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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO
MESTRADO EM DIREITO AGRÁRIO
PROF.ª. DRª. ANNE GERALDI PIMENTEL

FICHAMENTO 3ª SESSÃO: A QUESTÃO AGRÁRIA NA SOCIEDADE MODERNA

GILVAN DE BARROS PINANGÉ NETO

GOIÂNIA
2022
GILVAN DE BARROS PINANGÉ NETO

FICHAMENTO 3ª SESSÃO: A QUESTÃO AGRÁRIA NA SOCIEDADE MODERNA

Trabalho desenvolvido no Programa de Pós-


Graduação em Direito Agrário – PPGDA /
Mestrado, na disciplina de Teoria Geral do
Direito Agrário - TGDA, destinado a avaliação
parcial.
Orientador: Prof.ª. Drª. Anne Geraldi Pimentel

GOIÂNIA
2022
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FICHAMENTO 3ª SESSÃO: A QUESTÃO AGRÁRIA NA SOCIEDADE MODERNA

3ª SESSÃO: 12/04
TÍTULO: A questão agrária na sociedade moderna
TEXTOS: MARÉS, Carlos. De como a natureza foi expulsa da modernidade. In: Revista
Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015. p. 88-106.

1 A NATUREZA ENJAULADA

Para Marés (2015, p. 88), a dominação do homem pela natureza foi tamanha que
aquele, percebendo sua ameaça aos ecossistemas, também considerou proteger a natureza de si
próprio. Ao criar um ambiente artificial que atendesse as necessidades humanas, também surgiu
a necessidade de o homem conter ou domesticar a natureza presente em seu convívio; temendo
e rechaçando a ideia de natureza intocada como selvagem, improdutiva e incivilizada.

O ser humano transformou a natureza até fazê-la aparentemente dócil, fornecedora de


bens e riquezas. E agora a natureza responde com catástrofes, insubmissa, rebelde e
arisca. Esta consciência de alto risco da atividade humana é recente, mas a atividade
destrutiva, antiga. Até meados do século XX, poucas pessoas estavam preocupadas
com a destruição e, ao contrário, a ética e a estética modernas se propunham a dela
afastar o ser humano. A cultura do progresso cômodo e belo é a cultura da
suprarrealidade, ou da realidade não natural. Desde o mais singelo ao sofisticado bem
de consumo, os ambientes urbanos e domiciliares, assim como as artes, são tanto
melhores quanto mais distantes estiverem da realidade natural. A beleza animal deve
ser enjaulada para facilitar a visitação segura da curiosidade humana. A aproximação
com a realidade natural é considerada pobre, incômoda e feia. (MARÉS, 2015, p. 89).

Conforme Marés (2015, p. 89) observou ao ponderar sobre a reflexão do pajé


Kopenawa, “os brancos prendem os animais para mantê-los vivos; assim podem matar todos os
outros que ficarem livres.”, não é apenas o reino animal que sofre essa retaliação predatória do
homem; a natureza vegetal e mineral tem o mesmo destino. Diante da famigerada revolução
verde no século XX, o homem não precisaria da natureza pois poderia criar vida em laboratório,
desde que possuísse algum exemplar bem guardado em algum zoológico, jardim botânico ou
museu natural.
No entendimento de Marés não foi apenas o espaço urbano que passou por este
processo de readaptação artificial, a fim de atender plenamente as necessidades econômicas
antropocêntricas. Antes os próprios ambientes natural e rural também foram transformados; se
todos os reinos animal, vegetal e mineral foram domesticados para se tornarem mercadorias,
este foi o mesmo destino da terra na lógica econômica capitalista. Marés enfatiza que “O ser
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humano criou o seu ambiente e dele expulsou a natureza”, ou seja, no Éden humano a natureza
seria meramente uma convidada.
Na visão de Marés (2015, p. 90), sendo a crise ambiental fruto dessa expulsão injusta
da natureza pelo homem, as catástrofes ambientais (por vezes verdadeiras tragédias anunciadas,
como os episódios recentes de Mariana e Brumadinho no Brasil) seriam uma retaliação de Gaia?
Outrossim, se do próprio veneno se extrai o antídoto, não estaria na reconciliação com a
natureza a cura para as pandemias e desastres naturais?

2 LAS CASAS, LOCKE E A SOCIEDADE MODERNA

Marés (2015, p. 90) vislumbra na obra de Las Casas (teólogo indigenista, séc. XVI)
sua ideológica e virtuosa releitura da bíblia cristã, ou seja, reencontrar na criação (natureza) o
utilitarismo divino da terra prometida ao homem, ao qual compete suprir suas necessidades,
mas também ser protegida por ele.
Não obstante ter testemunhado a colonização dos ameríndios pelos espanhóis (séc.
XVI), a preocupação de Las Casas ultrapassava a evangelização dos povos; também
problematizava as relações de igualdade entre as nações, almejando a preservação de ambas,
apesar das diferenças culturais surgidas do choque de civilizações distintas. Seu pensamento
contêm elementos embrionários da atual ideia de “Estado”.

[...] É o próprio Hobbes que separa o estado de natureza do estado civil. A sociedade
naturalmente organizada, encontrada então na América e nas Índias, é o reino da
violência e da desordem: cada um por si, sem ter quem olhe por todos, sem ter freios
sociais, sem leis. As leis da natureza são as leis do mais forte, portanto da violência e
da desordem. (HOBBES, 2010). Esta visão moderna das sociedades acabou por criar
diferenciações de raça, que permitiu, justificou, perdoou ou até mesmo incentivou a
absoluta exploração do trabalho serviu e escravo, reservando o trabalho livre apenas
para as sociedades civis. Se os povos não europeus e dominantes são considerados
subalternos, ainda abaixo deles está a natureza. Aliás, estes povos só são considerados
inferiores porque estão próximos à natureza, são naturais. (MARÉS, 2015, p. 89).

Marés (2015, p. 91) observa que enquanto teólogos medievais (Las Casas, por
exemplo) percebiam a natureza como reflexo da presença divina, isto é, a “grande ordem
universal”, os teólogos modernos enfatizavam a necessidade da criação de uma ordem natural
artificial. Esta seria essencialmente racional, consciente e contratual, portanto, submissa ao
homem; diferente da ordem natural violenta de Hobbes ou aquela imperfeita de Locke
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(inclusive passível de improvement, ou seja, melhoramentos a fim de a tornarem humanizada e


produtiva).
Marés (2015, p. 92) pontua que a visão utilitarista de Locke, segundo a qual a terra
sem intervenção humana é desprovida de valor (base da economia política moderna), assentaria
os alicerces capitalistas e os ideais liberais do individualismo e do patrimônio particular. A
conclusão seria a inevitável definição dos valores da sociedade humana pelo trabalho. Neste
diapasão, sendo o trabalho uma faculdade humana, não obstante a natureza (animal, vegetal,
mineral) também seja capaz de produzir força de trabalho, seria meramente ferramenta humana
que amplia o potencial laborativo do próprio homem.

Nesta ideia, o que tem valor? As coisas da natureza quando modificadas pelo trabalho
humano: o fruto colhido, o cereal plantado, a terra lavrada, a utilidade manufaturada.
O resto, o animal silvestre, a planta que nasce livre, a terra inculta, não. O valor das
coisas, no mundo capitalista, é o valor das coisas como mercadoria, como
possibilidade de troca, como objeto que possa ser convertido em valor permanente,
convertido em ouro, prata, âmbar ou dinheiro, dizia Locke. O resto é um desvalor, o
resto é só natureza. (MARÉS, 2015, p. 92).

Depreendem-se deste raciocínio as inevitáveis consequências da submissão


incondicional da natureza (ignorante, desordeira e violenta) às sociedades humanas (éticas,
sábias e racionais); não obstante, também ficam apartados dos homens tudo aquilo que não está
plenamente alinhado com o contrato social.

3 A DISCUSSÃO DAS MALDADES

Mediante a exegese da obra de Aristóteles, o teólogo e filósofo escolástico italiano do


séc. XIII, São Tomás de Aquino, buscava na concepção da causalidade a explicação
cosmológica para a criação. Percebendo as leis da natureza como reflexo da perfeição das leis
divinas, isto é, fé e razão não seriam opostas, mas complementares.
Em sentido oposto, Marés (2015, p. 93) recepciona uma discussão de um abade
libertino do séc. XVIII, o qual tentando explicar as origens morais do bem e do mal, atribui este
à natureza, dissociando a criação do criador: “[...] Como Deus não pode ser o autor do mal, este
somente pode existir por meio da natureza.”. Em uma reflexão futura, o abade reconsidera e
adota uma teoria semelhante à de Aquino, desta vez atribuindo o mal somente às relações
humanas.
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Diderot, que além de enciclopedista publicava obras libertinas, defendia que o


conhecimento existia a partir da observação da natureza, em seu opúsculo “Da
interpretação da natureza” relata a importância dessa observação para sua superação,
não sem causa, abre o opúsculo com uma citação de Lucrécio “quae sunt in luce
tuemur e tenebris” (vemos das trevas tudo o que está na luz). Lucrécio é o poeta e
filósofo da natureza. Estando os seres humanos nas trevas do conhecimento, poderiam
aprender observando as luzes da natureza. (MARÉS, 2015, p. 93).

Seguindo as tradições de Epicuro (filósofo do prazer) e de Lucrécio (poeta da


natureza), os libertinos adotam a liberdade como estandarte do iluminismo na era absolutista,
reaproximando o homem da natureza. Na contramão do pensamento de Diderot, a modernidade
anuncia uma ciência não apenas capaz de iluminar, como também substituir a própria natureza.
Enquanto os naturalistas buscavam a reintegração com a natureza, os racionalistas entendiam
que o homem deveria dominá-la com sua razão, ou seja, a natureza selvagem e não refinada
pelo homem seria desprovida de valor.
Marés (2015, p. 94) entende que a nova ética do capitalismo moderno é a própria
legislação; oriunda do racionalismo e do contratualismo social, essa sociedade utópica seria
forjada com seus códigos e leis (Constituição, Código Civil etc.), rejeitando veemente a
reconciliação do homem com sua natureza instintiva, ato inclusive passível de penalização
criminal.

4 A ECONOMIA POLÍTICA E A NATUREZA

Através da releitura da economia política clássica de Adam Smith e David Ricardo,


Marés apreende a função da natureza no liberalismo econômico, isto é, fornecedora de matérias-
primas (mercadorias para o capitalismo, sejam de origem animal, vegetal ou mineral). A
economia política liberal moderna é silente acerca do papel da natureza, exceto por Malthus.
Este alerta sobre a urgência da evolução tecnológica, a fim de extrair continuamente da natureza
o essencial para atendimento das necessidades humanas.

Ao longo da vasta obra de Marx se pode notar que as análises das relações entre os
seres humanos e a natureza sempre são marcadas por um contradição na qual o ser
humano transforma a natureza porque dela tira todas as suas necessidades e precisa,
portanto, obedecer as leis naturais, coisa que o capitalismo, justamente por dispensar
esta relação pelo imediatismo individualista e a perseguição da acumulação do capital,
não faz, criando o que Marx chamou de falha metabólica, estabelecendo, assim, um
limite à sua expansão. (MARÉS, 2015, p. 95).
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Conforme preleciona Marés (2015, p. 96), "Assim, a economia política liberal ou


capitalista precisa excluir a natureza para dela se servir.". Outrossim, devido a ausente
necessidade de aumento da produção para garantir sua própria sobrevivência, a natureza
permanece insubmissa à lógica econômica de mercado capitalista. Consequentemente, no
século XXI exige-se da natureza, desproporcionalmente, o metabolismo de regeneração vital.

5 O CERCAMENTO E O MELHORAMENTO DA NATUREZA E DA TERRA, DA


METRÓPOLE À COLÔNIA

Segundo Marés (2015, p. 96), denomina-se cercamento (enclosure) o processo (século


XVII) que expulsou a natureza da sociedade humana, sedimentando as bases do
desenvolvimento capitalista industrial inglês, mediante o estabelecimento da propriedade
privada. Destarte, a terra também adquire status de bem jurídico, através do cercamento (Direito
inglês) ou demarcação (Direito português).

O cercamento, fenômeno tipicamente inglês, logo se expandiu para o mundo e muito


cedo chegou às colônias da América Latina, ainda que mediada pela Espanha,
Portugal e França. A tal ponto e tão profundamente que as colônias foram aos poucos
processando a expulsão do ser humanos e suas culturas, das plantas e dos animais
latino-americanos. As sociedades existentes passaram a ser marginais e seus membros
chamados a ingressar no “mundo dos homens”, na sociedade civil, desde que
perdessem suas caraterísticas naturais e se tornassem trabalhadores (livres ou
escravos). No longo processo de cercamento das colônias, as plantas nativas deram
lugar às exóticas e os animais passaram a sobreviver nos zoológicos. (MARÉS, 2015,
p. 96-97).

Outras evidências deste processo de expulsão da natureza pelo homem, claramente


presente na América Latina, é a própria rejeição e/ou apropriação cultural de tecnologia
alimentar, têxtil e de engenharia nativa por outras estrangeiras (por exemplo, técnicas de
domesticação de animais e/ou agricultura importadas da Inglaterra).

6 SUJEITO E OBJETO OU O SER E A COISA

Conforme Marés (2015, p. 97), a dicotomia fruto da racionalidade pós-iluminista do


século XIX remonta a teoria de Las Casas; ou seja, a separação do homem e da natureza, a qual
não encontra outro fim senão pelo refinamento concedido pelos homens, capaz de lhe conferir
sentido e propósito.
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Neste diapasão, acrescenta Marés que “Quem tem direito, isto é, o sujeito de direitos
tem o poder de exigir dos outros sujeitos comportamentos e restrições fundadas numa relação
contratual.”; isto é, sendo a relação entre homem e natureza baseada no domínio desta por
aquele, inexistem elementos essenciais dos contratos entre os homens, tais como equidade,
igualdade e dignidade.

[...] As coisas são a natureza, que ganham relevância quando se tornam objeto do
desejo, da necessidade ou do interesse humano e, então, são chamados de objeto do
direito de propriedade. O resto, os que não fazem parte da submissão humana, os
animais e plantas expulsos, somente serão alimentados e aquecidos se estiverem
protegidos em jardins zoológicos ou botânicos, senão que sobrevivam segundo
condições atávicas e instintivas da própria natureza, se o ser humano permitir. São
inúteis, nocivos, improdutivos. (MARÉS, 2015, p. 98).

Marés (2015, p. 98) observa também que diante do Código Civil, um dos marcos
ideológico-econômicos do capitalismo na modernidade, não apenas reduziu a terra a
propriedade privada e seus bens a mercadorias e/ou matérias-primas, como também instituiu o
direito integral do proprietário sobre a terra, inclusive facultando-lhe lavrá-la, arrenda-la ou
ainda a deixar inerte (o direito de propriedade não é anulado pela falta de uso).
Igualmente, Marés (2015, p. 99) percebe que o conceito de função social da
propriedade, adotado pela legislação do século XX, a fim de minimizar essa improdutividade
da terra gerada pela inércia, encontra oposição no ambientalismo, o qual exigiu a existência de
áreas naturais, verdadeiros santuários, para proteção e preservação da natureza.

7 O SER HUMANO SEM NATUREZA: A REVOLUÇÃO VERDE E A CIDADE

Marés pondera que, na tentativa de afastar definitivamente o homem da natureza, o


capitalismo investiu na ciência moderna (revolução verde de Bourlaug), sintetizando
artificialmente em laboratório praticamente tudo o que poderia ser encontrado no ambiente
natural (medicamentos, fertilizantes, cosméticos, agrotóxicos, plantas, animais, elementos
químicos etc.), porém melhorados geneticamente e adaptados às necessidades humanas.

[...] A “hipótese Borlaug” era de que com os adubos químicos e os defensivos


agrícolas haveria de aumentar a produtividade da terra de tal forma que não seria mais
necessário continuar derrubando florestas para aumentar a área de plantio,
possibilitando com isso reduzir a agressão à natureza. É a lógica da separação do
mundo humano do mundo natural levado às suas mais profundas consequências,
admitindo que é necessário manter um mundo da natureza à parte. A tese poderia ter
premissas corretas se a lógica com que seria usada não fosse capitalista. O aumento
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da produtividade no capitalismo não significa a redução da produção, mas o aumento


no consumo e, portanto a expansão das áreas agrícolas não só não diminuiu, mas foi
facilitada com “revolução verde”, utilizado chamados corretivos para pouco
produtivas e incrementando o uso desse novo produto industrial, os químicos
agrícolas. (MARÉS, 2015, p. 100).

Marés acrescenta que, sob a égide da ditadura militar brasileira, os produtores foram
submetidos pelas políticas públicas de financiamento aos novos “defensivos agrícolas”, isto é,
agrotóxicos. Novamente a agricultura e a sociedade humana se protegendo da perversidade da
natureza.
Para Marés "Apesar da clareza da guerra travada contra a natureza no campo, onde o
ser humano se sente mais dono do território é na cidade.". Outrossim, o ambiente urbano não é
apenas desnaturalizado, como também antinatural. Percebe-se na selva de concreto não apenas
a natureza domesticada, mas também canalizada e impermeabilizada, a fim de ceder lugar às
paisagens urbanas e construções humanas racionais.
Marés reflete que "Nada, porém é mais cruel na guerra do ser humano contra a
natureza, seja no campo ou na cidade do que a extraordinária capacidade do capitalismo de
produzir lixo.". Destarte, seguindo a lógica marxista de produção capitalista, onde o capital
busca produzir cada vez mais mercadorias, a fim de transformá-las novamente em capital.
Futuramente deverá ser substituída por uma nova mercadoria, tornando-se obsoleta e
alcançando não apenas o ideal almejado de acumulação de capital, como também a
“inesperada” acumulação de lixos e resíduos, por sua vez despejados na natureza.

8 POR MUDANÇAS NECESSÁRIAS: DE COMO TRAZER A NATUREZA DE VOLTA À


SOCIEDADE

Marés (2015, p. 101) alerta que, diante da aparente bifurcação entre a sobrevivência
da vida e da economia (natureza x capitalismo), torna-se imprescindível uma reforma interna
do capitalismo, a fim de propiciar a reconciliação com a natureza; ou o restart da sociedade e
a consequente ruptura integral da humanidade com o modo de produção capitalista.

Em cada país, a inclusão de externalidades (natureza) esbarra nos limites do capital e


da própria lei. O principal limite é a propriedade privada da natureza, ou da terra. As
normas de intervenção do Estado para harmonizar a natureza devem ser normas de
proteção que limitem a ação dos seres humanos, como proteção florestal, proteção das
águas, da atmosfera, etc. Estas proteções não podem, na lógica jurídica do capital,
esvaziar o conteúdo econômico da propriedade, como elegantemente dizem os
juristas. Isto quer dizer, a propriedade da terra tem que continuar a produzir renda e
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mais valia. Este limite gera um óbvio conflito entre a natureza e a propriedade. A
conciliação do capitalismo com a natureza, sem que haja limite no aumento infinito
da produção de bens é quase impossível, porque viola a principal lei capitalista que é
o crescimento permanente e constante. (MARÉS, 2015, p. 101-102).

Nesta esteira, Marés entende que "Ou o Estado cria instrumentos repressivos para fazer
valer as leis protetoras, ou cria impostos e políticas públicas para ordenar a internalização dessas
externalidades, ou ambos.”. Outro caminho interno do capitalismo para alcançar a reconciliação
com a natureza seria a regulação do comércio através do consumo consciente, isto é, a
sustentabilidade ambiental (diferente do liberalismo clássico, busca inspiração no controle do
mercado pela mão invisível e forte do Estado).
Em sentido oposto, a ruptura radical com o capitalismo apenas seria possível diante de
uma revolução desencadeada por catástrofes ambientais de magnitude global (tsunami,
terremoto, aquecimento global etc.), capazes de abalar profundamente as bases de produção
capitalista. A alternativa não capitalista e socioambiental proposta por Marés (2015, p. 103)
consiste na ecologia milenar dos povos tradicionais, capaz não apenas de reconciliar homem e
natureza, como também preconizar o que parte da doutrina denomina “Estado de Direito
Ambiental”.
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REFERÊNCIAS

MARÉS, Carlos. De como a natureza foi expulsa da modernidade. In: Revista Crítica do
Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015. p. 88-106.

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