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ERH 2021-2022

8. RELAÇÃO SALARIAL E RIGIDEZ


DOS SALÁRIOS
8.1 Relação salarial: conceito e características
8.2 O salário como um incentivo ao trabalho
8.3 Segmentação dos mercados de trabalho
8.4 Fatores de rigidez do salário real

Leonida Correia
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Relação salarial: conceito e características

 Conceito: A relação salarial é o conjunto de condições que regem o


uso e a reprodução da força de trabalho
 Na presença de uma relação salarial, os salários deixam de funcionar
como uma variável de ajustamento em resposta às flutuações da
atividade económica
 Características da relação salarial
o Duradoura
o Protege contra a incerteza
o Formalizada através de um contrato de trabalho

 A existência de uma relação salarial pode conduzir a rigidez salarial


 A rigidez salarial pode justificar desemprego involuntário persistente
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Fatores de rigidez salarial*

 Legislação laboral: regula as relações laborais em vários aspetos


o Salários mínimos
o Direito a subsídio de férias/natal
o Duração máxima do horário semanal de trabalho
o Direito a representação sindical
o Proteção do emprego (indemnizações por despedimento,…)
o (…)

 Salários de eficiência
 Sindicatos e abordagem Insider/Outsider

* Bibliografia recomendada:
Correia, Leonida (1997). “O mercado de trabalho e o desemprego: factores de rigidez salaria real”, Série Didáctica das Ciências
Sociais e Humanas, nº 15, UTAD.
Borjas, George ( 2013). Labor Economics. McGraw-Hill International Editions Series, 6th edition. (Capítulos 10 e 11)
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Contratos de trabalho
 A natureza de longo prazo dos contratos laborais leva a
oportunidades de negociação de ambas as partes
 Um contrato especifica o salário e as horas de trabalho para um
determinado conjunto de condições macroeconómicas agregadas
 Numa economia de mercado, a existência de contratos é essencial
para promover proteção ao emprego
 Tais contratos existem mesmo que os trabalhadores não tenham
representação sindical; são contratos implícitos*

Contributo de Azariadis, Costas (1975). "Implicit Contracts and Underemployment Equilibria," Journal of Political Economy,
University of Chicago Press, 83(6): 1183-1202.
Revisão da literatura em: Rosen, Sherwin (1985). "Implicit Contracts: A Survey," Journal of Economic Literature, 23(3): 1144-75.
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Proteção ao emprego*
 Perspetiva histórica
o Até aos anos 1970: maioria dos países tinha elevado grau de proteção ao emprego
o Anos 1970 e 1980: As crises petrolíferas o fenómeno de estagflação geraram níveis
elevados de desemprego. Tal motivou discussão sobre o papel das instituições do
mercado de trabalho e, nomeadamente, da legislação de proteção ao emprego.
Surgem os contratos a prazo como forma de aumentar a flexibilidade laboral,
permitindo uma maior facilidade de ajustamento às flutuações cíclicas da atividade ec.

 Caso de Portugal
o Os contratos a prazo têm vindo a crescer significativamente em Portugal
o Em 1976: institui-se uma das mais flexíveis legislações de contratos a prazo de toda a
Europa (não havendo direito a indemnização em caso de despedimento). O objetivo
era promover a criação de emprego
o Várias revisões da legislação laboral ao longo do tempo. As mais importantes e
recentes: 1989, 1996, 1999, 2001, 2004, 2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016
o Atualmente, o mercado de trabalho português é segmentado, isto é, coexiste um
setor primário em que os contratos são de natureza permanente e protegidos e um
setor secundário com trabalho precário e contratos a prazo

Centeno, Mário (2013). “O Trabalho: uma visão de mercado," FFMS.


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O salário como um incentivo ao trabalho


 No mercado de trabalho existe um conjunto de mecanismos de
compensação que podem afetar a produtividade do trabalho e, logo, os
lucros da empresa
 O tipo de contrato é importante porque, frequentemente, as empresas não
conhecem a verdadeira produtividade dos trabalhadores e estes podem
querer um salário elevado com menor esforço possível (isto é, há um
problema de assimetria de informação)
 Dois tipos de contrato:
o Piece-rate: o salário é pago em termos da quantidade produzida. Logo, o
trabalhador tem interesse em trabalhar “duro” para produzir mais e poder
ganhar mais
o Time-rate: o salário é pago em função do tempo. Neste caso, se houver
problemas de monitorização, podem ocorrer comportamentos de “shirking”.
Para os evitar, terão de haver esquemas de compensação do esforço (ex:
pagamento de salários de eficiência)
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Contrato salarial: piece-rate versus time-rate


 Piece-rate:
o Usado quando é fácil e barato monitorizar os trabalhadores
o Minimiza o papel de discriminação e nepotismo
o Atrai trabalhadores mais capazes e incentiva a elevados níveis de esforço
o Principais desvantagens: maior ênfase na quantidade do que na qualidade;
possibilidade de insatisfação quando há alterações no rendimento ao longo
do tempo; frequentemente, o esforço de um trabalhador está dependente
dos outros (ex. indústria automóvel)

 Time-rate:
o Usado quando há dificuldades de monitorizar os trabalhadores (ex: trabalho
intelectual ou em equipa)
o A probabilidade de existência de comportamentos free-rider (“andar à boleia”)
mais frequentes para o sistema piece-rate (sobretudo no caso de trabalho
em equipa) pode conduzir à opção pelo sistema time-rate
o A verificação do ratchet effect (“efeito cremalheira”) nos contratos piece-rate
pode desencorajar os trabalhadores a adotar técnicas de produção mais
eficientes e a preferirem contratos do tipo time-rate
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Segmentação dos mercados de trabalho

 Na realidade, existem vários fatores institucionais (usos, costumes,


regras, procedimentos administrativos, negociações coletivas,
salários de eficiência, …) que impedem a mobilidade perfeita dos
trabalhadores e levam à existência dos chamados mercados de
trabalho segmentados
 Abordagens de mercados de trabalho segmentados
o Teoria do mercado interno de trabalho
o Teoria do dualismo do mercado de trabalho
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Teoria do mercado interno de trabalho


 A noção de mercado interno foi desenvolvida no início dos anos
1970 por Piore e Doeringer*
 Mercado de trabalho dividido em “mercado interno” e “mercado
externo”
 Aspetos centrais:
1. Os trabalhadores têm um conjunto de direitos face ao seu
emprego (condições em que os contratos são negociados)
2. Os empregadores têm interesse em estabilizar a sua mão-de-
obra
 No mercado interno, os trabalhadores estão protegidos das
pressões competitivas do mercado externo

Doeringer, Peter and Michael Piore (1971). “Internal Labor Markets and Manpower Analysis”. Lexington, MA: DC Heath.
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Mercado interno de trabalho


o Conceito: o mercado interno de trabalho é uma “unidade administrativa”, no interior da
qual o preço (remuneração) e a afetação de trabalho são determinados por um conjunto
de regras e procedimentos administrativos, os quais são específicos dessa unidade
mais do que de variáveis económicas. Existem, nomeadamente, cadeias de mobilidade
interna e de progressão profissional

o Razões para a sua existência: têm a ver com a existência dos “custos de rotação da
mão-de-obra” (custos de contratação, formação e despedimento). O mercado interno
permite reduzir os custos de rotação da MO e estabilizar o emprego

o Fenómenos a originar esta teoria: a existência de qualificações específicas dos


trabalhadores e a necessidade de assegurar a coesão social da empresa

o Consequências gerais: para as empresas acarreta vantagens, como sejam menores


custos de formação, menores custos de recrutamento e maior estabilização da MO
(coesão social); para os trabalhadores traduz-se em maior segurança no emprego,
possibilidade de ascensão profissional e proteção da concorrência dos trabalhadores do
mercado externo
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Mercado interno de trabalho e eficiência


económica
 Ponto de vista dos neoclássicos: o mercado interno contribui para a
ineficiência porque os mecanismos de determinação dos salários são
rígidos e não correspondem à produtividade marginal
 Ponto de vista dos defensores da teoria do mercado interno: o
mercado interno é extremamente eficiente porque:
o Permite diminuir custos na empresa em temos de seleção, contratação e
formação de MO

o A segurança no emprego promove a cooperação entre os trabalhadores (a


estabilidade e segurança levam à eficiência)

o A estrutura salarial promove ao aumento da produtividade dos trabalhadores (e,


logo, maior eficiência)
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Teoria do dualismo no mercado de trabalho

 A teoria do mercado de trabalho dual deve-se a Piore e é uma


extensão da teoria do mercado interno
 Existem dois segmentos no mercado de trabalho:
o Mercado primário: acumula vários tipos de vantagens para os seus participantes
(estabilidade, bom rendimento, boas condições de trabalho, possibilidades de
carreira, oportunidades de formação, equidade,…)

o Mercado secundário: acumula um conjunto de desvantagens para os seus


participantes (precariedade, maus salários, péssimas condições de trabalho,
inexistência de oportunidades de carreira e formação, instabilidade de trabalho,
desigual…)

 Existe uma barreira entre os dois mercados que impossibilita a


mobilidade dos trabalhadores de um para o outro mercado
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Características dos dois mercados

Mercado Primário Mercado Secundário


• Trabalho a tempo parcial; contratos a
• Duração de trabalho a tempo inteiro
prazo; trabalho ocasional
• Salários baixos; mínimos (ou até inferiores
• Salários elevados ao mínimo, no caso de ilegalidade)

• Vantagens sociais importantes • Poucas ou nenhumas vantagens sociais

• Segurança no emprego assegurada • Pouca ou nenhuma segurança no emprego

• Estabilidade no emprego forte • Fraca estabilidade no emprego

• Sindicalização frequente • Sindicalização fraca

• Fortes possibilidades de • Baixas possibilidades de


promoção/formação promoção/formação
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Salários de eficiência

 O pagamento de salários de eficiência é um dos fatores que


explicam a rigidez do salário real, e logo, a ocorrência de
desemprego involuntário com caracter de persistência
 O salário de eficiência é um salário mais elevado do que a PMg e
que visa incentivar o esforço e, logo, aumentar a produtividade dos
trabalhadores
 As empresas que pagam salários mais elevados do que o nível
concorrencial captam trabalhadores melhores e mais empenhados
 Para os trabalhadores, o salário mais elevado é uma motivação para
se esforçarem mais e reduzirem a ociosidade; por outro lado, é uma
forma de os prender à empresa, pois têm um maior custo de
oportunidade no caso de despedimento
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Variantes dos modelos “salário de eficiência”


 Shirking model: Pagamento de salários de eficiência para evitar fugas ao
trabalho

 Labor turnover model: Pagamento de salários de eficiência em atividades


em que os custos de rotação da mão-de-obra são elevados

 Adverse selection model: Pagamento de salários de eficiência como uma


forma de seleção racional de trabalhadores mais qualificados (evitar
contratação de um “lemon”)

 Sociological models: Pagamento de salários de eficiência porque os


trabalhadores fazem depender a sua moral e lealdade para com a empresa
da justiça aferida pelos salários recebidos

 Union Threat Model: pagamento de salários de eficiência para manter a


“paz social” e desincentivar a formação de sindicatos
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Determinação do “salário de eficiência”

 Função esforço: F= F(w)


F: unidades de esforço que o trabalhador fornece à empresa
w: taxa salarial paga pela empresa
F(w) é uma função positiva

 Q = f [F(w)*L]
L: nº trabalhadores empregues pela empresa
F(w)* L: quantidade de trabalho eficiente (trabalho da empresa medido em
unidades de esforço)

 PMgw = dq/dw = ∆q/∆w


Produto marginal de uma variação salarial

 PMdw = q/w

Produto médio salarial


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Determinação do “salário de eficiência”

 Na presença de salários de eficiência, uma empresa maximizadora


de lucro tem de decidir quantos trabalhadores contratar e também o
salário a pagar
 Como determinar o w adequado?*
o Ao escolher o salário eficiente, a empresa maximizadora de lucro ignora as
condições de mercado existentes fora da empresa
o A empresa vai escolher o salário que incentive o esforço do trabalhador

 Salário de eficiência:
PMgw = PMdw
Ou
ε = ∆%q/∆%w = 1
o O salário eficiente é aquele para o qual o aumento de 1 p.p. no salário
proporciona o crescimento do produto em exatamente 1 p.p., ou seja, a
elasticidade do produto em relação ao salário é igual à unidade

* Ver determinação gráfica do salário de eficiência em Borjas (2013: 486), na Figura 11.5.
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Críticas à teoria dos salários de eficiência

 Considerar que os trabalhadores têm um papel passivo na


determinação do salário: ou seja, para a empresa não interessa que
estivessem dispostos a desenvolver o mesmo esforço por um salário mais
baixo porque a empresa, mesmo assim, não os contrataria

 The bonding critique*: há autores que defendem a existência de outras


formas alternativas ao pagamento de salários de eficiência para vincular os
trabalhadores à empresa e incentivá-los a um maior esforço (ex: bónus de
produtividade, participação nos lucros, …)

*Nota: o debate sobre a relevância dos modelos “salários de eficiência” e a validação da “crítica bonding” continua ativo.
Como resultado, ainda não se sabe se tal crítica reduz a potencial importância dos salários de eficiência no mundo real
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A oposição “Insider-Ousider” e sindicatos


 A teoria I/O é uma outra explicação para a rigidez do salário real e,
logo, para a existência de desemprego involuntário persistente
 Como na teoria dos salários de eficiência, mantém-se o problema da
coexistência de desemprego e salários elevados
 Os modelos I/O examinam as implicações do poder negocial dos
sindicatos, ou mais geralmente, dos trabalhadores empregados em
relação os salários reais e emprego que se distanciam dos níveis
competitivos
 Insiders: aqueles que estão “dentro” do mercado de trabalho, isto é, que têm
um emprego estável e poder negocial

 Outsiders: aqueles que estão “fora” do mercado de trabalho, isto é, os


desempregados involuntários e ainda os que, embora empregados,
desempenham atividades ocasionais no setor informal, de recurso e mal
pagos
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Racionalidade da abordagem I/O


 A teoria I/O dá muita importância aos custos de rotação da mão-de-obra,
isto é, aos custos que as empresa têm ao admitir novos trabalhadores
(outsiders) e ao despedirem trabalhadores que estão ao seu serviço
(insiders)
 Estes labor turnover costs são usados pelos insiders em seu proveito
para levantar barreiras à entrada dos outsiders que, estando
desempregados (ou, paralelamente, sem representação sindical) estariam
dispostos a trabalhar a níveis salariais inferiores
 A abordagem I/O sobrepõe-se, assim, aos modelos “salários de eficiência”
já que também dá enfase às barreiras no mercado de trabalho impostas.
Há, contudo, uma diferença importante:
o A teoria I/O foca o poder de mercado dos trabalhadores instalados como
obstáculo à contratação de trabalhadores desempregados
o A teoria dos salários de eficiência foca, sobretudo, o problema de escolha por
parte das empresas que se vêm confrontadas com restrições na informação
sobre a produtividade dos trabalhadores e na monitorização do seu esforço

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