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Texto publicado originalmente em 2020 no site Mundo Cogumelo.

Intervenção abrangente de crises em emergências psicodélicas


Autor: Stanislav Grof
Tradução: Fernando Beserra
Tendo discutido os fatores que contribuem para o desenvolvimento de
emergências em sessões não supervisionadas de LSD e descrito as práticas danosas que
caracterizam muitas intervenções legais e profissionais, eu gostaria de delinear o que
considero a abordagem ideal a crises psicodélicas, baseado no entendimento de suas
dinâmicas. O que constitui uma emergência em uma sessão de LSD é altamente relativo
e depende de uma variedade de fatores. Isso reflete em uma interação entre os próprios
sentimentos do sujeito sobre a experiência, as opiniões e tolerância das pessoas presentes
e o julgamento dos profissionais chamados para oferecer ajuda. Este último fator é de
importância decisiva; ele depende do grau de entendimento do terapeuta quanto ao
processo envolvido, sua experiência clínica com estados incomuns de consciência e sua
liberdade de ansiedade. Na intervenção em uma crise psicodélica, como na prática
psiquiátrica em geral, medidas drásticas frequentemente refletem o sentimento de medo
e insegurança do cuidador, mas também a relação com o seu próprio inconsciente. A
experiência da terapia com LSD e as novas psicoterapias experienciais claramente
indicam que a exposição aos materiais emocionais profundos de outra pessoa tendem a
quebrar as defesas psicológicas e ativar as áreas correspondentes no inconsciente da
pessoa que cuida e testemunha o processo, ao menos que eles tenham se confrontado e
trabalhado através destes níveis neles mesmos. Desde que as psicoterapias tradicionais
são limitadas ao trabalho em material biográfico, mesmo um profissional com
treinamento completo em análise é inadequadamente preparado para lidar com as
experiências poderosas de natureza perinatal e transpessoal. A tendência prevalente a
colocar todas estas experiências na categoria de esquizofrenia e suprimi-las a todo custo
reflete não apenas a falta de entendimento, mas também uma autodefesa conveniente
contra o material do seu próprio inconsciente.
Na medida em que aumentou a sofisticação e experiência clínica de terapeutas que
trabalham com LSD, se tornou mais evidente que episódios negativos nas sessões
psicodélicas não deveriam ser vistos como acidentes imprevisíveis, mas aspectos
intrínsecos e legítimos do trabalho terapêutico com o material traumático inconsciente.
Deste ponto de vista o termo coloquial “bummer” ou “bad trip” (viagem ruim) não faz
Texto publicado originalmente em 2020 no site Mundo Cogumelo.

sentido. Para um terapeuta que trabalha com LSD uma sessão psicodélica mal sucedida
não é uma na qual o sujeito experimenta a ansiedade do pânico, tendências
autodestrutivas, culpa abismal, perda de controle ou sensações de dificuldade física. Se
propriamente manejadas, uma sessão dolorosa ou difícil com LSD pode trazer uma
importante revelação terapêutica. Ela pode facilitar a resolução de problemas que
atormentaram o sujeito de formas sutis por muitos anos e contaminaram sua vida
cotidiana. Uma sessão mal sucedida, entretanto, é uma na qual, quando os sentimentos de
dificuldade começam a emergir, o sujeito não se rende completamente ao processo e a
Gestalt permanece não solucionada. Deste ponto de vista, todas as experiências
psicodélicas nas quais o processo é frustrado pela administração de tranquilizantes e
distrações externas como a transferência para um hospital psiquiátrico não são falhas por
consequência da natureza do processo psicológico envolvido, mas porque o manejo da
crise interferiu com uma resolução positiva.
Embora o LSD possa induzir experiências psicodélicas difíceis mesmo sob as
melhores circunstâncias, seria um erro atribuir todas as “bad trips” a própria substância.
O estado psicodélico é determinado por uma variedade de fatores não relacionados a
substância; a incidência de sérias complicações depende criticamente da personalidade
do sujeito e de elementos do set e do setting. Isso pode ser ilustrado comparando a
incidência de complicações durante as experimentações iniciais supervisionadas com
LSD e a cena psicodélica dos anos 60. Em 1960, Sidney Cohen publicou um artigo
intitulado: LSD: efeitos colaterais e complicações. J. Nerv. Ment. Dis. 130::30, 1960. Ele
estava baseado nos relatos de 44 profissionais que tinham administrado LSD e mescalina
a aproximadamente 5 mil pessoas cerca de 25 mil vezes; o número de sessões por pessoa
alternava entre uma e oitenta. No grupo de voluntários normais, a incidência de tentativas
de suicídio após a sessão foi menor que um a cada mil casos e reações prolongadas durante
mais que 48 horas foi de 0,8 por milhar. Este número foi um pouco mais alto quando
pacientes psiquiátricos foram utilizados como sujeitos; em cada mil pacientes havia 1,2
tentativas de suicídio, 0,4 suicídios completos e 1,8 reações prolongadas durante mais que
48 horas. Em comparação com outros métodos de terapia psiquiátrica, portanto, o LSD
apareceu como invulgarmente seguro, particularmente quando contrastado com outros
procedimentos utilizados rotineiramente no tratamento psiquiátrico neste momento, como
eletrochoques, comas insulínicos e psicocirurgia. Estas estatísticas contrastam
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bruscamente com a incidência de reações adversas e complicações associadas com


experimentação não supervisionada. Durante a minha visita a clinica de Haight-Ashbury
em São Francisco no final dos anos 60, eu fui informado pelo seu diretor David Smith
que eles estavam tratando uma média de quinze bad trips por dia. Embora isso não
necessariamente signifique que todos os clientes tiveram um efeito adverso duradouro de
suas experiências psicodélicas, isso ilustra o tema em questão.
A experiência e sofisticação de psiquiatras e psicólogos em relação aos
psicodélicos certamente não foi grande durante os anos iniciais e os settings estavam
longe do ideal. Entretanto, as sessões reportadas no artigo do Dr. Cohen eram conduzidas
em ambientes protegidos, em razoável supervisão e por indivíduos responsáveis. Em
adição, estes que tinham experiências difíceis estavam em um lugar que era equipado para
prover ajuda em caso de necessidade e eles não tinham que ser submetidos a ordem
absurda de transferência a uma instalação psiquiátrica.
A crise psicodélica é causada por uma complicada interação de fatores internos e
externos. O terapeuta tem que distinguir qual dos dois sets de influência é mais importante
e proceder de acordo. O primeiro e mais importante passo no tratamento de uma crise
psicodélica é criar um ambiente simples, seguro e de suporte físico e interpessoal para o
sujeito. Em caso nos quais os fatores externos parecem produzir o papel principal, é
importante remover o individuo de situações traumáticas ou mudar isso por uma
intervenção ativa. Se a crise ocorrer em um local público, ele ou ela deve ser levado a um
lugar quieto e isolado. Se o incidente ocorrer durante uma festa em uma residência
privada, é importante simplificar a situação movendo o usuário a uma sala separada ou
pedir aos convidados para ir embora. Poucos amigos próximos que parecerem sensíveis
e maduros podem ser convidados a dar assistência no processo. Eles podem providenciar
um suporte de grupo ou ajudar o sujeito a ativamente trabalhar através de problemas
subjacentes durante o período de finalização da sessão. As técnicas de grupo envolvidas
em sessões psicodélicas foram discutidas mais cedo neste livro.
Depois de criar um espaço seguro o próxima tarefa importante é estabelecer um
bom contato com o sujeito. O relacionamento de confiança é provavelmente o pré-
requisito mais significativo para o resultado positivo de uma sessão psicodélica em geral
e para um manejo bem sucedido da crise em particular. Uma pessoa solicitada a intervir
em uma crise desencadeada por LSD está em grande desvantagem se comparada a um
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terapeuta que trabalha com LSD, lidando com uma situação similar, no curso de um
tratamento psicodélico, porque a sessão terapêutica é precedida de períodos de preparação
sem o uso de substâncias no qual há tempo suficiente para estabelecer um bom contato e
um relacionamento de confiança. Se uma situação difícil surge no curso de uma série com
LSD, o cliente pode desenhar em sua memória

Referências:

GROF, S. LSD psychotherapy. California: Hunter House, 1980.

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