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1 SUMÁRIO

2 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 4

3 OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E A PRODUÇÃO DO FRACASSO


ESCOLAR ............................................................................................................... 5

4 APRENDIZAGEM HUMANA: UM CONCEITO MULTIPARADIGMÁTICO ........... 7

5 A APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS MATEMÁTICOS ................................. 11

6 OS TERMOS DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM (DA) E INTERVENÇÃO


PSICOPEDAGÓGICA (IP) .................................................................................... 14

6.1 O Termo Dificuldade de Aprendizagem (DA) .............................................. 14

6.2 O Termo Intervenção Psicopedagógica (IP) ............................................... 17

6.3 Teorias e Modelos sobre as DAs ................................................................ 24

7 O QUE SÃO DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM? ...................................... 27

7.1 O que causa as dificuldades de aprendizagem? ......................................... 35

8 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DISTÚRBIO (TRANSTORNO) E DIFICULDADE DE


APRENDIZAGEM.................................................................................................. 36

8.1 Distúrbio de Aprendizado ............................................................................ 36

8.2 Dificuldade de Aprendizado ........................................................................ 38

9 FATORES ETIOLÓGICOS ................................................................................. 38

10 TRANSTORNO DE DÉFICIT DEATENÇÃO/HIPERATIVIDADE ..................... 39

11 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) ........................................... 45

11.1 Transtorno do espectro autista: a classificação do DSM-V ....................... 46

12 CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO E MANIFESTAÇÕES DO TEA .................. 47

12.1 Estabelecimento de vínculos..................................................................... 47

12.2 Teoria da mente ........................................................................................ 48

12.3 Linguagem e comunicação ....................................................................... 48

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12.4 Dificuldade de antecipar eventos .............................................................. 49

12.5 Inflexibilidade e estereotipias .................................................................... 50

12.6 Ausência do jogo simbólico e da capacidade imitativa ............................. 50

13 TRANSTORNO AUTISTA ................................................................................ 51

13.1 Dificuldades cognitivas da criança autista ................................................. 54

13.2 Tratamento e intervenção ......................................................................... 55

14 DISLEXIA.... ..................................................................................................... 55

14.1 Dislexia e Distúrbio da Atenção/Hiperatividade......................................... 58

14.2 Dislexia e Baixo Peso ao Nascimento ....................................................... 59

14.3 Influências Genéticas na Dislexia ............................................................. 59

15 DISCALCULIA .................................................................................................. 60

16 OUTRAS ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM ESCRITA - DISGRAFIA E


DISORTOGRAFIA................................................................................................. 63

17 POSSÍVEIS INTERVENÇÕES ......................................................................... 63

18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 65

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2 INTRODUÇÃO

Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material


virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro –
quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao
professor e fazer uma pergunta que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema
tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem
e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em
perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que
serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da
semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.
Bons estudos!

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3 OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E A PRODUÇÃO DO FRACASSO
ESCOLAR

A aprendizagem sempre passa pelo Sistema Nervoso Central, no entanto,


segundo Rotta (2006), nem sempre ele é responsável pelo fracasso escolar. Dados
apontam que as dificuldades para a aprendizagem podem chegar a 50% e como
causas primárias têm-se problemas como a dislexias, discalculias, dispraxias,
disgnosias, déficits de atenção e hiperatividade, que necessitam ser investigados.
No entanto não são as únicas causas, devem-se olhar também as causas não
primarias como problemas físicos, socioeconômicos e pedagógicos.
De acordo com Sampaio (2011) são inúmeros fatores que podem
desencadear problemas ou dificuldades de aprendizagem, entre eles estão: fatores
orgânicos, fatores psicológicos e fatores ambientais.
Rotta (2006) aponta para o fato de que as crianças com dificuldades de
aprendizagem muitas vezes são diagnosticadas de forma errada, chegando ao
atendimento com um prédiagnóstico. Para tanto o autor coloca que fatores
envolvidos nas dificuldades para aprendizagem podem ser divididos em:

 Fatores relacionados com a escola. Para Rotta (2006), nesses fatores


estão envolvidas desde as condições físicas do ambiente, as condições
pedagógicas e condições do corpo docente no que se refere a motivação,
dedicação, qualificação e remuneração adequadas.
 Fatores relacionados com a família. Sendo que a família também deve
oferecer condições para o sucesso da aprendizagem, onde fatores como
alcoolismo, drogadição, pais desempregados ou comportamento antissocial
atingem diretamente a criança. (ROTTA 2006).
 Fatores relacionados com a criança. Rotta (2006) aponta a necessidade
de distinguir os problemas físicos em geral, dos problemas psicológicos e problemas
neurológicos.

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Neste contexto, Rotta (2006) considera que para atender crianças com
dificuldades para a aprendizagem se faz necessária uma equipe multidisciplinar,
que possa entender a criança como um ser global, e não dividida em pequenas
partes, avaliadas e tratadas de forma isolada. Sendo assim, para o diagnóstico
devem ser considerados os seguintes fatores: fatores orgânicos, fatores específicos
de adequação percepto-motriz e fatores psicogênicos e fatores ambientais.
No Brasil, segundo Sisto (2001), as dificuldades de aprendizagem são o
centro dos problemas do fenômeno de fracasso escolar que é caracterizado por um
alto índice de repetição e evasão escolar. De acordo com Souza (1997), o aluno
brasileiro permanece em média 8 anos e meio na escola, e apenas três entre cem
concluem o primeiro grau sem repetência, sendo que 70% dos alunos de 8ª série
estão fora da idade real para o período.
Souza (1997) ressalta que um aluno, ao repetir, terá a oportunidade de
refazer ou aprender o que não conseguiu, segundo a lógica da repetência, no
entanto, pesquisas apontam que crianças que repetem têm metade das chances de
serem aprovadas no próximo ano, desta forma a repetência pode reforçar sua
estigmatização, marcando-as como diferentes ou deficientes. Outro dado é o de que
a maioria de crianças repetentes ou que se evadem da escola provêm das camadas
mais pobres da população.
Segundo Souza (1997), pesquisas apontam que 70% dos
encaminhamentos feitos de crianças na faixa de 5 a 14 anos para atendimento
psicológico tem como queixa problemas de escolarização, sendo que metade das
crianças encaminhadas eram ingressantes cujos professores acreditavam ter
problemas de aprendizagem. Onde Souza (1997), que um certo olho clinico do
professor, já representa o início da responsabilização do aluno pelas dificuldades
de aprendizagem.
Sendo desta forma a queixa escolar a principal causa de encaminhamentos,
Souza (1997) enfatiza em sua pesquisa que ao analisar a faixa etária das crianças,
os problemas se apresentam tanto no início do processo de aprendizagem, mas
também em sua continuidade, e com aquelas que estão repetindo o ano. Souza
(1997) cita que quando as crianças se encontram no início da alfabetização, essas

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dificuldades podem significar um conjunto de expectativas escolares em relação ao
aluno, então todo aluno que se desviar do padrão pode ser visto como um problema
potencial.
Assim, a base do atendimento psicológico para crianças com queixas de
dificuldade de aprendizagem baseia-se na entrevista inicial e anamnese, aplicação
de testes, encaminhamento psicoterapêutico e orientação aos pais. É importante
também não olhar a queixa escolar como responsabilidade única da criança
encaminhada e não considerar o fracasso escolar apenas como processo
emocional, sendo necessária a prática de um conjunto de avaliações, desde o
social, cultural, passando pelo psíquico, compreendendo a dificuldade apresentada,
para se ter um diagnóstico seguro (SOUZA, 1997).

4 APRENDIZAGEM HUMANA: UM CONCEITO MULTIPARADIGMÁTICO

O conceito de aprendizagem é discutido por diversas perspectivas teóricas.


Desde o século XIX muitas teorias foram propostas para explicar esse fenômeno.
Algumas foram superadas, atualizadas e transformadas em novas perspectivas,
entretanto, observa-se que atualmente muitas coexistem, dando uma característica
multiparadigmática ao conceito. Ou seja, há diferentes abordagens para tratar
desse mesmo fenômeno, sob diferentes aspectos (ILLERIS, 2013).
Rotta, Bridi Filho e Bridi (2016) destacam que a aprendizagem é objeto de
estudo de diferentes ciências, tais como a psicologia, a pedagogia e a neurologia.
Isso ocorre devido à sua importância para a cultura, visto que todos os seres
humanos precisam aprender formal ou informalmente. Na atualidade, a
escolarização e a apropriação do conhecimento sistematizado é uma
obrigatoriedade na nossa sociedade e essa característica tem trazido um olhar mais
atento a esses processos.
De acordo com Feldman (2015), Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018),
a aprendizagem pode ser entendida, de uma maneira ampliada, como uma
mudança relativamente permanente no comportamento humano em decorrência de
uma experiência. Na mesma linha de compreensão, Illeris (2007) define
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aprendizagem como um processo que leva a uma mudança permanente na
capacidade de um organismo vivo qualquer, que não seja decorrente unicamente
do amadurecimento biológico ou do envelhecimento.
Vale destacar ainda, de acordo com Gazzaniga, Heatherton e Halpern
(2018), que a aprendizagem ocorre quando a experiência torna o sujeito mais bem
preparado ou adaptado para lidar com o meio em situações futuras. Ou seja, nem
toda a mudança pode ser considerada aprendizagem, ela precisa resultar em uma
melhor adaptação ou preparação para lidar com algo ou com alguma situação, isto
é, a aprendizagem requer uma melhoria. Nesse sentido, a capacidade de aprender
é essencial para o ser humano, determinando desde o desenvolvimento de
habilidades básicas, como andar e falar, até habilidades complexas, como se
relacionar com outras pessoas ou realizar cirurgias cardíacas.
Desde o nascimento o ser humano já está preparado para aprender.
Entretanto, os bebês apresentam um processo de aprendizagem mais simples
chamado de habituação. Consiste na adaptação a um estímulo, como o que ocorre
quando um bebê vê um brinquedo colorido pela primeira vez. Naquele momento o
estímulo (brinquedo) chama muito a sua atenção, porém, com o passar do tempo,
aquele estímulo já não surte o mesmo efeito, ou seja, o bebê se adapta ou se
habitua àquela informação. Os adultos continuam apresentando o processo de
habituação, contudo, a aprendizagem também passa a ocorrer de maneiras mais
complexas (FELDMAN, 2015).
Gazzaniga, Heatherton e Halpern (2018) destacam três tipos principais de
aprendizagem:

• Não associativa: quando alguém aprende sobre um estímulo, como uma


imagem ou um som, e emite uma resposta em decorrência daquele estímulo. Um
exemplo é o que ocorre quando você ouve um som e vai em busca de onde ele está
vindo. Fazem parte desse tipo a já mencionada habituação e também a
sensibilização – quando a resposta a um estímulo aumenta com o passar do tempo.
• Associativa: quando a pessoa aprende a relacionar/associar um evento
com outro. Nesse tipo de aprendizagem a pessoa aprende que os estímulos do

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ambiente, as respostas comportamentais que ela emite e as consequências dessas
respostas estão relacionadas. Um exemplo é o que ocorre quando você relaciona
ter dor dente ao comportamento de ir ao dentista, essa relação é considerada uma
aprendizagem do tipo associativa.
• Por observação: quando alguém adquire ou muda um comportamento a
partir da observação de como outras pessoas se comportam. Por exemplo, quando
você assiste a um tutorial de como preparar um prato e passa a implementar esse
novo repertório de comportamento na sua vida.

Complementando esse raciocínio, Illeris (2013), na obra Teorias


contemporâneas da aprendizagem, destaca três dimensões ou esferas da
aprendizagem:

1. Conteúdo: diz respeito ao que é aprendido, engloba conhecimentos,


habilidades, insigths, significados, valores, postura, modo de agir, entre outras
coisas que contribuem para a compreensão e para a capacidade de quem aprende.
2. Incentivo: esfera relacionada à energia necessária para promover a
aprendizagem. Engloba sentimentos, motivação, emoções. Sua função é garantir o
equilíbrio mental.
3. Interação: diz respeito aos impulsos que dão início ao processo de
aprendizagem, tais como: percepção, ação, experiência, imitação, participação,
entre outros.

Na figura a seguir, você poderá ver de forma esquemática como as


dimensões se organizam (HEUMANN, 2018):
Note que o triângulo evidencia o campo de tensão em que a aprendizagem
ocorre, entre as três dimensões/esferas, ou seja, para que a aprendizagem ocorra
é necessário que as três dimensões estejam em interação. Sendo assim, de acordo
com o autor, no processo de aprendizagem as três esferas precisam estar presentes
e se relacionar (ILLERIS, 2013).

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Dando continuidade a essa compreensão, Illeris (2013) ainda destaca dois
processos essenciais na aprendizagem:

• Processo externo: remete à interação do indivíduo com o meio no qual


está inserido.
• Processo psicológico/interno: remete à aquisição e à elaboração das
informações disponíveis no meio.

Para Illeris (2013), esses processos ocorrem em toda forma de


aprendizagem, contudo, algumas teorias se dedicam mais à compreensão e
explicação de um ou de outro processo. Por exemplo, teorias cognitivistas
costumam se dedicar mais aos processos internos, enfatizando os aspectos
mentais. Já as teorias de aprendizagem social tendem a destacar mais os
processos externos, de interação do indivíduo com o meio. Destaca-se, nesse
sentido, que ambas as teorias contribuem para o desenvolvimento da compreensão
do conceito através de uma abordagem diversificada, demonstrando a

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característica multiparadigmática da aprendizagem. Na sequência você vai estudar
as teorias cognitivas de aprendizagem e, posteriormente, verá a teoria de
aprendizagem social, também conhecida como sociocognitiva.

5 A APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS MATEMÁTICOS

A educação matemática sofreu diversas mudanças e nesse procedimento


também nos deparamos com as inovações para ajudar o ensino e aprendizagem.
Se avaliarmos as dificuldades dos estudantes na aprendizagem matemática
podemos assinalar que uma delas está relacionada com a interpretação de
situações problemas pela carência de entendimentos de conceitos. Essa dificuldade
pode ser elucidada pela teoria da aprendizagem significativa de Ausubel que explica
a falta de subsunções capazes de proporcionar a ancoragem de novas
considerações (MELO et al., 2006).

Para muitos estudiosos a aprendizagem está definida como o


processo por meio do qual os indivíduos adquirem novos conhecimentos,
produzidos pela sociedade, desenvolvem competências e mudam o
comportamento relativamente estável (LIMA, 2011, p. 25, apud AUSUBEL,
1980).

Assim sendo, precisamos destacar a aprendizagem de conceitos nas aulas


de matemática para que os conceitos procedimentais e atitudinais sejam melhores
desenvolvidos e que de fato ocorra mudança comportamental estável pelos
estudantes (MELO et al., 2006).
A Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel – TAS propõe que a
pessoa receba informações através da linguagem dos signos de maneira verbal e
eficiente, em que o ensino guie a um conhecimento seguro e durável, ou seja,
quando se aprende de forma significativa é plausível dominar conceitos e
proposições de tal forma que se consegue integrar uma nova informação nos
conhecimentos antecipadamente adquiridos (MELO et al., 2006).
Ausubel (1980) defende também que a aprendizagem significativa se
desenvolve proporcionando primeiramente os conceitos mais gerais e inclusos para

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depois progressivamente proporcionar os conceitos mais específicos e
subordinados. Esses conceitos mais gerais e abrangentes servirão de ancoras aos
conceitos existentes e depois progressivamente diferenciados em termos de
detalhes.
Essa ideia de hierarquia de conceitos exibida na TAS de Ausubel pelo
princípio da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa permitiu a Novak
(1972) e seus colaboradores idear os mapas conceituais. Segundo Lima (2011, p.
39-40):

Mapas conceituais são representações visuais que podem


estabelecer relações bidirecionais (vertical/ou horizontal), podendo ser
constituído por círculos e/ou retângulos onde se escrevem conceitos
seguidos de linha (ligações), com proposições que estabelecerão a relação
entre esses conceitos. Representam uma estruturação hierárquica que vai
desde os conceitos mais abrangentes até os menos inclusivos.

O procedimento de construção de mapas conceituais permite a


exteriorização do conhecimento através da representação visual que cada pessoa
elabora. Está estruturado em conceitos, palavras de ligações e proposições (MELO
et al., 2006).

Conceito (substantivo): Segundo Novak e Gowin (1984) são imagens


mentais que geram as palavras ou signos com os quais expressamos regularidades.
Palavras de ligações (verbos): termos usados para atrelar os conceitos e
formar as proposições. Individualiza esses mapas das demais representações
esquemáticas (resumos, organogramas, mapas mentais, etc.) (MELO et al., 2006).
Proposições: unidade semântica composta pela união dos conceitos com
as palavras de ligação no qual determina a ideia ou algo que se tem do conceito
(MELO et al., 2006).

Conceito + Palavra de Ligação + Conceito = Proposição

A edificação de mapas conceituais, proposta por Novak, contribui para o


reconhecimento da Diferenciação Progressiva e da Reconciliação Integrativa entre

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os conceitos. Podemos edificar mapas conceituais a partir de uma pergunta, um
problema, um assunto ou ainda um simples texto (MELO et al., 2006).

Ausubel sustenta o ponto de vista de que cada disciplina


acadêmica tem uma estrutura articulada e hierarquicamente organizada de
conceitos que constitui o sistema de informações dessa disciplina. [...]
Esses conceitos estruturais podem ser identificados e ensinados ao
estudante, constituindo para ele um sistema de processamento de
informações, um verdadeiro mapa intelectual que pode ser usado para
analisar o domínio particular da disciplina e nela resolver problemas
(MOREIRA e MASINI, 1982, p.42).

Algumas considerações podem ser importantes para o procedimento de


construção de um Mapa Conceitual (ONTORIA et al., 2004); citaremos algumas
dessas ideias:

1. Os mapas conceituais precisam reunir um número pequeno de conceitos


e ideias de forma que o aluno possa realmente propagar o que compreendeu de
determinado conteúdo;
2. Isolar conceitos e palavras de ligação, compreendendo que estas
categorias de palavras vão cumprir diferentes funções;
3. Hierarquizar os conceitos, alocando na parte superior os mais gerais
(inclusivos) e na parte inferior os mais específicos (menos inclusivos);
4. Precisam ser montados várias vezes, porque o primeiro que se constrói
quase sempre tem alguma falha e após uma releitura sempre é possível fazer
correções que tornem mais claros ou que possibilitam melhorar as ligações;
5. O mapa conceitual precisa ser acessível ao entendimento de outra
pessoa com o mesmo nível de conhecimento, com a finalidade de observar os
aspectos visuais e os conceitos formados.

Dessa forma, através do uso de mapas conceituais é possível visualizar


com maior abrangência o conteúdo e suas inter-relações e através deles estimular
a reflexão, possibilitando o estudante a desenvolver suas capacidades analítica,
criativa e conversacional. O ensino de matemática nos últimos anos tem

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evidenciado que a aprendizagem dos conteúdos está voltada genuinamente para a
memorização e descontextualizada com a realidade do aluno (MELO et al., 2006).
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1999, p.
40-41):

[...] a matemática tem um valor formativo, que ajuda a estruturar


o pensamento e o raciocínio dedutivo, porém também desempenha um
papel instrumental, pois é uma ferramenta que serve para a vida cotidiana
e para muitas tarefas específicas em quase todas as atividades humanas.
[...] mas também deve ser vista como ciência, nesse sentido o aluno deve
perceber que as definições, demonstrações e encadeamento conceituais
e lógicos têm a função de construir novos conceitos e estruturas a partir de
outros e que servem para validar intuições e dar sentido às técnicas
aplicadas.

Assim é necessário que o professor responsável por esse método de ensino


e aprendizagem seja medianeiro entre o conteúdo matemático e a aprendizagem
do aluno, de maneira que aconteça uma aprendizagem significativa, para que
consiga desenvolver um cidadão crítico, autônomo e com habilidades em estratégia
para resolver problemas envolvidos na vida profissional e cotidiana (MELO et al.,
2006).
De acordo com os PCN (BRASIL, 2002, p.120), um grupo de temas, que
possibilitem o desenvolvimento das competências desejadas com relevância
científica e cultural e com articulação lógica das ideias e conteúdos matemáticos
está desmembrado em três eixos (ou temas) estruturadores: Álgebra, Geometria e
Análise de Dados.

6 OS TERMOS DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM (DA) E INTERVENÇÃO


PSICOPEDAGÓGICA (IP)

6.1 O Termo Dificuldade de Aprendizagem (DA)

Usa-se o termo dificuldade de aprendizagem no sentido internacional do


DSM-IV-TR e consensual do Comitê Conjunto para as Dificuldades de
Aprendizagem.

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O DSM-IV-TR qualifica os transtornos da aprendizagem dentro dos
transtornos geralmente diagnosticados pela primeira vez na infância ou na
adolescência, ponderando o transtorno da leitura, o da matemática, o da expressão
escrita e o transtorno da aprendizagem sem outra particularização. A categorização
da American Psychological Association (APA, 1995a, b) é compatível com a
inserção das dificuldades de aprendizagem como um tipo transtorno de
desenvolvimento, e em comparação a outros transtornos que aparecem ao longo
do desenvolvimento e que carecem de intervenção psicopedagógica (García, 1999).
De acordo com a conceitualização internacional, as dificuldades de
aprendizagem se distinguem por um funcionamento substancialmente abaixo do
esperado, ponderando a idade cronológica do indivíduo e seu quociente intelectual,
além de interferirem significativamente no resultado acadêmico ou na vida cotidiana,
exigindo um diagnóstico alternativo nos casos de déficits sensoriais. Admitiam-se,
portanto, um critério de discrepância entre a aptidão e o resultado e um critério de
exclusão, além do baixo rendimento e da interferência na vida cotidiana. Esses
critérios de exclusão e de discrepância foram e ainda são muito debatidos. A partir
daí, aparecem propostas de intervenção psicopedagógica e modelos
fundamentados nos processos nucleares das habilidades de leitura, de escrita e de
matemática (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
A conceitualização do Comitê Conjunto sobre Dificuldades de
Aprendizagem se encontra na mesma linha, ao sugerir que as dificuldades de
aprendizagem são algo heterogêneo, supõem problemas significativos na aquisição
das habilidades de leitura, de escrita e/ou de matemática, que se pensam ser
intrínsecas ao indivíduo, é possível descobrir superposição com outros problemas
que não se devem a influências extrínsecas. Essa conceitualização (NJCLD, 1988;
1998a, b), encontrada na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), é a mesma
usada neste livro.
Linda S. Siegel (1999) reflete atualmente sobre a problemática da definição
e do diagnóstico das dificuldades de aprendizagem à luz dos alunos universitários,
focalizando-a à volta de quatro questões importantes:

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a) Quem são os estudantes com dificuldades de aprendizagem?
b) Como podem ser analisadas as dificuldades de aprendizagem?
c) Quem está permitido e qualificado para tomar a decisão sobre se uma
pessoa tem ou não tem dificuldades de aprendizagem?
d) E quais adaptações podem ser realizadas nas instituições após o ensino
médio e como serão as seleções?

A proposta de Linda S. Siegel para decidir se há dificuldade de


aprendizagem inclui: a utilização de testes padronizados de rendimento em leitura,
soletramento, cálculos aritméticos, solução de problemas matemáticos, como algo
primordial; o uso de amostras escritas, tanto de escrita como de matemática, como
algo essencial; outros exames segundo o interesse ou a investigação como algo
não-essencial – por exemplo, o QI não tem relevância, é inútil e pode ser
discriminatório; a análise de erros sistemáticos como algo primordial; a conversa
com o aluno, como algo essencial, para definir os pontos fracos e fortes. As
dificuldades de aprendizagem podem acontecer em alunos com verdadeiro talento
na arte, na dança, na mecânica, na música e/ou no esporte. Podemos ter como
exemplo Agatha Christie e W.B. Yeats, que apresentavam dificuldades de
aprendizagem, e ninguém duvida de que exibiam considerável talento. Estes pontos
podem ajudar muito no projeto das adaptações educativas (Siegel, 1999).
É inaceitável a concepção de dificuldades de aprendizagem como um tipo
de “via final comum”, como se estabelecia no Desenho Curricular Básico (DCB), ao
entender que, independentemente de qual seja o motivo do atraso ou do problema
que causa a limitação de aprendizagem, quando isso acontece, teria de se pensar
em um aluno com necessidades educativas especiais. É a concepção do informe
Warnock e do molde inglês (citado por O’Hara e Sperlinger, 1997). Em geral, no
modelo inglês se entende as dificuldades de aprendizagem gerais com o retardo
mental e se fala de dificuldades de aprendizagem leves, moderadas, graves e
profundas. O termo dificuldades de aprendizagem específicas seria alocado para as
dislexias, as disgrafias, as disortografias ou as discalculias. No modelo espanhol
(Jiménez e Hernández, 1999), as dificuldades de aprendizagem não possuem

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entidade específica nem prevalece nas universidades espanholas, nas quais se
assume o modelo internacional e consensual.
As probabilidades e os prognósticos das dificuldades de aprendizagem são
variáveis (Klinger et al., 1998) e têm analogia com a intervenção. De tal modo, há
em todo o livro um destaque na superação dos problemas ou intervenção
psicopedagógica.

6.2 O Termo Intervenção Psicopedagógica (IP)

A intervenção psicopedagógica é tida como fazendo parte integral das


dificuldades de aprendizagem. As DAs só podem ser compreendidas em relação à
intervenção (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
O campo da intervenção psicopedagógica (Beltrán et al., 1993) é bem mais
amplo do que o das, já que a IP ainda se refere aos problemas do desenvolvimento,
à orientação em geral, à educação e a vários outros campos que são alvo do estudo
de outras disciplinas próximas. Aqui, o que importa é a avaliação e a melhora dos
indivíduos com DA. Realmente, a conceitualização consensual das sugere uma
análise dos princípios nos quais se baseiam, seguidos da proposta da metodologia
de intervenção (NJCLD, 1998). São diversos os elementos que devem ser
considerados e muitos os focos nos quais se consolida (Beltrán et al., 1993).
A intervenção psicopedagógica foi conceitualizada em relação aos
problemas do desenvolvimento (García, 1999), e é aplicável aqui em grandes
traços.
Falar de intervenção é discorrer de intervenção mais ou menos
especializada, mas sempre fundamentada cientificamente em arquétipos teóricos e
que supõe, em geral, uma implementação tecnológica. Partindo de modelos
teóricos mais ou menos extensos, chega-se a desenvolvimentos tecnológicos ou
aplicados, de maneira rigorosa e controlada. A intervenção, portanto, é de caráter
intencional e planejado, demandando um certo nível de estruturação e de
formalização (SANCHÉZ, NICASIO 2004).

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Quando se realiza a intervenção por meio de outros, como no caso da
intervenção familiar precoce para a linguagem (Clemente e Linero, 1997), suas
características são distintas das características da intervenção realizada por um
profissional, pois sua eficácia consistiria em monitorar o procedimento de forma que
se ajustasse às características naturais e informais da interação mãe-pai-criança no
desenvolvimento normal.
Igualmente, a intervenção que o profissional conduz por meio dos
professores ou pelo manejo da instituição educacional, familiar ou comunitária teria
essas características de naturalidade e de ser indireta. A intervenção é facilitadora,
constitui pontes (bridging) e ajudas com andaimes (scaffolding) que devem ser
gradualmente retiradas para facilitar a autonomia. A intervenção se colocaria ao
longo de um contínuo de graduação em alguma dessas características: poderá ser
direta ou indireta, especializada ou não, formal ou informal, intencional ou incidental,
planejada ou espontânea, global ou específica, sistêmica ou parcial. Mesmo que
elas possam apresentar certas superposições quando concretizamos as
intervenções concretas, e nem sempre seja fácil sua distinção, essas características
dão uma noção da complexidade diante da qual nos situamos (SANCHÉZ, NICASIO
2004).
Uma questão capital é que a intervenção não apenas segue os princípios
de modelos teóricos, e, portanto, de aplicação tecnológica, como também é
conduzida por princípios e valores filosóficos importantes, como é o caso do
“princípio da normalização” ou de outros princípios deduzidos do anterior e
apontados pelas administrações públicas, como o de setorização dos serviços ou o
de integração escolar, social e profissional, para dar somente um exemplo
paradigmático. Outra questão de grande importância é o fato de que a intervenção
não somente parte das necessidades apresentadas pelas pessoas com dificuldades
de aprendizagem e por suas famílias, como também das necessidades que, em
relação a isso, despontam as pessoas do meio em que participam ou com quem
interagem (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
Assim como as dificuldades de aprendizagem foram produto de uma
construção social (Fierro, 1997), a psicopedagogia é uma disciplina

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contemporânea quanto à sua organização acadêmica nas universidades da
Espanha, pois se situou como licenciatura de ensino superior em meados da década
de 1990, supondo a interseção da psicologia e da pedagogia; é uma construção
social, já que se constitui em função de uma decisão administrativa, e produto de
uma demanda social.
Isso, contudo, não desmerece suas possibilidades científicas, que partem
de moldes teóricos e produzem desenvolvimento tecnológico. Se esses moldes e o
desenvolvimento são coerentes e organizados de forma própria e característica,
poderíamos falar de uma disciplina caracterizada ou de um grande campo
diferenciado e que intervém em âmbitos peculiares, e também muito amplos, como
o das dificuldades de aprendizagem (García, 1995, 2000; González-Pienda e
Núñez, 1998; Jiménez, 1999; Miranda et al., 2000) ou o dos Transtornos Globais do
Desenvolvimento (García, 1993; 1996; 1999; García e Alonso, 1985), seja nos
contextos escolares, vocacionais, familiares, comunitários, profissionais, etc., ou se
consolida em disciplinas de ensino, como a psicologia do ensino (Beltrán, 1993;
Beltrán e Genovard, 1996, 1999; Genovard, Beltrán e Rivas, 1995; Genovard e
Gotzens, 1997), e que se pondera fundamental e prévia ao estudo das dificuldades
de aprendizagem (DAs).
O profissional designado, em outros momentos, “psicólogo escolar” ou
“psicólogo” que atuava em âmbito educacional, ou o “pedagogo” que focalizava sua
atuação nessa mesma área, seriam os predecessores imediatos dessa situação.
Como há uma grande complexidade na resposta que pode ser adquirida da
psicologia ou da educação, a disciplina que aparece desta interseção é proveniente
desta mesma situação. Bem como as respostas de cada uma das disciplinas estão
baseadas cientificamente, as da psicopedagogia também. Uma primeira fonte de
compreensão da intervenção com o qualificativo de psicopedagógica, logo, é dada
pelas contribuições disponíveis da psicologia e da pedagogia ou educação. Porém,
como toda disciplina, busca uma construção própria, à qual deverá ser desenvolvida
nos próximos anos (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
Uma ilustração dessa maneira de intervenção paradigmática, que
chamamos atuação evolutiva e educativa (García, 1990), gira em torno da ação na

19
avaliação, da ação no programa de integração escolar, da ação de tipo consultiva,
da ação na formação de professores, da ação na orientação e da ação preventiva
do fracasso escolar. Todos esses níveis de ação incidem na melhoria da qualidade
do ensino e são de caráter particularizado, intencional e delineado, que supõem um
modelo integrador de conhecimentos psicológicos e educativos.
Uma contribuição muito respeitável e frutífera no mundo anglo-saxão é a
originária da psicologia da educação (educational psychology). De certa forma, o
“psicopedagógico” em países de língua espanhola e portuguesa se assimila ao
domínio da educational psychology. Os conhecimentos e as contribuições
consequentes destes avanços, assim, teriam de ser integrados aqui (SANCHÉZ,
NICASIO 2004).
A questão é que o psicopedagógico é mais extenso e rico, pois concebe
situações não só de “psicologia do ensino” ou de “psicologia escolar” ou até mesmo
da “psicologia clínica escolar”, como também circunstâncias de aspectos
educativos, manobrando claramente variáveis organizativas (Cantón, 1999), de
qualidade educativa (Marchesi e Martín, 1998), de contexto familiar e social,
contendo a educação não-formal e a perspectiva do ciclo vital.
A psicopedagogia, que aparece em torno de certas figuras de profissionais;
que é constituída a partir do Poder Público quando define que é preciso formação
de nível superior; que tem suas raízes na tradição da psicologia e da pedagogia;
que acumula a tradição anglo-saxã da psicologia educacional e outras tradições,
como o aconselhamento e a orientação psicológica no âmbito escolar, a psicologia
clínica escolar – como a de Lightner Whitmer – e as tradições educacionais mais
comuns como a da educação especial; começa a cobrar vida própria e necessita
uma construção como disciplina autônoma. Esse caminho em construção pode ser
ilustrado ao ser abordado o assunto da intervenção psicopedagógica. Ao falar,
porquanto, de intervenção psicopedagógica, não se faz senão determinar
profissional e cientificamente um tipo de intervenção (García, Cantón e García,
1990). A intervenção psicopedagógica é a que os psicopedagogos fazem, e,
portanto, é especializada, intencional e esquematizada. Mas é também a que se

20
atinge a partir dos moldes teóricos e tecnológicos respectivos, que nascem da
disciplina psicopedagógica (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
Os aportes educacionais que implementam a utilização de melhores
estratégias (Kovach, 1999); os aspectos da autodeterminação (Field, 1996; Field e
Hoffman, 1998a, b, c), da aprendizagem autorregulada (Butler, 1995; 1998a, b;
1999; Roces e González, 1998), da potencialidade do planejamento como na escrita
(Graham, 1997; Graham et al., na imprensa; Mather e Roberts, 1995; Sexton, Harris
e Graham, na imprensa; Sorenson, 1997; Wong, 1997, 1998; Wong et al., 1996,
1997), de superação do fracasso e baixo rendimento (Goldstein e Mather, 1998)
esclarecem a aplicação ao campo das dificuldades de aprendizagem dos
conhecimentos mais atualizados procedentes da psicologia científica e,
essencialmente, da psicologia cognitiva e do ensino. Simulam formas de
intervenção que podemos catalogar de psicopedagógicas.
Os aspectos centrados nas necessidades curriculares (Baker et al., na
imprensa; Ellis, 1998; García, 1997b) e na diversidade de aprendizagem (Álvarez e
Soler, 1997) também são importantes na intervenção psicopedagógica, abrangendo
as acomodações educativas (McGuire, 1998). Também são aspectos de
intervenção, importantes para a área de dificuldades de aprendizagem, quando se
consolidam em âmbitos específicos, como o da consciência fonológica (Jiménez e
Ortiz, 1998), o da leitura (Rueda, 1995, 1998), o da compreensão da leitura
(Sánchez, 1998; García Madruga, 1997; García Madruga et al., 1999), o da leitura
e escrita precoces (McLane e McNamee, 1999), o da resolução de problemas
matemáticos (Garrido e Prieto, 1997) ou de atribuições causais (G. Cabanach e
Valle, 1998) ou de distintas situações pessoais do aluno (GonzálezPienda, 1996;
González-Pienda e Núñez, 1997; González-Pienda et al., 1998; Núñez e González-
Pienda, 1994), o do tipo de estratégias de aprendizagem e o autoconceito (Núñez,
González-Pienda et al., 1998a, b, c; Núñez et al., 1995), o da auto eficácia
(Hampton, 1998), o das atribuições (Tur-Kaspa, Weisel e Segev, 1998), o da
metacognição (Justicia, 1996), o da motivação (Valle e G. Cabanach, 1998), o das
realizações sociais das pessoas com dificuldades de aprendizagem (Vaugh et al.,
1998); quando se consolidam nos problemas de atenção e de controle de impulsos

21
(Miranda e Presentación, 1997), do uso estratégico na sala de aula (Monereo et al.,
1994, 1997; Nisbet e Schucksmith, 1987); quando se consolidam a partir de
diferentes modelos de inteligência para o desenvolvimento educacional (Castelló,
1995) e para o apoio do desenvolvimento do pensamento (Pérez, Bados e Beltrán,
1998; Prieto, 1995) ou para o estímulo da estratégia de solução de conflitos (Beltrán,
1999b).
O conhecimento dos procedimentos cognitivos envolvidos nas diferentes
áreas curriculares (Beltrán e Genovard, 1999) é obrigatório para o projeto da
intervenção psicopedagógica. A criação de modelos de intervenção
psicopedagógica rígidos e científicos é uma precisão básica para a conquista da
linguagem (Vila, 1999), das ciências sociais (Rivera, 1999), das ciências (Beltrán,
1999a), da matemática (Lago e Rodríguez, 1999; Maza, 1991a, b, 1995), do setor
esportivo e da educação física (García Correa e Marrero, 1999), dos valores sociais
(Beltrán, 1999b), e para seu bom emprego no campo das dificuldades de
aprendizagem e dos conhecimentos da psicologia cognitiva e de seu bom emprego
por meio da psicologia do ensino. O uso de técnicas específicas, como a de análise
de tarefas para o projeto de ensino (Castejón, 1999) ou o foco do comportamento
docente e sua otimização (Aymerich e Gotzens, 1999), contida a do próprio
professor universitário (Genovard, Castelló e Gotzens, 1999), devem ser
consideradas como elementos da intervenção psicopedagógica que se realiza em
relação às dificuldades de aprendizagem. Os conhecimentos educacionais, enfim,
devem ser implementados tanto nos contextos reais e da aula (Stone, 1998) como
também em relação às pessoas com dificuldades de aprendizagem.
A ascensão dos professores e dos profissionais em relação às realizações
das pessoas com dificuldades de aprendizagem também é extraordinária na
intervenção (Simmons et al., 1998), assim como pode ser essencial seguir um
enfoque construtivista e ativo (Spivey, 1997) da aprendizagem e de suas
dificuldades, admitindo uma intervenção que valoriza a aquisição de conhecimentos
ativos e autorregulados pelos próprios alunos, e não realçando somente a prática
necessária para superar as dificuldades. Os modelos de ensino universitário (Rivas
e Descals, 2000), e que calham na formação dos futuros profissionais, como os

22
psicopedagogos, também são um caminho que permite melhorar a qualidade da
docência universitária (Genovard, Castelló e Gontzens, 1999).
A definição consensual do NJCLD baseia-se em cinco princípios, que são
(SANCHÉZ, NICASIO 2004):

1. As DAs são heterogêneas, inter e intra-individualmente.


2. As DAs pressupõem dificuldades expressivas na aquisição e no uso da
compreensão, na fala, da leitura, da escrita, do raciocínio e/ou das habilidades
matemáticas.
3. As DAs são intrínsecas ao indivíduo.
4. As DAs podem acontecer de forma concomitante com outros problemas
que constituem por si mesmos uma DA.
5. As DAs não se ocasionam por influências extrínsecas.

Devido aos problemas originados para sua aplicação, o NJCLD (1998b), na


última versão, aconselha o uso de um sistema em quatro etapas como forma de
operacionalizar a definição para diagnosticar uma DA e intervir, consequentemente,
proporcionando uma educação especial e outros serviços relacionados. Em cada
uma das etapas se faz uma descrição delas, se analisa o objetivo, as questões
chave que devem ser respondidas, o método a ser seguido, as alternativas de
tomada de decisões e uma composição das mesmas. Neste processo se aceita que
possa haver DA com ou sem discrepância entre aptidão-rendimento (NJCLD,
1998b, p. 190-191):

Considerar toda evidência, incluindo os dados qualitativos e as


diferenças intraindividuais dentro dos pontos fortes e fracos do aprendiz.
As discrepâncias entre aptidão cognitiva/rendimento devem ser usadas
com precaução, porque uma DA pode existir quando não há discrepância
numérica. Tais comparações podem ajudar no diagnóstico do processo.
Os avaliadores cuidadosos examinam toda a informação e reconhecem os
fatores do desenvolvimento, incluindo a idade e a experiência acadêmica,
na determinação do valor de tais discrepâncias.

A primeira etapa indica a descrição dos problemas de aprendizagem antes


da derivação para a avaliação formal, que consiste essencialmente em um processo

23
de apoio e de solução de problemas, como um tipo de avaliação informal e de
intervenção inicial no contexto de sala de aula e com os recursos corriqueiros do
sistema. A segunda etapa é a identificação dos indivíduos com DA. Essa etapa, que
diagnostica e identifica, deveria ocorrer uma só vez na vida de uma pessoa –
comumente. A terceira etapa consiste na determinação da escolha para educação
especial e serviços relacionados. Essa determinação pode ser realizada muitas
vezes ao longo da vida de uma pessoa com DA. A quarta etapa implica a conexão
– bridge – da avaliação com as acomodações e o ensino especializado. Quer dizer,
o desenvolvimento do plano sólido de intervenção, por exemplo, o PDI –
Individualized Education Plan, IEP – em um processo cooperativo, como todas as
quatro etapas (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
Essa operacionalização supõe um avanço, já que o conceito de
discrepância não é uma condição obrigatória, a menos que aconteçam dificuldades
significativas, mas a presença das mesmas deve ser analisada, o que na prática
pode ser um elemento importante na tomada de decisões. Basear-se em uma
primeira etapa de avaliação formal e de introdução de adaptações e procuras de
soluções supõe uma aproximação aos modelos baseados na validade do
tratamento, mas se tratando de um “proclama” de muitas organizações – afirmam-
no nove organizações –, não desce a modelos específicos, que é exigível ao nível
em que estamos fazendo a reflexão, como podem ser as propostas da medição
baseada no currículo (CBM) ou em outras que se delineiam depois (SANCHÉZ,
NICASIO 2004).

6.3 Teorias e Modelos sobre as DAs

Assim como noutras áreas de problemas, existem diversos modelos


teóricos que desenvolvem, de uma forma mais ou menos coesa, as dificuldades de
aprendizagem. A explicação minudenciada de cada uma das teorias mais
importantes pode ser vista em García (1998).
No recente trabalho publicado por Jiménez (1999) há uma síntese das
aparências teóricas das dificuldades de aprendizagem em torno de três tipos de

24
enfoque. O enfoque do processamento da informação, que está sendo o dominante
nas últimas décadas em psicologia em geral e na psicologia das dificuldades da
aprendizagem em particular. O enfoque interativo ou ecológico, no qual estão
inclusas a análise do contexto familiar e escolar e as dificuldades de aprendizagem.
E por último a perspectiva sócio-histórico-cultural, que se desenvolveu nos últimos
anos de maneira notável, como mostramos na obra de García (1998, cap. 5). Esses
enfoques, de uma maneira ou de outra, estão refletidos ao longo de todo o livro.
O enfoque dominante, no entanto, não deixa de ser o do processamento da
informação, se bem que é preciso incluir e integrar as contribuições de outros
enfoques, especialmente quando se considera a intervenção psicopedagógica a
partir de um modelo integral (García, 1999). A essas perspectivas teria de se
acrescentar a neuropsicológica, que é muito frutífera e exerce um papel importante
desde o começo do tema na Espanha (Monedero, 1984), e que, em nível
internacional, sobretudo norte-americano e canadense, é uma perspectiva relevante
para entender a importância da interdisciplinaridade que sempre despontou o
campo das dificuldades de aprendizagem.
Também são importantes as propostas de Miranda (1986), seguidas e
atualizadas por Romero (1983), as quais realizam uma análise exaustiva das teorias
e dos moldes sobre as dificuldades de aprendizagem. Esse empenho classificatório
e de ordenação da complicação das explicações e das contribuições na área das
dificuldades de aprendizagem elucida e mostra que se debruçar sobre essa área
insinua fazê-lo a partir de perspectivas multidimensionais e multiparadigmáticas, e
que não se deve limitar de modo parcial nossa formação e enfoque. Queiramos ou
não, é predominantemente psicológico, ou, se se opta, psicopedagógico.
Miranda (1986) decompõe as diferentes teorias em quatro blocos:

1) as voltadas para o sujeito;


2) as interacionistas;
3) as centradas na tarefa; e
4) as ambientais.

25
Romero (1993) divide-as em três grandes grupos:

1) os modelos centrados na pessoa;


2) os modelos centrados na tarefa e no meio educativo; e
3) os modelos integradores.

Os modelos centrados na pessoa se aludem às explicações


neurofisiológicas ou os modelos médicos, as teorias genéticas, etc., como as
neuropsicologias de Bakker ou de Rourke; às explicações baseadas em déficits nos
procedimentos subjacentes, seja nos processos perceptivos, como no caso de
Kephart, seguidor de Strauss, seja nos processos psicolinguísticos do pai das
dificuldades de aprendizagem, Samuel Kirk; às explicações fundamentadas no
atraso na maturidade ou nas lacunas no desenvolvimento, seja do tipo neurológico,
seja da atenção seletiva, como a de Ross, seja do tipo verbal, como a de Vellutino
– déficit verbal –, ou seja, no processamento ativo e espontâneo da informação ou
do molde das deficiências, como a de Torgesen – ao aprendiz passivo (SANCHÉZ,
NICASIO 2004).
Os modelos centrados na tarefa e no meio educativo reúnem: as teorias
centralizadas na tarefa ou na análise de tarefas e as teorias as centralizadas no
meio sociológico e educativo. As explicações dos modelos integradores incluem: os
enfoques integradores, que abrangem os processos psicológicos subjacentes, e os
enfoques integradores, que exibem as deficiências no processamento da
informação (SANCHÉZ, NICASIO 2004).
Suárez-Yáñez (1996) analisa as seguintes orientações teóricas:

1) biomédica e psicométrica;
2) ambientalista;
3) condutual e de modificação da conduta;
4) cognitiva e metacognitiva e a modificação de conduta cognitiva;
5) a orientação curricular; e
6) a dinâmica e humanística-holística.

26
É acrescentado ainda um modelo próprio integrador de diagnóstico e de
intervenção.

7 O QUE SÃO DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM?

Vejamos a seguir alguns exemplos (SMITH apud STRICK, 2001):

• A professora da 1ª série de Brian o aponta como “um fliperama humano”.


Ele nunca caminha; parte feito um raio. Ele sai de sua cadeira a cada momento para
apontar o lápis, buscar mais papel, olhar os porquinhos- da -índia da classe. Tem-
se a impressão de que ele não aguenta à tentação de comentar sobre tudo o que
vê. Seus colegas sentem-se atrapalhados por sua inquietação e interrupções, mas
punições ou recompensas não produziram qualquer mudança duradoura em seu
comportamento. Em sua avaliação semestral, a professora de Brian anota: “Brian é
inteligente e entusiástico, porém precisa se acalmar. Suas notas estão caindo pois
ele não presta atenção”.
• Aisha, de 11 anos, é quieta e tímida. Ela se esforça muito, mas seu avanço
na escola sempre foi lento. Agora, na 6ª série, se encontra mais de um ano atrás de
seus colegas, tanto em matemática quanto em leitura. Os professores não pensam
que Aisha seja suficientemente inteligente para acompanhar a turma, e suas
expectativas em relação à menina foram comprimidas. Os pais de Aisha dizem que
em casa ela aprende as ideias rapidamente e estão incomodados com a lentidão
do seu avanço na escola. Eles também se mostram preocupados com o fato de
Aisha estar ficando mais tímida a cada dia: ela não possui amigos e passa a maior
parte de seu tempo livre sozinha, vendo televisão.
• Frank foi informado de que repetirá o ano caso não comece a apresentar
suas tarefas e pare de faltar às aulas. Neste ano letivo, ele encarou também outros
problemas, como brigas e vandalismo, além de ter aparecido ao baile da escola em
estado de embriaguez. Frank diz que não se importa se for reprovado – ele planeja
abdicar dos estudos aos 16 anos, de forma que está apenas “matando o tempo” até
lá. Todos, exceto um de seus professores, o consideram hostil e não cooperativo.
27
O professor designado do laboratório de informática diz que Frank é atento e capaz;
ele chega até mesmo a auxiliar outros colegas que não sabem o que fazer.
• Joel é um aluno popular que gosta de praticar esportes desde os primeiros
anos de escola. Ele ganhou medalhas no ensino médio em luta livre, corridas de
pista e beisebol. Também é ativo no diretório estudantil e vende anúncios para o
anuário da escola. Suas notas, entretanto, são muito baixas. Os professores de Joel
reclamam que suas lições de casa são desleixadas, incompletas e sujas; sua
caligrafia é ilegível. “Se ele não estivesse tão envolvido nas atividades
extracurriculares quem sabe conseguiria manter a atenção no trabalho”, aponta sua
professora de história.
“Ele nunca chegará à universidade se não começar a se esforçar!”

Pode ser fácil fazer proposições sobre estudantes como esses. Brian é
imaturo e não tem autocontrole. Aisha é uma criança intelectualmente vagarosa.
Frank exibe uma “má atitude” e problemas emocionais. Joel necessita superar sua
falta de motivação acadêmica. Contudo, se você observar mais de perto, poderá
perceber um quadro bastante diferente (SMITH apud STRICK, 2001):

• A mente dispersiva de Brian e seu impulso para ficar em movimento


chateiam mais a ele e à sua família do que ao seu professor, mas tal comportamento
está além do domínio do menino. Ele não tem a capacidade de planejar suas
atividades com antecedência e deixar de lado as desatenções, de forma que
consiga se concentrar, não importando o quanto tente. Brian também não é capaz
de regular seus impulsos para investigar e ponderar sobre qualquer coisa nova que
descubra. Ao final de cada dia, ele está cansado por responder a todos os sinais e
sons que o rodeiam, mas mesmo assim não consegue “desligar” até dormir (o que
para ele é muito difícil).
• Uma psicóloga desvendou que Aisha possui uma inteligência privilegiada.
Ela deve se esforçar para acompanhar o ritmo de seus colegas pois tem dificuldade
para entender os símbolos escritos. Ela não é capaz de se lembrar de como as
palavras são e tem que penosamente “sondar” toda palavra que lê. (Ela também

28
não consegue se lembrar de mapas ou outros materiais visuais, e copiar a matéria
do quadro é horrível para ela.) A psicóloga articulou aos pais de Aisha que ela se
tornou deprimida devido seus problemas na escola. “Ela vê a si mesma como um
desapontamento total”, disse a psicóloga.
• Frank passou a evitar as aulas e as lições de casa para ocultar o problema
que tem para entender quaisquer orientações verbais ou grande parte do material
que lê. Com uma inteligência acima da média, ele tem êxito em situações de
aprendizagem que não demandam o amplo uso da linguagem. O ingresso no ensino
médio, contudo, não lhe dá muitas chances desse tipo. Frank sente que “não se
encaixa” e almeja por escapar do inacabável fracasso e das críticas que encara na
escola.
• O sucesso de Joel no atletismo dissimula sua fraca coordenação motora
fina. A dificuldade para dominar as mãos faz com que lhe seja extremamente difícil
manusear uma caneta ou um lápis (ele também tem “mão frouxa” em atividades
como lavar pratos). Joel é um estudante aplicado e compreende o conteúdo das
aulas, mas considera basicamente impossível expressar o que sabe quando
necessita fazer isso por escrito.

Todos esses alunos têm dificuldades de aprendizagem, problemas


neurológicos que afetam a capacidade do cérebro para compreender, recordar ou
comunicar informações. Consideradas raras no passado, as dificuldades de
aprendizagem, de maneira suposta, afetam hoje, pelo menos 5% da população
americana (ou mais de 15 milhões de pessoas). Diversas autoridades pensam que
o número de pessoas afetadas é, na verdade, muito maior, e os especialistas
concordam que muitas crianças não vão tão bem quanto poderiam na escola em
razão de dificuldades que não foram identificadas. Ano após ano, vários desses
jovens são erroneamente classificados como pouco inteligentes, insolentes ou
preguiçosos. Eles são constantemente convidados, por adultos ansiosos e
preocupados com seu desempenho acadêmico, a se ajustar ou a se esforçar
(SMITH apud STRICK, 2001).

29
Quando as táticas normais de recompensa e punição falham, os pais e os
professores ficam chateados, mas ninguém sente maior chateação que os próprios
estudantes. “As palavras mais deprimentes da língua são ‘Esforce-se mais’”, relata
um aluno cujas dificuldades foram, enfim, identificadas no ensino médio. “Eu estava
me esforçando, mas ninguém confiava em mim porque eu não estava conseguindo
sucesso.” (SMITH apud STRICK, 2001).
Mesmo que as dificuldades de aprendizagem tenham virado o foco de
pesquisas mais intensas nos últimos anos, elas ainda são pouco compreendidas
pelo público em geral. As informações sobre dificuldades de aprendizagem têm tido
uma agudeza tão lenta que os enganos são fartos até mesmo entre professores e
outros profissionais da educação. Não é difícil entender a desordem. Inicialmente,
o termo dificuldades de aprendizagem condiz não a um único distúrbio, mas a uma
vasta gama de problemas que podem acometer qualquer área do desempenho
acadêmico. Dificilmente elas podem ser atribuídas a uma única causa: muitos
aspectos distintos podem prejudicar o funcionamento cerebral, e os problemas
psicológicos dessas crianças repetidamente são complicados, até certo ponto, por
seus meios doméstico e escolar, além de por questões como temperamento e estilo
de aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem podem ser desmembradas em
tipos gerais, mas uma vez que, com frequência, acontecem em combinações – e
também variam infinitamente em gravidade –, pode ser muito difícil compreender o
que os estudantes agrupados sob esse rótulo apresentam em comum (SMITH apud
STRICK, 2001).
Na realidade, as dificuldades de aprendizagem são geralmente tão sutis que
essas crianças não aparentam ter problema algum. Diversas crianças com
dificuldades de aprendizagem têm inteligência entre a média ou superior, e o que
em geral é mais óbvio nelas, é que são capazes em algumas áreas. Como uma
criança pode conhecer tudo o que é possível sobre dinossauros aos 4 anos, mas
ainda não poder aprender o alfabeto? Como um aluno que lê três anos à diante do
nível de sua série, entrega um trabalho escrito absolutamente incompreensível?
Como uma criança é capaz de ler um parágrafo em voz alta perfeitamente e não
recordar o que leu cinco minutos depois? Não nos surpreende que os estudantes

30
sejam acusados com tanta constância de serem desatentos, não cooperativos ou
desmotivados (SMITH apud STRICK, 2001).
Tal discrepância entre o que aparenta que a criança deveria ser capaz de
realizar e o que ela realmente realiza, entretanto, é a característica desse tipo de
déficit. O que as crianças com dificuldades de aprendizagem possuem em comum
é o baixo desempenho repentino. Na maior parte do tempo, elas operam de um
modo consistente com o que seria imaginado pela sua capacidade intelectual e de
sua estrutura familiar e educacional, mas dê-lhes certos tipos de tarefas e seus
cérebros parecem “travar”. Como resultado, sua performance na escola é
inconsistente: acompanham ou, por vezes, estão à frente de seus colegas de classe
em algumas áreas, mas ficam para trás em outras. Mesmo que os prejuízos
neurológicos possam afetar qualquer campo do funcionamento cerebral, as
dificuldades que mais tendem a gerar problemas acadêmicos são aquelas que
afetam a percepção visual, o processamento da linguagem, as habilidades motoras
finas e a capacidade para focar a atenção. Até mesmo déficits menores nesses
campos (que podem passar totalmente despercebidos em casa) podem causar um
impacto devastador tão logo a criança entre na escola (SMITH apud STRICK, 2001).
Muitas crianças com dificuldades de aprendizagem também enfrentam
comportamentos que pioram suas dificuldades na escola. O mais conhecido deles
é a hiperatividade, uma inquietação extrema que acomete cerca de 25% das
crianças com dificuldades de aprendizagem. Alguns outros comportamentos
problemáticos que podem ser observados em pessoas jovens com dificuldades de
aprendizagem são os seguintes (SMITH apud STRICK, 2001):

Fraco alcance da atenção: A criança se desfoca com facilidade, perde


rapidamente o interesse por novas atividades, pode pular de uma atividade para
outra e, constantemente, deixa projetos ou trabalhos inacabados.
Dificuldade para seguir instruções: A criança pode pedir ajuda
repetidamente, mesmo com tarefas simples (“Onde é mesmo que eu deveria colocar
isto?” “Como é mesmo que se faz isto?”). Os enganos são feitos porque as
instruções não são completamente entendidas.

31
Imaturidade social: A criança age como se fosse mais jovem que sua idade
cronológica e pode preferir brincar com crianças menores.
Dificuldade com a conversação: A criança tem dificuldade em escolher as
palavras certas ou fala sem parar.
Inflexibilidade: A criança teima em se manter fazendo as coisas à sua
própria maneira, mesmo que suas tentativas não funcionem; resiste a sugestões e
a ofertas de ajuda.
Planejamento e habilidades organizacionais deficientes: A criança não
demonstra ter qualquer noção de tempo e frequentemente chega atrasada ou
despreparada. Se várias tarefas são passadas (ou uma tarefa complexa com várias
etapas), ela não tem a mínima noção de por onde começar ou como repartir o
trabalho em segmentos manejáveis.
Distração: A criança repetidamente perde a lição, as roupas e outros
objetos; esquece de fazer as tarefas e trabalhos e/ou tem dificuldades para lembrar
de compromissos ou ocasiões sociais.
Falta de destreza: A criança parece atrapalhada e sem coordenação; em
geral, deixa cair as coisas, derramar, ou agarra os objetos e depois deixa cair; pode
ter uma caligrafia horrível; é tida como completamente inapta para esportes e jogos.
Falta de controle dos impulsos: A criança toca tudo/todos que chama seu
interesse, verbaliza suas observações sem raciocinar, interrompe ou muda
subitamente de assunto em conversas e/ou tem dificuldade para esperar sua vez
de falar.

Esses comportamentos aparecem a partir das mesmas condições


neurológicas que geram problemas de aprendizagem. Infelizmente, quando eles
não são abrangidos como tais, só ajudam a convencer os pais e os professores de
que a criança não está realizando um esforço para cooperar ou não está aplicando
a devida atenção. Até mesmo os estudantes veem comportamentos como esses
como deformidades de personalidade. “Eu fiquei muito feliz quando descobri que
tinha uma dificuldade de aprendizagem”, comenta uma adolescente. “Até então eu
pensava que era só uma cabeça de vento imbecil” (SMITH apud STRICK, 2001).

32
Mesmo que muitas crianças com dificuldade de aprendizagem sintam-se
contentes e bem-ajustadas, algumas desenvolvem problemas emocionais
pertinentes. Esses estudantes ficam tão desapontados tentando fazer coisas que
não conseguem que abdicam de aprender e começam a desenvolver estratégias
para fugir disso. Eles interrogam sua própria inteligência e começam a pensar que
não podem ser ajudados. Muitos se percebem furiosos e põem para fora,
fisicamente, tal sensação; outros ficam ansiosos e deprimidos. De todo modo, essas
crianças tendem a se isolar socialmente e frequentemente sofrem de solidão, assim
como de baixa autoestima. Finalmente, os problemas secundários adjuntos a uma
dificuldade de aprendizagem podem tornar-se bem mais óbvios e sérios do que a
própria dificuldade. Estudos apontam que adolescentes com dificuldades de
aprendizagem não somente estão mais propensos a abdicar dos estudos, mas
também demonstram maior risco para abuso de substâncias, atividade criminosa e
até mesmo suicídio (SMITH apud STRICK, 2001).
Os pais de alunos com dificuldades de aprendizagem geralmente tentam
lidar com uma gama enorme de problemas. Seus filhos parecem inteligentes o
bastante, mas encaram todo o tipo de obstáculos na escola. Eles podem ser
curiosos e cobiçar por aprender, mas sua inquietação e incapacidade de dar
atenção tornam difícil explicar-lhes qualquer coisa. Essas crianças têm boas
intenções, no que se alude às lições e tarefas de casa, mas no meio do trabalho
esquecem as instruções – ou o objetivo. Muitas têm problemas para estabelecer
amizades. Seus altos e baixos emocionais podem levar toda a família a um tumulto.
Pior ainda, essas crianças comumente se sentem infelizes por causa da sua
incapacidade de retribuir às expectativas dos pais e conquistar seus próprios
objetivos pessoais. Repetidas vezes, culpam a si mesmas por todas essas
dificuldades: “Sou burro”, “Sou um caso sem solução” ou “As pessoas não gostam
de mim”, e podem tornar-se reprimidas e auto derrotistas. Como disse uma mãe: “O
que realmente abate a gente é a perda da autoconfiança. Pouca coisa pode ser pior
do que ver seu filho desistir de si mesmo e de seus sonhos” (SMITH apud STRICK,
2001).

33
Este livro é para auxiliar os jovens com dificuldades de aprendizagem a se
segurarem aos seus sonhos. É também para auxiliar as mães e os pais a
enfrentarem o labirinto de desafios que tão comumente deixam os pais e os
estudantes sentindo-se perplexos e impotentes. A primeira questão importante é
que os pais não são impotentes – muito pelo contrário. Está confirmado que os
estudantes mais propensos a ter êxito são aqueles que têm pais informados e
motivadores ao seu lado. Esse fator excede a qualidade do programa escolar ou a
gravidade do próprio déficit em importância. Muitos estudos têm evidenciado que
“cuidados parentais de qualidade” deixam as crianças crescerem e se tornarem
cidadãos felizes e autônomos, mesmo quando a saúde ao nascer e as chances
educacionais são notavelmente fracas (SMITH apud STRICK, 2001).
Os pais não carecem de um título de PhD em psicologia ou em educação
para orientar perfeitamente seus filhos. Entre os feitios dos cuidados parentais
citados pelos psicólogos como mais valiosos estão os de ensinar as crianças a
realizar o máximo com as capacidades que têm, encorajando-as a confiar que
podem superar os empecilhos e ajudando-as a estabelecer alvos realistas, além de
estimular nelas o amor-próprio envolvendo-as em responsabilidades em casa e na
comunidade (SMITH apud STRICK, 2001).
Os pais de crianças com dificuldades de aprendizagem realmente devem
aprender como trabalhar de jeito efetivo com os professores e os administradores
escolares para o desenvolvimento de um programa educacional apropriado – uma
perspectiva que muitos avaliam assustadora. Contudo, tornar-se um ativista na
escola é o melhor jeito de garantir que as necessidades educacionais de seu filho
sejam inteiramente satisfeitas. Ainda que os programas de licenciatura nos Estados
Unidos até pouco tempo antes não incluíam quase nada sobre dificuldades de
aprendizagem, você não pode assumir que os professores de seu filho estarão bem-
informados sobre elas ou serão solidários quanto às necessidades especiais de
crianças com distúrbios neurológicos. Além disso, muitas das metodologias
didáticas de sucesso comprovado e dos materiais que dão certo para estudantes
típicos são inúteis para crianças com dificuldades de aprendizagem. Os pais de
estudantes bem-sucedidos com dificuldades de aprendizagem asseguram que o

34
atento monitoramento e a defesa de direitos são o único jeito de garantir que essas
crianças sejam consistentemente instruídas de um modo que torne a aprendizagem
plausível para elas. Os pais acrescentam que habitualmente se descobrem na
posição de “educar os educadores” sobre dificuldades de aprendizagem e sobre as
muitas maneiras como as crianças podem ser afetadas por elas (SMITH apud
STRICK, 2001).

7.1 O que causa as dificuldades de aprendizagem?

Ainda que os estudantes com dificuldades de aprendizagem sejam,


disparadamente, o grupo com necessidades especiais mais vasto e de mais rápido
crescimento na população escolar norte-americana, os pais nem sempre podem
obter respostas claras para suas questões mais urgentes quando uma dificuldade
de aprendizagem é identificada: “Como isso aconteceu?”, “O que deu errado?”,
“Será que as crianças podem superar as dificuldades de aprendizagem?”, “Existe
uma cura para isso?” (SMITH apud STRICK, 2001).
Essas questões podem ter um retorno difícil, porque múltiplos fatores
colaboram para as dificuldades de aprendizagem. Ultimamente, a importância
relativa de tais causas tornou-se uma questão de crescentes estudos e debates.
Em alguns dos estudos mais novos, os investigadores têm usado técnicas
aprimoradas de imagens para observar cérebros vivos trabalhando. Esses estudos
têm checado estruturas e níveis de atividade nos cérebros de pessoas normais e
de pessoas com problemas de aprendizagem durante os processos de leitura,
audição e fala. Os cientistas também têm feito autópsias de cérebros de pacientes
falecidos com dificuldades de aprendizagem, procurando diferenças anatômicas,
bem como os geneticistas têm procurado (e encontrado) evidências de que algumas
espécies de dificuldade de aprendizagem são hereditárias (SMITH apud STRICK,
2001).
Apesar disso, mesmo que essas pesquisas estejam produzindo
informações cada vez mais úteis sobre as complexas estruturas e sobre o
funcionamento complexo do cérebro humano, nem sempre é simples aplicar tais

35
informações a um indivíduo. Ainda, irregularidades no funcionamento cerebral
contam somente parte da história. O desenvolvimento individual das crianças
também é fortemente influenciado por sua família, pela escola e pelo meio da
comunidade. Embora, de maneira suposta, as dificuldades de aprendizagem
tenham uma base biológica, comumente é o ambiente da criança que determina a
gravidade do impacto da dificuldade. A ciência ainda não proporciona muito em
termos de tratamento médico, mas a vasta experiência tem mostrado que a
modificação no ambiente pode fazer uma diferença chocante no progresso
educacional de uma criança (SMITH apud STRICK, 2001).
Os fatores biológicos que contribuem para as dificuldades de aprendizagem
podem ser divididos em quatro camadas gerais: lesão cerebral, erros no
desenvolvimento cerebral, desequilíbrios neuroquímicos e hereditariedade. Uma
vez que não têm testes neurológicos definitivos para as dificuldades de
aprendizagem, a determinação da causa de distúrbios desse tipo ainda é uma
questão de julgamento clínico informado. Quando se analisa o lar de uma criança e
as situações na escola e uma história delineada é levantada, um ou mais fatores
discutidos normalmente se sobressaem. Devemos admitir, entretanto, que às vezes
a única resposta honesta à questão “Por que meu filho tem uma dificuldade de
aprendizagem?” é “Nós não sabemos ao certo”. Esperamos que as pesquisas em
andamento nesta área de rápido desenvolvimento enfim nos oferecerão novas
maneiras de aferir essas dificuldades e de localizar a fonte dos problemas
individuais de aprendizagem (SMITH apud STRICK, 2001).

8 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DISTÚRBIO (TRANSTORNO) E DIFICULDADE


DE APRENDIZAGEM

8.1 Distúrbio de Aprendizado

O termo “distúrbio” pode ser substituído por “transtorno”, por ser de origem
biológica. Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID-10),
Distúrbio de Aprendizado é apresentado como comprometimento ou atraso no

36
desenvolvimento de funções unidas à maturação biológica da parte central do
sistema nervoso, e que se dá ainda na infância (NEVES apud BATIGÁLIA, 2011).
Distúrbio de Aprendizado, geralmente identificado pela sigla “DA”, tem sido
considerado problema característico da leitura, escrita e de raciocínio matemático,
identificado comumente nos primeiros anos escolares. Persiste durante toda a vida,
uma vez que é não tem cura, mesmo que possa ser atenuado, a depender do tipo
de transtorno. Associa-se a atraso no desenvolvimento da fala e da linguagem, a
confusões têmporo-espaciais, de esquema corporal e de lateralidade ou a
alterações do trabalho cerebral normal (NEVES apud BATIGÁLIA, 2011).
A etiologia do Distúrbio de Aprendizado pode estar conexa com as
alterações genéticas ou adquiridas. A Dislexia é o seu exemplo mais comum,
também tida como transtorno da leitura, resultante de malformações corticais e
subcorticais que afetam áreas de processamento fonológico. A Dislexia se relaciona
a alterações nos cromossomos e em genes específicos, tais como KIAA03 e
DCDC2 (no cromossomo 6) e EKN1 (no cromossomo 15). Exibe herança poligênica
com transmissão autossômica dominante, ainda que tenha um fator hereditário em
até 40% dos casos, frequentemente entre pais e irmãos (NEVES apud BATIGÁLIA,
2011).
Dislexia pode ser qualificada em Disfonética, Diseidética ou Mista. Dislexia
Disfonética ou Fonológica (Sublexical) encontra-se associada à disfunção do lobo
temporal, com consequente dificuldade de leitura, na conversão de grafemas e
fonemas ou em conectar partes de sons em palavras completas, especialmente em
palavras não familiares. Dislexia Diseidética ou Superficial (Lexical) se associa à
disfunção do lobo occipital, com manifestos erros comuns de leitura, o que gera
leitura lenta e substituições ou omissões de letras e palavras. Dislexia Mista, por
sua vez, deriva de disfunção dos lobos pré-frontal, frontal, occipital e temporal, e se
caracteriza por englobar propriedades das Dislexias Disfonética e Diseidética, no
que urge a tomada de providências terapêuticas mais abrangentes (NEVES apud
BATIGÁLIA, 2011).

37
8.2 Dificuldade de Aprendizado

Dificuldade de Aprendizado (usualmente identificada pela sigla “DE”) incide


em conjunto de fatores de ordem pedagógica, sociocultural, psicológica e
econômica que proporcionam bloqueio em aprender. Possui, de tal modo, origem
extrínseca, ou seja, depende do meio ambiente para se crescer nosologicamente
(NEVES apud BATIGÁLIA, 2011).
Por conseguinte, a nível escolar, associa-se à utilização contínua de
metodologias antigas, classes superlotadas, carência de atividades lúdicas,
esportivas ou de lazer próprio. Igualmente, DE também se relaciona com baixa
autoestima, baixa renda familiar, despreparo familiar em educar e ausência de
limites, de foco disciplinar ou mesmo de respeito mútuo. Sua prevalência esperada
é de 15% a 20% na primeira série, ainda que possa atingir até 50% das crianças
nos seis primeiros anos escolares (NEVES apud BATIGÁLIA, 2011).
Em outras abordagens, Dificuldade de Aprendizado implica em situação
relacionada ao fracasso escolar ou a outros tipos de problemas de aprendizagem.
Assim, torna-se admissível mencionar que, dentro das dificuldades, há vários
diagnósticos, como a desatenção e a dislexia, que provocam comprometimento do
aprendizado, o que não deixa de ser um transtorno ou Distúrbio de Aprendizado
(NEVES apud BATIGÁLIA, 2011).

9 FATORES ETIOLÓGICOS

A fala caracteriza-se habitualmente quanto à articulação, ressonância, voz,


fluência/ritmo e prosódia. As alterações da linguagem situam-se entre os mais
frequentes problemas do desenvolvimento, atingindo 3 a 15% das crianças, e
podem ser classificadas em atraso, dissociação e desvio (Caputte AJ, 1991).
A etiologia das dificuldades de linguagem e aprendizagem é diversa e pode
envolver fatores orgânicos, intelectuais/cognitivos e emocionais (estrutura familiar
relacional), ocorrendo, na maioria das vezes, uma inter-relação entre todos esses
fatores. Sabe-se que as dificuldades de aprendizagem também podem ocorrer em

38
concomitância com outras condições desfavoráveis (retardo mental, distúrbio
emocional, problemas sensório-motores) ou, ainda, ser acentuadas por influências
externas, como, por exemplo, diferenças culturais, instrução insuficiente ou
inapropriada (Undheim AM, 2003).

10 TRANSTORNO DE DÉFICIT DEATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

As crianças acometidas pelo Transtorno de Déficit de


atenção/hiperatividade (TDAH) formam, aproximadamente, 3 a 5% da população
escolar, mas provocam uma preocupação desproporcional. Difíceis de cuidar em
casa e de instruir na escola, elas estão entre as crianças mais predispostas a serem
encaminhadas para auxílio pedagógico, ação disciplinar e serviços de saúde
mental. Antes, pensava-se que bem mais meninos do que meninas eram
acometidos por TDAH, mas muitos especialistas acreditam, hoje em dia, que ambos
os gêneros apresentam o mesmo risco. Contudo, como os meninos com o
transtorno tendem mais a expor comportamento agressivo, eles são notados e
dirigidos para avaliação e auxílio especial com mais frequência do que as meninas.
Uma autoridade denomina as meninas com TDAH de “a minoria silenciosa”: elas
compartilham o risco para o aparecimento de problemas escolares e sociais, mas,
já que não chamam a atenção para si mesmas, estão em risco adicional por não
alcançarem o auxílio necessário. Quando os meninos possuem déficits de atenção
sem hiperatividade, eles também estão menos predispostos a serem encaminhados
para avaliação e serviços (SMITH apud STRICK, 2001).
Embora muitos sintomas de TDAH sejam notáveis desde muito cedo na
infância, estes são mais claros em situações que exigem a atividade mental
prolongada. Por esse motivo, muitos casos de TDAH não são entendidos até o início
da escola – em cujo ponto os problemas parecem multiplicar-se em uma base diária.
Os professores reclamam que a criança interrompe, não se senta quieta, não presta
atenção, não finaliza seus trabalhos ou não escuta. Incapaz de esquematizar ou de
aderir a um curso de ação, a criança logo passa a decair em seu desempenho
escolar. Talvez ainda mais doloroso, a criança é abandonada para trás também
39
socialmente. As crianças com o transtorno têm problemas para aprender regras de
jogos e são inquietas quanto ao revezamento. Com frequência, elas verbalizam
impulsivamente qualquer coisa que lhes apareça à mente, sem ponderar o efeito de
suas palavras. Os companheiros tendem a considerá-las grossas, intrometidas e
insensíveis. Quando convites de aniversário são entregues e cartões de festas
trocados, a criança com TDAH logo repara o que os companheiros pensam a seu
respeito. A rejeição social, junto com o baixo desempenho escolar, é uma boa
receita para a perda da autoestima. Muitas dessas crianças passam a ver a si
mesmas como perdedoras em uma idade precoce (SMITH apud STRICK, 2001).
Infelizmente, as crianças com TDAH também têm o dom de afastar de si os
adultos. Muitas eram irritáveis e difíceis ainda quando bebês; choravam muito e não
se acalmavam, quando acariciadas ou levadas ao colo. O período dos “terríveis dois
anos” foi mais terrível do que para a maioria das crianças. Seu treinamento para a
utilização do sanitário foi difícil. Como as crianças com TDAH têm problemas para
considerarem alternativas, elas parecem teimosas e não respondem a meios
normais de disciplina. Fazem cenas e envergonham os pais em público. Em síntese,
elas não só esgotam os pais, como também fazem com que os mesmos se sintam
rejeitados e impróprios. Estudos mostram que mães de filhos com TDAH
apresentam um estresse incomum e sentem-se menos unidas a esses meninos e
meninas que a seus outros filhos. Se os pais culpam a si mesmos ou um ao outro
pelas dificuldades da criança, os fatores de estresse multiplicam-se. Pelo fato deque
os irmãos também possuem sentimentos negativos sobre crianças com TDAH,
aquelas com esse transtorno eventualmente encontram em casa um clima não
muito mais receptivo do que aquele deixado na escola (SMITH apud STRICK,
2001).
Provavelmente, não é novidade dizermos que, se seus problemas não são
reconhecidos e propriamente abordados, essas crianças, em geral, transformam-se
em adolescentes rebelados. Estudos encontraram números bastante altos de
homens jovens com TDAH entre delinquentes juvenis, e as pesquisas indicam que
os adolescentes com TDAH também podem estar mais predispostos a lançarem-se
em comportamentos de caça de emoções e a abusar de drogas e álcool que seus

40
companheiros típicos. Os estudantes com TDAH também exibem risco para
complicações da saúde mental, como ansiedade e depressão. Problemas de
conduta, baixa autoestima e fraco avanço escolar reduzem as chances de tais
alunos concluírem a escolarização, buscarem a educação superior e acharem um
emprego satisfatório (SMITH apud STRICK, 2001).
Os problemas com a atenção, o controle dos impulsos e a hiperatividade
podem aparecer a partir de níveis anormalmente baixos de atividade nas regiões
frontais do cérebro. Indicadores neurológicos indicam que essas crianças devem
fazer um imenso esforço para o processamento de informações: suas ondas
cerebrais que apontam a atenção são mais baixas que o normal, e essas crianças
reconhecem e reagem mais vagarosamente a estímulos que as crianças típicas,
bem como sua capacidade para concentrar-se cai com uma rapidez incomum
durante tarefas mentais. Déficits desse tipo não depreciam a capacidade intelectual
(o TDAH pode ser descoberto tanto entre crianças talentosas como entre crianças
de inteligência média e abaixo da média), mas tornam difícil a conservação da
atenção por tempo suficiente para o término das tarefas escolares. Como resultado,
as crianças com TDAH frequentemente vão mal na escola e, se a intervenção
demora a acontecer, elas podem não construir a fundação acadêmica sólida de que
carecem para ter sucesso nas séries posteriores (SMITH apud STRICK, 2001).
Os pais desses alunos inquietos com baixa realização escolar devem ser
muito cuidadosos quanto a concluírem, talvez apressadamente, que o TDAH é o
culpado. Têm muitas outras causas de desatenção na sala de aula. Por exemplo,
as crianças que padecem de doenças ou alergias frequentes, ocasionalmente, têm
problemas para focar a atenção, em virtude de seus problemas de saúde ou por
efeitos colaterais de seus medicamentos. A desatenção também pode ser um sinal
de problemas não-detectados de visão ou de audição: se as crianças não podem
ver ou ouvir bem, elas podem não estar cientes de forma plena de que existe algo
a que supostamente precisariam prestar atenção. Os estudantes que não comem o
suficiente, mostram-se irrequietos e desatentos; isso se aplica a adolescentes em
dietas de impacto, bem como a crianças que meramente não têm o que comer em
casa. As pessoas jovens que coexistem com altos níveis de estresse – devido a

41
abuso de substâncias pelos pais ou pela doença séria de um irmão – também
avaliam difícil concentrar-se: as situações vivenciadas por elas provocam fatos mais
urgentes em que pensar do que fatos de matemática ou ortografia das palavras
(SMITH apud STRICK, 2001).
A colocação educacional imprópria também pode produzir o
comportamento desatento. Um estudante intelectualmente brilhante, “empacado”
com um currículo que privilegia seus companheiros medianos, pode deixar de
prestar atenção e passar a fazer bagunça por puro tédio. Da mesma forma, alunos
imaturos ou de outro modo atrasados em seu desenvolvimento intelectual podem
tornar-se entediados e alheios, porque não compreendem totalmente o que está
acontecendo. Às vezes, os estudantes têm dificuldades para manter a atenção,
porque seus estilos de aprendizagem não acordam com o modo como as
informações lhes são apresentadas. Uma criança que se distrai com facilidade, por
exemplo, considerará quase impraticável concentrar-se em uma sala onde o
professor decorou cada centímetro quadrado da parede com mapas, gráficos,
pôsteres e outros auxílios visuais “úteis”. Em comparação, alunos cujo estilo favorito
de aprendizagem é interativo, tendem a perceber que sua atenção vagueia durante
palestras ou longos períodos de leitura. As crianças que aprendem melhor utilizando
a audição também podem achar difícil sustentar seu foco enquanto leem, a não ser
que leiam em voz alta – o que, é claro, não é permitido na maioria das salas de aula.
Essas são só algumas das muitas “incompatibilidades” cognitivas que podem
produzir problemas de concentração (SMITH apud STRICK, 2001).
Todas as crianças citadas nos parágrafos anteriores precisam de auxílio
para poderem dar o melhor de si na escola, mas elas possivelmente não têm TDAH.
Os pais nunca devem aceitar um diagnóstico de TDAH ou considerar o uso de
medicamentos, a menos que tenham certeza de que seus filhos estão ganhando o
trabalho apropriado na escola e de que as outras causas de perturbações da
atenção foram exploradas e rejeitadas. Para ter certeza de um diagnóstico de
TDAH, é preciso uma avaliação completa. A American Psychiatric Association
recomenda que todas as condições a seguir sejam agregadas, antes de um
diagnóstico de TDAH poder ser confirmado (SMITH apud STRICK, 2001):

42
• muitos sintomas do transtorno estão presentes;
• os sintomas são suficientemente graves para prejudicar o funcionamento
escolar e/ou social;
• os sintomas são inconsistentes com o nível de desenvolvimento de uma
criança;
• os sintomas persistiram seis meses ou mais;
• os sintomas estavam presentes antes dos sete anos de idade;
• os sintomas são observados tanto na escola quanto em casa;
• não existem evidências de uma condição de saúde ou doença mental que
pudesse causar problemas similares.

A maior parte das crianças com o transtorno não necessita de educação


especial. A menos que seus problemas sejam muito sérios, esses estudantes
podem trabalhar bem em salas de aula normais com a ajuda de professores
atenciosos, boas técnicas de manejo em sala de aula e, eventualmente,
medicamentos. Contudo, cerca de um terço dessas crianças demonstra dificuldades
de aprendizagem adicionais. Como o TDAH torna mais difícil a remediação das
deficiências, as crianças em geral carecem realmente de uma intervenção de
educação especial (SMITH apud STRICK, 2001).
Os estudos indicam que as crianças com TDAH comumente precisam é de
um tempo e de orientação extras para dominarem as informações: uma vez que
tenham aprendido algo, os estudantes com TDAH lembram e usam a informação
tão bem quanto qualquer outra pessoa. Serviços especiais para crianças com
TDAH, portanto, geralmente envolvem lições de reforço instruídas na sala de aula
e prática de novas habilidades. Esses estudantes também podem aprender a
monitorar sua própria atenção e a voltar por si mesmos à tarefa quando suas mentes
começam a vagar. É muito importante ensinar-lhes bons costumes de estudo e
estratégias de memorização, tais como rimas, truques mnemônicos e visualização.
Diferente de outros estudantes, as crianças com dificuldades de aprendizagem

43
quase nunca pensam em táticas como essas sozinhas (SMITH apud STRICK,
2001).
O apoio e informação aos pais é um outro elemento crucial para ajudar uma
criança com TDAH. Muitas mães asseguram que tanto sua sanidade quanto sua
própria autoestima foram salvas por grupos de apoio e boletins particularizados,
planejados para pais de crianças com TDAH. O aconselhamento familiar também é
frequentemente útil: a teoria pode ter importância crítica, se uma criança parece
deprimida ou zangada, ou se muita negatividade foi aglomerada dentro da família.
Aulas para os pais e publicações podem ajudá-los a entender como usar o reforço
positivo para recompensarem o comportamento desejável, como ignorar
estrategicamente o mau comportamento e como desenvolver métodos apropriados
e efetivos de disciplina. Descanso e recreação para os pais também são
importantes! Cuidar de crianças com TDAH é uma tarefa difícil e, em geral,
cansativa; a maior parte dos pais acham que pode realizá-la melhor se cuidar bem
de si mesma e se, de vez em quando, fizer um “recreio” (SMITH apud STRICK,
2001).
As crianças com TDAH, com frequência, apresentam uma melhora
significativa quando chegam à adolescência. Elas tendem a continuar sendo
indivíduos cheios de energia, mas não são mais “descontroladas”. Se aprendem
estratégias apropriadas de aprendizagem e habilidades sociais, podem sair-se bem
na escola e no trabalho. Algumas pessoas que usaram medicamento são capazes
de descontinuá-lo. Contudo, cerca de 50% daqueles que obtêm benefícios dos
medicamentos enquanto crianças continuam necessitando desses, a fim de darem
o melhor de si quando adultos. “Ei, eu acho que não sou pior do que o cara que
precisa usar óculos”, diz um veterano na universidade que toma Ritalin todos os
dias. “Ninguém gosta de tomar remédios, mas sem eles eu não teria passado da
quarta série, muito menos teria feito o ensino médio e quatro anos de universidade”.
A identificação e intervenção precoces são críticas para crianças com TDAH.
Quanto antes o problema é reconhecido, menos possivelmente o comportamento
antissocial ou os problemas emocionais irão desenvolver-se. Também será menos

44
provável que os pais culpem a si mesmos pelo comportamento difícil da criança
(SMITH apud STRICK, 2001).
Como lembra uma mãe:

Durante sete anos pareceu que todos achavam que eu deveria


controlar este menino. Meu marido, minha mãe, meus amigos, todos
pareciam pensar que eu deveria ser capaz de controlá-lo, porque eu era a
mãe. As pessoas davam sugestões “úteis”, mais ou menos indicando onde
achavam que eu errava: “Você não dá a ele alimentos processados em
excesso? Ele dorme adequadamente? Talvez se você não trabalhasse e
pudesse passar mais tempo com ele...”. Sentia-me como se carregasse
um cartaz: “Sou uma boa mãe! Amamentei-o no peito! Leio para ele todos
os dias.” Mas o principal era que eu me sentia responsável. Scott estava
repetindo a primeira série, quando eu soube que ele tinha TDAH. A
primeira coisa que pensei, quando me contaram, foi: “Graças a Deus, Não
é tudo culpa minha!”. OTDAH não é a coisa mais fácil com a qual
precisamos conviver, mas acho que posso lidar com isso muito mais
eficientemente, desde que soube sobre o transtorno e deixei de culpar-me
por tudo

11 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

A escola é um espaço rico em diversidade, não é mesmo? Mas algumas


“diferenças” intrigam os professores. Afinal, quem é aquele aluno inquieto, arredio,
às vezes agressivo, que interage muito pouco ou de forma “estranha”? É bem
provável que algumas crianças sejam diferentes. Isso ocorre não somente porque
a diferença é um processo humano e natural, mas também porque algumas crianças
apresentam perturbações no seu desenvolvimento. Algumas dessas perturbações
compõem um conjunto de sintomas conhecido como Transtornos do Espectro
Autista (TEA) (LEITE, 2018).
De acordo com o DSM-V, publicado pela Associação Americana de
Psiquiatria (APA), os transtornos do espectro autista pertencem a um grupo amplo
de transtornos classificados como transtornos do neurodesenvolvimento. Como a
própria nomenclatura indica, são transtornos que se manifestam no início da
infância, prejudicando e atrasando o desenvolvimento neurológico. No caso do TEA,
os sintomas tendem a aparecer no início da primeira infância (0 a 6 anos), afetando
algumas funções básicas necessárias à adaptação social da criança, em diferentes
níveis de comprometimento. Com isso, os sintomas podem variar desde profundas

45
dificuldades de interação social e deficiência intelectual até manifestações mais
sutis de difícil identificação (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
O TEA não escolhe gênero, classe social, religião, etc. Por isso, pode
acometer qualquer criança. Segundo a agência nacional da Organização das
Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o TEA
afete uma em cada 160 crianças no mundo todo (LEITE, 2018).

11.1 Transtorno do espectro autista: a classificação do DSM-V

O TEA pode ser classificado conforme a gravidade dos sintomas e o grau


de dependência que a criança ou o adulto apresenta para interagir e se adaptar ao
meio em que vive. Essa classificação é realizada pelo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e descreve todos os transtornos
mentais mapeados pela comunidade científica. Ao especificar os diversos
transtornos, ele serve como guia aos profissionais no diagnóstico de doenças e
contribui para que a identificação dos sintomas resulte em maior eficácia no
tratamento. Pode-se dizer que o DSM é a “bíblia da psiquiatria” (LEITE, 2018).
Até a sua quarta edição, o DSM enquadrava o autismo em um grupo de
transtornos denominado transtornos globais do desenvolvimento (também
conhecidos por transtornos invasivos do desenvolvimento). Com a revisão realizada
na quinta edição, que foi oficialmente publicada em 2013, os transtornos globais do
desenvolvimento, que incluíam o autismo, o transtorno desintegrativo da infância e
as síndromes de Asperger e Rett, foram absorvidos por um único diagnóstico, o de
transtornos do espectro autista. Essa mudança foi feita com base no entendimento
de que esses transtornos são, na verdade, um mesmo quadro autístico, pois
apresentam em comum dois grupos de sintomas (LEITE, 2018):

1. déficit de interação social e persistente deficiência de comunicação


social;
2. comportamentos repetitivos e interesses restritos.

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O que diferencia os transtornos pertencentes ao grupo do TEA são os níveis
de gravidade e as dimensões de sintomas que estão mais comprometidas
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Assim, o conceito de espectro autista surgiu para mostrar que o rótulo
“autismo” pode representar um conjunto bastante heterogêneo de individualidades.
Ou seja, existem muitas variações na manifestação dos sintomas, o que implica
diferentes necessidades educacionais e terapêuticas (LEITE, 2018).

12 CRITÉRIOS DE IDENTIFICAÇÃO E MANIFESTAÇÕES DO TEA

O TEA envolve uma série de sintomas que se manifestam em graus


variados de comprometimento. Riviere (2004) apresenta 12 dimensões que
caracterizam o TEA. Você pode ver essas dimensões reorganizadas e sintetizadas
a seguir.

12.1 Estabelecimento de vínculos

A criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade ou incapacidade de


estabelecer vínculos afetivos e de se relacionar com as pessoas. Também tem
dificuldade para compartilhar interesses e atividades. A falta do contato visual (olho
no olho), a desatenção ao interesse do outro e a ausência do sorriso social são
alguns aspectos que afetam a qualidade da relação entre ela e as outras pessoas.
Ela também não demonstra reciprocidade nas relações, por isso as tentativas de
envolvê-la em brincadeiras que exigem trocas colaborativas costumam fracassar
(LEITE, 2018).
Em um grau mais leve de comprometimento dessas capacidades, a criança
ou o adulto com TEA pode apresentar pouca motivação para se relacionar com
iguais devido à falta de empatia e à dificuldade na comunicação. Em um grau mais
profundo, se apresenta alheia, em estado de total isolamento, sem motivação para
busca espontânea de relacionamento interpessoal (LEITE, 2018).

47
12.2 Teoria da mente

Outra característica presente nesse grupo de transtornos é a falta de


intersubjetividade, ou seja, a criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade
para compreender as pessoas e também para empatizar com elas. Isso ocorre
porque ela não desenvolve uma “teoria da mente”, ou seja, é incapaz de se colocar
no lugar do outro, de adivinhar suas intenções, interpretar suas expressões faciais
e emoções. Como consequência, tende a interpretar as falas e o comportamento
das pessoas de forma literal, sem conseguir “ler” o que está por trás de um
comportamento ou comunicação (RIVIERE, 2004).
O grau de comprometimento da capacidade de “ler a mente do outro” pode
variar em indivíduos com TEA. Em grau leve, é possível que tenham certa
consciência do que as pessoas têm em mente e alguma capacidade de julgar, ainda
que precariamente, suas intenções (LEITE, 2018).

12.3 Linguagem e comunicação

De acordo com Riviere (2004), a comunicação é uma das áreas mais


afetadas no TEA. Fica comprometida a capacidade de usar a linguagem para
externar ideias, sentimentos e desejos, seja por meio de palavras ou de expressões
gestuais. Além disso, o TEA provoca dificuldades para compreender a linguagem
“para além do que é dito”, ou seja, há uma tendência a compreender literalmente o
que se diz. Assim, os indivíduos com TEA têm dificuldade para interpretar ironias,
frases de duplo sentido e linguagem metafórica.
O desenvolvimento da linguagem oral em crianças com TEA pode estar
comprometido ou não, variando desde o total bloqueio dessa capacidade até o
desenvolvimento sofisticado dela. A ausência da linguagem oral em crianças com
TEA não significa que não sejam capazes de falar. Elas não falam por serem
incapazes de se comunicar. Quando falam, é uma fala fora de contexto e
meramente expressiva, sem a intenção de comunicação (LEITE, 2018).

48
Em um grau leve de comprometimento da linguagem, a criança pode fazer
uso da fala para se expressar, porém sua fala é pouco ou nada funcional. Ou seja,
ela pode não filtrar o que diz e falar coisas totalmente fora do contexto. Quando
existe a fala funcional (voltada para a comunicação), parece estar voltada muito
mais para a intenção de comunicar seus interesses restritos do que para
compartilhar ideias com seu interlocutor, o que é pouco adequado às situações
interativas. Em um grau profundo, a comunicação é totalmente ausente. A pessoa
com TEA apresenta mutismo total ou funcional. Pode ser que ela faça pequenas
verbalizações não linguísticas, ou seja, sem a intenção de estabelecer comunicação
ou diálogo. O mutismo funcional ocorre em forma de ecolalias (repetir palavras e
frases aleatoriamente e fora de contexto) (LEITE, 2018).
As dificuldades de compreensão também são variáveis. Há casos em que
a criança compreende o discurso do interlocutor, mas tem dificuldade para
diferenciar o significado literal da fala e a sua intencionalidade. Também há
situações em que a criança manifesta um tipo de “surdez central”, ou seja, ignora
por completo a linguagem, não respondendo a ordens nem a chamados (LEITE,
2018).

12.4 Dificuldade de antecipar eventos

Outra característica relacionada ao déficit de interação e comunicação


social em pessoas com TEA é que elas apresentam dificuldade na formação de
esquemas ou no uso de esquemas cognitivos de antecipação, os quais permitem
antecipar os eventos (o que vai acontecer numa sequência de eventos). Isso faz
com que elas sejam intolerantes a alterações de rotina, preferindo um mundo sem
mudanças. O grau de comprometimento nas competências de antecipação pode
variar. Há pessoas que, mesmo preferindo ambientes previsíveis, são capazes de
regular a estrutura de seu próprio ambiente e manejar as mudanças. Por outro lado,
há aquelas extremamente inflexíveis a situações inusitadas. A rigidez
comportamental desses indivíduos pode ser exemplificada pelas crises causadas
diante da quebra de rotina ou ainda quando se fixam na repetição sistemática de

49
determinado comportamento, como o de assistir a um mesmo filme repetidamente
(RIVIERE, 2004).

12.5 Inflexibilidade e estereotipias

Segundo Riviere (2004), a falta de flexibilidade é também uma característica


relacionada ao funcionamento mental e ao comportamento da pessoa com TEA. Tal
característica se manifesta na dificuldade de estabelecer estratégias maleáveis na
atividade cognitiva e na obsessão por certos conteúdos mentais, ou seja, o
pensamento se apega repetidamente a determinados assuntos ou temas. Já no
aspecto comportamental, a manifestação de inflexibilidade se apresenta sob a
forma de comportamentos repetitivos e estereotipias motoras, como movimentar
repetidamente as pontas dos dedos das mãos, balançar o corpo para frente e para
trás, entre outros.
O grau de comprometimento da capacidade de flexibilizar o pensamento e
o comportamento pode variar. Há indivíduos que apresentam algumas estereotipias
motoras simples (gestos “esquisitos” e pouca flexibilidade mental), assim como há
níveis de comprometimento em que o indivíduo apresenta comportamento
excessivamente ritualístico, com pensamentos obsessivos e rígido perfeccionismo.
Outra característica presente no TEA é a dificuldade em dar sentido à própria ação.
A pessoa com esse transtorno pode ser totalmente incapaz de atribuir sentido à sua
forma de se comportar e se expressar. Nos casos mais graves, há vazio de ação
funcional, ou seja, uma ausência de finalidade devido à incapacidade de
planejamento da ação (LEITE, 2018).

12.6 Ausência do jogo simbólico e da capacidade imitativa

A ausência do jogo simbólico é uma das características influentes no atraso


do desenvolvimento cognitivo e psicossocial das crianças com TEA. O jogo
simbólico é uma forma de faz de conta em que a criança recria a realidade por meio
de símbolos. A capacidade imitativa é um elemento importante do desenvolvimento

50
psicossocial, pois é pela imitação que se origina grande parte do aprendizado e da
condição de adaptação social. A criança com TEA apresenta defasagem ou
ausência dessa capacidade, ou seja, não imita os adultos nem outras crianças. Isso
funciona como obstáculo para que ela encontre nas outras pessoas uma referência
na qual possa se espelhar e com a qual se identifique (LEITE, 2018).
A incapacidade de imitar é, ao mesmo tempo, um reflexo e uma condição
das limitações simbólicas e intersubjetivas das crianças com TEA. Dependendo do
grau de comprometimento nessa área, a criança pode fazer algumas imitações
mecânicas, realizadas somente a partir de modelos externos, ou apresentar
ausência completa de condutas imitativas (LEITE, 2018).
De acordo com Riviere (2004), no que se refere à forma de agir e se
comunicar, a criança ou o adulto com TEA apresenta dificuldade ou incapacidade
para criar significantes, ficando presa aos significantes reais. Por exemplo: para
uma criança com TEA, uma fileira de cadeiras é apenas uma fileira de cadeiras, não
poderá ser outra coisa. Já para uma criança que não possui esse transtorno, uma
fileira de cadeiras pode ser simbolizada e transformada, em sua imaginação, em
bancos de um ônibus.
As crianças sem o transtorno conseguem deixar em suspenso as
propriedades reais e literais das coisas, pois sabem que, mesmo fingindo que as
cadeiras são os assentos de um ônibus, elas não perdem sua propriedade real. O
comprometimento da capacidade imaginativa pode ser de grau leve, quando as
crianças simplesmente não conseguem suspender um significado para substituí-lo
por outro que não corresponde à realidade, ou de grau severo, caso em que há um
dano profundo na capacidade de comunicação, impossibilitando qualquer atribuição
de novos significantes (LEITE, 2018).

13 TRANSTORNO AUTISTA

Bosa (2001) descreve que o autista possui uma alteração na forma de


captar e organizar os estímulos que chegam ao cérebro por meio dos órgãos dos
sentidos humanos. Essa desorganização sensorial acaba por alterar e comprometer
51
o desenvolvimento da criança autista no aspecto simbólico (ausência de
imaginação, pensamento concreto), na percepção, na coordenação motora fina, na
coordenação motora global, na integração visomotora, na cognição e na cognição
verbal. Esses fatores compõem um conjunto de características específicas que
formam o quadro autístico, mas não interferem na aparência física.
De acordo com Tuchman e Rapin (2009), o subtipo transtorno autista
corresponde aos seguintes critérios:

a) total de seis (ou mais) itens dos grupos 1, 2 e 3 — com pelo menos dois
do grupo 1, um do grupo 2 e um do grupo 3;
b) atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes
áreas, com início antes dos três anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem
para fins de comunicação social ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos
(TUCHMAN; RAPIN, 2009, p. 21).

Crianças com autismo podem manifestar os comportamentos descritos a


seguir, conforme apresentado por Bosa (2001):

• linguagem verbal com vocabulário restrito ou ausência de linguagem


verbal;
• ecolalia imediata (repetição do que outras pessoas acabaram de falar) ou
ecolalia tardia (repetição do que outras pessoas falaram há algum tempo,
comerciais de TV, falas de filmes ou novelas, etc.);
• comunicação receptiva deficiente, ou seja, a criança apresenta grandes
dificuldades em compreender orientações e costuma não atender quando chamada
pelo nome;
• constante agitação e movimento (ocorre em um grande número de
crianças) ou extrema passividade (ocorre em um menor número de crianças);
• pouco ou nenhum contato visual, ou seja, a criança raramente olha nos
olhos do professor, dos pais ou de outras crianças;
• problemas de atenção e concentração;

52
• ausência de interação social e realização de brincadeiras solitárias, ou
seja, a criança não brinca com outras crianças e frequentemente não procura
consolo quando se machuca, além de parecer ignorar os outros;
• mudanças de humor sem causas evidentes — pode rir ou chorar, mas
sempre dando a impressão de que isso diz respeito apenas a ela mesma;
• uso dos adultos como ferramentas para conseguir o que quer, por
exemplo, levar um adulto pela mão para pegar um objeto em um armário que não
alcança;
• ausência de interesse por materiais ou atividades da sala de aula;
• interesse obsessivo por determinado objeto ou tipo de objetos, por
exemplo, a criança pode ter obsessão por determinado livro, tampinhas de
refrigerante, prendedores de roupa, etc.

Na criança com autismo, a capacidade de interação social recíproca está


consideravelmente comprometida. Em crianças não autistas, essa é uma função
complexa envolvendo:

• o reconhecimento de que os outros seres humanos ocupam o lugar de


maior interesse e da maior importância no ambiente;
• a capacidade para compreender e usar a comunicação verbal e a não
verbal;
• a empatia com pensamentos e sentimentos dos outros e a habilidade de
imaginar o mundo do ponto de vista do outro (BRASIL, 2004).

Todos esses aspectos de interação estão ausentes ou gravemente


perturbados nas crianças autistas, cujo ritmo de assimilação, nesse caso, é menor
do que em crianças normais. Repare que o autismo é formado por um conjunto
diversificado de características, no entanto essas características podem variar de
criança para criança (LEITE, 2018).

53
13.1 Dificuldades cognitivas da criança autista

Ao analisar as relações entre o autismo, o comportamento social e as


funções executivas na pessoa autista, Bosa (2001) fornece elementos para a
compreensão das dificuldades cognitivas envolvida no TEA. Crianças com autismo
típico apresentam defasagem em seu desenvolvimento intelectual, manifestando
diversas dificuldades, como você pode ver a seguir (LEITE, 2018).

• Aprendizado implícito — ou seja, aprendizado intuitivo. Por exemplo: as


crianças não autistas aprendem “espontaneamente” que copo serve para tomar
água pelo simples fato de observarem ou vivenciarem essa experiência. Já a
criança com autismo típico precisa ser ensinada de forma explícita a ligar o copo
com a experiência de beber água (LEITE, 2018).
• Atenção seletiva — tendência a atenção exagerada. A criança se fixa
num estímulo e tem dificuldade de fazer a hierarquia entre os estímulos, selecionar
de acordo com seu grau de relevância. Precisa aprender a manter a atenção no
foco e inibir a atenção sobre estímulos que não tenham a ver com aquele contexto
(LEITE, 2018).
• Teoria da mente — habilidade de a criança se descentrar e se colocar no
ponto de vista do outro, ou seja, de compreender as situações às quais ela é
exposta, fazendo com que regule o seu comportamento social (LEITE, 2018).
• Funções executivas — as funções executivas do cérebro são as
responsáveis por habilidades como planejamento, desenvolvimento de estratégias,
flexibilidade de comportamento, integração de detalhes isolados num todo coerente
e manejo de múltiplas fontes de informação, coordenadas com o uso de
conhecimento adquirido. No autista, as funções executivas estão com o seu
funcionamento alterado. Por isso, a criança possui dificuldade para pensar a
respeito de vários aspectos ao mesmo tempo, planejar, antecipar acontecimentos e
tomar decisões (LEITE, 2018).

54
13.2 Tratamento e intervenção

Que tipo de intervenção é necessária para minimizar esses transtornos? O


tratamento do autismo envolve intervenções de caráter multidisciplinar e focaliza a
orientação familiar, a terapia cognitivo-comportamental e os programas voltados ao
desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Existem alguns métodos para o
tratamento de crianças autistas, sendo que um dos mais utilizados e com eficácia
comprovada é o método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children). Trata-se de um programa utilizado por
psicólogos, voltado para crianças com faixa etária entre um e 12 anos, para avaliar
e intervir sobre áreas como: coordenação motora e visomotora, percepção,
imitação, desempenho cognitivo e cognição verbal. É um programa estruturado em
escalas de tarefas a serem realizadas em cada uma dessas áreas, combinando
diferentes materiais visuais para organizar o ambiente físico por meio de rotinas e
sistemas de trabalho. O objetivo do TEACCH é desenvolver ao máximo a autonomia
e a independência do autista para atuar no ambiente (CAMARGOS JR., 2005).

14 DISLEXIA

A leitura e a escrita envolvem habilidades cognitivas complexas, além de


capacidade de reflexão sobre a linguagem no que se refere aos aspectos
fonológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. As crianças, ao iniciar a
alfabetização, já dominam a linguagem oral, sendo capazes de iniciar o aprendizado
da escrita. Porém, sabe-se que existem regras mais específicas e próprias da
escrita, havendo, então, maiores dificuldades no seu aprendizado (CIASCA,1995).
No Brasil, cerca de 40% das crianças em séries iniciais de alfabetização
apresentam dificuldades escolares, e, em países mais desenvolvidos, a
porcentagem diminui 20% em relação ao número total de crianças também em
séries iniciais. Sabe-se que se um aluno com dificuldades de aprendizagem for bem
conduzido pelos profissionais de saúde e educação, em conjunto com a família,
poderá obter êxito nos resultados escolares (POLITY, 2003).

55
É importante ressaltar que existe uma combinação dos fenômenos
biológicos e ambientais no aprendizado da linguagem escrita, envolvendo a
integridade motora, a integridade sensório-perceptual e a integridade
socioemocional (possibilidades reais que o meio oferece em termos de quantidade,
qualidade e frequência de estímulos). Além disso, o domínio da linguagem e a
capacidade de simbolização também são princípios importantes no
desenvolvimento do aprendizado da leitura e da escrita (MATHES, 2002).
Sendo considerada uma alteração de aprendizagem, a dislexia caracteriza-
se por dificuldades específicas na realização da leitura e da escrita, havendo, de
maneira geral, dois tipos de dislexia: a dislexia de desenvolvimento e a dislexia
adquirida (CIASCA,1995).
A primeira refere-se a alterações no aprendizado da leitura e escrita com
origem institucional, ou seja, ambiental, referente à forma de aprendizado escolar.
Nesses casos, ocorre diminuição da capacidade de leitura associada a disfunção
cerebral, havendo uma alteração específica na aquisição das habilidades de leitura
e consequente dificuldade no aprendizado da leitura. Existem autores que
consideram fatores genéticos como uma das causas de dislexia de
desenvolvimento. Já na dislexia adquirida, o aprendizado da leitura e da escrita, que
foi adquirido normalmente, é perdido como resultado de uma lesão cerebral
(MEDOW, 2003).
Vários são os fatores ainda em estudo que descrevem as causas da dislexia
de desenvolvimento entre eles, déficits cognitivos, fatores neurológicos
(neuroanatômicos e neurofisiológicos), prematuridade e baixo peso ao nascimento,
influências genéticas e ambientais. Sabe-se, porém, que fatores externos
(ambientais) não podem ser separados de problemas neurológicos, visto que
aspectos tais como instrução inadequada, distúrbios emocionais e pobreza de
estímulos na infância podem causar diferenças no desenvolvimento neurológico e
cognitivo que precedem dificuldades severas de leitura (LANDRY, 2002). As
dislexias podem ser divididas em dois tipos: central e periférica (Tabela a seguir).
Na primeira, ocorre o comprometimento do processamento linguístico dos
estímulos, ou seja, alterações no processo de conversão da ortografia para

56
fonologia. Na segunda, ocorre o comprometimento do sistema de análise vísuo-
perceptiva para leitura, havendo prejuízos na compreensão do material lido. Entre
as dislexias centrais, ressaltam-se a fonológica, a de superfície e a profunda; já as
dislexias periféricas incluem a dislexia atencional, a por negligência e a literal (pura)
(CAPELLINI, 2000).
Em relação às dislexias de desenvolvimento, as mais comuns são a dislexia
fonológica e a de superfície, já mencionadas anteriormente, e a dislexia semântica.
Esta se caracteriza pela preservação da leitura em voz alta, sem erros de
decodificação (fonema-grafema), porém com pobreza na compreensão da escrita
(VAN DER SCHOOT, 2002).

Tabela - Classificação das dislexias centrais e periféricas

57
Várias pesquisas vêm fornecendo evidências de déficits fonológicos em
dislexias de desenvolvimento. No entanto, recentes estudos demonstraram a
existência de múltiplos déficits de processamento temporal nas dislexias. De fato,
disléxicos mostram anormalidades visuais e auditivas que podem resultar de
problemas generalizados na percepção e na seleção de estímulos. Crianças com
dislexia apresentam alterações auditivas e visuais referentes à orientação espacial.
Esses achados sugerem que déficits na atenção da seleção espacial podem
desorganizar o desenvolvimento de representações fonológicas e ortográficas que
são essenciais para o aprendizado da leitura (RAMUS, 2003).
Em uma pesquisa realizada pelo Institute of Cognitive Neuroscience
(Londres), foram investigados 16 disléxicos adultos e 16 controles através de uma
bateria de testes psicométricos, fonológicos, auditivos, visuais e cerebelares. Dados
individuais revelaram que todos os disléxicos apresentaram déficits fonológicos, 10
mostraram déficits auditivos, quatro tinham déficits motores, e dois tinham déficits
visuais. Esses achados sugerem que déficits fonológicos podem aparecer na
ausência de qualquer outra alteração motora ou sensorial e são suficientes para
causar um prejuízo significativo, como foi demonstrado em cinco dos 16 disléxicos
(BREIER, 2003).

14.1 Dislexia e Distúrbio da Atenção/Hiperatividade

A grande maioria das crianças com déficit de atenção/hiperatividade


apresenta dificuldades escolares, podendo haver a concomitância dessas
alterações com dislexia do desenvolvimento. Realizou-se um estudo comparando
grupos de crianças com dificuldades de leitura sem déficit de
atenção/hiperatividade, crianças somente com déficit de atenção e hiperatividade,
crianças com dificuldade de leitura e déficit de atenção e hiperatividade, e crianças
sem nenhum prejuízo. Foram investigados aspectos referentes ao processamento
auditivo do lobo temporal dessas crianças. Os resultados da pesquisa não indicaram
um déficit nas funções temporais auditivas em crianças com dificuldades de leitura,
mas sugeriram que a presença de déficit de atenção e hiperatividade é um fator

58
significante na performance de crianças com dificuldades de leitura (DOWNIE,
2003).
Outra pesquisa realizada na Holanda (Department of Special Education,
Vrije Universiteit, Amsterdã) mostrou que os déficits inibitórios em disléxicos lexicais
podem ser atribuídos a disfunções em estruturas cerebrais fronto-centrais
envolvidas em inibições motoras, sugerindo que possa haver uma associação entre
dislexia lexical e déficit de atenção/hiperatividade, já que os dois grupos apresentam
disfunção executiva (RAMUS, 2003).

14.2 Dislexia e Baixo Peso ao Nascimento

Em relação às crianças que nascem com baixo peso, existe uma


associação entre a presença de doença cerebral periventricular e baixa
performance em testagens de leitura e habilidades de soletração (ST SAUVER,
2001). Em um estudo realizado nos Estados Unidos, pesquisadores buscaram
encontrar associações entre dificuldades de leitura e seus potenciais fatores de
risco em meninos e meninas. Os resultados indicaram que meninas com baixo peso
ao nascimento apresentam duas vezes mais probabilidade de desenvolver
alterações de leitura. Salienta-se que existem diferenças na utilização cortical
durante a leitura em crianças com baixo peso ao nascimento (KHAN, 1999).

14.3 Influências Genéticas na Dislexia

Sabendo-se que existem alguns indivíduos que têm predisposição genética


para dificuldades de leitura, as dislexias vêm sendo estudadas em função de seus
aspectos genéticos. A leitura está sendo relacionada a cromossomos específicos
(6, 1, 2 e 15), apesar de, até recentemente, não haver evidências de genes
específicos responsáveis pela capacidade ou incapacidade de leitura
(RUTKOWSKI, 2003).
Achados mais recentes, pesquisados através do Projeto Genoma Humano,
evidenciaram quatro genes de suscetibilidade à dislexia: DYX1, DYX2, DYX3 e

59
DYX4. São genes em diferentes posições, suspeitando-se do caráter heterogêneo
dos transtornos de leitura (Pedagogia em Foco, 2003).
Uma outra pesquisa, que está sendo realizada pelo neuropsicólogo Frank
Wood, da Universidade de Forest Wake, revela que outros cromossomos (6, 1, 2 e
15) têm relações com a incapacidade de algumas crianças no processamento do
texto. Mais especificamente, sabe-se que existe um lócus nos cromossomos 6 e 18
que tem mostrado fortes e replicáveis efeitos nas habilidades de leitura (FRANCKS,
1989).
É importante ressaltar que o progresso no entendimento do papel da
genética na dislexia pode ajudar a diagnosticar e tratar crianças suscetíveis a tais
dificuldades com maior efetividade e rapidez.

15 DISCALCULIA

De acordo com o DSM – V o Transtorno Específico da Aprendizagem com


prejuízo na Matemática (315.1- F81.2) envolve o “Senso numérico, Memorização
de fatos aritméticos, Precisão ou fluência de cálculo e Precisão no raciocínio
matemático.” (2014, p.67). E acrescenta em nota que:

Discalculia é um termo alternativo usado em referência a um


padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de
informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de
cálculos precisos ou fluentes. Se o termo discalculia for usado para
especificar esse padrão particular de dificuldades matemáticas, é
importante também especificar quaisquer dificuldades adicionais que
estejam presentes, tais como dificuldades no raciocínio matemático ou na
precisão na leitura de palavras. (DSM-V, 2014, p. 67).

Na literatura internacional, o estudo acerca da Discalculia, não é recente.


Em seus estudos, Helmer R. Myklebust e Doris Johnson afirmam que Gerstmann
(1940) e Cohn (1961) já se referiam à Discalculia como “A deficiency in learning the
symbolic significance of numbers because of a dysfunction in the brain […]” (1962,
p. 17). Os autores complementam que: “In school children this condition often is
manifested by an obvious disability in arithmetic although intelligence and other

60
aspects of behavior are well within the normal range.” (MYKLEBUST; JOHNSON,
1962, p. 17).
Em 1968, Cohn utilizou o termo Discalculia do Desenvolvimento, afirmando
que a origem precisa desse transtorno não poderia ser identificado, mas geralmente
está relacionado à incapacidade da criança em relação a símbolos, em particular, a
símbolos gráficos. Nessa época, verifica-se que de acordo com Cohn (1968), existia
a dificuldade de reconhecer crianças com esse transtorno, pois o desenvolvimento
e utilização do conceito de número era semelhante ao de uma criança normal, a
única característica diferencial é que crianças com Discalculia necessitavam de
mais tempo e energia para fazer um uso adequado dos números (COHN, 1968).
Em seu artigo Developmental Dyscalculia (1974), publicado no Journal of
Learning Disabilities, Ladislav Kosc definiu os termos Discalculia do
Desenvolvimento. Para o autor:

Developmental dyscalculia is a structural disorder of


mathematical abilities which has its origin in a genetic or congenital disorder
of those parts of the brain that are the direct anatomico-physiological
substrate of the maturation of the mathematical abilities adequate to age,
without a simultaneous disorder of general mental functions. (KOSC, 1974,
p.47).

Uma classificação apresentada nos estudos de Kosc (1974) engloba seis


tipos de discalculia, são elas:

 Discalculia verbal: dificuldades em nomear quantidades matemáticas, os


números, os termos e os símbolos;
 Discalculia practognóstica: dificuldades para enumerar, comparar,
manipular objetos reais ou em imagens;
 Discalculia léxica: dificuldades na leitura de símbolos matemáticos;
 Discalculia gráfica: dificuldades na escrita de símbolos matemáticos;
 Discalculia ideognóstica: dificuldades em fazer operações mentais e na
compreensão de conceitos matemáticos;
 Discalculia operacional: dificuldade na execução de operações e cálculos
numéricos.

61
Semelhante à classificação que Kosc (1974) fez com as categorias da
discalculia, Ferreira e Haase (2010) definiram em quatro categorias as habilidades
que podem ser prejudicadas por um estudante que apresenta discalculia:
habilidades linguísticas; habilidades perceptivas; habilidades de atenção;
habilidades matemática.
Para Dehaene (1997) o transtorno de aprendizagem em Matemática é
causado por um déficit no senso numérico, com substrato em regiões cerebrais
intraparietais, assim como outras desordens do tipo, baixa capacidade de
representação simbólica, funções executivas prejudicadas ou baixa capacidade de
atenção vísuo-espacial.
Além disso, Ferreira e Haase (2010, p. 186) destacam outras dificuldades
que envolvem habilidades Matemáticas e que podem ser observadas diariamente
pelos professores. No entanto, no caso de sua ocorrência elas devem ser repetitivas
para que o professor possa suspeitar de um transtorno. São elas:

[...] compreender quais números são relevantes para o problema


aritmético que está sendo analisado, dificuldades de posicionamento dos
números, dificuldade em inserir os pontos decimais ou símbolos durante
os cálculos bem como organização espacial prejudicada dos cálculos
aritméticos. (p. 186).

Os processos cognitivos envolvidos na discalculia segundo Johnson e


Myklebust (1987 apud WAJNSZTEJN; CASTRO, 2010, p.206) são:

Dificuldade na memória de trabalho, na memória em tarefas não


verbais, na soletração de não palavras (tarefas de escrita), ausência de
problemas fonológicos, dificuldade na memória de trabalho que implica
contagem, dificuldade nas habilidades viso espaciais e nas habilidades
psicomotoras e perceptivo-táteis.

Desse modo, é possível perceber que existem perfis cognitivos distintos de


discalculia, dependendo da localização da região cerebral prejudicada (FERREIRA;
HAASE, 2010). Assim, torna-se relevante apresentar a relação e as conexões
neurais que o cérebro ativa quando se desenvolvem as habilidades matemáticas.

62
16 OUTRAS ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM ESCRITA - DISGRAFIA E
DISORTOGRAFIA

Devendo ser analisada através de diferentes tarefas (cópia, ditado e escrita


espontânea), a expressão da escrita também pode evidenciar alterações como a
disgrafia, ou seja, alterações no traçado das letras, e a disortografia, que se refere
a alterações ortográficas na escrita das palavras não esperadas para determinada
faixa etária e escolaridade. A disgrafia e a disortografia podem estar associadas ou
não às dislexias.

17 POSSÍVEIS INTERVENÇÕES

São princípios básicos do trabalho em linguagem escrita com a criança:


estimular a descoberta e utilização da lógica de seu pensamento na construção de
palavras e textos e na representação de fonemas; oferecer oportunidades para a
escrita e leitura espontâneas; explorar constantemente as diversas funções da
escrita (não apenas produção textual, mas também cartas e bilhetes); e explicitar
as diferenças entre língua falada e língua escrita. É importante que a criança tenha
adequada consciência de que a fala e a escrita são formas diferentes de expressão
da linguagem.
Conforme visto anteriormente, alterações nos processos perceptivos da
leitura ou nos processos psicolinguísticos (lexicais, visuais, fonológicos, sintáticos
ou semânticos) podem acarretar dificuldades de leitura, estando a elaboração do
programa de reabilitação diretamente relacionada com a avaliação dos processos
deficitários na criança35. Em pacientes com dislexia de superfície, geralmente se
utiliza uma estratégia lexical, e em disléxicos fonológicos, a intervenção mais
apropriada é a estimulação da conversão grafema-fonema (não-lexical) (Byrne B,
1989). Salienta-se a importância da estimulação da consciência fonológica em pré-
leitores, visto que muitos estudos demonstram sua eficiência no aprendizado da
leitura (Capovilla AGS, 2000).

63
A principal indicação atual para o tratamento de crianças com dificuldades
de linguagem escrita é a intervenção direta nas habilidades de leitura, associada a
atividades relacionadas ao processamento fonológico da linguagem. Práticas
anteriores buscavam estimular habilidades consideradas pré-requisitos para o
aprendizado da leitura, como percepção vísuo-espacial, habilidades psicomotoras,
etc. (Salles JF, 2003).
Todas as atividades de estimulação da linguagem escrita devem ser
realizadas de forma lúdica, através de jogos e brincadeiras, para que a criança sinta
prazer em ler e escrever. Em casa, o estímulo deve ser iniciado com a leitura de
histórias infantis pelos pais para os filhos, a estimulação de jogos de rimas, que
ajudam na consciência fonológica, jogos com letras e desenhos, para a criança já ir
se familiarizando com a escrita, leitura de rótulos e propagandas enfim, nunca se
deve obrigar uma criança a ler um livro, e sim fazê-la ter vontade de ler e conhecer
a sua história (Capellini AS, 2000).

64
18 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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