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Filosofia: entre reflexão e ação

Para que se destaque a importância da filosofia, é mister que se debruce a análise sobre algumas
capacidades humanas, delas extraindo-se a atividade filosófica. Nesse sentido, trabalhando as
noções de ação e pensamento pode-se, por meio dessa dicotomia, alcançar uma discussão a
respeito dos meandros filosóficos e do papel da especulação reflexiva. De início, deve-se dizer
que o homem é capaz de ação e de pensamento. Entre os gregos, essa dicotomia expressava-se
por meio da relação entre práxis e theoría. Na tradição latina, a dicotomia foi incorporada como
actio e contemplatio. De qualquer forma, o que se quer acentuar, para os fins desta discussão é
que, de certa maneira, quando se age, se imediatizam forças que comprometem o raciocínio, as
atividades corpóreas, os estímulos sensoriais para responder a uma necessidade da ação
(construir um barril; lapidar um diamante; socorrer uma pessoa em perigo; assinar um
decreto…); com essa canalização de esforços, o manancial reflexivo é drenado para sustentar a
carência e a necessidade da ação. Quando se reflete, procura-se um distanciamento que isola o
homem da atividade, da operosidade, da fenomenologia e dos acontecimentos para que possa
observar (theoría = observação) e analisar (analisis = quebra, ruptura, dissolução para resolver);
com essa canalização de esforços, agora direcionados para a reflexão acerca de algo, prioriza-se
o alcance de uma proposta coerente de entendimento, explicação e busca das causas do
fenômeno investigado. É esta investigação uma proposta de retorno ao momento de cunhagem
do termo filosofia. Isto porque o termo filosofia, em seu surgimento, traz consigo o dilema
dicotômico da ação e do pensamento. Pitágoras, a quem se atribui a criação do termo filosofia
(philosophia) 3 como forma de designar aquele que ainda não alcançou a sabedoria, mas é
amigo da sabedoria, porque em sua busca se encontra. A preocupação de Pitágoras é com o fato
de que a percepção do todo não é dada àquele que atua, que age, que pratica, ou que exerce
alguma atividade. Enxergar com distanciamento, ter a visão completa do horizonte, adentrar
todos os quadrantes do observado… são características daquele que contempla, e não daquele
que age, imiscuído que está com os procedimentos da ação e com os reflexos e resultados da
mesma. Utilizando-se de uma alegoria, Pitágoras ilustra essa relação da ação e da observação
com bastante clareza. Imerso num teatro, ou se participa ativamente dos jogos (ação), ou se
observam os jogos (observação). Aquele que está imerso na ação dos jogos, disputando, lutando
por uma posição de destaque, exercendo esforços físicos… não pode ter a noção da conjuntura
dos acontecimentos que se dão dentro do estádio. Aquele que se encontra na posição de
observador, pelo contrário, não age, não participa, não disputa, não concorre, mas possui a
noção de todo, a visão privilegiada das ocorrências dentro do estádio. Na filosofia pitagórica, o
filósofo é apontado, por meio de um simbolismo alegórico, como aquele que participa da vida
como espectador dos acontecimentos, e não como aquele que se coloca em posição ativa no
desenvolvimento de diversas atividades. A própria raiz etimológica do termo theoría descende
diretamente de theastai, o que transmite a ideia da superioridade da observação com relação à
participação. 4 Com a elucidação desenvolvida, procurou-se demonstrar que o próprio
surgimento da palavra filosofia encontra-se mesclado a um clima de desenvolvimento da tensão
entre ação e observação. Quer-se desenvolver essa preocupação para que se possam alcançar
algumas consequências no entendimento da importância da filosofia. Assim, a ação pode ser
entendida, em primeiro lugar, como a atividade resultante do envolvimento corporal humano
com algum resultado imediato que se visa extrair da operosidade técnica e das habilidades
manuais humanas. Entretanto, a ação também pode ser vista como uma manifestação de
centenas ou milhares de práticas humanas anterior e secularmente realizadas, que se tornam até,
por vezes, atitudes impensadas e automatizadas, tendo-se em vista o caráter remoto das
tradições e habilidades humanas.

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