herdeiros indicados pela lei.
Para o direito material inglês esta situação é qualificada como uma simples situação de “bens sem titular” que não pode
ser resolvida no âmbito do direito sucessório. Isso gera um impasse, porque quando a nossa norma de conflitos (artigo 62º
CC) remete para o direito inglês, ela está a atribuir competência em exclusivo ao direito sucessório inglês (art. 15º CC).
Só que o direito sucessório inglês não qualifica esta situação como sucessória e, como tal, não pode ser aplicado à
mesma, pois ele só pode ser aplicado às situações que ele qualifica como sucessórias, e esta não é uma dessas situações.
Mas a doutrina defende que esse impasse pode ser ultrapassado da seguinte maneira. A questão em apreço não só engloba
problemas sucessórios mas também questões relacionadas com a localização dos bens. Assim, na impossibilidade de
utilizar a referência feita pelo art. 62º CC, o juiz passa a recorrer à norma de conflitos do nosso sistema que utiliza a
conexão “lugar da situação dos bens” (artigo 46º CC), que é a outra conexão existente neste caso que estamos a analisar.
Ao recorrermos ao artigo 46º fica-se à espera de que a situação de impasse a que fomos conduzidos previamente (em
virtude de nos termos reportado à lei inglesa) não se repita, bastando, para tal, que o direito material do novo
ordenamento para que esta nova conexão (lugar da situação dos bens) nos reconduz qualifique a situação em
conformidade com o instituto a que se refere a norma de conflitos que para ele remeteu. Se tal se verificasse e houvesse
conformidade entre a norma de conflitos portuguesa que remete para o lugar da localização dos bens (Espanha) e o
direito material espanhol que regula esta questão, então o assunto ficava resolvido através do recurso à lei espanhola.

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Conclui-se então que o tribunal português não pode deixar de se inclinar para a pretensão baseada na lei do lugar da
situação dos bens, pois é essa lei que corresponde ao ordenamento cujas normas materiais integram o regime do instituto
visado pela norma de conflitos que remeteu para tal ordenamento.

DETERMINAÇÃO DO SENTIDO E DO ALCANCE DAS NORMAS DE CONFLITO

Ao estudarmos as qualificações deparamo-nos ainda com outro tipo de problema e que é o seguinte: importa esclarecer,
em concreto, quais as matérias a que a norma de conflitos se quer referir ao utilizar determinadas expressões. Por
exemplo, o caso padrão é o do art. 52º CC, pois temos de saber se a norma de conflitos que aí se refere às relações
conjugais quer abranger somente o casamento (tal como ele é definido pelo direito material do foro) ou se também
engloba institutos similares como uma união de facto.
Para resolver este problema costuma-se aludir a 3 tipos de teorias:

- Teoria da Lex Fori (qualificação fori) → Foi a 1ª orientação adoptada sobre este assunto. Para esta teoria os
conceitos técnico jurídicos que integram o conceito quadro deverão ser interpretados e dever-lhe-á ser atribuído o
mesmo conteúdo que esses mesmos conceitos têm no direito material do foro. Assim, por exemplo, se a norma
de conflitos usa o conceito de “relação familiar”, então deverão considerar-se como tal as relações que o direito
material do foro considera como “relações familiares”.
Mas esta teoria foi alvo de várias críticas e começou a cair em desuso. Uma das críticas prende-se com o facto de
se considerar que a norma de conflitos não se deve limitar a enquadrar as situações que caibam no seu conceito
quadro (segundo o critério material do foro), devendo igualmente incluir as hipóteses que sejam abrangidas por
esse mesmo conceito quando usado com a amplitude que lhe é atribuída pelos outros ordenamentos com os quais
está em contacto.
Basta pensar-se neste caso: se uma união de facto for qualificada como casamento pela lei brasileira mas não for
qualificada com tal pela lei portuguesa, como deverá a questão ser resolvida? Ora, de acordo com esta teoria a
questão deveria ser qualificada de harmonia com o seu direito material. Mas a posição dominante, que é inversa
a essa, diz-nos que não se deveria considerar a situação como apenas interna mas sim numa perspectiva
internacional, pois nessa perspectiva internacional as duas situações (união de facto e casamento) são
consideradas casamento (daí que actualmente se defenda que, neste caso, e contrariamente à teoria da lex fori, a
norma de conflitos do foro deve abranger no seu conceito de casamento tanto a união de facto brasileira como o
contrato matrimonial português.

- Teoria Comparatista (qualificação comparatista) → Defende que os conceitos usados pelas normas de
conflito devem resultar de uma súmula do que de comum existe entre os vários direitos materiais das várias
ordens jurídicas em contacto com a questão (ou seja, tem de resultar daquilo que há de comum a um mesmo
conceito onde quer que seja apreciado).

- Teoria da qualificação Teleológica (Posição Adoptada) → Mas a doutrina moderna começou a afastar-se das
teses comparatistas. Hoje em dia a tese dominante é a teleológica, que defende que os conceitos quadros devem
ver o seu conteúdo determinado tendo em conta a própria finalidade das normas de conflito, isto é, os interesses
que o legislador de conflitos do foro pretende salvaguardar ao elaborar aquela norma com aquela estrutura e
elemento de conexão.

NOTA: no tocante ao conceito de casamento, que é um conceito que não tem a mesma amplitude em todos os sistemas
jurídicos, conclui-se então que a tendência actual é a de identificar o conteúdo atendendo aos interesses em causa, por
forma a dar a esse conceito uma abrangência mais ampla e uniforme.

O PROBLEMA DOS CONFLITOS DE QUALIFICAÇÕES

Para que se chegue a eventuais situações de conflitos de qualificações, há que percorrer ainda um caminho prévio. Assim,
desde logo, o intérprete deve seguir o seguinte esquema:

1- Perante uma situação plurilocalizada o intérprete deve começar por individualizar as conexões existentes;
2- Depois, deve procurar determinar como é classificada a situação em questão em cada um dos ordenamentos
conectados;
3- Seguidamente, deve averiguar se essas qualificações se enquadram no conceito quadro das normas de conflitos
que utilizarem as conexões correspondentes;
4- Daí imediatamente resultará a verificação de uma hipótese de conflito positivo ou negativo de qualificações ou
se como é habitual, ocorre uma hipótese de simples coincidência (concordância) entre a qualificação de uma das
normas de conflitos e a qualificação do ordenamento para que ela remeteu.

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Como se viu, essencialmente são estas as 3 hipóteses que podem ocorrer:

1 – Concordância de qualificação – Pode simplesmente existir identidade entre a qualificação utilizada por uma
só das normas de conflitos dos ordenamentos em concorrência e a qualificação que à situação em questão for
dada pelo direito material do ordenamento referido por essa norma.
2 – Conflito positivo de qualificações – Pode haver entre as qualificações imputadas à situação em questão, quer
pelas normas de conflito utilizadas, quer pelo direito material dos ordenamentos por elas referidos, identidade de
solução em mais do que um desses ordenamentos.
3 – Conflito negativo de qualificações – Mas pode também não existir em nenhum dos ordenamentos referidos
concordância entre a qualificação atribuída à situação em questão pela norma de conflitos e pelo direito material
que ela remete.

No 1º caso, em que há concordância de qualificação, será aplicável o direito material do ordenamento designado pela
norma de conflitos que utiliza a conexão que levou a esse ordenamento (artigo 15º). Mas e que sucede quando se
verificam as outras 2 hipóteses?

- Conflito positivo de qualificações – Neste caso configuram-se as situações em que concorrem simultaneamente
mais do que um ordenamento com igual legitimidade, a solução deverá ser encontrada dando preferência ao
ordenamento concorrente, cuja regulamentação melhor satisfaça os interesses em causa (segundo o critério do
direito do foro). A doutrina sugere que se procure uma relação de hierarquia entre as qualificações conflituantes,
ou seja, entre os estatutos visados pelas normas de conflitos em concorrência.
Por exemplo: quando um dos ordenamentos, designado por uma das normas de conflitos, qualifica a situação
como pertencente ao estatuto formal e o outro qualifica a mesma situação como pertencente ao estatuto
substancial, deve atribuir-se a primazia à qualificação substancial recorrendo à determinação da norma de
conflitos cujo conceito quadro abrange os requisitos de fundo do negócio jurídico. Sendo aplicáveis as normas
materiais do ordenamento cujo direito qualifica a situação como substancial (artigos 36º e 41º CC). Conclui-se
então que havendo conflito positivo entre a qualificação forma e a qualificação substância prevalece a
substância.
Segundo exemplo: havendo conflito positivo entre qualificação real e pessoal prevalece a real, pois entende-se
que a ligação das coisas ao lugar da sua situação é, juridicamente, mais forte do que a do indivíduo ao seu Estado
de origem. Pense-se no seguinte caso: morre em Portugal um italiano, intestado, sem herdeiros e com bens em
Inglaterra. Sendo esta situação apreciada em Portugal, pode dar lugar a um conflito positivo entre as
qualificações pessoal e real. O direito material italiano, por hipótese, considera-se aplicável porque qualifica a
situação como sucessória, em conformidade com a competência que lhe advém da norma de conflitos que utiliza
a conexão nacionalidade (artigo 62º CC). O direito material inglês, considera-se também competente, porque
qualifica a situação como de tipo real, em conformidade com a competência que lhe advém da norma de
conflitos que utiliza a conexão lugar da situação da coisa (artigo 46º CC). Porque segundo o direito inglês os
bens devem ser administrativamente apropriados pelo Estado onde se encontram localizados, não sendo a
questão qualificada como sucessória, mas como situação de tipo real (regime de coisas sem titular). A
qualificação real atribuída pelo direito inglês à situação, deve prevalecer, conferindo os bens ao Estado britânico.
Por fim, avança-se com um último exemplo onde se percebe que, perante conflito positivo de qualificações
matrimonial e sucessória, as mesmas serão de aplicação sucessiva. Ou seja, os dois estatutos são normalmente de
aplicação sucessiva e não simultânea. Aplica-se primeiro o estatuto matrimonial e depois o estatuto sucessório.
Pense-se, para tal, na seguinte hipótese: Dois portugueses casaram sem convenção antenupcial e mais tarde
naturalizam-se alemães. À morte de um, o outro pretende fazer valer o direito matrimonial que tem à metade dos
bens adquiridos. Este direito é conferido pela lei portuguesa, como “lei nacional comum dos cônjuges no
momento do casamento” (artigo 53º CC). Depois pretende invocar o seu direito sucessório aos bens, direito que
lhe é concedido pela lei alemã no momento da morte (artigo 62º CC). A sucessão por morte é regulada pela lei
pessoal do autor da sucessão.

- Conflito negativo de qualificações – Há um conflito negativo de qualificações, sempre que se verifique a


existência de uma lacuna na determinação da lei aplicável a uma situação plurilocalizada. Acontece quando as
leis materiais de dois ordenamentos chamados a regular uma situação, não a qualificam em conformidade com a
competência que lhes adviria da conexão que justificou tal chamamento. Exemplo: Morte em Portugal de um
inglês, intestado e sem herdeiros legítimos, com bens no nosso país, sendo chamados a decidir a questão em
simultâneo o direito britânico (lei da nacionalidade do de cujus) e o direito português (lei do lugar da situação
dos bens hereditários), correspondentes às duas únicas conexões existentes. Se o direito interno inglês não
qualificar a situação como sucessória, as normas materiais do seu direito sucessório não serão aplicáveis. Só
poderiam ser aplicáveis se essas normas qualificassem a situação em conformidade com a competência que lhes
é atribuída pela norma de conflitos que utilizou a conexão que para elas remeteu (a nacionalidade do de cujus –
artigos 15º, 62º e 31º CC). Recorrendo à lei portuguesa, como a lei do lugar da situação dos bens (a outra

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conexão existente), também não poderá ser aplicada a lei material, porque as normas materiais portuguesas não
qualificam a situação em conformidade com a competência que lhes adviria da norma de conflitos que utiliza a
conexão que as liga à relação em causa (lugar da situação das coisas). Para que a lei portuguesa fosse aplicável,
era necessário que o nosso direito interno qualificasse a situação como real. Mas a lei portuguesa remete para o
conceito quadro do artigo 46º. Daí o vácuo. Por isso, em situações destas, entende a doutrina que se deve criar
uma norma que habilite o Estado do foro a actuar. Ou seja, neste caso em concreto, deve-se criar uma norma que
habilite o Estado a entrar na posse das heranças abertas no seu território sempre que nenhuma outra lei se
apresente como competente, por força das conexões existentes entre a relação em questão e essas leis. Esta regra
funcionará de forma complementar ao preceito do artigo 62º do C. Civil), e é uma solução que deverá ser
adoptada “mutatis mutandis” em todos os casos semelhante.
MATÉRIA DA CONVENÇÃO DE ROMA

A Convenção de Roma é um instrumento comunitário cujo objectivo foi uniformizar as diversas legislações de
conflitos dos vários estados que integram a União Europeia, tendo em conta que, embora tenha sido assinada em 1980
por 7 Estados, só entrou em vigor em 1991 no tocante às obrigações provenientes de contratos internacionais que
envolvam conflitos de leis (isso resulta do artigo 1º n.1 da Convenção). Ou seja, como ponto de partida para o estudo
da Convenção de Roma é essencial que se perceba que a mesma apenas se aplica aos contratos internacionais e às
obrigações deles provenientes. Como tal, estaremos perante um contrato internacional gerador de obrigações
internacionais sempre que os respectivos elementos estruturais se encontrem dispersos por várias ordens jurídicas
levantando-se um conflito de leis no espaço no sentido de saber qual das leis de qual dos países é que deverá ser aplicada
ao caso. Urge então transcrever aqui o art.1º da Convenção de Roma, pois nele se refere o âmbito da sua aplicação
material:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1- O disposto na presente Convenção é aplicado às obrigações contratuais nas situações que impliquem um conflito de
leis.
2- Não se aplica:
a) Ao Estado e à capacidade das pessoas singulares, sem prejuízo do artigo 11.º;
b) Às obrigações contratuais relativas a :
- Testamentos e sucessões por morte;
- Regimes de bens no matrimónio;
- Direitos e deveres decorrentes de relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade, incluindo
obrigações alimentares relativamente aos filhos nascidos fora do casamento;
c) Às obrigações decorrentes de letras, cheques, livranças, bem como de outros títulos negociáveis, na medida em
que as obrigações surgidas desses outros títulos resultem do seu carácter negociável;
d) Às Convenções de arbitragem e de eleição do foro;
e) Às questões respeitantes ao direito das sociedades, associações e pessoas colectivas, tais como a constituição, a
capacidade jurídica, o funcionamento interno e a dissolução das sociedades, associações e pessoas colectivas,
bem como a responsabilidade pessoal legal dos associados e dos órgãos relativamente às dívidas da sociedade,
associação ou pessoa colectiva;
f) À questão de saber se um intermediário pode vincular, em relação a terceiros, a pessoa por conta da qual
pretende agir, ou se um órgão de uma sociedade, de uma associação ou de uma pessoa colectiva pode vincular,
em relação a terceiros, essa sociedade, associação ou pessoa colectiva;
g) À constituição de trusts e às relações entre os constituintes, trustees e os beneficiários;
h) À prova e ao processo, sem prejuízo do artigo 14.º

3- O disposto na presente Convenção não se aplica a contratos de seguro que cubram riscos situados nos territórios dos
Estados membros da Comunidade Económica Europeia. Para determinar se um risco se situa nestes territórios, o
tribunal aplicará a sua lei interna.
4- O número anterior não se aplica aos contratos de resseguro.

Perante isto, urge perguntar se os artigos 41º e 42º CC ainda se continuam a aplicar mesmo após a entrada em vigor da
Convenção de Roma. Ora, a Convenção não se aplica relativamente a negócios jurídicos unilaterais (por exemplo, é o
caso das procurações), mas sim às obrigações provenientes de contratos internacionais (conforme expressa o n.1 do artigo

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1º da Convenção, e como um contrato implica sempre mais que uma parte, então automaticamente está a excluir os
negócios jurídicos unilaterais do âmbito desta Convenção). Assim, mesmo após a entrada em vigor desta Convenção, os
artigos 41º e 42º CC continuam a aplicar-se no tocante a negócios jurídicos unilaterais.
Depois, no n.2 do artigo 1º da Convenção, temos os casos do âmbito de aplicação negativa da Convenção de Roma, ou
seja, as matérias às quais ela expressamente não se aplica (por exemplo, as obrigações provenientes de contratos que têm
a ver com o Direito da Família, ou Sucessões, obrigações provenientes de letras, livranças e cheques, aos casos de estado
e capacidade dos indivíduos – mesmo que esteja em causa a capacidade negocial/contratual – etc.).
No fundo, o n.2 diz-nos que, mesmo nos casos de negócios jurídicos unilaterais abrangidos pelo n.1, há alguns casos
em que também a Convenção não se aplica, mas porque são expressamente excluídos do âmbito de aplicação da
Convenção de Roma e portanto aplicaremos o Código Civil nesses casos (dizer que estão excluídos significa que se
aplica o Código Civil, pois se não existisse este n. 2 então tais matérias seriam reguladas pela Convenção).
Conclusão – A Convenção de Roma aplica-se:
- ao regime dos contratos internacionais (e aplica-se não só à forma, substância, capacidade e efeitos, bem como a
todos os restantes aspectos do regime jurídico desses contratos – a este respeito importa ver o estipulado no
artigo 10º da Convenção);
- esses contratos internacionais têm necessariamente que gerar conflitos de leis (pois há contratos internacionais
que não são susceptíveis de os gerar);
- são contratos celebrados por sujeitos (cidadãos, empresas, etc.) que se encontrem no seio da União Europeia. Se
o contrato internacional tiver como parte um sujeito pertencente a um Estado Membro e outra parte onde o
sujeito não seja pertencente a um Estado Membro, a Convenção aplica-se desde que vise surtir efeitos num
Estado Membro. Se o contrato for celebrado entre sujeitos pertencentes a Estados que se encontrem fora da UE
creio que aí já se aplicará o art. 41º CC, todavia, se nessa mesma situação os efeitos do contrato tiverem
repercussão num Estado Membro da UE, então aí acho que já se aplicará novamente a Convenção. No fundo,
trata-se da questão inerente à aplicação territorial da Convenção (art.2 da Convenção).

Agora é chegada a altura de se abordar a questão dos critérios desta Convenção. Ora, a Convenção estabelece uma
regra geral no seu artigo 3º e um regime de aplicação subsidiária no artigo 4º. Vejamos:

- Regra geral do artigo 3º (vontade das partes): o art. 3º n.1 diz-nos que o contrato se rege pela lei escolhida
pelas partes, sendo que essa escolha deve ser expressa ou resultar de modo inequívoco das disposições do
contrato ou das circunstâncias da causa. Mediante essa escolha, as partes podem designar a lei aplicável à
totalidade ou apenas a uma parte do contrato (isto é, podem apenas escolher a lei aplicável quanto a aspectos
parcelares do contrato, por exemplo, podem escolher lei apenas para regular a substância e não a forma). Se as
partes nada disserem quanto a este facto, isto é, se não especificarem se a lei escolhida é aplicável à
totalidade ou só a alguns aspectos da relação jurídica, então a lei que elas escolherem vai-se aplicar a todos
os aspectos dessa relação em virtude do artigo 10º da Convenção (lex contractus). Nota: o Regente
costuma perguntar frequentemente isto nas orais.
Mas importa atentar no seguinte: quando a Convenção fala nas “partes” ela está-se a referir a “partes” resultantes
da União Europeia. Mas e se as mesmas resolverem escolher a lei americana? Podem fazê-lo? Podem, pois o que
interessa é o princípio da autonomia da vontade, mesmo que a lei escolhida seja de um País terceiro
relativamente à UE.

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Até aqui facilmente se percebe que a regra que resulta da Convenção de Roma, é exactamente igual à que
resultado art. 41º do Código Civil, pois, quer num caso, quer noutro, as partes podem escolher a lei aplicável,
quer à totalidade do contrato quer apenas a uma parte do contrato, desde que estejam de acordo. A grande
diferença entre o art. 41º CC e o art. 3º n. 1 da Convenção é que, de acordo com o art. 41º temos um elemento de
conexão único (conexão fixa), isto é, uma vez escolhida a lei pelas partes elas não podem no futuro vir a alterá-
la. Já nos termos do n. 2 do art. 3º da Convenção, sempre que exista acordo entre as partes, estas podem, se assim
o entenderem, alterar a lei escolhida.
Outra diferença existente entre o critério da vontade das partes como regra da lei aplicável aos contratos
internacionais, é que, nos termos do art. 3º n. 1 da Convenção a escolha “a vontade das partes” tem de ser
expressa, inequívoca, ao passo que no âmbito do art. 41º poderá ser expressa ou tácita.

- Regra subsidiária do artigo 4º (princípio da conexão mais estreita): Suponha-se agora que, à semelhança do
que acontece no CC, as partes não escolhem qualquer lei competente, isto é não fazem uso da sua vontade. Qual
é a lei aplicável? Retorna-se ao CC, há critérios na Convenção? Aí recorre-se ao art. 4º n.1 da Convenção, que
consagra o princípio da conexão mais estreita. Ou seja, nos termos do art. 4º n. 1 sempre que as partes não
designarem uma lei como competente, aplica-se a lei que tenha uma conexão mais estreita com a relação
jurídica. Este art. 4º n. 1 da Convenção é uma norma subsidiária relativamente ao art. 3º, à semelhança do que
sucede com o art. 42º CC relativamente ao art. 41º. Os arts. 3º da Convenção e art. 41º do CC estabelecem a
regra, e os arts. 42º CC e 4º Convenção estabelecem critérios subsidiários.
Todavia, existem diferenças, pois o art. 42º não consagra, em termos gerais, o princípio da conexão mais estreita,
embora na prática a lei que indica como competente deve ser aquela que tem uma maior ligação com a relação
jurídica. O art. 42º nos seus ns. 1 e 2 utiliza dois critérios: primeiro distingue entre contratos e negócios jurídicos
unilaterais e depois no seu n. 2 distingue os contratos entre onerosos e gratuitos estabelecendo uma conexão para
cada um deles.
Mas a Convenção não faz isto. A Convenção no n. 1 do art. 4º estabelece o principio da conexão mais estreita, o
qual nos diz que se aplica às obrigações provenientes de um contrato internacional a lei que no caso concreto
apresentar uma ligação mais forte com o contrato. Por sua vez, o n. 2 do art. 4º presume (presunção ilidível) que
o contrato tem a conexão mais estreita com o lugar da residência do contraente que está vinculado à prestação
essencial ou característica desse contrato, estando essa conexão delimitada temporalmente pelo momento da
celebração do contrato. Urge ver em cada caso qual é essa prestação característica.

Vamos agora ver um exemplo de um caso prático onde a Convenção de Roma possa ser aplicada.
CASO PRÁTICO – “A”, inglês, canalizador residente em Portugal, foi contratado por “D”, espanhol,
residente em Madrid, para lhe arranjar os canos da sua casa sita no Algarve.
Ora, sempre que estejamos perante um caso prático que possa suscitar a aplicação da Convenção de Roma, temos de
seguir os seguintes passos:
- 1º termos de ver se o caso envolve um contrato internacional e temos de ver se não estamos perante algum dos
casos excluídos pelo n. 2 do art. 1º da Convenção. Se for contrato internacional e não for excluído pelo âmbito de
aplicação material da Convenção, então a mesma será aplicada;

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- Depois urge ver a regra geral do art.3º n.1 da própria Convenção (vontade das partes na designação da lei
competente), bem como o princípio do art. 4º, o qual só entrará em funcionamento se as partes não tiverem
designado lei competente.

Ora, no caso em apreço estamos perante uma relação jurídica plurilocalizada internacionalmente, geradora de
obrigações, sendo que essas obrigações são provenientes de um contrato que é internacional quer pela nacionalidade, quer
pela residência dos sujeitos, quer pelo local da celebração do contrato. É, portanto, um contrato internacional gerador de
obrigações internacionais, e como não diz respeito ao Direito da Família, não diz respeito às sucessões, nem à
capacidade, nem a constituição de sociedade, nem a direitos de crédito, nem a coligação de empresas, não está excluída a
aplicação da Convenção de Roma. Portanto aplica-se a Convenção a esta situação.
Que tipo de contrato é este quanto à natureza? Contrato de prestações de serviços. E que lei é que regula esse
contrato de prestações de serviços? No âmbito do n. 1 do art. 3º será a lei que as partes tiverem designado como
competente.
As partes designaram como competente alguma lei? Aparentemente não, pois a hipótese não nos dá essa informação.
Então qual é a lei aplicável? Vamos para o art. 4º cujo n. 1, que estabelece o principio da conexão mais estreita. Presume-
se que a conexão mais estreita é com a lei do país do indivíduo obrigado à prestação do contrato. Nos termos do n. 2 do
art. 4º aplicar-se-á o lugar da residência do canalizador, ou seja em Portugal. Porquê? Porque presume-se, neste caso, que
a ligação mais estreita é em Portugal. Mas pode haver casos em que se pode ilidir esta presunção. Ou seja, se as partes
não escolherem uma lei há dois caminhos que podem ser seguidos: ou se segue a regra geral do artigo 4º n.2 da
Convenção (País da residência do indivíduo obrigado/vinculado à prestação principal), ou então seguir-se-á uma
das 4 excepções existentes a essa regra (mas atenção que as excepções não são opcionais, elas aplicam-se somente
perante 4 situações concretas que veremos já de seguida).
Há então quatro casos (4 excepções) em que é a própria Convenção de Roma a dizer que a conexão mais estreita é
com outro Estado que não o que resulta do art.4º n. 2. A saber:

- 1ª Presunção excepção (direitos reais sobre bens imóveis) – vem prevista no n. 3 do art. 4º da Convenção e
diz respeito aos contratos cujo objecto mediato seja constituído por um direito real que recaia sobre um
bem imóvel. Neste caso a lei presume que a conexão mais estreita deste contrato ocorre com o Estado onde o
bem imóvel se encontra situado. Porquê? Porque entende o legislador comunitário, de resto à semelhança do
legislador interno, que o princípio da maior proximidade deve prevalecer sobre o princípio da autonomia da
vontade das partes ou qualquer critério relativamente a ela subsidiário. No fundo, podemos estabelecer um
paralelo entre o n. 3 do art. 4º da Convenção e o art. 46º CC, que estabelece o regime jurídico, isto é, os efeitos
dos contratos que tenham por objecto bens imóveis. Contudo, poderão ainda assim as partes, se quiserem, no
âmbito da constituição do usufruto sobre um bem imóvel dizer que a conexão mais estreita não é com o país
onde está situado o bem imóvel, mas com o país, a residência, do proprietário do bem imóvel? Pode, porque a
presunção é ilidível. A convenção permite que num contrato de compra e venda de um bem imóvel escolham a
lei que quiserem aplicar, diferentemente do que acontece com o Código Civil.

- 2ª Presunção excepção (transporte de bens e serviços de mercadorias) – prevista no artigo 4º n.4 da


Convenção. Nos casos de contratos relativos ao transporte de mercadorias, a lei determinada como competente
tem a ver com o lugar da carga ou da descarga da mercadoria no momento da celebração do contrato ou onde

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estiver sedeado nesse momento o estabelecimento principal do expedidor. Fala-se em expedidor e receptor
porque é um contrato de transporte de mercadorias. O contrato de transporte é celebrado entre aquele que envia a
mercadoria (expedidor) e o que recebe a mercadoria (receptor). Neste caso a lei prevê que a conexão mais
estreita não é com o local da residência do indivíduo vinculado à prestação característica do contrato mas, com o
local da carga ou da descarga, no momento da celebração do contrato de transporte de mercadorias ou no local
onde esteja sedeado o estabelecimento comercial do expedidor.

- 3ª Presunção excepção (contratos celebrados por consumidores) – previsto no artigo 5º da Convenção. Este
artigo é muito interessante porque surge no âmbito de uma preocupação especifica das Comunidades e que é a
protecção dos direitos dos consumidores. Portanto de forma a proteger esses mesmos direitos a Convenção
estabelece a necessidade de adopção de uma solução apropriada a esse caso. Assim, surge o art. 5º, de acordo
com o qual quer os contratos de fornecimento de bens móveis corpóreos quer os contratos de prestação ou
fornecimentos de serviços incorpóreos, tem presumivelmente uma conexão mais estreita com o Pais da
residência habitual do consumidor (excepto se as partes nesse contrato decidirem de modo diferente, as partes
ilidem a presunção). Mesmo que as partes escolham, nos termos do art. 3º, uma lei, essa escolha tem um limite,
na medida em que não pode a lei escolhida colocar em desvantagem o Consumidor e privá-lo da específica
protecção que lhe é conferida pela lei do seu País de residência, se esta for mais favorável. Em suma: as partes
podem escolher a lei que quiserem; se não escolherem, aplica-se a lei do consumidor, mas se escolherem nunca
dessa escolha pode resultar uma lei que prive o consumidor da especial protecção que a sua lei lhe concede.

- 4ª Presunção excepção (contratos de trabalho) – previsto no artigo 6º da Convenção. Diz respeito aos
Contratos de trabalho e o legislador no, art. 6º, presume que a conexão mais estreita do contrato de trabalho é
com o País onde o trabalhador presta normalmente o seu trabalho, com a lei do País onde se encontra o
estabelecimento que contratou o trabalhador ou com outro País qualquer com o qual as partes provem existir uma
conexão mais estreita, nomeadamente nos termos das alíneas a) e b) do art. 6º. Todavia, também no tocante aos
Contratos de trabalho a lei estabeleceu limites imperativos à vontade das partes. Isto é, se os interessados no
contrato de trabalho escolherem uma qualquer lei aplicável ao caso concreto, nos termos do n.1 do art. 3º, tal
escolha não poderá recair sobre uma lei que não confira protecção ao trabalhador (enquanto o art. 5º protege o
consumidor enquanto parte economicamente mais fraca, o art. 6º visa proteger o trabalhador enquanto parte mais
fraca na relação laboral). Por isso a própria vontade das partes é limitada pelas garantias de protecção dadas no
país da residência do trabalhador de natureza imperativa que possibilitará ao trabalhador uma maior protecção de
acordo com o n. 1 do art. 6º conjugado com o art. 7º.

Concluindo: nos termos gerais do art. 4º n.2 presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o
País onde a parte que está obrigada a fornecer a prestação característica do contrato tem, no momento da celebração do
contrato, a sua residência habitual ou, tratando-se de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva, a sua administração
central. Isso será assim a menos que se verifique uma das 4 excepções a esta regra, pelo que urge sempre ver se o
contrato que está em causa diz respeito a direitos reais sobre bens imóveis (art. 4º n.3), transporte de bens e serviços de
mercadorias (art. 4º n.4), contratos celebrados por consumidores (art. 5º) ou ainda contratos de trabalho (art. 6º).

Finalmente, importa mencionar ainda outros aspectos específicos da Convenção:

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- 1º - A escolha das partes nos termos do art. 3º é limitada pelas normas de aplicabilidade imperativa existentes no
País que apresente maior conexão com o contrato em causa;
- 2º - Determinar que aspectos do contrato são abrangidos pela lei escolhida pelas partes – a chamada lex
contractus. A resposta a que aspectos se referem a lex contractus é dada pelo art. 10º da Convenção e o
Professor costuma fazer muito esta pergunta nas orais: Quais são os aspectos a que se refere a lex
contractus? Estão todos no artigo 10º da Convenção e são, designadamente, interpretação das obrigações
contratuais, o cumprimento e incumprimento, local do cumprimento, quem pode cumprir, o cumprimento
pode ser afastado por terceiros, modo da prestação, etc. Tudo isto está escrito no art. 10º.
- 3º - Muito importante também é o que distingue a Convenção do CC em matéria de proibição absoluta do
reenvio, nos termos do art. 15º da Convenção. Esse artigo diz expressamente que a lei aplicável é a escolhida
pelas partes, ou se estas não escolherem a que resultar da aplicação do critério subsidiário, portanto pratica uma
referência material imperativa. Aqui coloca-se uma questão: Podemos comparar, ou dizer que a solução é a
mesma a do art. 15º da Convenção e o art. 19º n. 2 do CC, estabelecem o mesmo princípio? O art. 19º n. 2
consagra o principio da autonomia da vontade das partes como limite à possibilidade do reenvio. Para o art. 19º
n. 2 presume-se que as partes quando designam uma lei como competente fizeram para ela uma referência
material, isto é permite que as partes expressamente estipulem no contrato que a referência é global. A presunção
pode ser ilidida como? Se as partes expressamente indicarem que designaram uma lei competente através de uma
referência global.
Já o art. 15º da Convenção expressamente faz uma exclusão do reenvio (em caso algum pode ser admitido).

NOTA IMPORTANTE A RESPEITO DA MATÉRIA DA QUESTÃO PRÉVIA E DO REENVIO: Por norma, para
se determinar o regime aplicável a uma situação plurilocalizada, o DIP tende a recorrer às normas de conflito do seu
próprio sistema. Mas, excepcionalmente, podem ser utilizadas normas de conflitos de ordenamentos jurídicos exteriores
(e aí fala-se em referência indirecta).
Isso verifica-se nalguns casos de questão prévia, no reenvio, ou mesmo quando isso resultar de uma disposição expressa
do DIP do foro.
É precisamente da matéria da questão prévia e do reenvio que nos vamos ocupar de seguida.

QUESTÃO PRÉVIA

1-) Pressupostos da Questão Prévia: O problema da Questão Prévia surge quando temos duas questões (questão
principal e questão prévia) ligadas entre si por um nexo de prejudicialidade (daí que a questão prévia seja diferente da
chamada questão parcial, uma vez que nesta continuam a existir duas questões mas surgem ligadas por um nexo de
complementaridade e não de prejudicialidade). Ou seja:

Questão Prévia --------------------- Questão Principal

ligadas por nexo de prejudicialidade

Com base no que foi dito quais são então os pressupostos da Questão Prévia?
- existirem 2 questões conectadas por um nexo de prejudicialidade;
- exige-se que o estatuto da questão principal seja estrangeiro (pois se o DIP do foro mandasse aplicar as suas
próprias regras não faria sentido perguntar se a questão prévia deveria ser regulada pelo sistema de conflitos do
foro ou pelo DIP do ordenamento tido como competente para apreciar a questão principal);
- exige-se que a questão prévia e a principal sejam conectadas por elementos de conexão diferentes (por exemplo,
a lei que regula o regime matrimonial tende a ser diferente da que regula o regime sucessório).

Fica a faltar responder ao grande problema que é suscitado pela questão prévia: QUE LEI DEVE INDICAR O

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REGIME APLICÁVEL À QUESTÃO PRÉVIA? DEVERÁ SER O SISTEMA DE CONFLITOS DO FORO? OU
DEVERÁ SER O DIP DO ORDENAMENTO AO QUAL SE RECONHECE COMPETÊNCIA PARA JULGAR A
QUESTÃO PRINCIPAL?
A resposta a essa pergunta tende a ser dada por 2 teorias.

2-) Teoria da Conexão Autónoma vs. Teoria da Conexão Subordinada: Pensemos no seguinte exemplo: “A” era
casada com “B”, francês. “B” morreu e “A” quer concorrer à sua sucessão. Ora, se o problema for suscitado em Portugal,
o nosso sistema de conflitos vai remeter competência para a lei francesa (por via da conjugação dos artigos 62º e 31º CC),
pois entendemos que a questão da sucessão deve ser regulada pela lei nacional do de cujus (ou seja, será a lei francesa a
regular a questão principal, que é a questão da sucessão). Mas imagine-se que a lei francesa só concede direitos
sucessórios a “A” desde que se demonstre a validade do casamento entre “A e B”. Surge assim uma questão prévia,
ligada à principal por um nexo de prejudicialidade, e temos agora de saber que lei indicará ou demonstrará a validade
desse casamento.
Vamos ver os requisitos:

- existem duas questões (a principal é a sucessória e a matrimonial é a prévia) ligadas por um nexo de
prejudicialidade (pois para serem atribuídos direitos sucessórios a “A” é necessário que se demonstre a validade
do seu casamento com “B”);
- o estatuto da questão principal era estrangeiro;
- e as questões eram conectadas por normas de conflito diferentes (estatuto sucessório e matrimonial).

Por que lei se irá aferir a validade do casamento? Será o sistema de conflitos do foro (Portugal) a indicar essa lei? Ou será
o DIP do ordenamento ao qual foi atribuída competência para apreciar a questão principal (França)?

- Teoria da Conexão autónoma (teoria clássica): Os defensores desta teoria consideram que deve ser o próprio
sistema de conflitos do foro a definir o regime aplicável à questão prévia. Aliás, a própria designação de conexão
autónoma pretende frisar que esta doutrina defende que a questão prévia deve ser resolvida autonomamente e
separadamente da questão principal, quase como se entre as duas não existisse qualquer ligação.
Esta teoria é passível de críticas, mas também tem argumentos a seu favor, designadamente o facto de se
entender que, por via da regra, ao atribuir-se competência a um ordenamento estrangeiro está-se a atribuir
competência ao direito material desse ordenamento (esta é a regra dos artigos 15º e 16º do CC) e só em casos
excepcionais é que estamos a abranger o sistema de conflitos desse ordenamento (artigos 18º e 17º).
Outro argumento a favor desta teoria é que ela favorece a harmonia jurídica interna, mas essa é uma situação que
será analisada posteriormente.

- Teoria da Conexão Subordinada: Os apologistas desta teoria consideram que a questão prévia deve ser
solucionada pelo DIP do ordenamento que regula a questão principal (lex causae). Desde logo porque se é esse
ordenamento que vai regular a questão principal, também faz sentido que seja ele a definir o regime aplicável ao
problema da questão prévia.
O outro grande argumento a favor desta teoria é que ela tende a favorecer a harmonia jurídica internacional, mas
essa é uma questão que será igualmente analisada de seguida.

3-) Solução adoptada: Nós seguimos a tese da conexão subordinada (segundo a qual deve ser o ordenamento ao qual foi
atribuída competência para julgar a questão principal a definir o regime aplicável à questão prévia – lex causae), todavia,
seguimos esta tese com algumas restrições, nomeadamente nos casos em que a mesma ponha em causa de modo
incontornável o princípio da harmonia jurídica interna.
Ou seja, seguimos por regra a tese da conexão subordinada, excepto nos casos em que daí resulte ofensa intolerável à
harmonia jurídica interna. Nessas situações não se deve aplicar o DIP da lex causae e tem de se recorrer ao DIP do foro
para determinar o regime aplicável à questão prévia.

4-) Casos em que se deve afastar a Teoria da Conexão Subordinada: Na doutrina distinguem-se casos de afastamento
à priori e à posteriori:

- Casos de afastamento à priori: São os casos em que se rejeita o recurso ao DIP da lex causae na determinação
da lei reguladora da questão prévia por razões relacionadas com a própria estrutura da questão em apreço. São
exemplo disso as seguintes situações:

1-) Verifica-se quando a lei chamada a regular a questão principal não se achar competente para regulá-
la. Ora, se não se acha competente para regular a questão principal, também não se vai achar competente
para regular a questão prévia;

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2-) Verifica-se ainda quando a decisão da questão prévia constitua caso julgado fora do respectivo processo,
pois aí o caso julgado poderá actuar também quanto à questão principal, ficando assim ambas as questões
resolvidas em harmonia com a lei indicada pelo sistema de conflitos do foro;

3-)Verifica-se ainda quando a questão prévia constituir um pressuposto intrínseco da norma que regula a
questão principal (por exemplo, o direito a alimentos que surge intrinsecamente ligado à existência de
matrimónio).

- Casos de afastamento à posteriori: São 3 os casos em que afasta a conexão subordinada à posteriori, e isso
sucede porque em tais casos o recurso ao DIP da lex causae conduziria a soluções inadmissíveis ou
inconvenientes. As 3 situações são as seguintes:

1-) Ofensa à ordem pública internacional do Estado local. Ou seja, se a lei indicada pelo DIP da lex causae
para resolver o problema da questão prévia conduzir a uma situação em que ofenda os princípios e os valores
fundamentais da ordem pública internacional do Estado local, então aí teremos de substituir a tese da
conexão subordinada pela da conexão autónoma;

2-) Conflitos insanáveis entre a decisão da conexão subordinada e os princípios jurídicos fundamentais
consagrados na ordem jurídica do foro. Ou seja, se a conexão subordinada conduzir a soluções que
entrem em conflito com situações consideradas fundamentais para o equilíbrio da ordem jurídica do foro. A
diferença para a situação anterior é que aqui podem-se criar situações que a ordem jurídica local considera
inaceitáveis para o seu próprio equilíbrio interno e não para a ordem pública internacional;

3-) Salvaguarda dos direitos adquiridos. Também aqui se recusa a tese da conexão subordinada pois o recurso
à lex causae provocará uma ofensa aos direitos adquiridos.
Ora, o princípio da salvaguarda dos direitos adquiridos tem por base a necessidade de garantir aos sujeitos
que certos direitos que eles tenham adquirido à luz de determinada lei não podem ser postos em causa em
virtude do facto de não serem reconhecidos à luz de outra lei. Ou seja, perante relações jurídicas de carácter
duradouro e que ao longo da vida vão estar em contacto com diversas ordens jurídicas, por motivos de
segurança jurídica o legislador deve adoptar a solução que determine a aplicação de uma lei que salvaguarde
os direitos validamente adquiridos.
Exemplo máximo desta situação é o artigo 29º e também o 31º n.2.
Outro exemplo que poderia ser dado é este: imagine-se que um francês tinha adquirido a maioridade aos 18
anos à luz da lei francesa, casa-se e mais tarde adquire a nacionalidade argentina onde a maioridade só se
atinge aos 21 anos. Poderá o seu casamento ser colocado em causa? Não, por causa do princípio da
salvaguarda dos direitos adquiridos.

5-) Perguntas de orais sobre a Questão prévia:

5.1-) EM QUE MEDIDA É QUE A CONEXÃO SUBORDINADA FAVORECE A HARMONIA JURÍDICA


INTERNACIONAL NA QUESTÃO PRÉVIA E EM QUE MEDIDA É QUE A CONEXÃO AUTÓNOMA
FAVORECE A HARMONIA JURÍDICA INTERNA?
1º é preciso sublinhar que o princípio da harmonia jurídica internacional refere que, independentemente do local onde a
questão esteja a ser analisada deve-se aplicar o mesmo direito material por forma a obter a uniformidade dos julgados.
Desse modo só a aplicação das normas indicadas pelo DIP da questão principal à questão prévia é que possibilitam a
harmonia jurídica internacional. Desse modo evita-se que o DIP do foro considerasse a questão prévia como inválida (por
exemplo), ao passo que a lex causae poderia considerá-la válida (ou vice-versa).
Já o princípio da harmonia jurídica interna pretende que na mesma ordem jurídica os mesmos tribunais, em face da
mesma questão (seja uma questão interna ou internacional) adoptem sempre a mesma solução e apliquem a mesma lei.
Nos casos de questão prévia, entende-se que esta questão prévia e a questão principal devem ser reguladas pela lei
indicada como competente pelo mesmo DIP; deve receber o mesmo tratamento por parte do sistema de conflitos do foro
(será sempre regulada pela mesma lei indicada pelo DIP local por forma a evitar decisões contraditórias na ordem jurídica
interna).

REENVIO

1-) Teoria da Referência Material e da Referência Global: Só podemos falar em reenvio se entendermos que quando o
DIP do foro remete para outro ordenamento estrangeiro, ele está a querer admitir não só o direito material desse
ordenamento mas também o seu respectivo sistema de conflitos, pois só assim respeitará que esse ordenamento possa
atribuir competência a outro. Exemplo:

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L1 (lei do foro) L2 L3

A referência de L1 para L2 tem de ser global, pois só assim admite que L2 possa remeter para L3. Se a referência de L1
para L2 for material, então não abrange o sistema de conflitos de L2 e não permite que L2 remeta para L3.
Temos assim de distinguir duas teses:

- Tese da Referência Material (artigo 16º CC): Diz-nos que, quando a norma de conflitos do foro, ao atribuir
competência a outro ordenamento, abrange nessa referência somente as normas materiais de regulamentação
desse ordenamento, então estamos perante uma referência material.
Esta tese conduz à recusa total do reenvio, sendo que essa recusa é fundamentada pelo próprio carácter
instrumental das normas de conflito (que visam indicar o direito material aplicável às relações jurídico privadas
internacionais);

- Tese da Referência Global (artigos 17º e 18º CC): Existe uma referência global quando a norma de conflitos
do foro, ao remeter competência para outro ordenamento, abrange nessa referência as normas materiais e as
normas de conflito desse outro ordenamento (abrange todas as normas, daí ser global).
Esta tese já é favorável ao reenvio, mas dentro da mesma temos de distinguir 3 correntes doutrinárias:

- Doutrina da devolução simples (ou reenvio simples) – Entende que quando a lei do foro (L1) faz uma
referência global para outro ordenamento (L2) então isso significa que quer aplicar o direito desse
ordenamento, mas não lhe repugna que L2 possa ainda remeter para outro ordenamento (que seria L3) ou ainda
devolver para L1.
O problema é que este argumento só vale se a referência de L2 para L3 (ou, no caso de devolução de L2 para
L1) for uma referência material, pois caso contrário L3 poderá remeter para L4 só que aí já se terá colocado
em causa o princípio da harmonia jurídica internacional (ou uniformidade dos julgados).
Conclui-se então que só nalguns casos é que esta teoria alcança a almejada harmonia jurídica internacional.

- Doutrina da dupla devolução (ou duplo reenvio) – Enquanto que na doutrina da devolução simples, para que
ela funcione, só se admite um reenvio, o mesmo não se passa nesta doutrina.
Exemplo: Francês morre em Portugal e deixa bens imóveis em Itália. A nossa lei (foro) remete para a lei
francesa a qual remete para a italiana por ser o local onde os bens se situam. Só que a lei italiana devolve à
francesa sem hipótese de retorno.
Neste caso em concreto os tribunais portugueses teriam de decidir de acordo com a aplicação do direito francês
por causa da uniformidade dos julgados (harmonia jurídica internacional). Em casos semelhantes os tribunais
portugueses deveriam actuar aplicando a lei dos respectivos países em questão tal como os tribunais desses
países o fariam. NOTA: Conforme os casos os tribunais locais deverão observar um só ou um duplo
reenvio.

- Doutrina pragmática ou ecléctica (adoptada) – Esta é a tese mais recente e funciona como excepção ao artigo
16º do CC (que consagra a referência material), designadamente através dos artigos 17º e 18º (que consagram,
respectivamente, o reenvio por transmissão e retorno).
Ou seja, os defensores desta doutrina tomam como regra base a da referência material do artigo 16º, para
depois considerarem os casos em que, excepcionalmente e por motivos de soluções práticas para a resolução
dos casos, o reenvio é admitido (nos tais artigos 17º e 18º). Esta é a orientação seguida pelo Código Civil
português.
No fundo esta tese aceita o reenvio quando através dele se obtém a harmonia jurídica internacional
(uniformidade dos julgados), a exequibilidade prática das decisões judiciais e a validade do negócio
jurídico (favor negotii)(não têm de se obter cumulativamente):

1 Harmonia jurídica internacional ou uniformidade dos julgados

Doutrina pragmática ou ecléctica 2 Exequibilidade prática das decisões judiciais


aceita o reenvio quando se obtém
(não são cumulativos) 3 Validade do negócio jurídico

1 – Princípio da Harmonia Jurídica Internacional ou uniformidade dos julgados – Está na génese do


reenvio e este princípio pretende que, independentemente do local onde a questão esteja a ser apreciada, a
lei material seja a mesma, por forma a evitar, por exemplo, que se a questão for julgada em Portugal se
aplique a lei francesa e se fosse julgada em França se aplicasse a lei portuguesa.

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É preciso notar que existem ainda casos em que este princípio tende a colidir com outros, pelo que urge
ver, nessas situações se ele cede face a outros valores.

2 – Exequibilidade prática das decisões judiciais – Este princípio diz-nos que as decisões judiciais devem
ser tomadas de forma realista, em contacto com a realidade (é por isso que, em matéria de estatuto pessoal,
o reenvio não será permitido quando, por via dele, se aplique outra lei que não a da nacionalidade ou
domicílio, pois numa perspectiva realista são essas as duas leis que melhor conhecem o indivíduo).
Este princípio tem um grande sub-princípio (princípio da maior proximidade) e tem igualmente
manifestações em matéria de estatuto pessoal, designadamente, ao nível do princípio da maior justiça
expresso na maior ligação individual.

2.1 – Princípio da Maior Proximidade: Atende ao vínculo forte que existe entre as coisas imóveis e o
Estado onde estão situadas, daí que se mande aplicar a lei do lugar da situação das mesmas, pois
só assim fica salvaguardada a exequibilidade prática das decisões judiciais;

2.2 – Princípio da Maior Justiça expresso na Maior Ligação Individual: Aconselha que a lei
reguladora do estatuto pessoal seja ou a da nacionalidade do sujeito ou a do seu domicílio, pois só
uma dessas duas assegura, em matéria de estatuto pessoal, a exequibilidade prática das decisões
judiciais.

Concluindo, quando se fala em efectividade ou exequibilidade prática das decisões judiciais, aquilo que se
pretende é que as mesmas sejam efectivamente tomadas e executadas, o que, no caso das coisas imóveis
será mais fácil de concretizar através da lei do local onde essas coisas estejam situadas, e no caso das
pessoas fará sentido que se aplique a lei da nacionalidade ou da residência (domicílio) por serem as leis
que melhor conhecem o sujeito e é com elas que ele mais se identifica.
Somente para terminar, sublinhe-se que se existir um confronto entre o princípio da maior proximidade e o
da maior justiça expresso na maior ligação individual, prevalece o 1º pois entende-se que a ligação das
coisas ao Estado onde estão situadas é mais forte do que a que liga o sujeito ao seu Estado de origem ou ao
seu domicílio (prova disso é o artigo 17º n.3 CC).

3 – Validade do negócio jurídico (favor negotii): O reenvio é inspirado pelo favor negotii quando a sua
aceitação (aceitação do reenvio) tem lugar para garantir a validade de um acto jurídico que de outro modo
seria anulável. Estão nesta senda as hipóteses previstas pelos artigos 36º n.2 e 65º do CC.
Mas atenção: se aqui o reenvio é aconselhado pelo princípio do favor negotii, também existem situações
em que se verifica o contrário, como veremos a respeito do artigo 19º no tocante aos casos em que o
reenvio não é permitido.

2-) Modalidades de reenvio: O reenvio pode ser por retorno ou devolução (artigo 18º CC), mas pode também ocorrer
por transmissão (artigo 17º CC).Exemplo:

- Reenvio por devolução ou retorno (directo ou indirecto): Existe reenvio na modalidade de devolução ou
retorno (artigo 18º) quando a competência acaba por ser devolvida ao ordenamento do foro. Esse retorno é
directo quando a competência é devolvida para a lei do foro directamente de L2, e é indirecto quando essa
competência não é directamente devolvida de L2 mas sim de L3, por exemplo. Vejam-se as seguintes situações:

Reenvio na modalidade de retorno directo – L1 (lei do foro) L2 L1 (lei do foro)


Note-se que a referência de L2 novamente para L1 tem de ser material, pois se for global dá origem a um círculo
vicioso e não se obtém a harmonia jurídica internacional.

Reenvio na modalidade de retorno indirecto – L1 (lei do foro) L2 L3 L1 (lei do foro)


Também aqui a referência de L3 para L1 tem de ser material pelo mesmo motivo, porque se for global dá origem
ao tal círculo vicioso.

- Reenvio por transmissão: Existe reenvio na modalidade de transmissão (artigo 17º) quando a competência não
vem a ser devolvida ao ordenamento do foro (não volta a L1). Veja-se a seguinte situação:

L1 (lei do foro) L2 L3 (a referência de L1 a L2 é global, mas a de L2 para L3 tem de ser


material, senão entramos num círculo vicioso que só iria cessar quando uma referência deixasse de ser global)

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3 –) Perguntas de orais sobre a matéria do reenvio:

3.1 - QUANDO É QUE FUNCIONA O REENVIO EM MATÉRIA DE ESTATUTO PESSOAL?


As situações de estatuto pessoal assumem uma importância muito particular no contexto dos casos de reenvio, pois
entende-se que quando estamos diante de uma situação que respeite a matéria de estatuto pessoal (ex.: capacidade das
pessoas, relações familiares, etc.), tais matérias deverão ser reguladas ou pela lei da nacionalidade ou pela lei do
domicílio do sujeito, pois são aquelas que possuem uma maior ligação com ele. No fundo, está-se a aludir às excepções
previstas nos artigos 17º n.2 e 18º n.2.
Portanto, em matéria de estatuto pessoal, o reenvio deixa de funcionar se conduzir à aplicação de uma lei que não a da
residência ou da nacionalidade.

Art. 17º n.2 (reenvio por transmissão e excepção do estatuto pessoal) – Diante de um caso de estatuto pessoal L1 remete
para L2 e esta para L3. Todavia, mesmo que L3 se considere competente, ela não se aplicará se não for a lei da
nacionalidade ou da residência do sujeito. Ou seja, o princípio da harmonia internacional deve ceder perante o princípio
da maior justiça expresso na maior ligação individual.

Art. 18º n.2 (reenvio por retorno e excepção do estatuto pessoal) – Este artigo diz-nos que quando se trate de matéria
compreendida no estatuto pessoal lei portuguesa só se aplica se o sujeito residir habitualmente em Portugal. Mas se ele
residir no estrangeiro e não tiver nacionalidade portuguesa, o nosso direito não se aplicará e segue-se o artigo 16º.

3.2 – EM MATÉRIA DE REENVIO TAMBÉM FUNCIONA O PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE?


Eu entendi que sim pois o critério da maior proximidade tende a funcionar como sub-princípio do princípio da
exequibilidade prática das decisões judiciais. É preciso sublinhar que o princípio da maior proximidade atende ao vínculo
forte que existe entre as coisas imóveis e o Estado onde estão situadas, daí que se mande aplicar a lei do lugar da situação
das mesmas, pois só assim fica salvaguardada a exequibilidade prática das decisões judiciais. Concluindo, quando se fala
em efectividade ou exequibilidade prática das decisões judiciais, aquilo que se pretende é que as mesmas sejam
efectivamente tomadas e executadas, o que, no caso das coisas imóveis será mais fácil de concretizar através da lei do
local onde essas coisas estejam situadas.

3.3 – EXISTINDO CONRONTO ENTRE O PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE E O DA MAIOR


JUSTIÇA EXPRESSO NA MAIOR LIGAÇÃO INDIVIDUAL, QUAL DEVE PREVALECER?
Prevalece o da maior proximidade, pois entende-se que a ligação das coisas ao Estado onde estão situadas é mais forte do
que a que liga o sujeito ao seu Estado de origem ou ao seu domicílio (prova disso é o artigo 17º n.3 CC).

3.4 – SEGUNDO A DOUTRINA PRAGMÁTICA OU ECLÉTICA, QUANDO É QUE SE TENDE A ACEITAR O


REENVIO?
Quando ele contribuir para ao harmonia jurídica internacional, para a exequibilidade das decisões e para a validade do
negócio (favor negotii).

3.5 – QUE TESE CONSAGRA O ARTIGO 16º CC? DA REFERÊNCIA GLOBAL OU MATERIAL?
Referência material.

3.6 – CASOS EM QUE NÃO É ADMITIDO O REENVIO (POR EXEMPLO, O CASO EM QUE O FAVOR
NEGOTII NÃO ACONSELHA O REENVIO):
O artigo 19º enuncia 2 casos em que o reenvio não é permitido, nomeadamente:
- quando o aconselhe o favor negotii (art.19º n.1);
- quando funcione em DIP o princípio da autonomia da vontade das partes (art. 19º n.2).
No 1º caso o favor negotii opõe-se ao reenvio na medida em que este pode pôr em causa a validade do negócio jurídico.
Viu-se antes que o reenvio é aconselhado por este mesmo princípio para alargar as possibilidades de validação de um
negócio, todavia, aqui esta regra vale ao contrário, ou seja, o reenvio é desaconselhado pelo favor negotii se contribuir
para a invalidade do negócio.
Por exemplo, L1 remete para L2 e este para L3, só que em L3 o negócio é inválido e em L2 não era. Assim, aplica-se a
lei de L2, fazendo prevalecer o princípio da boa fé nos negócios jurídicos sobre o da harmonia jurídica internacional.
Na outra hipótese (vontade das partes) entende-se que quando as partes escolhem certa lei como competente elas estão a
fazer uma referência material, todavia, se inversamente entendermos que a referência feita pelas partes é global e não
material então deixa de se justificar a exclusão do reenvio (daí que a presunção do art. 19º n.2 seja ilidível)

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3.7 – COMENTE A SEGUINTE SITUAÇÃO: UM CIDADÃO FRANCÊS MORRE EM PORTUGAL E DEIXA
BENS IMÓVEIS EM ITÁLIA. O NOSSO DIP MANDA APLICAR A LEI FRANCESA POR SER A LEI DA
NACIONALIDADE DO DE CUJUS, AO PASSO QUE ESTA MANDA APLICAR A LEI ITALIANA POR SER
A LEI DO LOCAL ONDE AS COISAS IMÓVEIS ESTÃO SITUADAS. POR SUA VEZ, A LEI ITALIANA,
ATRAVÉS DO SEU DIP, CONSIDERA-SE APLICÁVEL À QUESTÃO.
A nossa norma de conflitos (art. 62º mais artigo 31º) manda aplicar a lei da nacionalidade do De cujus (lei francesa), pelo
que estamos ainda no âmbito de L1.
Ao atribuirmos essa competência estamos a fazer uma referência global ao ordenamento francês (L2), permitindo que
este remeta para a lei italiana (L3) se considerar que essa é a mais indicada.
Todavia, a referência da lei francesa para a lei italiana (de L2 para L3) já é uma referência material, pois se não fosse
então a lei italiana poderia ainda remeter para outro ordenamento e assim colocar em causa a uniformidade dos julgados.
Era um caso típico de reenvio por transmissão (art. 17º n.1).

CASOS PRÁTICOS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1-) “A”, inglês, é casado com “B”, brasileira. O inglês morre em Portugal e deixa um depósito de 1 milhão de € na
Suíça. À sua sucessão concorrem a mulher “B” e os filhos do 1º matrimónio.
“B” invoca que é herdeira legitimária por aplicação da lei portuguesa, mas os filhos de “A” entendem que são eles
os herdeiros, invocando, para tal, a lei sucessória inglesa.
Tendo sido aberta em Portugal esta sucessão, qual a lei que a vai regular?

A questão é a de saber quem tem direito à sucessão de “A”.


Ora, 1º urge saber qual a lei material aplicável, e isso só pode ser aferido em função das várias ordens jurídicas
plurilocalizadas que estão aqui em relevo, e que são:

Ordem jurídica portuguesa – pois foi cá que se abriu a sucessão (e também a título de lei do foro);
Ordem jurídica inglesa – por causa da nacionalidade de “A” e dos filhos de “A” que invocam a lei inglesa;
Ordem jurídica brasileira – por causa da nacionalidade de B;
Ordem jurídica suíça – pois é lá que se encontra o depósito;

Depois vamos à norma jurídica do foro (lei portuguesa) que trata das questões sucessórias, e que é o artigo 62º CC.
Nesse artigo alude-se à lei pessoal do autor da sucessão, e sempre que se falar em lei pessoal temos de recorrer ao
artigo 31º (lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo, ou seja, “A”). Ora, assim sendo, a lei material aplicável pelos
tribunais portugueses seria a lei inglesa, pelo que os filhos tinham razão em invocar essa lei.

2-) “A”, irlandês, residente na Alemanha, pretende alienar um bem imóvel sito em Inglaterra, propriedade do seu
filho “B”, menor, de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal. Comece por caracterizar a relação
jurídica em causa dizendo se a mesma integra o objecto do DIP e depois identifique a norma de conflitos aplicável:

É uma relação jurídico privada (estava em causa uma alienação de bens imóveis, logo, estamos a tratar de direitos reais)
internacional (estão em causa várias ordens jurídicas, nomeadamente a irlandesa, alemã, inglesa e portuguesa) e
relativamente internacional (pois um dos elementos estruturantes – sujeito, filho menor – está em contacto com a ordem
jurídica portuguesa).
Nos termos do artigo 46º n.1 aplicar-se-ia a lei inglesa.

3-)”A”, alemão, residente na Suécia, celebra em Espanha, com “B”, também alemão, mas residente em Portugal,
contrato de empreitada relativo a uma obra de melhoramento de um imóvel de que “A” era proprietário. O
imóvel está localizado em Portugal.
“B” compromete-se a realizar a obra no prazo de 6 meses mas não cumpre o prometido, pelo que “A” intenta, em
tribunais portugueses, uma acção onde pede a condenação de “B” no pagamento de uma indemnização no valor de
10000 €.
Que lei deverão os tribunais portugueses aplicar à questão?

A questão que está aqui em causa prende-se com uma obrigação decorrente de um negócio jurídico, mais concretamente,
o incumprimento de um contrato de empreitada. Que ordens jurídicas estão em contacto com a questão?

- ordem jurídica alemã (nacionalidade de “A e B”);


- ordem jurídica sueca (residência de “A”);
- ordem jurídica espanhola (local da celebração do contrato);

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- ordem jurídica portuguesa (residência de “B”, local onde o imóvel está localizado e também em virtude da lei do
foro).

Estávamos perante uma relação jurídico privada relativamente internacional pois estas relações são as que têm os seus
elementos estruturais (sujeito, objecto e facto – elementos materiais) em contacto com mais do que uma ordem jurídica,
sendo que uma dessas ordens jurídicas é a ordem jurídica portuguesa, pelo que, consequentemente, o direito material
português é potencialmente aplicável à questão.
Depois vamos ao CC ver, nos artigos relativos às normas de conflitos, quais os que se referem às leis reguladoras das
obrigações, uma vez que é isso que está aqui em causa. Ora, esse artigo seria o 41º, mas o mesmo não pode ser aplicado
porque as partes não designaram lei para regular a situação. Somos então remetidos para o critério supletivo do artigo 42º,
nomeadamente, à parte final do artigo 42º n.2, de onde se retira que a lei competente é a lei do lugar onde o contrato foi
celebrado (pois a empreitada é um contrato oneroso). A lei aplicável seria a lei espanhola.

CASO PRÁTICO – “A”, francês, de 18 anos de idade, residente na Índia, casa-se, nesse país, com “B” (que é
indiana e também reside na Índia). “B” tem 15 anos de idade. Quando tomaram conhecimento deste casamento, os
pais de “A” intentaram em tribunais portugueses uma acção onde invocavam a incapacidade matrimonial de “B”
em face do direito material francês, uma vez que em França a maioridade só se atinge aos 18 anos. No fundo, os
pais de “A” pretendiam a invalidade do casamento.
Todavia, “A” opõe-se à pretensão dos seus pais, invocando que a lei competente para aferir a capacidade de “B” é
a lei indiana (segundo a lei indiana, a capacidade para casar adquire-se aos 14 anos de idade).
Que leis devem os tribunais portugueses aplicar?

Em primeiro lugar tem-se de identificar qual a grande questão que é aqui levantada. Ora, a questão em apreço é a da
validade do casamento entre “A” e “B” com base na capacidade (eventual incapacidade) de “B” para celebrar casamento.
Em seguida urge ver quantas ordens jurídicas surgem em contacto com a questão:

- ordem jurídica indiana (pois é na Índia que é celebrado o casamento – lex loci – , porque a nacionalidade de “B”
é indiana e porque “A” e “B” residem na Índia);
- ordem jurídica francesa (porque a nacionalidade de “A” é francesa);
- ordem jurídica portuguesa (atenção ao seguinte: a ordem jurídica portuguesa só é aqui chamada à questão
por ser a lei do foro, em virtude do elemento garantia, pois é em Portugal que a acção é intentada).

É preciso frisar o seguinte: após identificarmos quais as ordens jurídicas conectadas com a questão em apreço, teremos
ainda de dizer se a mesma é relativa ou absolutamente internacional, e, neste caso, como a ordem jurídica portuguesa só é
chamada por ser a lei do foro, então esta questão será absolutamente internacional. Ou seja, já sabemos que o DIP visa
dirimir os conflitos de leis no espaço que surgem quando estamos diante de relações jurídico-privadas que sejam
absoluta ou relativamente internacionais (não fazem então parte do estudo do DIP as relações jurídico privadas
puramente internas, que são aquelas cujos elementos estruturais – sujeito, objecto e facto – se encontram todos situados
no seio de uma ordem jurídica, seja ela a ordem jurídica nacional ou uma ordem jurídica estrangeira).
As relações jurídico privadas relativamente internacionais são as que têm os seus elementos estruturais (sujeito, objecto e
facto – elementos materiais) em contacto com mais do que uma ordem jurídica, sendo que uma dessas ordens jurídicas é
a ordem jurídica portuguesa, pelo que, consequentemente, o direito material português é potencialmente aplicável à
questão.
Já as relações jurídico privadas absolutamente internacionais são as que têm os seus elementos estruturais (sujeito,
objecto e facto – elementos materiais) dispersos por várias ordens jurídicas, sendo que nenhuma dessas ordens jurídicas é
a ordem jurídica portuguesa. Por exemplo, se “X”, italiano, morre em Inglaterra, deixando bens imóveis em Espanha, e a
sua sucessão é aberta em Portugal, a conexão que a relação tem com a ordem jurídica portuguesa é só através do
elemento “garantia”, porque a questão está a ser apreciada em tribunais portugueses e porque não existe nenhuma
conexão de ordem substancial, logo, nunca poderá ser aplicado, àquela questão, o direito material português.
O mesmo se passa aqui no nosso caso do casamento celebrado na Índia. Como não existe nenhuma conexão de ordem
substancial com o ordenamento jurídico português, e porque há várias ordens jurídicas ligadas à questão, então estamos
diante de uma relação jurídico privada absolutamente internacional.
Chegando a este ponto temos necessariamente de recorrer às normas de conflitos (previstas no CC, nos artigos 25º a 65º),
pois é através delas que o DIP vai desempenhar a função de dirimir os conflitos de leis no espaço. Ora, dito de outra
forma, a norma de conflitos é aquela que tem por função resolver os conflitos de leis no espaço, indicando, de entre as
várias ordens jurídicas potencialmente aplicáveis à questão, qual é a que se vai aplicar ao caso concreto. Ou seja, a função
destas normas não é a de dizer a justiça no caso concreto, mas tão somente determinar, de entre as várias ordens jurídicas
que estejam em contacto com a questão (e estão em contacto com a questão através dos seus elementos estruturais, que
são objecto, sujeito e facto), qual é o ordenamento jurídico que vai ver o seu direito material chamado a resolver o
conflito de interesses. Daí que, estruturalmente, as normas de conflitos sejam constituídas, segundo determinada doutrina,
por um elemento de conexão e por um conceito quadro (e de acordo com outra doutrina, são ainda constituídas por um

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terceiro elemento, que é a consequência jurídica, todavia, como a consequência jurídica pressupõe a intervenção prévia
do conceito quadro e do elemento de conexão, ela tende a ser vista como elemento externo aos elementos das normas de
conflitos).
Após esta explicação, temos ainda de dizer qual a função do elemento de conexão e do conceito quadro:

- Elemento de Conexão: É o elemento estrutural da norma de conflitos que visa determinar e individualizar, de
entre as várias ordens jurídicas em contacto com questão, qual é ordem jurídica chamada a regular a questão. O
elemento que conecta/liga a relação jurídica a determinado ordenamento jurídico, diz necessariamente respeito a
um dos elementos estruturais da relação jurídica e é escolhido pelo legislador a propósito de cada tipo de relação
privada internacional, atendendo aos interesses que estão em causa.

- Conceito-Quadro: Consiste no conceito técnico-jurídico de extensão variável que tem por função delimitar o
âmbito de aplicação do direito material da ordem jurídica previamente designada como competente pelo
elemento de conexão. Assim, o ordenamento jurídico ao qual é atribuída competência para resolver a questão, vê
essa mesma competência reduzida apenas às normas materiais que tutelem os interesses inerentes à questão em
apreço.

Em suma, a relação que se estabelece entre o elemento de conexão e o conceito quadro pode ser sintetizada da seguinte
forma: se o elemento de conexão é essencial para individualizar a ordem jurídica aplicável (é condição de aplicabilidade
da ordem jurídica), depois teremos de ver, no seio dessa ordem jurídica, quais as normas aplicáveis ao caso concreto, e
isso só é possível por via do conceito-quadro, logo, o conceito quadro é que vai determinar a medida de aplicabilidade
da ordem jurídica designada como competente pelo elemento de conexão (vai determinar que parte dessa ordem jurídica
é que vai ser aplicada).
Ora, com base nisto temos de voltar ao ponto inicial da nossa resolução, e que era o de saber qual a questão que estava
aqui a ser analisada. Concluiu-se na altura que a questão em apreço era a da validade do casamento com base na
capacidade para contrair matrimónio. Como tal, temos de ver no CC, nos artigos relativos às normas de conflitos, quais
os artigos que regulam a matéria das relações familiares (tais artigos vão desde o artigo 49º ao 61º). A resposta é dada
pelo artigo 49º CC, cujo conceito quadro é a capacidade para contrair casamento e cujo elemento de conexão
escolhido pelo legislador é a nacionalidade de cada nubente ao tempo do casamento (e convém não esquecer que ao
tempo do casamento “A” tinha nacionalidade francesa e “B” nacionalidade indiana).
Diz-nos então o artigo 49º CC: “a capacidade para contrair casamento é regulada, em relação a cada nubente, pela
respectiva lei pessoal (e aqui existe uma remissão para o artigo 31º n.1 do CC, que nos diz que a lei pessoal é a da
nacionalidade do indivíduo, pelo que, neste caso, o artigo está a remeter para a lei indiana pois estava em causa a eventual
capacidade de “B” para contrair matrimónio)”.
Deste modo, como o ordenamento português (que é o do foro porque é cá que a questão está a ser apreciada) remete para
a lei indiana e se a lei indiana considera que a capacidade para casar se adquire aos 14 anos de idade, então o tribunal
português está a considerar que “B” tinha capacidade para casar, pelo que o casamento é válido.

CASO PRÁTICO (Conexões múltiplas subsidiárias) – “A”, angolano, de 6 anos de idade, residente em Lisboa, é
filho de “B” (que é chilena e também reside em Lisboa). “B” tem 18 anos de idade e é viúva.
“A” foi adoptado por “C” e “D” (“C” é inglês e é casado com “D” que é irlandesa), ambos residentes em Portugal.
À data da adopção, “B” (mãe biológica de “A”) tinha apenas 14 anos, não tendo dado o seu consentimento para
que a adopção fosse realizada.
Em face do direito material inglês e irlandês, esse consentimento não é necessário, enquanto que para as leis de
Angola e do Chile esse consentimento já é indispensável.
Caso “B” pretenda suscitar a invalidade da referida adopção, em face de que lei(s) deverá a sua pretensão ser
apreciada?

Em 1º lugar tem-se de identificar qual é a questão que está aqui a ser levantada, e conclui-se que essa questão é a de saber
se a adopção de “A” é ou não válida (validade da adopção de “A”).
Em seguida urge identificar quantas ordens jurídicas estão em contacto com a questão:

- ordem jurídica angolana (nacionalidade de “A”);


- ordem jurídica chilena (nacionalidade de “B”);
- ordem jurídica portuguesa (“A”, “B”, “C e D” residem em Lisboa, foi cá que a adopção teve lugar e também a
título de lex fori – lei do foro);
- ordens jurídicas inglesa e irlandesa (nacionalidade de “C” e “D”, respectivamente).

Depois de identificarmos os ordenamentos jurídicos que estão em contacto com este problema, há que dizer se estamos
diante de uma relação jurídico-privada absoluta ou relativamente internacional. Já se sabe que as relações jurídico

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privadas relativamente internacionais são as que têm os seus elementos estruturais (sujeito, objecto e facto – elementos
materiais) em contacto com mais do que uma ordem jurídica, sendo que uma dessas ordens jurídicas é a ordem jurídica
portuguesa, pelo que, consequentemente, o direito material português é potencialmente aplicável à questão. Ao invés, as
relações jurídico privadas absolutamente internacionais são as que têm os seus elementos estruturais (sujeito, objecto e
facto – elementos materiais) dispersos por várias ordens jurídicas, sendo que nenhuma dessas ordens jurídicas é a ordem
jurídica portuguesa.
Como tal, neste caso estaremos diante de uma relação jurídico privada relativamente internacional.
Posto isto, e após sabermos quantos ordenamentos estão conectados com a questão, falta ainda saber qual desses
ordenamentos é que vai ver o seu direito material a ser chamado para resolver o conflito de interesses, e isso só será
possível através do recurso às normas de conflitos previstas no CC nos artigos 25º a 65º.
Estruturalmente as normas de conflitos são constituídas por um elemento de conexão e por um conceito quadro, sendo
que a relação que se estabelece entre ambos pode ser sintetizada da seguinte forma: se o elemento de conexão é essencial
para individualizar a ordem jurídica aplicável (é condição de aplicabilidade da ordem jurídica), depois teremos de ver, no
seio dessa ordem jurídica, quais as normas aplicáveis ao caso concreto, e isso só é possível por via do conceito-quadro,
logo, o conceito quadro é que vai determinar a medida de aplicabilidade da ordem jurídica designada como competente
pelo elemento de conexão (vai determinar que parte dessa ordem jurídica é que vai ser aplicada).
Ora, com base nisto temos de voltar ao ponto inicial da nossa resolução, e que era o de saber qual a questão que estava
aqui a ser analisada. Concluiu-se na altura que a questão em apreço era a da validade da adopção de “A”, logo, isso
obriga-nos a ir ao CC procurar, nos artigos relativos às normas de conflitos que tratam das relações familiares, mais
concretamente aos artigos que fazem alusão à adopção.
É através desse processo que concluímos que se aplica o regime do artigo 60º CC. Mas atenção, este artigo 60º surge
dividido em várias partes e o seu número 1 somente se refere à adopção que seja levada a cabo por uma pessoa, enquanto
que no seu número 2 já se prevê a hipótese de a adopção ser levada a cabo por um casal. Como no caso prático o “A” foi
adoptado pelo casal “C e D”, então aplicar-se-ia o artigo 60º n.2 CC. Esse número 2 diz-nos então que se a adopção for
realizada por marido e mulher será competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na falta desta, será aplicável a lei da
sua residência habitual comum (trata-se de uma conexão múltipla subsidiária, uma vez que estas conexões são
aquelas em que existe mais do que um elemento de conexão e em que entre os vários elementos de conexão existe
uma relação de hierarquia, no sentido de que, só se pode aplicar o 2º elemento de conexão, na impossibilidade de
aplicar o 1º e assim sucessivamente).
Ora como eles não tinham a mesma nacionalidade, então teremos de recorrer à segunda premissa e aplicar a lei do local
onde eles têm residência comum, ou seja, teremos de aplicar a lei portuguesa pois é cá que eles residem. E que artigo da
lei portuguesa é que vamos aplicar? Aí teremos de ir à parte do nosso Código Civil que regula esta matéria,
nomeadamente, ao artigo 1981º n.1 alínea c-), o qual nos diz que para que a adopção do “A” fosse considerada válida
então era necessário o consentimento de “B” (ainda que menor), sua mãe biológica.

CASO PRÁTICO (matéria da Convenção de Roma) – “A”, francês, residente em Lisboa (onde possui o seu
consultório), trabalha como cirurgião e é convidado a operar um cidadão espanhol residente em Espanha. Como
contrapartida, o espanhol vinculou-se, perante “A”, ao pagamento de uma avultada quantia em termos de
honorários. Quid juris quanto à lei reguladora de um eventual incumprimento por parte do espanhol?

Em 1º lugar tem-se de identificar qual é a questão que está aqui a ser levantada, e conclui-se que o que está em causa é a
prestação de um serviço e o eventual incumprimento do contrato de prestação de serviços.
Mas aplicamos que lei? O CC ou a Convenção de Roma? Já se sabe que o CC só se aplica se a Convenção não puder ser
aplicada, pelo que urge começar por ver se esta tem ou não aplicação ao caso concreto.
Quantas ordens jurídicas estão em contacto com a questão?

- francesa (nacionalidade do médico);


- espanhola (nacionalidade do doente, local da residência do doente e local onde a prestação deve ser efectuada);
- portuguesa (local da residência do médico, local onde o médico tem o consultório, e a título de lex fori – lei do
foro).

É, como tal, uma relação jurídico-privada relativamente internacional, pois os seus elementos estruturais (sujeito, objecto
e facto – elementos materiais) estão em contacto com mais do que uma ordem jurídica, sendo que uma dessas ordens
jurídicas é a ordem jurídica portuguesa, pelo que, consequentemente, o direito material português é potencialmente
aplicável à questão.
De seguida verifica-se que esta questão cabe, materialmente, no âmbito de aplicação da Convenção de Roma (artigo 1º
da Convenção).
Como as partes não escolheram uma lei para regular este contrato, então não aplicamos o artigo 3º da Convenção mas
sim o artigo 4º, que estabelece um critério subsidiário. Assim sendo, nos termos do artigo 4º n.1 e 2 da Convenção, ao
contrato aplicar-se-ia a lei do país com o qual o contrato apresentasse uma conexão mais estreita, e presume-se que essa

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conexão mais estreita é com o país onde aquele que está vinculado à prestação do serviço tem o seu domicílio (neste caso
particular estávamos perante uma prestação infungível). A lei competente era a portuguesa.

Sub-hipótese – Imagine que o “A” apenas intentou a acção de condenação do pagamento da dívida decorridos 4
anos sobre a exigibilidade da mesma, e que, na contestação, o espanhol vem invocar que a lei aplicável ao caso não
é a portuguesa mas sim a espanhola, e que em face da lei espanhola os direitos de “A” já prescreveram. Será que o
espanhol poderia fazê-lo? Poderia fazê-lo desde que ficasse provado que a lei espanhol tem uma conexão mais estreita
com o caso em apreço, e para tal teria de ilidir (afastar) a presunção do artigo 4º n.2 da Convenção.

CASO PRÁTICO (matéria da Convenção de Roma) – “A”, engenheiro alemão, residente na Bélgica, é contratado
pela Lusoponte para executar a ponte que vai ligar Lisboa ao Barreiro. A Lusoponte, que tem sede em Espanha,
compromete-se a pagar a “A” 10000 € mensais pelo período de 2 anos. Do contrato celebrado entre as partes
consta a seguinte cláusula: Se surgirem incompatibilidades entre as partes durante a pendência do contrato (2 anos),
deverá o mesmo ser resolvido pela lei espanhola. Mais tarde, em face das permanentes insistências de “A” em ter um
aumento salarial, a empresa decidiu rescindir unilateralmente o contrato. Em face de que lei deve ser apreciada a
questão?

Tratando-se de matéria contratual urge começar por ver se aplicamos a Convenção de Roma, pois somente se esta não se
aplicar ao caso em apreço é que aplicaremos as normas do art. 41º do CC.
Mas quantas ordens jurídicas estão em contacto com a questão?

- alemã (nacionalidade de “A”);


- belga (residência de “A”);
- espanhola (local da sede da Lusoponte e lei escolhida para regular incompatibilidades durante a pendência do
contrato);
- portuguesa (local do cumprimento da obrigação).

É, como tal, uma relação jurídico-privada relativamente internacional, pois os seus elementos estruturais (sujeito, objecto
e facto – elementos materiais) estão em contacto com mais do que uma ordem jurídica, sendo que uma dessas ordens
jurídicas é a ordem jurídica portuguesa.
De seguida verifica-se que esta questão cabe, materialmente, no âmbito de aplicação da Convenção de Roma (artigo 1º
da Convenção).
Como as partes escolheram uma lei para regular este contrato, então aplicamos o artigo 3º da Convenção, visto que as
partes escolheram a lei espanhola como competente para regular eventuais incompatibilidades que pudessem surgir. E foi
isso que sucedeu, pois em virtude de desentendimentos salariais, a Lusoponte optou por rescindir unilateralmente com o
“A”, e a lei espanhola, que foi a que as partes elegeram, é a lei que irá regular essa situação de rescisão contratual. Note-
se que o artigo 3º da Convenção tem aqui de ser igualmente conjugado com o artigo 10º da Convenção, pois nesse
artigo encontram-se descritos todos os aspectos do contrato que são abrangidos pela lei escolhida pelas partes (aqui
teríamos de analisar a alínea c-) desse artigo 10º).

Sub-hipótese – Imagine que, aquando a celebração do contrato, as partes não haviam escolhido nenhuma lei?
Quid juris? Aí já não aplicaríamos o art. 3º da Convenção mas iríamos analisar o artigo 4º n. 1 e 2, que consagram o
princípio da conexão mais estreita. Todavia, teríamos ainda de ver se estávamos diante de alguma das excepções que
permitem ilidir a presunção do art. 4º n.2.
Ora, não se aplicava a excepção do art. 4º n.3 nem do art. 4º n.4. Muito menos a do art. 5º. Mas já seria um caso de
aplicação do artigo 6º da Convenção, uma vez que estávamos diante de um contrato individual de trabalho.
Desse modo, a presunção do art. 4º n.2 é ilidida pelo art.6º n.2, de onde se retira que a conexão mais estreita é com a lei
portuguesa, pois era em Portugal que ele estava a prestar o seu trabalho.

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